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<p>Debates historiográficos sobre a</p><p>transição da idade média para a</p><p>idade moderna</p><p>Infográfico</p><p>A história da historiografia permite compreender as mudanças ocorridas não somente na</p><p>concepção do que é História e no ato de escrevê-la, mas também possibilita que se tenha uma</p><p>aproximação ao contexto cultural de determinada época. Assim, é possível desnaturalizar certos</p><p>conceitos, interpretações e periodizações que se tornaram cânones na disciplina histórica, como o</p><p>conceito de Renascimento.</p><p>No Infográfico, veja como se forjou a ideia de Renascimento como conceito, e como o trabalho com</p><p>a história da historiografia permite questionar essa conceituação.</p><p>Aponte a câmera para o</p><p>código e acesse o link do</p><p>conteúdo ou clique no</p><p>código para acessar.</p><p>https://statics-marketplace.plataforma.grupoa.education/sagah/007a72e1-f26c-4376-b209-642e78ac2118/b77fd9a1-186c-45b1-b44c-1585496b2aef.png</p><p>Conteúdo do livro</p><p>A passagem da Idade Média para a Idade Moderna pode ser estudada de diferentes maneiras,</p><p>enfatizando-se aspectos culturais, econômicos, políticos e sociais, ou realizando um recorte</p><p>temático que possibilite um entrecruzamento entre todas essas esferas. Dois debates marcaram a</p><p>história da historiografia, pois os reflexos das continuidades e rupturas estão presentes até os dias</p><p>de hoje: a origem do capitalismo e as transformações culturais vinculadas à modernidade.</p><p>No capítulo Debates historiográficos sobre a transição da Idade Média para a Idade Moderna, da</p><p>obra História Moderna, você aprenderá mais sobre os debates cronológicos e temáticos em torno da</p><p>transição da Idade Média para a Idade Moderna. Também conhecerá os principais autores e suas</p><p>teses em relação às transformações econômicas, com o surgimento do capitalismo, e às</p><p>transformações culturais, com o Renascimento e a Reforma Religiosa.</p><p>Boa leitura.</p><p>HISTÓRIA</p><p>MODERNA</p><p>Caroline Silveira Bauer</p><p>Debates historiográficos</p><p>sobre a transição</p><p>da Idade Média</p><p>para a Idade Moderna</p><p>Objetivos de aprendizagem</p><p>Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:</p><p> Identificar as diferentes abordagens teóricas de estudo da Idade</p><p>Moderna.</p><p> Explicar o surgimento da Idade Moderna do ponto de vista econômico</p><p>e seus principais pensadores.</p><p> Descrever o surgimento da Idade Moderna do ponto de vista cultural</p><p>e seus principais pensadores.</p><p>Introdução</p><p>A Idade Moderna foi um período de transformações generalizadas nas</p><p>sociedades europeias ocidentais, levando a modificações nos âmbi-</p><p>tos cultural, econômico, político e social. Muitas vezes, essas mudanças</p><p>apresentaram traços de continuidade do período feudal, seja porque se</p><p>iniciaram ainda durante o medievo ou porque as temporalidades das</p><p>transformações eram distintas — sabemos que o tempo da política, por</p><p>exemplo, é diferente do tempo das mentalidades.</p><p>Neste capítulo, você vai estudar as diferentes interpretações elabora-</p><p>das pelos historiadores para essas transformações ocorridas na sociedade</p><p>europeia entre os séculos XIV, XV e XVI. Assim, vai conhecer o debate do</p><p>ponto de vista econômico, ou seja, da passagem do feudalismo para o</p><p>capitalismo, e do ponto de vista cultural, com as transformações ocorridas</p><p>na cultura, nas mentalidades e na religião.</p><p>A historiografia sobre a Idade Moderna</p><p>Sabemos que a história da historiografi a está inserida dentro das características</p><p>culturais, econômicas, políticas e sociais de uma época, evidenciando compo-</p><p>nentes desse “pertencimento” na escolha de seus objetos, de suas abordagens,</p><p>etc. Ainda, é preciso lembrar que a historiografi a é apenas uma das possibili-</p><p>dades de abordagem da Idade Moderna: o período pode ser estudado dentro</p><p>da história da arte, da história da ciência, da história da fi losofi a, entre outras.</p><p>Comecemos pela ideia de “modernidade”: você sabe o que significa o</p><p>“moderno” da Idade Moderna? Segundo Falcon (1977, p. 10-11), “[...] a noção</p><p>de ‘moderno’ não basta por si só para dizer algo de concreto ou definitivo sobre</p><p>o período que queremos analisar. [...] Só aos poucos, nas sociedades ocidentais,</p><p>foi havendo uma tomada de consciência quanto à modernidade nascente, em</p><p>cujo seio já se vislumbra, indecisa, a teoria do progresso”.</p><p>Assim, modernidade vincula-se a um sentimento de ruptura com o passado.</p><p>“Um dos primeiros pensadores a utilizar a ideia de modernidade foi Charles</p><p>Baudelaire, escritor francês da segunda metade do século XIX, autor de As</p><p>flores do mal, que pensava a modernidade como as mudanças que iam se</p><p>operando em seu presente, utilizando a palavra sobretudo para a observação</p><p>dos costumes, da arte e da moda” (SILVA; SILVA, 2009, p. 297). Na passagem</p><p>da Idade Média para a Idade Moderna, “ser moderno” era se opor ao mundo</p><p>medieval, e, assim, “[...] podemos definir a modernidade como um conjunto</p><p>amplo de modificações nas estruturas sociais do Ocidente, a partir de um</p><p>processo longo de racionalização da vida” (SILVA; SILVA, 2009, p. 297).</p><p>Além das obras que serão analisadas nos debates historiográficos sobre a eco-</p><p>nomia e a cultura, vamos apontar outros exemplos. Dentro do âmbito da cultura,</p><p>podemos citar as obras do historiador francês Marc Bloch, Os reis taumaturgos,</p><p>em que estudou as origens e a natureza do poder régio e do estado monárquico</p><p>vinculadas à crença mística e religiosa da cura proporcionada pelos reis por meio</p><p>do toque, prática disseminada na realeza inglesa e francesa entre os séculos XIII e</p><p>XIX; e a obra do sociólogo alemão Norbert Elias, A sociedade de corte, que analisa</p><p>como a sociedade da corte organiza toda a sociedade do Antigo Regime a partir</p><p>das relações que se estabelecem e das reciprocidades, além dos códigos sociais.</p><p>Do ponto de vista político, há, desde os anos 1980, uma tendência historio-</p><p>gráfica preocupada com a renovação das interpretações sobre o surgimento</p><p>do Estado moderno, que se dedica a outras abordagens para além do aparato</p><p>burocrático administrativo e do direito legislativo oficial, tais como as relações</p><p>Debates historiográficos sobre a transição da Idade Média para a Idade Moderna2</p><p>sociais clientelares e a fidelidade, a noção de linhagem e a organização domés-</p><p>tica, etc. São representativos desses estudos os historiadores Pablo Fernández</p><p>Albadalejo, Bartolomé Clavero e António Manuel Hespanha.</p><p>Para eles, fazia-se necessário rever alguns “enviesamentos correntes” sobre</p><p>as categorias políticas desse período que, de forma anacrônica, a historio-</p><p>grafia interpretava por meio dos conceitos da política e do direito próprios</p><p>da contemporaneidade. A imagem de uma monarquia precocemente centra-</p><p>lizada escondia a pluralidade e a concorrência entre as jurisdições, assim</p><p>como as limitações éticas, doutrinais e institucionais que se impunham ao</p><p>“poder absoluto” do príncipe. Em suma, a centralidade da coroa, com suas</p><p>instituições, o seu direito e os seus oficiais, oferece uma visão distorcida,</p><p>mas, sobretudo, simplista da dinâmica política do Antigo Regime, porque a</p><p>reduz à dominação de classe, a mero instrumento da sociedade política; as</p><p>conexões com a sociedade civil passam despercebidas [...] (COELHO, 2011,</p><p>documento on-line).</p><p>Há algumas mudanças historiográficas muito importantes em relação à</p><p>modernidade que se relacionam com o desenvolvimento de estudos chamados</p><p>decoloniais ou pós-coloniais. De acordo com Ballestrin (2013), intelectuais</p><p>latino-americanos situados em diversas universidades das Américas promo-</p><p>veram uma renovação crítica e utópica das ciências sociais na América Latina</p><p>no século XX, a radicalização do argumento pós-colonial no continente.</p><p>Segundo a autora, “[...] mesmo que não linear, disciplinado e articulado, o</p><p>argumento pós-colonial em toda sua amplitude histórica, temporal, geográfica</p><p>e disciplinar percebeu a diferença colonial e intercedeu pelo colonizado. Em</p><p>essência, foi e é um argumento comprometido com a superação das relações de</p><p>colonização, colonialismo e colonialidade” (BALLESTRIN, 2013, p. 91). Foi a</p><p>partir dessas considerações que se iniciou, historiograficamente, uma crítica</p><p>sobre</p><p>o colonialismo da modernidade, da hierarquia estabelecida entre as sociedades</p><p>e de uma pretensa superioridade europeia. Assim, os estudos de Anibal Quijano</p><p>(2000) e a vinculação que estabelece entre a colonialidade e a modernidade são</p><p>fundamentais: não existe modernidade sem colonialidade, ou seja, os regimes</p><p>coloniais foram encerrados, mas não a colonialidade, que é definida por Quijano</p><p>(2000) como um dos elementos específicos do capitalismo, criando uma classifi-</p><p>cação étnico-racial da população mundial e opera em todas as esferas da realidade.</p><p>Na mesma linha interpretativa, temos Enrique Dussel (2000), que destaca</p><p>um vínculo entre a modernidade e a violência, como um mito que oculta a</p><p>colonialidade. Vejamos a vinculação estabelecida pelo autor em sete pontos:</p><p>3Debates historiográficos sobre a transição da Idade Média para a Idade Moderna</p><p> superioridade da civilização moderna a partir de uma visão eurocêntrica;</p><p> a partir do estabelecimento dessa superioridade, criação de uma exigên-</p><p>cia moral de desenvolvimento dos mais “primitivos, bárbaros, rudes”;</p><p> o caminho do “desenvolvimento” é ditado pela Europa;</p><p> se necessário for, ou seja, se o “bárbaro” exigir, o “processo civilizador”</p><p>deve ser empregado à força;</p><p> a dominação produz vítimas, consideradas como um ato inevitável e</p><p>no sentido de um quase-ritual de sacrifício para a civilização;</p><p> a “modernidade” emanciparia os “bárbaros” da culpa por se oporem</p><p>ao processo civilizador;</p><p> o processo de “civilização” pressupõe sofrimentos e sacrifícios a outros</p><p>povos “atrasados”.</p><p>Dentro da história da historiografia, foram três os principais debates sobre</p><p>o período. O primeiro deles se relaciona com a passagem ou a transição da</p><p>Idade Média para a Idade Moderna e envolve questões como a cronologia e</p><p>a periodização, sustentadas em compreensões de continuidades ou rupturas</p><p>entre esses dois momentos históricos.</p><p>Citemos, como exemplificação, a obra de Jacques Le Goff, Em Busca da</p><p>Idade Média (2005). Nela, o autor, inspirado nos debates sobre temporalidade</p><p>desenvolvidos por Fernand Braudel, desenvolve a ideia de “longa Idade Mé-</p><p>dia”, um período que teria se estendido do século IV ao século XVIII. Sua</p><p>conceituação permitiria a compreensão das continuidades existentes entre</p><p>o medievo e a modernidade, bem como as marcas indeléveis do medievo</p><p>presentes nas “novidades” da Idade Moderna. Para o autor, “[...] as mudanças</p><p>não se dão jamais de golpe, simultaneamente em todos os setores e em todos</p><p>os lugares. Eis porque falei de uma longa Idade Média que — em certos</p><p>aspectos de nossa civilização — perdura e, às vezes, desabrocha bem depois</p><p>das datas oficiais” (LE GOFF, 2005, p. 66). Para o autor (2015, p. 97), seriam</p><p>somente a Revolução Industrial e a Revolução Francesa que marcariam uma</p><p>ruptura definitiva com a Idade Média: “[...] é preciso mostrar que, nos campos</p><p>econômico, político, social e cultural, não há, no século XVI, e de fato até</p><p>meados do século XVIII, mudanças fundamentais que justifiquem a separação</p><p>entre Idade Média e um período novo, diferente, que seria o Renascimento”.</p><p>Um segundo debate diz respeito à transição do sistema feudal para o capita-</p><p>lismo mercantil, ou seja, uma discussão centrada em sistemas econômicos, que,</p><p>no entanto, revelam compreensões sobre o Estado e a sociedade. A relevância</p><p>cada vez maior de uma economia monetária interligando diferentes regiões</p><p>da Europa e do mundo e modificando de diferentes maneiras as estruturas</p><p>Debates historiográficos sobre a transição da Idade Média para a Idade Moderna4</p><p>socioeconômicas é, sem dúvida, um marco da modernidade, assim como a</p><p>aceleração do processo de centralização de poder operado por monarcas e</p><p>príncipes europeus desde o século XII, e que se beneficia dessa economia de</p><p>mercado na formação dos primeiros Estados modernos.</p><p>Por fim, podemos citar um terceiro debate, que diz respeito à dimensão</p><p>cultural, às transformações ocorridas nas mentalidades. Nesse sentido, é</p><p>fundamental relacionar a produção de um pensamento caracterizado pelo</p><p>antropocentrismo e pela racionalidade e as necessidades das práticas co-</p><p>merciais e mercantis, que emergem das áreas mais urbanizadas da Europa,</p><p>principalmente das cidades, como as situadas no norte da Itália.</p><p>As origens econômicas da Idade Moderna</p><p>Como afi rmado anteriormente, um dos principais debates sobre as origens</p><p>econômicas da modernidade se deu em relação à transição do sistema feudal</p><p>para o sistema capitalista e em referência à origem do capitalismo na sociedade</p><p>europeia ocidental em meados dos séculos XIV, XV e XVI.</p><p>A origem do capitalismo interessou uma série de autores. Karl Marx e Max</p><p>Weber foram dois pensadores que dedicaram parte de suas investigações para</p><p>buscar a conformação das relações econômicas e sociais que deram origem</p><p>ao capitalismo. A partir de meados do século XX, os historiadores também</p><p>passaram a se interessar pela temática. Na década de 1940, o historiador francês</p><p>Maurice Dobb, em seu livro Estudos sobre o desenvolvimento do capitalismo,</p><p>lançou a tese de que o capitalismo era proveniente da circulação de mercadorias</p><p>entre o campo e a cidade, proveniente da crise estrutural do sistema feudal.</p><p>Dobb (1983, p. 7) utilizava as categorias forjadas por Marx para explicar</p><p>as características do capitalismo:</p><p>[...] temos o significado inicialmente conferido por Marx, que não buscava a</p><p>essência do capitalismo num espírito de empresa nem no uso da moeda para</p><p>financiar uma série de trocas com objetivo de ganho, mas em determinado</p><p>modo de produção. Por modo de produção, ele não se referia apenas ao estado da</p><p>técnica — a qual chamou de estágio de desenvolvimento das forças produtivas</p><p>— mas à maneira pela qual se definia a propriedade dos meios de produção e</p><p>às relações sociais entre os homens, que resultavam da de suas ligações com</p><p>o processo de produção. Assim, o capitalismo não era apenas um sistema de</p><p>produção para o mercado — um sistema de produção de mercadorias, como</p><p>Marx o denominou — mas um sistema sob o qual a própria força de trabalho</p><p>“se tornara uma mercadoria” e era comprada e vendida no mercado como</p><p>qualquer outro objeto de troca. Seu pré-requisito histórico era a concentração</p><p>5Debates historiográficos sobre a transição da Idade Média para a Idade Moderna</p><p>da propriedade, dos meios de produção em mãos de uma classe, que consistia</p><p>apenas numa pequena parte da sociedade, e aparecimento consequente de uma</p><p>classe destituída de propriedade, para a qual a venda de sua força de trabalho</p><p>era a única fonte de subsistência. [...] O que diferencia o uso dessa definição</p><p>em relação às demais é que a existência do comércio e do empréstimo de di-</p><p>nheiro, bem como a existência de uma classe especializada de comerciantes</p><p>ou financistas, ainda que fossem homens de posses, não basta para constituir</p><p>uma sociedade capitalista. Os homens de capital, por mais ambiciosos, não</p><p>bastam — seu capital tem de ser usado na sujeição do trabalho.</p><p>Essa interpretação gerou um debate sobre a transição do feudalismo para o</p><p>capitalismo, com outro pensador, Paul Sweezy, que se prolongou pelas décadas</p><p>de 1950 e 1960. Sweezy (1977 apud MARIUTTI, 2004), ao se contrapor à tese</p><p>defendida por Dobb, afirma que a principal característica da economia feudal</p><p>é a de produzir valores de uso. Assim, o valor de troca se desenvolve devido</p><p>ao comércio. Ao contrário de Dobb, Sweezy (1977 apud MARIUTTI, 2004)</p><p>denomina o período de transição do modo de produção feudal ao modo de</p><p>produção capitalista como um sistema de produção pré-capitalista de merca-</p><p>dorias, pois os elementos predominantes não eram feudais e nem capitalistas,</p><p>propondo a coexistência de diversas classes dominantes.</p><p>Ainda no âmbito dos estudos marxistas, o historiador inglês Perry Anderson</p><p>publicou, na década de 1970, o livro Linhagens do Estado Absolutista, no qual</p><p>trabalhou as origens do capitalismo a partir do surgimento do estado absolutista.</p><p>Para o autor (ANDERSON, 1998), as estruturas de poder deveriam</p><p>ser enten-</p><p>didas a partir das relações econômicas, com o objetivo de legitimar e garantir a</p><p>dominação de uma classe sobre outra. Para Anderson (1998), não existiria uma</p><p>ruptura no modo de produção na passagem do medievo para a modernidade e,</p><p>dessa forma, o Estado absolutista não representaria uma reordenação do poder na</p><p>sociedade: seu objetivo seria manter a ordem feudal. Isso não significa que essas</p><p>estruturas possuíssem inovações, como a codificação do direito, a formação de</p><p>exércitos regulares, a burocracia permanente, a unificação de sistemas tributários,</p><p>a diplomacia; mas toda essa maquinaria estaria voltada para um objetivo que</p><p>não é novo: a manutenção da ordem feudal, a dominação e a exploração dos</p><p>camponeses a partir de uma relação que os mantém vinculados à terra.</p><p>Contudo, Roiz (2009) assinala que todas essas análises naturalizavam o</p><p>surgimento do capitalismo e que a passagem das sociedades para esse sistema</p><p>se tratava de uma fatalidade ou necessidade a partir de uma visão linear e</p><p>progressiva da história. Essa visão era assentada em um marxismo vulgar,</p><p>em que as transformações econômicas, políticas e sociais deveriam ser com-</p><p>preendidas a partir da sucessão de “modos de produção”.</p><p>Debates historiográficos sobre a transição da Idade Média para a Idade Moderna6</p><p>Criticando essa versão determinista da história, a historiadora estadunidense</p><p>Ellen Wood propôs uma nova interpretação para as origens do capitalismo</p><p>em seu livro As Origens do Capitalismo, lançado em 1999 e publicado em</p><p>português em 2001. De acordo com a autora (WOOD, 2001, p. 13-14):</p><p>[...] na maioria das descrições do capitalismo e de sua origem, na verdade não</p><p>há origem. O capitalismo parece estar sempre lá, em algum lugar, precisando</p><p>apenas ser libertado de suas correntes — dos grilhões do feudalismo, por</p><p>exemplo — para poder crescer e amadurecer. O efeito dessas explicações é</p><p>enfatizar a continuidade entre as sociedades não capitalistas e capitalistas e</p><p>negar ou disfarçar a especificidade do capitalismo.</p><p>Diferentemente do apontado pela historiografia sobre a origem do capitalismo,</p><p>Wood afirma que o capitalismo não é o mercado (já que não se trata de uma</p><p>originalidade da modernidade), não é o Estado (pois havia outras instituições</p><p>prévias responsáveis pela organização institucional do território), nem o dinheiro ou</p><p>trabalho, que existiam em outras épocas. Não seriam esses fatores que explicariam o</p><p>que é o capitalismo e sua especificidade nessa conjuntura histórica (WOOD, 2001).</p><p>Para Wood (2001, p. 14),</p><p>O capitalismo é um sistema em que os bens e serviços, inclusive as necessidades</p><p>mais básicas da vida, são produzidos para fins de troca lucrativa; em que até</p><p>a capacidade humana de trabalho é uma mercadoria à venda no mercado; e</p><p>em que, como todos os agentes econômicos dependem do mercado, os requi-</p><p>sitos da competição e da maximização do lucro são as regras fundamentais</p><p>da vida. Por causa dessas regras, ele é um sistema singularmente voltado</p><p>para o desenvolvimento das forças produtivas e o aumento da produtividade</p><p>do trabalho através de recursos técnicos. Acima de tudo, é um sistema em</p><p>que o grosso do trabalho da sociedade é feito por trabalhadores sem posses,</p><p>obrigados a vender sua mão de obra por um salário, a fim de obter acesso aos</p><p>meios de subsistência. No processo de atender às necessidades e desejos da</p><p>sociedade, os trabalhadores também geram lucros para os que compram sua</p><p>força de trabalho. Na verdade, a produção de bens e serviços está subordinada</p><p>à produção do capital e do lucro capitalista. O objetivo básico do sistema</p><p>capitalista, em outras palavras, é a produção e a autoexpansão do capital.</p><p>Dessa forma, a autora desenvolve uma análise não somente sobre o que é o</p><p>capitalismo, mas combate as versões deterministas da história, que abordavam o</p><p>processo histórico na Europa Ocidental como uma sucessão de modelos de produ-</p><p>ção, como se o feudalismo fosse sucedido, naturalmente, pelo sistema capitalista.</p><p>Wood afirma que, para além das variedades existentes nas relações feudais, de</p><p>acordo com cada um dos países, a desintegração das relações vassálicas deu origem</p><p>7Debates historiográficos sobre a transição da Idade Média para a Idade Moderna</p><p>a outras tantas formas de organização econômica e social das quais o capitalismo,</p><p>tal como estudamos em uma vertente mercantilista, foi apenas uma.</p><p>A interpretação mais inovadora da autora reside, entretanto, no desloca-</p><p>mento da explicação da origem do capitalismo das atividades comerciais e</p><p>mercantis para as atividades agrárias.</p><p>Essa visão é compartilhada por Le Goff (2015, p. 99), em sua proposição</p><p>de uma “longa Idade Média”, em que existe uma permanência no imaginário,</p><p>nas práticas sociais, nas formas de trabalho e na economia de práticas do</p><p>medievo: “[...] no início do século XVI, e mesmo além dele, subsiste na Europa</p><p>uma economia rural de longa duração. Essa ruralidade, então, até mesmo se</p><p>reforça, dado que aqueles que enriquecem graças ao comércio e ao banco</p><p>nascente reinvestem grande parte de seus benefícios nas terras. É o caso, na</p><p>Itália, dos banqueiros genoveses e florentinos [...]”.</p><p>As origens culturais da Idade Moderna</p><p>A origem cultural da Idade Moderna, ou seja, o marco que representaria</p><p>uma ruptura em relação ao medievo, foi consagrada historicamente como o</p><p>Renascimento, caracterizado como um movimento intelectual, centrado no</p><p>homem, propiciado pelo desenvolvimento comercial e os debates culturais</p><p>realizados nas universidades e em círculos de saber, como entre os humanistas.</p><p>Essa visão foi forjada no século XIX por historiadores como Michelet e</p><p>Burckhardt, que, ao estabelecerem parâmetros para seus presentes, elabora-</p><p>ram determinadas narrativas para o passado. “Definido por Michelet como</p><p>uma ‘passagem ao mundo moderno’, o Renascimento marca um retorno ao</p><p>paganismo, ao gozo, à sensualidade, à liberdade. Foi a Itália que ensinou isso</p><p>às outras nações europeias — em primeiro lugar à França, por ocasião das</p><p>guerras da Itália, e depois à Alemanha e à Inglaterra” (LE GOFF, 2015, p. 49).</p><p>Para Burckhardt (2009 apud LE GOFF, 2015, p. 54), “[...] diferentemente da</p><p>Idade Média, em que o indivíduo se encontrava limitado pela religião, pelo</p><p>ambiente social, pelas práticas comunitárias, o homem do Renascimento pode,</p><p>sem entraves, desenvolver sua personalidade”.</p><p>Percebemos com essas citações como ambos os autores se preocupavam</p><p>em marcar uma ruptura entre a Idade Média e a Idade Moderna no âmbito da</p><p>cultura. Jacob Burckhardt teria sido um dos primeiros a elevar a categoria de</p><p>“Renascimento” a um conceito, categoria histórica possuidora de unidade e</p><p>abrangência, que baliza e define a modernidade europeia (FLORENZANO,</p><p>1996). “Coube ao historiador holandês Johan Huizinga (1872-1945) o mérito</p><p>Debates historiográficos sobre a transição da Idade Média para a Idade Moderna8</p><p>de ter demonstrado — no ensaio O problema do Renascimento (1920) — que</p><p>a palavra Renascimento, indicando um determinado período da civilização,</p><p>entrou em uso, pela primeira vez, nos círculos intelectuais parisienses, na</p><p>década de 1820” (FLORENZANO, 1996, p. 20).</p><p>O Renascimento, sem dúvida, foi um momento em que houve um importante</p><p>desenvolvimento das artes plásticas e visuais, da ciência e do pensamento, e que</p><p>trouxe um interesse acentuado pela produção cultural da Antiguidade Clássica</p><p>greco-romana. Entretanto, segundo Le Goff (2015), as características utilizadas</p><p>para assinalar as especificidades do Renascimento não seriam suficientes para</p><p>conformar um novo período histórico. Algumas das formas de pensamento que</p><p>marcariam a mudança, como o humanismo, o individualismo e o racionalismo</p><p>podem ser encontradas desde o século XII na sociedade medieval.</p><p>Colombo, medieval ou moderno? Cortés, nobre feudal ou humanista? Bar-</p><p>tolomeu de las Casas, precursor da modernidade dos direitos do homem ou</p><p>herdeiro tardio da escolástica tomista? Só um pouco menos artificiais são as</p><p>tentativas para separar as duas facetas de uma mesma</p><p>personalidade, uma</p><p>moderna e outra medieval. Assim, Colombo poderá ser julgado moderno</p><p>por sua audácia de aventureiro, mas medieval por seu misticismo. Como</p><p>se uma não fosse intimamente ligada à outra, e como se o misticismo</p><p>católico, com Teresa de Ávila e muitos outros, não alcançasse os cumes</p><p>durante a época dita moderna! Todas essas interrogações e hipóteses re-</p><p>pousam sobre uma visão convencional (e largamente pejorativa) da Idade</p><p>Média, e supõem que exista uma ruptura tão radical entre a idade Média e</p><p>o Renascimento que eles constituiriam duas categorias exclusivas, e que,</p><p>mesmo se renunciamos a uma data fronteiriça única, continue possível</p><p>classificar cada ser ou cada foto conforme essa alternativa. Mas se se</p><p>admite que essa visão deva ser criticada, chega-se à ideia de que a maior</p><p>parte das leituras da Conquista repousa sobre uma visão dramaticamente</p><p>deformada da Idade Média e sobre uma ideia insustentável da ruptura entre</p><p>esta e os tempos modernos (BASCHET, 2006, p. 32).</p><p>Mais recentemente, em livro publicado pela primeira vez em inglês em 1987,</p><p>Peter Burke (2008) criticou as interpretações de Burckhardt, Michelet e outros, que</p><p>confeririam ao Renascimento o caráter de um período específico, com caracterís-</p><p>ticas homogêneas, o que foi classificado por Burke como um “mito”. Para Burke</p><p>(2008), esses autores procuraram estabelecer um contraste, um rompimento entre</p><p>9Debates historiográficos sobre a transição da Idade Média para a Idade Moderna</p><p>o Renascimento e a Idade Média, e entre a Itália e o restante da Europa, e, nessa</p><p>empreitada, ignoraram que muitas das invenções celebradas durante o Renasci-</p><p>mento têm sua origem na Idade Média, para além da sobrevivência de tradições.</p><p>Em suas próprias palavras,</p><p>Como todas as autoimagens, a dos académicos e dos artistas do Renascimento</p><p>era tão reveladora quanto enganadora. [...] Estes homens deviam mais do que</p><p>julgavam à “Idade Média” que tão frequentemente denunciavam. Se sobres-</p><p>timaram a sua distância do passado recente, subestimaram a sua distância</p><p>do passado longínquo, a Antiguidade que tanto admiravam. A sua versão do</p><p>Renascimento era um mito na medida em que apresentava uma descrição enga-</p><p>nadora do passado: que era um sonho, um desejo cumprido, uma re-encenação</p><p>ou representação do antigo mito do eterno retorno (BURKE, 2008, p. 12).</p><p>Dessa forma, alguns autores têm sugerido compreender o Renascimento</p><p>muito mais como uma síntese de inovações que foram sendo gestadas em um</p><p>longo período, mais que características de um novo momento histórico. Isso</p><p>não significa negar as inovações artísticas, científicas e filosóficas, mas, sim,</p><p>compreendê-las como resultado de um processo que se dá durante o medievo.</p><p>Do ponto de vista cultural, também existem os debates sobre a Reforma</p><p>Protestante e seu caráter de rompimento em relação a uma ordem anterior.</p><p>Mesmo entre os historiadores que aceitam uma longa duração para a Idade</p><p>Média, existe uma relutância em prolongar esse período para a além do século</p><p>XVI, em função das consequências culturais, econômicas, políticas e sociais</p><p>da Reforma Protestante e da Contrarreforma Católica. A quebra da unidade da</p><p>Igreja Católica, as mudanças no mapa político europeu, as guerras em maior</p><p>escala, como a Guerra dos Trinta Anos, são mudanças importantíssimas.</p><p>Contudo, na defesa de seu argumento de uma “longa Idade Média”, Le Goff</p><p>(2015) afirma, como sabemos, que a Idade Média é uma época profundamente</p><p>religiosa, marcada pelo poderio da Igreja e pela presença da religião em todas</p><p>as esferas do cotidiano. Sem dúvida alguma, a Reforma e as Guerras Religiosas</p><p>representaram uma mudança, quase uma ruptura nesse cenário.</p><p>A fé cristã apresenta-se doravante sob ao menos duas formas, a católica</p><p>tradicional e a reformada nova, que também é chamada de protestante</p><p>e que compreende diversas orientações: anglicanismo na Grã-Bretanha,</p><p>luteranismo e calvinismo no continente, sendo que o primeiro se espalha</p><p>preferencialmente nas regiões germânicas e nórdicas, e o segundo nas de</p><p>língua romana (LE GOFF, 2015, p. 86).</p><p>Debates historiográficos sobre a transição da Idade Média para a Idade Moderna10</p><p>Entretanto, ainda assim, trata-se do cristianismo. Para além da adoção ou</p><p>não da perspectiva de uma longa duração da Idade Média na questão religiosa,</p><p>é importante assinalar que houve, sim, uma continuidade bastante importante:</p><p>mesmo que tenha havido uma fragmentação da Igreja Católica, a religião seguiu</p><p>como uma força dominante na vida social, intrinsecamente vinculada à política.</p><p>Assim, a polarização entre o teocentrismo e o antropocentrismo, como se houvesse</p><p>um processo imediato e definitivo de laicização e secularização das relações</p><p>econômicas, políticas e sociais, é falsa. Isso somente aconteceria no século XVIII,</p><p>quando poderíamos vislumbrar uma verdadeira ruptura nas mentalidades.</p><p>ANDERSON, P. Passagens da antiguidade ao feudalismo. 5. ed. São Paulo: Editora Bra-</p><p>siliense, 1998.</p><p>BALLESTRIN, Luciana. América Latina e o giro decolonial. Revista Brasileira de Ciência</p><p>Política, v. 2, n. 11, p. 89-117, 2013</p><p>BASCHET, J. A civilização feudal: do ano mil à colonização da América. São Paulo: Globo,</p><p>2006.</p><p>BURKE, P. O renascimento. Lisboa: Texto & Grafia, 2008.</p><p>COELHO, M. F. Revisitando o problema da centralização do poder na idade média:</p><p>reflexões historiográficas. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 26., 2011, São Paulo.</p><p>Anais [...]. São Paulo, 2011. Disponível em: http://www.snh2011.anpuh.org/resources/</p><p>anais/14/1312820436_ARQUIVO_COELHOMF-Revisitando(textofinal).pdf. Acesso em:</p><p>26 out. 2019.</p><p>DOBB, M. A Evolução do capitalismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1983.</p><p>DUSSEL, E. Europa, modernidad y eurocentrismo. In: LANDER, E. (ed.). et al. La colonialidad</p><p>del saber: eurocentrismo y ciencias sociales, perspectivas latino-americanas. Buenos</p><p>Aires: CLACSO, 2000.</p><p>FALCON, F. J. C. Introdução à história moderna. In: FALCON, F. J. C. Contacto-humanidades.</p><p>Rio de Janeiro: Fundação Cesgranrio, 1977.</p><p>FLORENZANO, M. Notas sobre tradição e ruptura no renascimento e na primeira</p><p>modernidade. Revista de História, n. 135, 19-30, 1996.</p><p>LE GOFF, J. A história deve ser dividida em pedaços? São Paulo: Editora Unesp, 2015.</p><p>LE GOFF, J. Em busca da idade média. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.</p><p>MARIUTTI, E. B. Balanço do debate: a transição do feudalismo para o capitalismo. São</p><p>Paulo: Hucitec, 2004.</p><p>11Debates historiográficos sobre a transição da Idade Média para a Idade Moderna</p><p>Os links para sites da Web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu fun-</p><p>cionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a</p><p>rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de</p><p>local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade</p><p>sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links.</p><p>QUIJANO, A. Colonialidad del poder y clasificación social. Journal of World-Systems</p><p>Research, v. 11, n. 2, p. 342-386, 2000.</p><p>ROIZ, D. S. Uma “nova” interpretação das origens do capitalismo? Mundos do Trabalho,</p><p>v. 1, n. 1, p. 297-303, 2009.</p><p>SILVA, K. V.; SILVA, M. H. Dicionário de conceitos históricos. São Paulo: Editora Contexto,</p><p>2009.</p><p>WOOD, E. M. A origem do capitalismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.</p><p>Leituras recomendadas</p><p>BURCKHARDT, J. A cultura do Renascimento na Itália. Brasília: UnB, 1991.</p><p>DELUMEAU, J. A civilização do Renascimento. Lisboa: Edições 70, 2004.</p><p>DOBB, M. Uma réplica. In: SWEEZY, P. et al. A transição do feudalismo para o capitalismo.</p><p>São Paulo: Martins Fontes, 1977.</p><p>ELIAS, N. O processo civilizador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994. v. 1.</p><p>GINZBURG, C. O fio e os rastros. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.</p><p>HUIZINGA, J. O declínio da idade média. São Paulo: Verbo Edusp, 1978.</p><p>ROSSI, P. O cientista. In: VILLARI, R. O homem barroco. Lisboa: Presença, 1995.</p><p>SWEEZY, P. Uma crítica. In: SWEEZY, P. et al. A transição do feudalismo para o capitalismo.</p><p>São Paulo: Martins Fontes,</p><p>1977.</p><p>Debates historiográficos sobre a transição da Idade Média para a Idade Moderna12</p><p>Dica do professor</p><p>Do ponto de vista cultural, a transição da Idade Média para a Idade Moderna costuma ser abordada</p><p>a partir da temática do Renascimento e da Reforma Religiosa. Os estudos sobre o Renascimento,</p><p>até meados do século XX, caracterizavam-se por conceber esse momento como um fenômeno</p><p>europeu de ruptura com o medievo. Entretanto, outras abordagens historiográficas têm</p><p>problematizado essa concepção, apontando continuidades entre os períodos e outras origens para</p><p>as transformações ocorridas.</p><p>Nesta Dica do Professor, você conhecerá uma dessas obras, O bazar do Renascimento, de Jerry</p><p>Bretton, e aprenderá de que maneira o comércio entre o Ocidente e o Oriente influenciou nas</p><p>transformações culturais denominadas Renascimento.</p><p>Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar.</p><p>https://fast.player.liquidplatform.com/pApiv2/embed/cee29914fad5b594d8f5918df1e801fd/68f7b8b88a57ea51535b5450b287c707</p>