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Teoria da Literatura I
C
larissa C
om
in
ISBN 978-65-5821-182-2
9 786558 211822
Código Logístico
I000652
Teoria da Literatura I 
Clarissa Comin
IESDE BRASIL
2022
Todos os direitos reservados.
IESDE BRASIL S/A. 
Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 
Batel – Curitiba – PR 
0800 708 88 88 – www.iesde.com.br
© 2022 – IESDE BRASIL S/A. 
É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito da autora e do 
detentor dos direitos autorais.
Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: GNT STUDIO/Shutterstock
22-79912
CDD: 809
CDU: 82.09
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃONAPUBLICAÇÃO
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
C727t
Comin, Clarissa
Teoria da literatura I / Clarissa Comin. - 1. ed. - Curitiba [PR] : IESDE, 2022.
Inclui bibliografia
ISBN 978-65-5821-182-2
1. Literatura - História e crítica - Teoria, etc. 2. Gêneros literários. 3. Estudos
literários. I. Título.
Meri Gleice Rodrigues de Souza - Bibliotecária - CRB-7/6439
12/09/2022 13/09/2022
Clarissa Comin Doutora, mestra e bacharela em Estudos Literários pela 
Universidade Federal do Paraná (UFPR). Especialista em 
Produção de Material Didático para EAD pela Faculdade 
Claretiano. Professora no Ensino Superior. Atua também 
como professora de francês e preparadora de textos.
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SUMÁRIO
1 Introdução à literatura 9
1.1 Teoria da literatura e crítica literária 10
1.2 Conceito de mimesis 14
1.3 Prosa versus poesia 16
1.4 Literatura e cultura 21
2 Gêneros literários 26
2.1 Gênero lírico 26
2.2 Gênero dramático 28
2.3 Gênero épico 33
3 Correntes literárias 38
3.1 Formalismo russo 39
3.2 Estruturalismo 41
3.3 Pós-estruturalismo 43
3.4 Estética da recepção 46
3.5 Estudos culturais 49
4 Aspectos narrativos 53
4.1 Gêneros narrativos 54
4.2 Tipos de narradores 60
4.3 O tempo na narrativa 64
4.4 O espaço na narrativa 66
5 O gênero conto e o gênero romance 72
5.1 Teorias sobre o conto 73
5.2 O conto moderno 76
5.3 O romance: origens e teorias 80
5.4 Romance contemporâneo 83
 Resolução das atividades 93
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Esta obra é uma porta de entrada para entender a 
Literatura. Geralmente vista como uma disciplina do currículo 
escolar, ela é, inicialmente, uma manifestação artística. A 
Literatura tem o poder de criar mundos possíveis e expandir 
nossos horizontes acerca da nossa própria existência. Para 
além dos benefícios do seu consumo – melhora na escrita, na 
cognição, enriquecimento do vocabulário, distração –, ela nos 
apresenta novos modos de vida. A experiência de leitura nos 
proporciona ocupar dois lugares ao mesmo tempo: o nosso 
e o dos narradores e personagens que lemos. Somos ao 
mesmo tempo nós mesmos e Brás Cubas, Capitu, Macunaíma.
Nesse sentido, a obra divide-se em cinco momentos. No 
primeiro capítulo, convidamos você a uma breve introdução 
que parte da famosa pergunta: o que é literatura? A partir 
de um histórico que remonta à Grécia Antiga e vem até a 
contemporaneidade, vemos como a definição do objeto 
literário transmutou-se com o passar do tempo, bem como 
aquilo que se chama de literatura. Além disso, fazemos uma 
distinção entre prosa e poesia, as duas modalidades clássicas 
da manifestação literária. Por fim, apresentamos as relações 
evidentes entre a literatura e a sociedade, sublinhando sua 
importância na formação ética e intelectual do indivíduo.
No segundo capítulo, estudaremos os três principais 
gêneros literários: lírico, dramático e épico. Aprenderemos 
suas origens, características e conceituações. Partindo da 
lírica, faremos um breve trajeto no qual acompanhamos 
a remodelação do gênero no decorrer dos séculos, até 
chegarmos aos moldes modernistas do início do século 
XX, em que a presença marcada do eu lírico confessional 
cede espaço a outras experimentações, desaguando na 
prosa poética. Empreenderemos, ainda, um percurso pelos 
principais dramaturgos gregos e comédias latinas, finalizando 
com a épica, representada por dois renomados poemas 
épicos: Ilíada e Odisseia.
APRESENTAÇÃOVídeo
8 Teoria da Literatura I
No terceiro capítulo, apresentamos as mais importantes correntes literá-
rias do século XX, momento em que a Literatura adquire um status de disci-
plina independente e passa a ser estudada nas universidades. Começamos 
com o formalismo russo, vertente que pensa a obra literária como objeto au-
tônomo, desconsiderando o seu exterior (aspectos socioeconômicos, epocais 
e culturais). Na sequência, estudaremos o estruturalismo, um desdobramento 
do formalismo. Essa corrente pretende estabelecer uma estrutura narrativa 
que esteja presente em todas as obras. O maior enfoque é dado nos contos 
de fada, analisados por Vladimir Propp. Depois, seguimos ao pós-estruturalis-
mo, corrente que vai de encontro aos pressupostos formalistas. Em seguida, 
passamos à estética da recepção, na qual o leitor assume o controle na cons-
trução de significados do texto, deixando de lado a premência das intenções 
do autor. Finalizando, teremos os estudos culturais, corrente do final do sécu-
lo XX cuja abordagem se dá na interseção entre obra e sociedade, consideran-
do sobretudo culturas marginalizadas e minoritárias.
No capítulo quatro, vamos nos debruçar sobre os aspectos constitutivos 
da prosa. Aprenderemos suas manifestações – conto, romance, crônica, 
biografia etc. – e alguns aspectos narrativos que as compõem, como os 
diferentes tipos de narradores e a construção e importância do espaço e do 
tempo nas narrativas. Faremos esse estudo por meio da análise de trechos de 
obras literárias.
Por fim, no capítulo cinco, vamos nos aprofundar no romance e no conto. 
Veremos suas origens, conceitos e diferentes manifestações. Analisaremos 
suas estruturas com base em trechos de textos literários reconhecidos. Por 
fim, faremos um apanhamento dos desdobramentos e das multiplicidades 
narrativas presentes no romance contemporâneo.
Bons estudos!
Introdução à literatura 9
1
Introdução à literatura
Se você é um amante da literatura, com certeza já se fez a clássica 
questão: afinal, o que é literatura? É possível defini-la? Sobre o tema, será 
apresentado na primeira seção o conceito de literatura, passando pelos 
seus objetivos, históricos e objetos de análise. Vamos, ainda, entender a 
diferença entre teoria e crítica literária, destacando na última o papel do 
crítico. Na seção seguinte, passaremos à noção de mimesis, que seria, a 
grosso modo, a representação da realidade e, assim, base do texto literá-
rio. Para isso, as visões de filósofos como Aristóteles e Platão nos guiarão 
nesse percurso.
Na terceira seção estudaremos as definições e as diferenças entre 
prosa e poesia. A nossa ideia aqui é aprofundar mais a discussão e en-
tender melhor os limites entre ambas e o borramento que há entre elas, 
sobretudo na literatura contemporânea.
Por fim, estudaremos a literatura dentro de um contexto mais amplo, 
para além de sua forma artística, examinando sua relação com a socie-
dade ao seu redor. Pensaremos sobre quais são as suas relações com as 
culturas em que se insere e como, por meio delas, podem ser veiculados 
diferentes pontos demas no meu interesse que resolvo 
punir esse crime; quem quer que haja sido o assassino do rei 
Laio bem pode querer, por igual forma, ferir-me com a mesma 
audácia. Auxiliando-vos, portanto, eu sirvo a minha própria causa. 
Eia, depressa, meus filhos! Erguei-vos e tomai vossas palmas de 
suplicantes; que outros convoquem os cidadãos de Cadmo; eu 
não recuarei diante de obstáculo algum! Com o auxílio do Deus, 
ou seremos todos felizes, ou ver-se-á nossa total ruína!
O Sacerdote
Levantemo-nos, meus filhos! O que ele acaba de anunciar é, pre-
cisamente, o que vínhamos pedir aqui. Que Apoio, que nos envia 
essa predição oracular, possa-nos socorrer, também, para pôr 
um fim ao flagelo que nos tortura!
Saem ÉDIPO, CREONTE, O SACERDOTE. Retira-se o POVO. Entra O 
CORO, composto de quinze notáveis tebanos.
O Coro
Doce palavra de Zeus, que nos trazes do santuário dourado de 
Delfos à cidade ilustre de Tebas? Temos o espírito conturbado 
pelo terror, e o desespero nos quebranta. Ó Apoio, nume tute-
lar de Delos, tu que sabes curar todos os males, que sorte nos 
reservas agora, ou pelos anos futuros? Dize-nos tu, filha da áurea 
Esperança, divina voz imortal! Também a ti recorremos, ó filha de 
Zeus. Palas eterna, e a tua divina irmã, Diana, protetora de nossa 
pátria, em seu trono glorioso na Ágora imensa.
(SÓFOCLES, 2018, p. 34-35)
Atividade 3
Observe abaixo trechos do canto I de Os Lusíadas, de Luís de 
Camões. A epopeia recorda e exalta os grandes feitos dos antigos 
navegadores portugueses que, durante a Renascença, descobri-
ram novas terras e criaram tecnologias de navegação. A partir da 
leitura, identifique as características que fazem dele um épico, aos 
moldes gregos, e quais seriam as diferenças em relação a este.
Canto I (abertura)
As armas e os barões assinalados
Que, da Ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados
Passaram ainda além da Taprobana
E em perigos e guerras esforçados
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram
[...]
(Continua)
Gêneros literários 37
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.
[...]
E vós, Tágides minhas, pois criado
Tendes em mim um novo engenho ardente
[...]
Dai-me agora um som alto e sublimado,
Um estilo grandíloquo e coerente
(CAMÕES, 2010, p. 17-18).
REFERÊNCIAS
ANDRADE, O. de. Poesias reunidas. São Paulo: Cia das Letras, 2016.
ANTUNES, N. T.; ROSA, D. F. C; SILVA, R. G. A. da. A epopeia Odisseia de Homero como 
instrumento formativo: concepções sobre os princípios do herói grego. Brazilian Journal of 
Development, v. 6, n. 12, p. 100751-100771, 2020. 
ARISTÓTELES; HORÁCIO; LONGINO. A poética clássica. 17. reimp. São Paulo: Cultrix, 2014.
AZEVEDO, Á. Melhores poemas. São Paulo: Via Lettera, 2009.
CAMÕES, L. de. Os Lusíadas. Porto Alegre: L&PM, 2010.
CANDIDO, A. (org.). Melhores poemas de Álvares de Azevedo. São Paulo: Global Editora, 2015. 
HOMERO. Ilíada. Trad. de Carlos Alberto Nunes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2021.
MELO NETO, J. C. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2003.
MORAES, V. Antologia poética. São Paulo: Cia das Letras, 2009.
OLIVEIRA, M. J. B. de.  A epopéia como gênero épico: uma intervenção para professores 
do 1º ano do ensino médio. 2018. Monografia (Licenciatura em Língua Portuguesa) – 
Universidade Federal da Paraíba, Campina Grande.
SANTANA, E. Epopeia. Educa Mais Brasil, 2021. Disponível em: https://www.educamaisbrasil.
com.br/enem/lingua-portuguesa/epopeia. Acesso em: 22 ago. 2022.
SOARES, A. Gêneros literários. 7. ed. São Paulo: Ática, 2007.
SÓFOCLES. Édipo Rei. Trad. de Mário da Gama Kury. São Paulo: Zahar, 2018.
VIEIRA, T. Medeia. São Paulo: Editora 34, 2010.
https://www.educamaisbrasil.com.br/enem/lingua-portuguesa/epopeia
https://www.educamaisbrasil.com.br/enem/lingua-portuguesa/epopeia
38 Teoria da Literatura I
3
Correntes literárias
Quando falamos em correntes teóricas na literatura, logo vem à ca-
beça uma porção de nomenclaturas que se confundem em seus nomes 
e características. Neste capítulo, aprofundaremos nosso conhecimento 
sobre aquelas que julgamos ser as mais importantes.
Trataremos o assunto de maneira cronológica. Em um primeiro mo-
mento, começaremos pela primeira corrente que despontou no século 
XX: o formalismo russo. Estudaremos seus principais teóricos e as carac-
terísticas desse movimento. Na sequência, analisaremos o estruturalismo, 
que tem sua base na linguística e consolidou-se também na sociologia e na 
antropologia. Os responsáveis pelas primeiras formulações sobre o tema 
foram o antropólogo Claude Lévi-Strauss e o linguista Roman Jakobson.
Em seguida, partiremos para o desdobramento dessa teoria e che-
garemos ao pós-estruturalismo, que questiona o caráter monolítico do 
estruturalismo e busca sair da dicotomia saussuriana. Veremos as di-
ferenças e aproximações entre os dois e estudaremos seus principais 
nomes e trabalhos acadêmicos. Em seguida, daremos um salto para os 
anos 1970 e chegaremos à estética da recepção, uma corrente que põe 
o leitor no centro do ato literário. Os principais teóricos da estética da 
recepção são Jauss, Iser e Umberto Eco. Por fim, concluiremos com os 
estudos culturais, mais voltados para um corte interseccional de gênero, 
raça e classes sociais. Estudaremos suas particularidades e sua importân-
cia acadêmica atualmente.
Com o estudo deste capítulo, você será capaz de:
• compreender o formalismo russo, o estruturalismo, o pós-estrutu-
ralismo, a estética da recepção e os estudos culturais.
Objetivo de aprendizagem
Correntes literárias 39
3.1 Formalismo russo 
Vídeo
O formalismo russo surgiu na Universidade de Moscou entre 1914 e 
1915 e organizou-se em torno do Círculo Linguístico de Moscou. Segun-
do Boris Schnaiderman (apud TODOROV, 2014), o mais correto seria 
considerar que não existiu um formalismo russo, mas vários formalis-
tas russos, uma vez que a escola em si nunca foi homogênea e seus re-
presentantes, muitas vezes, apresentavam pontos de vista divergentes. 
O objetivo da empreitada formalista era estudar a literatura usando os 
novos instrumentos fornecidos pela linguística, aproximando ambas as 
áreas de conhecimento.
Como o nome formalismo nos indica, o projeto do grupo era inédi-
to, pois considerava a linguagem poética e a literatura como autôno-
mas, podendo ser estudadas por si mesmas, sem recorrer a elementos 
externos – extraliterários – como a biografia dos autores, a análise 
psicológica ou os julgamentos subjetivos sobre o valor das obras, ca-
racterísticas da crítica durante o século XIX. Mas o que significa conside-
rar os elementos internos como o centro da análise literária?
Um texto importante a esse respeito é o ensaio A arte como procedi-
mento, escrito por Viktor Chklovsky em 1917. Chklovsky defendia que o 
objetivo da arte era nos tirar do modo de percepção automático, criado 
pelo hábito e pela repetição. Quando você anda de ônibus, por exem-
plo, raramente percebe todos os detalhes da viagem, as diferentes pai-
sagens que você atravessa e as pessoas que você encontra. O normal é 
entrarmos no “piloto automático”, de modo que a percepção do espaço 
ao nosso redor só se atém ao necessário (os assentos disponíveis, a 
proximidade do ponto de desembarque etc.).
Chklovsky diz que é como se os objetos da nossa experiência esti-
vessem empacotados. Nós sabemos o que tem dentro do pacote, e isso 
é o suficiente. O objetivo da arte e de seus procedimentos seria abrir 
o pacote, fazer com que nossa percepção estranhe o objeto desem-
brulhado, intensificando e prolongando nossa experiência, como se 
estivéssemos entrando em contato com aquela coisa pela primeira vez.
40 Teoria da Literatura I
Como exemplo, o autor cita o conto Kholstómer, do romancista rus-
so Liev Tolstói, em que a ideia de propriedade é examinada por um 
cavalo, narrador da história. Ele se pergunta, por exemplo, o que signi-
fica para um humano chamá-lo de meu cavalo. A ideia de propriedade, 
tão entranhadaem nosso cotidiano, é vista com novos olhos. Para que 
isso aconteça, é preciso que o objeto ou a ideia apareça de uma forma 
estranha. Por meio dos olhos de um cavalo, por exemplo. Por isso, 
uma das noções centrais do formalismo russo é a de estranhamento 
ou desfamiliarização (às vezes referida pelo nome russo, ostranenie).
Agora, comentaremos outra noção relevante. Segundo Eagleton 
(2006), um dos conceitos formulados pelos formalistas, principalmen-
te pelo linguista e teórico Roman Jakobson, foi o de literariedade. A 
literariedade é a resposta que alguns formalistas deram à pergunta o 
que é a literatura? Para eles, a literatura não é definida por ser ficcional 
ou imaginativa, noções ligadas ao conteúdo da obra, e sim por se utili-
zar da linguagem de uma forma singular. Jakobson falava de uma “vio-
lência organizada contra a fala comum” (JAKOBSON apud EAGLETON, 
2006, p. 3) para se referir à literariedade.
Quando usamos a língua no cotidiano, temos que pensar em duas 
coisas: nas palavras que queremos usar e em como combiná-las. Quan-
do você se esquece de uma palavra, pode usar um sinônimo, uma des-
crição, ou seja, a importância da palavra é apontar para o objeto ao 
qual você quer se referir, apontar para fora da língua. Além disso, se-
gundo Jakobson, procedimentos literários como a rima, o paralelismo, 
a aliteração e a assonância são provas de que, no uso poético da língua, 
as palavras que queremos usar não valem somente para apontar para 
algo no mundo, mas também para criar uma relação com as outras 
palavras dentro do texto.
Dizer apenas que a literatura é um uso não-pragmático 1 da lingua-
gem recai em algumas contradições. A título de exemplo, temos a obra 
Os sertões, de Euclides da Cunha, que pode ser lida tanto do ponto de 
vista histórico e geográfico quanto literário.
• Contexto social sem relevância para a análise da obra.
• Crítica baseada somente no texto literário.
• Desautomatização do olhar sobre a linguagem literária.
• Atenção aos componentes linguísticos dos textos.
• Literariedade como conceito chave.
El
en
a 
Pi
m
uk
ov
a/
Sh
ut
te
rs
to
ck
Características do Formalismo
Como você pode imaginar, dar uma importância tão grande à 
forma e tentar eliminar qualquer relação da obra literária com o 
contexto em que foi escrita trouxe alguns problemas para os for-
malistas. Eagleton (2006) aponta para o fato de que a definição do 
que é considerado literário ou não depende também do contexto 
em que o texto está inserido e, ainda, de como o leitor vai significar 
certas obras.
Yu
m
m
yp
ho
to
s/
Sh
ut
te
rs
to
ck
Os Sertões, de Euclides 
da Cunha, foi publicado 
em 1902. Nele o escritor 
relata a Guerra de Canu-
dos (1896-1897), ocorrida 
no interior da Bahia e 
capitaneada pela figura 
de Antônio Conselheiro. O 
livro, um misto de relato 
histórico e literário, foi 
resultado de notas toma-
das pelo autor, à época 
um jornalista enviado 
para cobrir a guerra. Com 
linguagem científica, ele 
é dividido em três partes 
(Terra, O homem e A luta). 
Euclides cobre uma série 
de áreas do saber, como 
antropologia, geografia, 
história e sociologia.
CUNHA, E. da. Os Sertões. São Paulo: 
Três, 1984
Livro
Pragmática é uma área de 
estudos da linguística que 
analisa a linguagem tendo 
em vista seu contexto de 
uso e a relação entre os 
interlocutores.
1
Correntes literárias 41
as palavras que queremos usar não valem somente para apontar para 
algo no mundo, mas também para criar uma relação com as outras 
palavras dentro do texto.
Dizer apenas que a literatura é um uso não-pragmático 1 da lingua-
gem recai em algumas contradições. A título de exemplo, temos a obra 
Os sertões, de Euclides da Cunha, que pode ser lida tanto do ponto de 
vista histórico e geográfico quanto literário.
• Contexto social sem relevância para a análise da obra.
• Crítica baseada somente no texto literário.
• Desautomatização do olhar sobre a linguagem literária.
• Atenção aos componentes linguísticos dos textos.
• Literariedade como conceito chave.
El
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Características do Formalismo
Como você pode imaginar, dar uma importância tão grande à 
forma e tentar eliminar qualquer relação da obra literária com o 
contexto em que foi escrita trouxe alguns problemas para os for-
malistas. Eagleton (2006) aponta para o fato de que a definição do 
que é considerado literário ou não depende também do contexto 
em que o texto está inserido e, ainda, de como o leitor vai significar 
certas obras.
Yu
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Os Sertões, de Euclides 
da Cunha, foi publicado 
em 1902. Nele o escritor 
relata a Guerra de Canu-
dos (1896-1897), ocorrida 
no interior da Bahia e 
capitaneada pela figura 
de Antônio Conselheiro. O 
livro, um misto de relato 
histórico e literário, foi 
resultado de notas toma-
das pelo autor, à época 
um jornalista enviado 
para cobrir a guerra. Com 
linguagem científica, ele 
é dividido em três partes 
(Terra, O homem e A luta). 
Euclides cobre uma série 
de áreas do saber, como 
antropologia, geografia, 
história e sociologia.
CUNHA, E. da. Os Sertões. São Paulo: 
Três, 1984
Livro
Pragmática é uma área de 
estudos da linguística que 
analisa a linguagem tendo 
em vista seu contexto de 
uso e a relação entre os 
interlocutores.
1
3.2 Estruturalismo 
Vídeo
Se você resolver mergulhar nos textos dos estruturalistas, vai en-
contrar uma série de semelhanças com o formalismo. Ambas as esco-
las enfatizam o texto em detrimento do contexto e estão atentas aos 
aspectos materiais da linguagem literária (que palavras estão sendo 
usadas; como as frases se encadeiam; quais são as semelhanças e dife-
renças entre os sons escolhidos), além de terem como projeto utilizar o 
instrumental linguístico para fazer análise literária e tornar a teoria da 
literatura uma ciência.
42 Teoria da Literatura I
Roman Jakobson, o linguista e teórico russo citado na seção ante-
rior, tornou-se estruturalista. Isso não foi uma mudança drástica de 
percurso, apenas uma evolução de sua trajetória intelectual. Ele passou 
por Praga, onde fundou o chamado Círculo Linguístico de Praga. Duran-
te as viagens e migrações, Jakobson aprofundou seus conhecimentos 
sobre a obra de Ferdinand de Saussure, um linguista suíço considerado 
o pai do estruturalismo linguístico. Por sua influência na Rússia, na Eu-
ropa e nos Estados Unidos, Jakobson acabou se tornando uma espécie 
de patrono do estruturalismo.
Entretanto, se o formalismo e o estruturalismo se parecem tanto, 
qual a diferença? Com o perdão do trocadilho, a diferença é justamente 
a diferença. A linguística antes de Saussure se ocupava de línguas mor-
tas, principalmente do latim, do grego e do sânscrito. Saussure foi um 
dos primeiros a estabelecer métodos sólidos para estudar uma língua 
viva. Segundo ele, se consideramos o estado presente de uma língua, 
o significado das palavras é definido por sua diferença em relação a 
outras palavras.
A palavra gato, por exemplo, não tem seu significado definido pelo 
fato de poder ser usada para se referir aos gatos do mundo. O signi-
ficado de gato é constituído também pelo que a palavra gato não é. 
Gato não é rato, nem pato, nem mato (e a diferença entre as palavras 
mencionadas é uma diferença fonética, mas vale para as diferenças 
semânticas: gato não é tigre, que não é leão etc). Se todas as palavras 
podem ser definidas em sua relação negativa com as outras, ou seja, 
se elas podem ser definidas a partir daquilo que elas não são, a língua 
forma uma estrutura complexa articulada pela diferença entre seus 
elementos.
Na análise literária, a noção de estrutura vai fazer com que a obra 
seja vista como uma totalidade, na qual os significados de cada ele-
mento devem ser contrastados e comparados com os outros elemen-
tos. Um dos estudos mais famosos do estruturalismo é a Morfologia do 
Conto Maravilhoso, do russo Vladimir Propp (1984). Propp se propôs 
a comparar uma série de contos de fadas e histórias populares,ex-
traindo delas uma série de invariantes estruturais. Essas invariantes 
nada mais são que os elementos os quais se repetem ou têm função 
semelhante nas histórias. Pense, por exemplo, nos filmes de princesas 
da Disney ou nos filmes de super-heróis. É quase como se uma mesma 
história pudesse ser contada com pequenas variações.
Ferdinand de Saussure 
foi um linguista suíço 
considerado o fundador 
do Estruturalismo. 
Grande parte de suas 
pesquisas foram rea-
lizadas nos EUA e sua 
principal obra, Curso de 
Linguística Geral, discorre 
sobre a arbitrariedade 
do signo, ou seja, ele diz 
que a relação entre o 
significante (o som) e o 
significado (representa-
ção material) não tem 
uma lógica. Daí vem a 
existência de diversas 
línguas que dão nomes 
diferentes para o mes-
mo significado, sendo 
papel do linguista extrair 
uma estrutura linguística 
desse processo.
 F.
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História em foco
Correntes literárias 43
Para entendermos um pouco melhor como uma análise estrutura-
lista lida com um texto literário, o ensaio chamado Les chats de Charles 
Baudelaire (1962) se ocupa da análise de um poema de Charles Bau-
delaire, poeta simbolista francês do século XIX. O trabalho foi escrito 
a quatro mãos, por Roman Jakobson e Claude Lévi-Strauss, principal 
expoente do estruturalismo em antropologia.
O procedimento de Jakobson e Lévi-Strauss é o seguinte: eles come-
çam falando sobre o esquema de rimas, fazendo uma breve discussão 
sobre o papel das vogais nos tratados franceses de versificação clás-
sica, e relacionam o esquema de rimas com a escolha das categorias 
gramaticais das palavras que terminam cada verso, em que todas são 
substantivos ou adjetivos.
A análise continua com o mesmo procedimento, aprofundando as 
relações entre as partes e transformando todo tipo de classificação gra-
matical em significado. Os substantivos se referem a coisas animadas 
ou inanimadas? O que dizer do fato de todos os pronomes no texto 
estarem no plural? Cada um desses elementos se articula com as pala-
vras e vai revelando o poema como uma estrutura.
Neste breve resumo, podemos perceber duas características impor-
tantes do estruturalismo:
 • a análise opera com base em oposições (ou diferenças) entre dois 
elementos (rimas com vogal terminal e rimas sem vogal terminal, 
animado e inanimado, plural e singular, metáfora e metonímia);
 • o estruturalismo é uma empreitada classificatória, e todos os ele-
mentos recebem seu devido lugar na rede de oposições formada 
pelo texto.
O livro O Herói de Mil 
Faces apresenta a famosa 
noção de jornada do 
herói, criada por Cam-
pbell, que passou por 
diversas formações, como 
literatura e mitologia, foi 
influenciado pela obra do 
psicólogo Carl Jung, cuja 
principal tese são os tipos 
psicológicos, estrutura 
que organizaria a psique 
de todos os indivíduos. 
Campbell, inspirado por 
essas ideias, apresenta 
a ideia de uma estrutura 
fixa a partir da qual se 
organizam as narrativas.
CAMPBELL, J. O herói de mil faces. 
São Paulo: Pensamento-Cultrix, 1992.
Livro
3.3 Pós-estruturalismo 
Vídeo Como o próprio nome já indica, o pós-estruturalismo é uma conti-
nuação do estruturalismo. Porém a continuidade indicada pelo prefixo 
pós não é simples. Podemos pensar da seguinte maneira: o pós-es-
truturalismo tenta explorar a fundo alguns dos pressupostos básicos 
do estruturalismo. As conclusões tiradas, no entanto, não reiteram as 
ideias estruturalistas, mas sim as questionam. Você se recorda que a 
ideia de diferença era fundamental para a formação da ideia de estru-
tura no estruturalismo?
44 Teoria da Literatura I
Se considerarmos que a diferença indicava que tanto o significado 
como o significante, tanto a parte material da palavra (a palavra gato, 
por exemplo) quanto sua parte referencial (o fato de que a palavra gato 
aponta para certo tipo de felino), eram constituídos por suas diferenças 
em relação a outras palavras, isso implica no fato de que um elemento 
da língua está relacionado com todos os outros elementos. Daí a ideia 
de estrutura. Entretanto, se para compreender o significado de uma 
palavra é preciso de outras palavras, qual o limite do processo? Em que 
momento a língua passa a entrar em contato com o mundo?
O pós-estruturalismo nos propõe responder a essas perguntas den-
tro dos próprios limites do estruturalismo. Se o processo de passagem 
de um significado a outro é necessário para a compreensão, e o sig-
nificado é o produto da passagem de uma palavra para outra, então 
a palavra à qual chegamos também precisa passar por esse processo 
de esclarecimento, apontando para outras palavras. O limite do pro-
cesso não existe. Todavia essa radicalização da ideia de diferença faz 
com que a ideia de estrutura seja abalada. A diferença estruturalista 
fazia com que os elementos da língua estivessem inseridos de maneira 
coerente em uma estrutura, em um todo completo. A diferença pós-
-estruturalista faz com que esse todo perca o seu centro e com que os 
significados continuem vazando para outros significados.
Na seção anterior, vimos como Jakobson e Lévi-Strauss foram capa-
zes de, por meio de uma série de oposições binárias, criar uma estrutu-
ra que articulasse o máximo de elementos significativos de um poema. 
Uma leitura pós-estruturalista poderia se perguntar: que elementos 
essas oposições deixam de lado? Que aspectos do poema (ou do texto) 
elas são obrigadas a excluir para que a leitura não perca a coerência?
Jacques Derrida, um dos mais famosos teóricos do pós-estruturalis-
mo, usava o que acabamos de descrever como um método de leitura. 
Várias de suas obras discutem pequenos trechos, notas de rodapé e 
escolhas de palavra de obras importantes da tradição ocidental. Em 
A farmácia de Platão (2020), Derrida faz uma longa discussão sobre a 
escolha que Platão faz, em seu diálogo Fedro, da palavra phármakos 
para descrever a escrita e sua relação com a memória. Phármakos, em 
grego, significa tanto veneno como remédio, um pouco parecido com o 
que acontece com o português droga. Ele percebe que a maioria das 
leituras do diálogo platônico decide por um significado.
Correntes literárias 45
A interpretação é guiada pela escolha por um dos opostos. A escri-
ta ou é um veneno para a memória (a interpretação mais usual), ou 
é um remédio. Mas, e se suspendermos a oposição e tentarmos ler 
os dois significados da palavra ao mesmo tempo? E se aceitarmos a 
ambiguidade do texto como parte constitutiva dele, não como um in-
cômodo que aparece somente quando lemos? Essas são justamente as 
perguntas que Derrida tenta responder em seu livro, e que podem ser 
aplicadas a muitos outros textos. A esse modelo de leitura, Derrida deu 
o nome de desconstrução.
É significativo frisar que o pós-estruturalismo foi um movimento 
multifacetado. Derrida, por exemplo, era da opinião de que, mesmo 
que as ideias de estrutura e de totalidade fossem abaladas pela radica-
lização de pressupostos estruturalistas, elas não poderiam ser comple-
tamente eliminadas. Elas teriam que ser, quando possível, contornadas. 
Para dizer de outro modo, usando novamente o Fedro de Platão, ele 
tentava manter ao máximo a ambiguidade entre “veneno” e “remédio”. 
Mas em alguns momentos é preciso decidir entre um e outro.
O relevante é estabelecer que a decisão não é imperativa, que ela 
não precisa continuar pelo texto todo em nome da “coerência”. Outros 
teóricos pós-estruturalistas tinham opiniões diferentes sobre a relação 
dos textos com a totalidade dos significados. Alguns não concordavam 
com a ideia de “suspensão” da ambiguidade, importante para Derrida, 
e preferiam fazer com que os termos binários fossem se multiplicando 
e nos levando a outros lugares.
Nesse sentido, você pode conferir a obra Kafka: por uma literatura 
menor (2014), dos teóricos franceses Gilles Deleuze e Félix Guattari. Os 
dois se propõem a ler a obra de Franz Kafka de um modo diferente do 
proposto por Derrida. Eles não deixam de usaruma série de oposições 
binárias, não deixam de se apoiar em classificações dos diferentes as-
pectos da obra de Kafka, entretanto as oposições e as classificações 
não apontam mais para uma estrutura totalizante, e sim para um pro-
cesso contínuo de passagem entre significados. Os autores chamam 
isso de linhas de fuga.
Para termos um exemplo mais concreto, leia a seguir um trecho de um 
conto, O idioma analítico de John Wilkins, do escritor argentino Jorge Luis 
Borges (2007), autor muito admirado pelos pós-estruturalistas. Ele fala de 
uma enciclopédia chinesa, na qual os animais são classificados como:
O filme Cópia fiel começa 
com uma palestra na qual 
fala-se sobre a relação 
entre o espectador e a có-
pia de uma obra de arte. 
O enredo gira em torno 
de dois personagens, um 
homem e uma mulher, 
que parecem estar se 
conhecendo pela primeira 
vez. No final, parece haver 
uma encenação da briga 
dos dois como se fossem 
um casal há muito tempo. 
A ideia de diferença e 
repetição está implícita 
no título: cópia como 
reprodução do original e 
coppia, em italiano, que 
significa casal.
Direção: Abbas Kiarostami. Irã; 
França; Itália; Bélgica: mk2, 2010.
Filme
46 Teoria da Literatura I
a) pertencentes ao imperador, b) embalsamados, c) domestica-
dos, d) leitões, e) sereias, f) fabulosos, g) cães em liberdade, h) 
incluídos na presente classificação, i) que se agitam como loucos, 
j) inumeráveis, k) desenhados com um pincel muito fino de pelo 
de camelo, l) et cetera, m) que acabam de quebrar a bilha, n) que 
de longe parecem moscas. (BORGES, 2007, p. 113)
Borges propõe uma lista de categorias que ironiza a lógica comum. 
Sua classificação salta de um critério a outro, incluindo critérios me-
talinguísticos (“incluídos na presente classificação”) ou totalmente ar-
bitrários (“desenhados com um pincel muito fino de pelo de camelo” 
ou “que de longe parecem moscas”). Essa lista faz com que os animais 
que deveriam ser enredados na classificação fujam e se dispersem por 
todos os lados. Isso torna a leitura muito mais interessante.
3.4 Estética da recepção 
Vídeo A estética da recepção surgiu no fim da década de 60 na Alemanha. 
Seus principais teóricos são às vezes referidos como a Escola de Cons-
tança, cidade no sul da Alemanha. Enquanto a maioria dos esforços 
teóricos até então se centravam na relação entre autor e texto, a es-
tética da recepção se voltava para a relação entre os leitores e o texto.
Hans Robert Jauss (1979), um dos mais importantes teóricos dessa 
escola, diz que a vida de uma obra só se faz por meio da existência 
de gerações sucessivas de leitores. A história literária, segundo ele, de-
veria ser reescrita ou reexaminada considerando esse ponto de vista. 
Não mais uma história do texto, mas uma história da evolução de suas 
leituras. Outro dos representantes da estética da recepção, Wolfgang 
Iser (1996), criou a noção de leitor implícito, que seria a ideia de que o 
texto traz um leitor interno. Cabe à crítica analisar como se constrói o 
leitor implícito de obras específicas e como o leitor singular se relaciona 
com esse itinerário de leitura.
Embora sejam colocadas embaixo do mesmo guarda-chuva, as 
visões de Jauss e Iser têm muitas diferenças. Jauss está mais interes-
sado no plano histórico da leitura. Ele se propõe a não deixar a esté-
tica da recepção cair na análise psicológica da experiência de leitura 
individual. Para manter o caráter objetivo da história literária, ele 
Correntes literárias 47
Master1305/Shutterstock
insere a leitura de um texto em um contexto de recepção. Quais são 
os gêneros literários predominantes na época da primeira leitura da 
obra? Como os leitores se relacionam com esses gêneros? Qual é a 
herança literária da geração de leitores que consomem o texto? Há, 
para os leitores, alguma distinção implícita entre linguagem literária 
e linguagem prática?
Essa série de questões forma o que Jauss chama de horizonte de ex-
pectativa. Pense, por exemplo, no papel que a Bíblia desempenhou du-
rante muito tempo como referência literária. Isso vale para a literatura 
medieval, mas também para muitos autores do século XIX. O escritor 
russo Fiódor Dostoiévski, por exemplo, faz uma série de referências 
bíblicas em boa parte de suas obras. O que muda na recepção de suas 
obras quando consideramos, por um lado, um público que conhece a 
Bíblia e estudou na escola e, por outro, um público que tem pouco ou 
nenhum contato com as narrativas bíblicas? Esse tipo de indagação dá 
corpo ao “horizonte de expectativa”, e a sucessão desses movimentos 
de leitura forma a história da recepção de uma obra.
E no que isso tudo se difere do ponto de vista de Iser? A ideia de 
um leitor implícito é menos histórica e mais interna ao texto. Afirmar 
que um texto tem um leitor implícito significa dizer que há percursos 
de leitura que podemos deduzir dos textos e que são válidos para 
qualquer leitor. Ou seja, o modo como o sentido do texto é construído 
é igual para todos, o que muda é a relação individual do leitor com o 
sentido construído.
Em histórias de mistério, como as de Agatha Christie ou Edgar Allan 
Poe, a imposição de saber quem é o criminoso apenas no final do texto 
é igual para todos os leitores. Iser dizia, inclusive, que os vazios dei-
xados pelo texto são chamados para a cooperação do leitor. Para dar 
outro exemplo, nos contos e romances de Rubem Fonseca, o ponto de 
vista do leitor muitas vezes coincide com o de criminosos. Esse é um 
fato do texto, porém cada leitor vai reagir a essa coincidência de modos 
distintos (JOUVE, 2002).
Outra noção importante para a estética da recepção é a de pacto de 
leitura. O modo como lemos determinadas obras é guiado por pactos. 
Há pactos de leitura que dizem respeito às normas culturais vigentes 
em uma época. Por exemplo, quando você vai a uma livraria, há uma 
seção específica para as autobiografias (textos que lemos como sendo 
“reais”) e outra para os romances (textos que lemos como sendo “fic-
cionais”). O pacto está pressuposto nessa nomenclatura. O fato de você 
pegar um livro com uma ou outra etiqueta já direciona a maneira como 
vai receber aquele texto. Esses pactos sociais de maior escala podem 
ser subvertidos.
Os romancistas dos séculos XVIII e XIX gostavam de escrever ro-
mances em forma de carta, os romances epistolares, para dar ao 
leitor a sensação de que não estavam lendo um romance. Muitas 
vezes esse formato de texto era acompanhado por uma nota que 
dizia que o autor era apenas o editor das cartas, isto é, a pessoa que 
as tinha encontrado e organizado. Exemplos são Os sofrimentos do 
jovem Werther, de Goethe, que acabou gerando uma onda de suicí-
dios na Europa, tamanha a identificação que os leitores sentiam com 
o texto, e As ligações perigosas, de Pierre Choderlos de Laclos, que re-
trata a aristocracia francesa pré-revolução como uma classe ociosa 
e sem escrúpulos, que gostava de humilhar seus pares e participar 
de jogos de sedução.
Porém os pactos também podem ser singulares. Uma obra pode 
dar indicações explícitas de como quer ser lida, propondo ao leitor um 
pacto que não diz mais respeito a um gênero ou a uma nor-
ma social, mas à relação individual com aquele texto. Há 
romances não-lineares, como Rayuela, do escritor argenti-
no Júlio Cortázar, que podem ser lidos em mais de uma 
ordem. Cortázar propõe ao leitor uma leitura linear, do 
começo ao fim, e oferece a ele um mapa com outro iti-
nerário possível, lendo capítulos específicos em uma 
ordem não sequencial.
A estética da recepção e a importância da 
relação obra-leitor provocaram impactos im-
portantes nas obras de teóricos não ligados à 
Escola de Constança, como Umberto Eco e Gé-
rard Genette, e geraram uma interessante 
discussão sobre os aspectos históricos, 
materiais e psicológicos da leitura.
No livro Obra aberta, o 
teórico Umberto Eco 
foca em questões não 
apenas literárias, mas 
também ligadas à teoria 
da informação, além de 
debater o papel do leitor 
e espectador nessecircui-
to. Para Eco, a obra seria 
prenhe de significados a 
serem preenchidos pelo 
leitor, responsável por 
suplementar os espaços 
vazios, uma vez que o 
autor não detém todos 
os significados de seu 
projeto estético.
ECO, U. São Paulo: Perspectiva, 2015.
Livro
Master1305/Shutterstock
4848 Teoria da Literatura ITeoria da Literatura I
Correntes literárias 49
3.5 Estudos culturais 
Vídeo Se os movimentos e as escolas discutidos até aqui tiveram seu 
maior impacto e difusão na Europa, os estudos culturais são uma área 
de estudos criada e desenvolvida dentro da língua inglesa, principal-
mente na Inglaterra e suas colônias e nos Estados Unidos. Sua criação 
foi muito influenciada pelo contexto das disputas e tendências políticas 
das décadas de 50 e 60, com forte presença das lutas gerais por direi-
tos civis, do movimento negro, da segunda onda do feminismo e do 
pós-colonialismo.
Os estudos culturais são uma tentativa multidisciplinar de com-
preender como os significados são produzidos, distribuídos e con-
sumidos nas sociedades. Para isso, a disciplina precisa incorporar 
conhecimentos de diversas áreas das ciências humanas, como os estu-
dos políticos, a sociologia, a antropologia, a economia, a crítica literária, 
as teorias da comunicação e semiótica, a geografia e a filosofia, entre 
outras. Estamos falando aqui de um esforço que se traduz, na crítica 
literária, em interpretar uma obra a partir das várias facetas da socie-
dade na qual ela está inserida.
Como já dissemos, os estudos culturais surgiram em países angló-
fonos, porém muitos representantes do que no Brasil se costuma cha-
mar de crítica sociológica estariam classificados como parte dos estudos 
culturais, se tivessem feito suas carreiras em outro lugar. Falamos aqui, 
principalmente, das obras de Antonio Candido e Roberto Schwarz, crí-
ticos que se preocupam com a articulação entre aspectos sociais, cul-
turais e literários.
Em um ensaio famoso, Um mestre na periferia do capitalismo, sobre 
a obra de Machado de Assis, Roberto Schwarz (2012) procura articular 
o fato de que em Memórias Póstumas de Brás Cubas há um narrador vo-
lúvel e a posição ambígua da burguesia nacional, que apoiava as ideias 
liberais e o republicanismo e, ao mesmo tempo, convivia e tolerava a 
escravidão.
Um dos principais representantes dos estudos culturais anglófonos 
foi Stuart Hall (2019), nascido na Jamaica. Ele desenvolveu um enorme 
trabalho ao redor da ideia de que a língua e a cultura não são ape-
nas lugares de identificação, mas estruturas de poder, operadas por 
de
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pi
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o/
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de
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instituições políticas e econômicas. Seus estudos sobre a cultura não 
partiam de um lugar contemplativo, no entanto tinham um sentido 
programático de intervenção política.
Ele estudou, por exemplo, as relações entre a mídia e o racismo, 
entre as colônias inglesas e a metrópole. Alguns de seus colegas, como 
E. P. Thompson e Raymond Williams, estudaram o papel da classe tra-
balhadora na formação do inglês e a relação entre a cultura popular e a 
arte produzida pelas elites. As ideias de Hall e seus colegas foram muito 
influenciadas pelo teórico marxista italiano Antonio Gramsci (1999) e 
sua ideia de hegemonia cultural, que pretende descrever como a posi-
ção de dominância de uma classe pode moldar a cultura para a manu-
tenção do status quo.
Uma faceta particular dos estudos culturais anglófonos é a impor-
tância dada às diferentes mídias como objetos de estudo. Estamos fa-
lando aqui do papel do rádio, da televisão, do jornal e do cinema como 
meios de moldar uma cultura e vários de seus fenômenos. Isso faz com 
que os estudiosos da cultura dialoguem com a teoria da comunicação 
em suas mais diversas facetas, das abstrações de Claude Shannon, ma-
temático fundador da teoria da informação, às formulações de Mar-
shall McLuhan, teórico da comunicação canadense que via os meios de 
comunicação como extensões do corpo humano. Há também um diá-
logo produtivo com a Escola de Frankfurt, já que muitos de seus repre-
sentantes, como Theodor Adorno, Max Horkheimer e Herbert Marcuse, 
dedicaram obras à análise do papel das mídias de massa na formação 
do fascismo e do nazismo.
O romance Eu, Tituba: 
bruxa negra de Salém 
narra a história de 
Tituba, uma das primeiras 
mulheres chamadas de 
bruxa a ser julgada e 
condenada à escravidão 
pelos tribunais de Salem, 
em 1692. Mesmo com a 
ajuda de entidades e es-
píritos, ela não consegue 
escapar ao destino cruel 
que lhe é reservado. A 
obra trata da situação a 
qual as mulheres eram 
sujeitas no século XVII 
e retrata a diáspora do 
povo negro.
CONDÉ, M. 7. ed. São Paulo: Rosa 
dos Tempos, 2019.
Livro
5050 Teoria da Literatura ITeoria da Literatura I
Correntes literárias 51
Os estudos culturais são, portanto, um esforço multidisciplinar 
para entender o modo como a cultura articula relações de poder e 
qual o papel das diferentes classes, etnias e gêneros em relação a 
essas posições de poder. Sua influência não ficou restrita à crítica, 
mas também influenciou a produção literária. Para citar apenas dois 
exemplos que podem te interessar, as obras da nigeriana Chimaman-
da Ngozi Adichie e da guadalupense Maryse Condé dialogam com 
muitas das questões propostas pelos estudos culturais, principalmen-
te a temática feminista e a relação que os colonizados estabelecem 
com a língua dos colonizadores.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como vimos, há diversas correntes teóricas na literatura com as quais 
podemos analisar todos os gêneros (conto, romance, ensaio, poema etc). 
É importante ressaltar que, apesar de nossa abordagem ser cronológica, 
nada impede que um poema seja analisado por um viés formalista, ou 
estruturalista e assim por diante.
Além disso, não se pode perder de vista que essas correntes, assim 
como acontece com as obras literárias, passam por releituras teóricas 
com o passar dos anos. Isto é, o que se entende hoje por Formalismo 
Russo não é o mesmo que há 50 anos atrás. Revisitar esses lugares é 
essencial para saber o que ainda é possível extrair deles ou, ainda, esta-
belecer um novo ponto de vista teórico.
ATIVIDADES
Atividade 1
A partir do que foi exposto neste capítulo, apresente as caracterís-
ticas do Formalismo Russo..
Atividade 2
Faça um breve resumo sobre o que você entendeu acerca da 
corrente Estruturalista.
52 Teoria da Literatura I
Atividade 3
Discorra sobre as principais características dos Estudos Culturais.
REFERÊNCIAS
BORGES, J. L. Outras inquisições. São Paulo: Companhia das letras, 2007.
CAMÕES, L. de. Os lusíadas. Porto Alegre: L&PM, 2008.
CHKLOVSKY, V. Teoria da literatura: textos dos formalistas russos. São Paulo: Editora da 
Unesp, 2014.
DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Kafka: por uma literatura menor. Belo Horizonte: Autêntica, 
2014.
DERRIDA, J. A farmácia de Platão. São Paulo: Iluminuras, 2020.
EAGLETON, T. Teoria da literatura: uma introdução. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
GRAMSCI, A. Cadernos do cárcere: introdução ao estudo da filosofia: a filosofia de Benedetto 
Croce. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999. v. 1.
HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade 12. ed. Rio de Janeiro: Lamparina, 2019.
ISER, W. O ato da leitura: uma teoria do efeito estético. São Paulo: Editora 34, 1996. v. 1.
JAKOBSON, R.; LÉVI-STRAUSS C. Les Chats de Charles Baudelaire.” L’Homme, vol. 2, no. 1, 
p. 5–21. 1962.
JAUSS, H. R. A literatura e o leitor: textos de estéticas da recepção. Rio de Janeiro: Terra e 
Paz, 1979.
JOUVE, V. A leitura. São Paulo: Editora da Unesp, 2002.
PROPP, V. Morfologia do conto maravilhoso. São Paulo: Perspectiva, 1984.
SCHWARZ, R. Um mestre na periferia do capitalismo: Machado de Assis. 5. ed. São Paulo: 
Editora 34, 2012.
TODOROV, T. Teoria da literatura: textos dos formalistas russos. São Paulo: Editora da 
Unesp, 2014.
Aspectos narrativos 53
4
Aspectos narrativos
A epopeia, o drama – sua subdivisão, a comédia – e a lírica são os 
principais gênerosliterários cunhados por diversas artes poéticas des-
de a Antiguidade Clássica. Neste capítulo, vamos tratar especificamente 
dos diferentes gêneros narrativos em prosa. Vários deles são desdobra-
mentos dos gêneros apontados anteriormente e considerados, em sua 
maioria, modernos.
Na primeira seção, trataremos da crônica, do conto, do romance, 
da biografia, da autoficção e da metaficção historiográfica como formas 
literárias. As categorias nos darão uma boa visão de como a prosa (ro-
mance) – vista como um desdobramento da epopeia – influenciou os 
demais tipos.
Em seguida, exploraremos as diferentes facetas do narrador, que 
pode ser narrador-personagem, narrador-onisciente e narrador- 
observador. Faremos isso a partir da análise de trechos de obras. 
Depois, trabalharemos com a noção de temporalidade em uma narra-
tiva, conhecendo autores que teorizam sobre a concepção temporal a 
partir do estudo de casos.
Por fim, trataremos da construção espacial na narrativa, ou seja, 
como se dá a ambientação nos textos em prosa, como as personagens 
e a temporalidade transitam por esses espaços. Com essas ferramentas 
em mãos, com certeza sua leitura nunca mais vai ser a mesma!
Com o estudo deste capítulo, você será capaz de:
• aprender os principais gêneros narrativos em prosa: crônica, con-
to, romance, biografia, autoficção, ficção historiográfica;
• conhecer os principais tipos de narradores: personagem, oniscien-
te e observador;
• conhecer autores que teorizam sobre a concepção temporal em 
narrativas em prosa.
Objetivos de aprendizagem
4.1 Gêneros narrativos 
Vídeo Quando falamos em gêneros narrativos, geralmente consideramos 
aqueles escritos em prosa. A respeito do romance, em específico, o fi-
lósofo húngaro György Lukács (2009) aborda o gênero épico e a figura 
do herói. Ele crê que a epopeia grega deu origem ao romance – consi-
derado um gênero moderno, atrelado à sociedade burguesa. Além do 
romance, corolário das narrativas em prosa tal qual conhecemos hoje, 
temos também os contos, as novelas, as crônicas, biografias, autoficção 
e ficção historiográfica.
4.1.1 Romance moderno
O escritor Milan Kundera (2016) afirma que o romance é capaz de 
dizer tudo, abordar qualquer questão que o circunde sem deixar de ser 
ficção. Nos tempos modernos, considerado entre os séculos XVI e XVII, 
ele aponta para Dom Quixote (1605), escrito pelo espanhol Miguel de 
Cervantes, como o primeiro romance.
Kundera pontua a autonomia do romance nesse momento e sua 
relação direta com os acontecimentos históricos e sociais ao seu redor, 
além de ver nele um espaço de formulação de questões existenciais. 
Assim, “o romance descobriu, a sua própria maneira, por sua própria 
lógica, os diferentes aspectos da existência [...] o romance acompanha 
o homem constante e fielmente desde o princípio dos tempos moder-
nos” (KUNDERA, 2016, p. 13).
ALE
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5454 Teoria da Literatura ITeoria da Literatura I
Aspectos narrativos 55
O romance, na concepção do autor, servia-se à descoberta e conhe-
cimento da existência. No caso de Dom Quixote, por exemplo, o que fica 
ao leitor é a possibilidade de diversas interpretações e leituras da obra, 
bem como o fato de que essas vão mudando com o passar do tempo, 
fazendo da obra um clássico moderno. Por fim, Kundera observa que a 
“Verdade totalitária exclui a relatividade, a dúvida, a interrogação, e ela 
jamais pode, portanto, se conciliar com o que eu chamaria o espírito do 
romance” (KUNDERA, 2016, p. 22).
O caráter intertextual do romance já está em Dom Quixote, que é 
uma paródia às novelas de cavalarias que circulavam à época. Nessas 
novelas, a figura dos heróis é destacada e eles vivem em busca de fazer 
justiça e de encontrar uma amada. Cervantes parodia esse modelo ao 
criar um protagonista já velho – Quixote tem cinquenta anos – e um 
companheiro de aventuras, Sancho Pança, que descreve o amigo como 
“Cavaleiro da triste figura”.
4.1.2 Crônica
Desde sua etimologia, a palavra crônica (do lat. chronica) estava 
 associada a um registro cronológico dos acontecimentos de seu tempo, 
ou seja, havia um compromisso com a verdade. Entrando no Moder-
nismo, com a difusão da imprensa e público letrado, a crônica passa a 
ser publicada em jornais e daí nasce uma intersecção entre jornalismo 
e literatura. Segundo Tuzino (2009), “a crônica tem a façanha de ser 
um texto que informa através do enfoque autoral, subjetivo, opinativo, 
parcial” (TUZINO, 2009, p. 2).
A autora ressalta que o termo crônica era usado em seu sentido pri-
mordial nas cartas trocadas entre Pero Vaz Caminha e o rei de Portugal. 
Porém, nesses textos, o intuito era, de fato, relatar o dia a dia na colô-
nia, inserindo dias da semana, datas, eventos importantes etc.
Na contemporaneidade a crônica foi assumindo outros papéis que 
não apenas esses protocolares. Durante o século XX, por exemplo, o 
espaço dos jornais e das revistas abriram-se para grandes escritores 
de ficção que também trabalhavam o gênero crônica. Alguns deles 
conhecidos por nós, como Clarice Lispector, Graciliano Ramos, Fer-
nando Sabino etc. Nesse sentido, elas passaram a abordar eventos e 
questões singelas do dia a dia para, daí, refletirem sobre algum aspec-
to mais intimista ou cômico, dependendo do estilo do autor.
Na obra A cultura do 
romance, Moretti aborda 
todos os ângulos da 
principal forma literária 
moderna: o romance. 
Além de apresentar 
questões relevantes 
quanto ao surgimento 
e modificações que o 
gênero passou, Moretti 
agrega à discussão textos 
de outros autores reno-
mados que pensaram a 
forma romance, como 
Vargas Llosa, Peter Burke, 
Umberto Eco etc. O livro 
alterna ensaios curtos, 
nos quais são analisados 
romances, com textos 
mais longos e densos, em 
que há um aprofunda-
mento teórico.
MORETTI, F. São Paulo: Cosac & 
Naify, 2009.
Livro
A obra As cem melhores 
crônicas brasileiras foi or-
ganizada por um famoso 
cronista, Joaquim dos San-
tos. O intuito não é definir 
as melhores crônicas, mas 
por tratar-se de uma an-
tologia, o autor selecionou 
aquelas escritas pelos 
autores mais famosos, 
como Rubem Fonseca, 
Millôr Fernandes, Carlos 
Heitor Cony etc. Além 
disso, é feito um recorte 
cronológico e assim 
podemos acompanhar a 
trajetória do gênero no 
decorrer das décadas.
SANTOS, J. F. dos. (org.). São Paulo: 
Objetiva, 2007.
Livro
56 Teoria da Literatura I
Master1305/Shutterstock
Todavia, as crônicas também surgem em seus 
aspectos mais analíticos, no que diz respeito ao 
tratamento do seu tema. No exemplo a seguir vemos 
uma crônica escrita pelo escritor Lima Barreto sobre a mor-
te. A reflexão é breve, porém densa.
Elogio da morte
Não sei quem foi que disse que a Vida é feita pela Morte. É a 
destruição contínua e perene que faz a vida.
A esse respeito, porém, eu quero crer que a Morte mereça maio-
res encômios.
É ela que faz todas as consolações das nossas desgraças; é dela que 
nós esperamos a nossa redenção; é ela a quem todos os infelizes 
pedem socorro e esquecimento.
Gosto da Morte porque ela é o aniquilamento de todos nós; gosto da 
Morte porque ela nos sagra. Em vida, todos nós só somos conhecidos pela 
calúnia e maledicência, mas, depois que Ela nos leva, nós somos conhecidos 
(a repetição é a melhor figura de retórica), pelas nossas boas qualidades.
É inútil estar vivendo, para ser dependente dos outros; é inútil estar vivendo 
para sofrer os vexames que não merecemos.
A vida não pode ser uma dor, uma humilhação de contínuos e burocratas idio-
tas; a vida deve ser uma vitória. Quando, porém, não se pode conseguir isso, a 
Morte é que deve vir em nosso socorro.
(BARRETO, 1918).
Assim como seus romances, memórias e contos, Barreto está sem-
pre atento ao seu entorno social e discorre sobre esse tema em grande 
parte de sua obra. Sua origem humilde e de família negra foi responsá-
vel pela exclusão de sua obra de um “cânone” literário brasileiro.
4.1.3 Autoficção
O primeiro teórico a pensar no termo em literatura foiPhilippe Le-
jeune, em suas obras O pacto autobiográfico (1975) e A autobiografia na 
França (1971). Nota-se que o conceito surgiu na França nos anos 1970 e 
gerou controvérsias a respeito de sua definição. Como observou Anna 
Faedrich (2016), a autoficção foi um modo de os autores falarem so-
bre suas vidas sem querer chamá-las de autobiografias. Isso porque 
a autobiografia era vista por eles como “não literatura”, ou seja, “não 
arte”.
Lejeune (2014) revitaliza a pesquisa em torno do autobiográfico, 
apresentando-o como uma leitura que exige um “pacto autobiográfi-
co”, no qual o leitor encararia a obra como “verdade do indivíduo” que 
Aspectos narrativos 57
a escreve. A despeito dos detratores das ideias de Lejeune, podemos 
afirmar que a autobiografia não deixa de ser, também, um romance, 
uma ficção. Afinal, como acessar com precisão suas próprias lembran-
ças? Há furos e espaços enuviados que o autor precisa preencher com 
a ajuda da imaginação. Tem-se apenas o acesso à memória.
No contexto da literatura brasileira, temos que tal estilo de escrita 
tornou-se uma tendência desde o início do século XXI. Um dos exem-
plos mais reconhecidos é O filho eterno (2007), do curitibano Cristóvão 
Tezza. A narrativa aborda um dado verídico sobre a vida do autor: o 
nascimento de seu primeiro filho, com síndrome de Down, no mo-
mento em que ele e a mãe do menino estão se separando. A obra 
aborda sem reservas as dificuldades em enfrentar os preconceitos 
das pessoas e as do pai em lidar com o filho e aceitá-lo. Tezza também 
aproveita para reordenar a própria vida antes do nascimento do filho, 
traçando seu caminho desde a juventude até o presente da narrativa. 
Em nenhum momento ele se nomeia na narrativa. A escolha de um 
narrador em terceira pessoa permite um distanciamento necessário 
em relação ao texto.
Observemos um trecho do romance:
Foi preciso que nascesse o seu filho para que, de um golpe só, ele percebesse 
a fissura medonha daquele otimismo cósmico que ele havia tomado de em-
préstimo de algum lugar como moldura estética da própria vida – tão lindo, 
tudo está em tudo, o tempo presente contido no tempo passado, a harmonia 
do espetáculo do universo como convidados de honra. 
(TEZZA, 2007, p. 64)
Nesse momento, crucial para a obra, a personagem (que sabemos 
ser Cristóvão Tezza, embora seja sempre mencionado como “Ele”) se 
depara com o filho e, através de uma voz narrativa em 3ª pessoa, trans-
parece sua decepção diante da síndrome que acompanha o filho.
4.1.4 Metaficção historiográfica
A pesquisadora Linda Hutcheon (1991) foi quem estabeleceu a noção 
de metaficção historiográfica a fim de classificar textos literários que afir-
mam uma interpretação do passado, mas sem deixarem de ser auto-re-
flexivos (ou seja, críticos e conscientes de sua própria visão da verdade 
como sendo parcial, tendenciosa, incompleta). Assim, a metaficção histo-
riográfica nos permite falar construtivamente sobre o que já aconteceu 
de uma forma que reconhece a falsidade e a violência do passado, sem 
nos deixar em um presente totalmente desnorteado e isolado.
Não é apenas na litera-
tura que encontramos 
a autoficção. O cineasta 
francês François Truffaut 
gravou uma série de 
cinco filmes com o 
ator Jean-Pierre Léaud, 
alter-ego do cineasta 
e muito parecido com 
ele. O intuito do filme Os 
incompreendidos é narrar 
o período entre a infância 
e a vida adulta de Antoine 
Doanel. No filme teste-
munhamos o abandono 
dos pais, a dificuldade em 
manter relacionamen-
tos amorosos e o jeito 
distraído do personagem, 
que na verdade é o pró-
prio cineasta.
Direção: François Truffaut. Paris: 
Cocinor, 1959.
Filme
58 Teoria da Literatura I
As questões manifestadas por Hutcheon e Frederic Jameson vêm 
a reboque de uma vertente da crítica chamada de pós-modernismo, 
onde entra a literatura pós-colonialista, mais interessada em questões 
ligadas à distribuição, disseminação e produção do conhecimento e 
da cultura. Assim, o olhar dos pesquisadores sai do eurocentrismo – 
que foi responsável por praticamente todas as correntes literárias no 
 século XX. A atenção volta-se para as margens, para a periferia do ca-
pitalismo, para as minorias que durante séculos não tiveram voz ou 
apreciação crítica.
O teórico Hayden White (2019), seguindo a esteira das reflexões de 
Hutcheon, considera a história como ficção, ou seja, um discurso narra-
tivo em prosa que mescla eventos ocorridos no passado. Para o crítico, 
é necessário discutir o problema do conhecimento histórico. Nesse 
sentido, apontamos que a grande distinção entre a história e a metafic-
ção é que o historiador escolhe os fatos a serem interpretados, enquan-
to o ficcionista inventa suas histórias com base nas leituras 
historiográficas oficiais. Segundo Jacomel e Silva (2007) “A metaficção 
historiográfica revela uma leitura alternativa do passado como uma crí-
tica à história oficial. Por isso seu caráter contraditório, pois nega exa-
tamente a veracidade de seu objeto. Recupera e, ao mesmo tempo, 
recusa os pressupostos históricos” (JACOMEL; SILVA, 2007, p. 741).
Sem querermos nos aprofundar em questões como história 
( verdade) versus ficção (inventado), atentemos para o fato de que há 
um movimento interessante que ocorre nessas obras. A metaficção 
seria uma leitura póstuma de acontecimentos históricos na qual há 
críticas e novas leituras do passado. Isso faz com que ao mesmo 
tempo em que ela se baseie na história empírica, ela distorça a ver-
dade ali pretendida a fim de atualizá-la em forma de ficção. Há 
um caráter político por trás desse gesto, como veremos 
no exemplo a seguir.
Um dos mais emblemáticos textos na lite-
ratura brasileira é O tempo e o vento, de Érico 
Veríssimo, obra dividida em três volumes. Par-
te da crítica considera apenas o primeiro – O 
continente – como metaficção historiográfica. Esse 
livro abrange 150 anos da história do Rio Grande do Sul (1745-1895), 
período em que o autor sequer havia nascido. Nessa obra vemos mui-
tos eventos históricos, como a Guerra da Cisplatina, a Independência 
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Aspectos narrativos 59
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do Brasil, a Revolução Farroupilha, a Guerra do Paraguai, a 
Abolição da Escravatura, a Proclamação da República etc.
Trata-se de metaficção historiográfica porque 
os episódios históricos enumerados entrelaçam-
-se com as histórias pessoais das personagens 
da família fictícia Terra-Cambará. Observemos 
um trecho do romance, em que se passa a Revolução Farroupilha, da 
qual o valente capitão Rodrigo toma parte, deixando aterrorizados os 
familiares.
Bibiana caminhou para o irmão. Havia em seu rosto uma grande, uma profun-
da mas tranquila tristeza.
— O Rodrigo a esta hora está longe — murmurou ela.
Juvenal sentou-se e começou a enrolar um cigarro com dedos que tremiam 
um pouco.
- Quando foi que ele saiu?... — perguntou em voz baixa, batendo a pedra do 
isqueiro para acender o cigarro.
— A noite passada.
— Pr’onde foi?
— Não disse.
— Como é que estava? Abatido?
Bibiana sorriu melancolicamente.
— Estava louco de contente. Parecia que ia pra uma festa.
[...]
O estafeta do correio que chegou do Rio Pardo em fins de outubro trouxe a 
grande notícia. Tinha rebentado a revolução e Bento Gonçalves da Silva, chefe 
supremo das forças revolucionárias, havia atacado e tomado Porto Alegre. 
(VERÍSSIMO, 2004, p. 232)
Até aqui vimos como o episódio histórico afeta a trama familiar de 
Rodrigo Cambará. Contudo, ele terá um final trágico. No ano de 1836, 
caramurus e farroupilhas combatem em Santa Fé – cidade fictícia onde 
se passa o romance. Durante a noite, no ápice do embate, Rodrigo 
 passa pela igreja e tranquiliza o padre Lara, amigo da família, que não 
deixa de se angustiar.
O dia raiava quando lhe vieram bater à porta. Foi abrir. Era um oficial dos 
farrapos cuja barba negra contrastava com a palidez esverdinhada do rosto. 
Tinha os olhos no fundo e foi com a voz cansada que ele disse:
— Padre, tomamos o casarão. Mas mataram o capitão Rodrigo— acrescentou, 
chorando como uma criança.
— Mataram?
(VERÍSSIMO, 2004, p. 241)
Desse modo, podemos encarar o evento histórico sob o ponto de 
vista de personagens ficcionais. Em outros momentos da narrativa há 
críticas à guerra e como as mulheres são as mais prejudicadas com 
isso, além de ser questionado o papel das mulheres em tempos de 
guerra, explicitando o fato de que os eventos políticos eram assuntos 
A série A casa das sete 
mulheres é uma adaptação 
da obra homônima de 
Letícia Wierzchowski, de 
2002. A trama é vista sob 
a perspectiva de sete 
mulheres que convivem 
na mesma casa durante 
a Revolução Farroupilha, 
motivada por um embate 
de grupos políticos. De 
um lado os caramurus, 
conservadores, em sua 
maioria militares e peque-
na burguesia portuguesa, 
que desejavam a volta 
da monarquia. Do outro 
lado os farroupilhas, que 
defendiam ideais liberais, 
como o voto livre, indus-
trialização, fim do poder 
moderador.
Direção: Jayme Monjardim. Rio de 
Janeiro: Globo, 2003.
Série
60 Teoria da Literatura I
de interesse e participação somente masculina. Ou seja, Veríssimo usa 
Rodrigo como um tipo exemplar à época, turrão, machista e irrespon-
sável com a família. Esse olhar só é possível porque a obra é escrita 
mais de cem anos depois.
4.2 Tipos de narradores 
Vídeo Para nos guiar nesta seção, vamos nos apoiar na tipologia de narra-
dores estabelecida pelo teórico Norman Friedman (2002). O verbo vem 
do latim (narrare), que significa contar, relatar, ou seja, tornar conheci-
do. O verbo deriva de gnarus, ou seja, o que sabe. A esse respeito, o ro-
mancista e crítico literário inglês Henry James (2011) sublinha o fato de 
que uma narrativa só tem início quando o escritor entende a diferença 
entre mostrar e contar o enredo. O excesso de detalhes, por exemplo, 
pode entediar o leitor ou mesmo interditar todo seu papel colaborativo 
na experiência literária. Para mostrar a história, é preciso ter noção dos 
tipos de narradores e definir a escolha do ponto de vista.
Para Friedman (2022), a instância narrativa é indissociável de sua 
transmissão ao leitor. Nesse sentido, ele considera quatro questões, 
como mostra o quadro a seguir:
Questões sobre o narrador
Quem fala ao leitor? Narrador na 1ª ou 3ª pessoa?
Qual o ponto de vista do 
narrador?
É central ou marginal ao enredo? 
Alterna sua voz com a das 
personagens?
Quais canais o narrador usa 
para se dirigir ao leitor?
Suas próprias palavras e sentimen-
tos? Ações ou sentimentos das 
personagens?
Qual a distância entre o leitor e 
a narrativa?
Próximo, distante ou alternado?
El
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a 
Pi
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ck
Aspectos narrativos 61
Assim, podemos descrever os principais tipos de narradores, que 
são instâncias que não devem ser confundidas com os autores. O autor 
é o sujeito empírico, de carne e osso, que está por trás das palavras, ar-
quitetando suas ordens, desenvolvimento, escolhas lexicais etc. Nesse 
sentido, é importante entender os tipos de discurso que são utilizados 
pelo narrador. São eles os discursos direto, indireto e indireto livre. 
O discurso direto geralmente vem indicado por travessões. 
Pode ser seguido de interferências do narrador, manifesta apenas 
em verbos elocutórios, como: perguntar, dizer, falar, retrucar, ob-
servar etc.
No conto Singular ocorrência, de Machado de Assis, temos um exem-
plo de sua utilização:
– Há ocorrências bem singulares. Está vendo aquela dama que vai entrando 
na igreja da Cruz? Parou agora no adro para dar uma esmola.
– De preto?
– Justamente; lá vai ela entrando; entrou.
[...]
– Deve ter quarenta e seis anos
– Ah! Conservada [...] Está viúva, naturalmente?
– Não.
(ASSIS, 2015, p. 204).
Perceba como aí – o início do conto – o narrador não é necessário 
para dar o ponta pé oficial da ação.
Em outras circunstâncias, veremos a leve mão do narrador interfe-
rindo. Trata-se de Capítulos dos chapéus, também de Machado de Assis:
– Tinha visto Mariana na última noite, no quarto ou quinto camarote da es-
querda, não era verdade?
– Fomos, murmurou ela, acentuando bem o plural.
– No Cassino é que a não tenho visto, continuou ele.
– Está ficando um bicho do mato, acudiu Sofia rindo.
(ASSIS, 2015, p. 236)
Perceba que os verbos murmurar, acentuar, continuar, acudir 
e sorrir servem para dar continuidade à narrativa ou expressar algo a 
mais sobre o que dizem as personagens, como em “acentuando bem o 
plural” ou “acudiu Sofia rindo”.
Já o Discurso indireto ocorre quando a fala das personagens é in-
corporada pelo narrador, ou seja, nesses casos o registro linguístico, 
inclusive, será o do narrador, diferente daquele usado pelas persona-
gens. Como podemos verificar no exemplo a seguir.
62 Teoria da Literatura I
Clara sorriu, mas não disse nada. Entretanto, o juiz de direito, entusiasmado, 
confessou que não iria sem grandes saudades da corte. Levarei as melhores 
recordações da minha vida, concluiu.
(ASSIS, 2015, p.285)
Perceba que, deste modo, várias ações podem ser mostradas, de 
modo sucinto, sem necessariamente serem faladas. Por fim, trata-se de 
uma escolha narrativa. No decorrer de um mesmo texto o autor pode 
valer-se de ambas (ou até mais) para compor a obra.
 O narrador onisciente neutro, também conhecido como discurso 
indireto livre, apresenta, segundo Gancho (2006), um narrador que 
conhece tão bem suas personagens que é capaz de adicionar algumas 
observações sobre elas.
Dessa forma, tal escolha narrativa: i) transcreve pensamentos; ii) 
mantém o uso que a personagem faz da língua; iii) apresenta a fala 
da personagem em 3ª pessoa e dispensa o uso do que ou se vistos no 
discurso indireto livre. Veja que na passagem “O Alves é um trouxa me-
droso!” temos acesso à personagem em seu íntimo, ou seja, não é algo 
que ela externou em seu diálogo, mas o narrador o conhece a tal ponto 
que pode compartilhar conosco essa informação extra.
Tipos de discurso 
Discurso direto Discurso indireto Discurso oniscien-
te neutro
João murmurou 
e sorriu: - O 
Alves me salvou 
a vida!
João murmurava 
e sorria, pois Alves 
havia salvado-lhe a 
vida.
Ele murmurava 
(e sorria).O Alves 
é um trouxa 
medroso! Mas 
salvou-lhe a vida.
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Pi
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Por meio desses discursos, o narrador seria essa figura de media-
ção entre autor e personagem – esse sim, por sua vez, uma instância 
autônoma. Podendo ser classificado em narrador onisciente intruso, 
onisciente seletivo, onisciente multiseletivo e protagonista.
Aspectos narrativos 63
O narrador onisciente intruso não apenas conhece profundamen-
te as personagens como permite manifestar-se durante o texto, expon-
do o que pensa ao leitor. Uma obra exemplar da literatura brasileira 
em que esse fenômeno acontece sistematicamente é Memórias póstu-
mas de Brás Cubas, de Machado de Assis. Observemos alguns trechos a 
seguir em que fica mais evidente o mecanismo: “Se o leitor não é dado 
à contemplação destes fenômenos mentais, pode saltar o capítulo; vá 
direto à narração” (ASSIS, 1989, p. 18). Outro momento acontece no 
capítulo 9: “E vejam agora com que destreza, com que fina arte faço eu 
a maior transição deste livro” (ASSIS, 1989, p. 26).
Por outro lado, o narrador protagonista ocorre quando a persona-
gem principal conduz a narrativa de acordo com o seu ponto de vista, 
isto é, o leitor não tem acesso ao ponto de vista dos demais. Nesse 
caso, o texto é narrado em 1ª pessoa. Como citamos Machado ante-
riormente, cabe lembrarmos também de seu livro Dom Casmurro, que é 
narrado sob o ponto de vista unilateral de Bentinho, seu protagonista. 
Vejamos um exemplo disso no romance de Raduan Nassar, Lavoura 
arcaica (2015).
Na modorra das tardes vadias nas fazendas, era num sítio lá no bosque que 
eu escapava aos olhos apreensivos da família; amainava a febre dos meus pés 
na terra úmida, cobria meu corpo de folhas.
(NASSAR, 2015, p. 11)
Note que a utilização em primeira pessoa do singular (eu, meus 
e meu) reafirmam a posição do narrador, usando pronomes retos e 
 possessivospara marcar sua narrativa.
No caso da onisciência seletiva, teremos um narrador que 
 escolhe uma personagem em específico para aprofundar-se em 
seu pensamento e deixar a narrativa correr no percurso de seus 
 próprios pensamentos. Um exemplo de como isso acontece é na no-
vela Manuelzão e Miguilim, de João Guimarães Rosa. Nessa narrativa, 
as ações vão sendo mostradas do ponto de vista de uma criança, o 
Miguilim, que logo no início do texto tem de lidar com a doença da 
mãe. Observemos o trecho a seguir:
Quando voltou para casa, seu maior pensamento era que tinha a boa notícia 
para dar à mãe: o que o homem tinha falado — que o Mutúm era lugar bonito... 
A mãe, quando ouvisse essa certeza, havia de se alegrar, ficava consolada [...] 
Tão grave, grande, que nem o quis dizer à mãe na presença dos outros, mas 
insofria por ter de esperar; e, assim que pôde estar com ela só, abraçou-se a 
seu pescoço e contou-lhe, estremecido, aquela revelação. A mãe não lhe deu 
valor nenhum, mas mirou triste e apontou o morro; dizia: — “Estou sempre 
pensando que lá por detrás dele acontecem outras coisas, que o morro está 
(Continua)
64 Teoria da Literatura I
tapando de mim, e que eu nunca hei de poder ver...” Era a primeira vez que a 
mãe falava com ele um assunto todo sério.
(ROSA, 2001, p. 18)
Já no caso da onisciência multiseletiva, a narrativa é construída 
pelos diversos pontos de vista das personagens, apagando quase que 
totalmente as posições do autor e do narrador. Exemplo disso é o clás-
sico de Graciliano, Vidas secas. O livro tem capítulos dedicados a cada 
um das personagens – Fabiano, sinhá Vitória, o Menino mais Velho, o 
Menino mais novo e a cachorra Baleia. Ou seja, nesse caso o narrador 
alterna sua onisciência ao mostrar como cada personagem encara a 
realidade em que vivem e suas relações entre si. Vejamos alguns exem-
plos. No capítulo “Fabiano” há a seguinte passagem:
Entristeceu. Considerar-se plantado em terra alheia! Engano. A sina dele era 
correr mundo [...] Um vagabundo empurrado pela seca. Achava-se ali de pas-
sagem, era hóspede. Sim senhor, hóspede que se demorava demais, tomava 
amizade à casa, ao curral, ao chiqueiro das cabras.
(RAMOS, 2012, p. 19)
Se nesse trecho temos um Fabiano que reflete com crueza sobre sua 
condição, como contraponto, temos o capítulo “O Menino Mais Novo”, 
cuja perspectiva volta-se para o pai, visto como uma figura imponente 
e modelar, a quem ele pretende imitar no ofício de domar os animais 
na fazenda:
A ideia surgiu-lhe na tarde em que Fabiano botou os arreios na égua alazã [...] 
Não era propriamente ideia: era o desejo vago de realizar qualquer ação no-
tável que espantasse o irmão e a cachorra Baleia. Naquele momento Fabiano 
causava-lhe grande admiração. Metido nos couros, de perneiras, gibão e guar-
da peito, era a criatura mais importante do mundo.
(RAMOS, 2012, p. 47)
Vidas secas representou um ponto de virada nos romances regio-
nalistas dos anos 1930, que retratavam o sertão e seus habitantes de 
forma ora condescendente ora exótica. Graciliano Ramos minimiza os 
lugares do narrador e do autor que tudo sabem e permite que a família 
de retirantes pense em seus termos, ainda que esses sejam parcos e 
rudimentares.
4.3 O tempo na narrativa 
Vídeo
Como apontou Benedito Nunes (2013), a narrativa de ficção tem 
algo em comum com a música, pois ambas precisam trabalhar com 
a categoria de tempo (dividindo-o, suspendendo). O questionamento 
sobre o tempo, em termos filosóficos, vem desde Santo Agostinho, que 
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Graciliano Ramos foi um 
romancista de poucas, 
mas excelentes obras. 
Seu interesse pelo 
sertão é motivado pelas 
suas próprias experiên-
cias na cidade em que 
nasceu, Quebrangulo, 
Alagoas. Suas obras 
foram adaptadas para 
o cinema e a mais 
famosa delas foi Vidas 
secas (1963), dirigida 
por Nelson Pereira dos 
Santos, expoente do 
Cinema Novo no Brasil.
História em foco
Aspectos narrativos 65
disse “O que é, por conseguinte, o tempo? Se ninguém me perguntar 
eu o sei; se eu quiser explicá-lo a quem me fizer essa pergunta, já não 
saberei direito” (AGOSTINHO apud NUNES, 2013, p. 19).
Em nossa vida cotidiana já houve diversas formas de enquadrar o 
tempo: relógios de água, ampulhetas, nascer e pôr do sol, estações do 
ano etc. Digamos que atualmente conseguimos estabelecer um acordo 
em relação ao tempo e sua duração. Por outro lado, pensando nas 
 narrativas, essa ainda é uma questão a ser discutida devido às suas 
múltiplas possibilidades – assim como o é para a música ou o cinema.
Nesse sentido, alguns aspectos são importantes de observar duran-
te a análise de uma narrativa, tais como o período do enredo, a dura-
ção da história, o tempo cronológico e o tempo psicológico.
O período em que o enredo acontece é uma escolha que pode 
ser muito simples – por exemplo, escrever um conto que se passa em 
São Paulo 2022 – ou mais complexa – como a saga O tempo e o vento, 
de Érico Verissimo, cujo enredo desenrola-se entre 1745 e 1945, mas 
foi redigido na segunda metade do século XX. O esforço de criar uma 
ambientação e fluxo narrativo convincentes aos leitores deveu-se às 
intensas pesquisas feitas pelo autor.
Portanto, tendo em vista a noção de verossimilhança – parecer real 
–, buscada pelos autores de prosa, depende de onde situa-se a narrativa 
realista. Contudo, caso trate-se de uma obra de ficção científica ou de 
fantasia, os princípios se tornam mais elásticos e amplos para a invenção.
Segundo Gancho (2006), para delimitar a duração da história, há 
de se levar em conta o gênero escolhido. Geralmente contos, micro-
contos e crônicas têm uma duração mais sucinta, ou seja, costumam 
não cobrir um longo intervalo temporal. Mas a quantidade de páginas 
não quer dizer nada. O conto Os mortos, de James Joyce, se passa em 
uma noite e tem mais de trinta páginas. Por outro lado, há romances 
cujo tempo dilata-se, como é o caso de O tempo e o vento. Muitas vezes 
os autores não deixam muito claro em que tempo se passa o enredo. 
Nesse sentido, pode-se marcar no texto indicadores temporais – não 
apenas linguísticos – mas também historiográficos.
No caso das fábulas e contos de fadas, o marcador geralmente é 
o Era uma vez.... A vez em questão está situada dentro e fora do tem-
po. Seu caráter mítico, assim como as epopeias de Homero, Ilíada e 
Odisseia, não têm começo nem fim. Isto é, seus marcadores temporais 
66 Teoria da Literatura I
atualizam-se cada vez que o leitor enuncia aquelas palavras. A noção 
de demarcação temporal surge de modo mais ostensivo com o roman-
ce moderno.
O tempo cronológico aparece nas narrativas que estabelecem 
uma continuidade e sucessão de dias, semanas, meses etc. Esses 
 traços são explicitados no próprio texto que, nesse sentido, mostra-se 
linear. Novamente, O tempo e o vento é um ótimo exemplo. Veja como 
o romance começa:
Naquela madrugada de abril de 1745, o pe. Alonzo acordou angustiado. Seu 
espírito relutou por alguns segundos, emaranhado nas malhas do sonho, 
como um peixe que se debate na rede, na ânsia de voltar a seu elemento 
natural. Por fim deslizou para a água, mergulhou e ficou imóvel naquele poço 
quadrado, escuro e frio.
(VERISSIMO, 2013, p. 15)
Perceba que o desejo de verossimilhança se expõe desde as primei-
ras linhas e segue em outros momentos, uma vez que se entremeiam 
narrativas ficcionais e fatos históricos.
Já o tempo psicológico aparece normalmente em enredos não li-
neares, pois trata-se de um tempo que acompanha os pensamentos, 
divagações das personagens ou do próprio narrador. Esse mecanismo é 
recorrente na obra Ulysses, de James Joyce. O romance se passa em 24 ho-
ras, mas conta com mais de mil páginas. Repleto de personagens, Joyce dá 
a cada um deles uma densidade que só é possível acessar acompanhando 
o que se passa na cabeça deles. Vejamos um exemplo de como o autor dá 
conta do que pensa um dos protagonistas, Leopold Bloom:
Ele seguiu em frente. Aliás, cadê o meu chapéu?Devo ter posto de volta no 
gancho. Ou ficou pelo chão. Gozado, eu não lembro. O cabide da entrada mui-
to cheio. Quatro guarda chuvas, a capa de chuva dela. Apanhar as cartas. A 
campainha da loja do Drago tilintando. Engraçado que eu estava pensando 
bem naquela hora.
(JOYCE, 2012, p. 201)
Neste exemplo percebemos como é difícil estimar durante quan-
to tempo Bloom passou pensando nisso. Pode ter sido uma fração de 
 segundos ou alguns minutos.
4.4 O espaço na narrativa
Vídeo
Grosso modo o espaço é onde se dá a ação – país, cidade, esta-
do – mas também pode referir-se a uma sala, jardim, escola etc. Em 
narrativas mais longas, em geral, temos um trânsito maior entre espa-
Você já deve ter ouvido 
falar das famosas fábulas 
contadas por Xerazade. 
Para escapar à morte, 
imposta por um rei traído, 
cujo desejo é casar-se 
com uma mulher por 
noite e matá-la no dia 
seguinte, ela vai entre-
tendo-o com narrativas 
infinitas até o ponto em 
que o rei se encanta tanto 
por Xerazade quanto por 
suas histórias. De autoria 
anônima, as fábulas eram 
transmitidas oralmente 
e foram sendo recolhi-
das nos volumes atuais 
através dos esforços de 
vários historiadores e eti-
mologistas. Sobre o título? 
O mil mais um indica que 
as narrativas podem se 
estender infinitamente.
ANÔNIMO. As mil e uma noites. 
Tradutor: Mamede Mustafa 
Jarouche. Rio de Janeiro: Editora 
Azul, 2017.
Livro
Aspectos narrativos 67
ços, enquanto nas mais curtas – contos, crônicas, novelas – esses serão 
mais restritos. Um exemplo de conto que se passa inteiro em um único 
local é A casa tomada, do escritor argentino Julio Cortázar. Há ainda a 
novela A metamorfose, de Franz Kafka, que ocorre em uma casa, mais 
especificamente no quarto do protagonista, Gregor Samsa.
Assim como o tempo na narrativa, as marcações espaciais mais 
óbvias podem ser suprimidas – às vezes, inclusive, as duas ao mes-
mo tempo. De acordo com Gancho (2006), o espaço tem em comum 
com as personagens o fato de que ambos podem ser mais ou menos 
 detalhados. Geralmente nos romances do Romantismo, por exemplo, a 
caracterização minuciosa era recorrente. No romance Inocência, de Vis-
conde Taunay, a primeira aparição de Inocência é descrita por Cirino, 
que será seu par amoroso, da seguinte forma:
Apesar de bastante descorada e um tanto magra, era Inocência de uma beleza 
deslumbrante. Do seu rosto irradiava singela expressão de encantadora inge-
nuidade, realçada pela meiguice do olhar sereno que, a custo, parecia coar 
por entre os cílios sedosos a franjar-lhe as pálpebras [...] Era o nariz fino e um 
bocadinho arqueado; a boca pequena, e o queixo admiravelmente torneado.
(TAUNAY, 2008, p. 51
Perceba o excesso de adjetivos (magra, deslumbrante, singela, sereno, 
arqueado e pequena) que exaltam tanto a beleza física quanto subjeti-
va da personagem aos olhos de Cirino. É recorrente no Romantismo 
 – inclusive nas poesias – os adjetivos e o excesso de descrições, pontua-
das por advérbios terminados pelos sufixos mente.
No primeiro capítulo de Inocência, chamado O sertão e o sertanejo, há 
uma descrição minuciosa da paisagem feita pelo narrador em 3ª pessoa.
Corta extensa e quase despovoada zona da parte sul-oriental da vastíssima 
província de Mato Grosso a estrada que da vila de Sant’Ana do Paraíba vai 
ter ao sítio abandonado de Camapuã. Desde aquela povoação, assente próxi-
mo ao vértice do ângulo em que confinam os territórios de São Paulo, Minas 
Gerais, Goiás e Mato Grosso até ao rio Sucuruí, afluente do majestoso Paraná 
[...] Ali começa o sertão chamado bruto.
(TAUNAY, 2008, p. 11-12)
Como observa Antonio Candido (2012), a literatura brasileira, 
 sobretudo no Romantismo, cumpria um papel não apenas artístico, 
mas também de descrição geográfica, antropológica e biológica de 
 aspectos do nosso país. Para o crítico, isso deve-se ao fato de que àque-
la altura não havia ainda universidades nos moldes atuais, com cursos 
específicos para o estudo e pesquisa nessas áreas do conhecimento.
Com o Realismo as descrições tornaram-se mais enxutas e diretas. 
Com o advento da fotografia e, posteriormente, do cinema, os leitores 
68 Teoria da Literatura I
passaram a se habituar com descrições onde eles pudessem completar 
com suas próprias experiências imagéticas. De todo modo, as descri-
ções são responsáveis por nos situar espacialmente: estamos na cida-
de ou no campo? Dentro de um prédio ou ao ar livre?
Quando falamos sobre espaço referimo-nos aos seus aspectos 
 físicos, como no exemplo da página anterior. Para abordar atmosferas, 
no sentido social ou psicológico, chamaremos de ambiente ou ambien-
tação. Por exemplo: o romance Inocência é ambientado no sertão mato-
-grossense em meados do século XIX e a protagonista vive sob a égide 
do patriarcado, trancafiada ao ambiente da casa e com acesso restrito 
a outras pessoas. O ambiente é de constante tensão, medo e solidão.
Por outro lado, certas narrativas contemporâneas têm se distan-
ciado dos moldes realistas e investido em formas breves em que não 
apenas o espaço, mas também a ambientação é rarefeita. Vejamos o 
exemplo de um conto de Veronica Stigger, Passo Fundo:
Bia, meu casamento acabou.
Estou indo para Passo Fundo hoje.
A mala dos vinhos está com o Tito.
Ele pegou um táxi para levar.
Não se preocupe.
Beijos. Pati.
(STIGGER, 2010, p. 21)
Observe como a despeito do título, que remete a uma cidade, a 
 brevidade da descrição não nos indica quem escreve o bilhete/ mensagem 
e nem onde está a pessoa naquele momento. Narrativas desse molde 
são chamadas também de minicontos ou micro-contos, uma tendência 
na literatura contemporânea.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os aspectos que compõem uma narrativa em prosa são amplos e os 
que mostramos aqui são os principais, embora haja vários outros. Há 
 outras questões a serem pensadas pelos autores na hora de pôr as ideias 
no papel. O objetivo neste capítulo foi transmitir os tópicos mais relevan-
tes e necessários ao analisar de forma crítica um texto em prosa: reconhe-
cer seu gênero, suas características e multiplicidades.
O romance Solaris 
tornou-se conhecido 
por suas adaptações ao 
cinema – uma feita pelo 
cineasta russo Andrei 
Tarkovski (1972) e outra 
mais recente, de Steven 
Soderbergh (2002). 
Trata-se de um grupo de 
cientistas que observam 
e estudam um planeta de 
comportamento estranho, 
chamado Solaris. Ele 
demonstra ter consciência 
própria e uma compleição 
diferente da Terra. Nessa 
obra é possível perceber 
a potência da literatura de 
ficção-científica em criar 
espaços completamente 
distintos dos nossos.
LEM, S. 2. ed. São Paulo: Aleph, 2021.
Livro
Aspectos narrativos 69
Enquanto estudantes de literatura, é preciso exercer essas duas cama-
das de leitura. A primeira, na qual deve prevalecer o prazer do texto – como 
preconizou o crítico francês Roland Barthes (2018), em livro homônimo. Já 
na segunda leitura é preciso fazê-la de forma crítica e analítica: como se 
comporta o narrador? A descrição dos ambientes é relevante? A cronolo-
gia influencia no enredo? Como? Essas são questões mais refinadas que 
demandam de futuros educadores uma atenção mais acurada do texto 
literário que têm em mãos. Como dar conta de tudo isso? Pode parecer 
clichê, mas é a prática. Quanto mais o hábito da leitura entrar no seu coti-
diano mais naturais esses tópicos se transformarão para você.
ATIVIDADES
Atividade 1
Observe os dois textos abaixo e indique o gênero textual ao qual 
pertencem. Justifique sua resposta:
TEXTO I
“Quando eu não sei onde guardei um papel importante e a procu-
ra revela-se inútil, pergunto-me: se eu fosse eu e tivesse um papel 
importante para guardar, que lugar escolheria? Às vezes dá certo.
Experimente: se você fosse você, como seria e o que faria? Logo 
de início se sente um constrangimento: a mentira em que nos 
acomodamos acabou de ser movida do lugar onde se acomodara. 
No entanto já li biografias de pessoas que de repente passavam a 
ser elas mesmas e mudavam inteiramente de vida.
[...]
Metadevista.
Com o estudo deste capítulo, você será capaz de:
• entender a diferença entre teoria e crítica literária;
• compreender conceitos e definições de literatura, como mimesis 
e representação;
• entender distinções básicas entre prosa e poesia;
• aprender as funções sociais da literatura e sua relação com a 
cultura.
Objetivos de aprendizagem
10 Teoria da Literatura I
1.1 Teoria da literatura e crítica literária 
Vídeo
Nesta seção compreenderemos melhor a diferença entre a teoria 
da literatura, que corresponde às diferentes abordagens de um texto, 
e a crítica literária, responsável por ler e analisar uma obra específica a 
partir de um embasamento teórico.
1.1.1 O que é literatura?
A problematização de certos termos abstratos em arte é sempre um 
embaraço e nos leva a enroscos. Definir o objeto de estudo ou trabalho, 
embora seja uma tarefa delicada a todas as áreas do saber, pode ser 
especialmente difícil a um escritor, cineasta ou pintor. Nesse sentido, 
somos levados a nos questionar: o que é literatura? Perguntando desse 
jeito, gêneros como romance, poema, crônica e conto podem surgir 
como respostas, mas aí viriam as perguntas que antecedem essas no-
menclaturas, por exemplo: o que é um romance? O que é um poema?
A discussão acerca da ontologia literária provém da Grécia Antiga, 
com filósofos como Platão e Aristóteles que estavam interessados em 
pensar o que seria a literatura. Aristóteles, em sua Arte Poética, percebe 
que o fenômeno em si – textos clássicos homéricos como Ilíada e Odis-
seia – era desprovido de um nome. Vejamos: “arte que se utiliza apenas 
de palavras, sem ritmo ou metrificadas, estas seja com variedade de 
metros combinados, seja usando uma só espécie de metro, até hoje 
não recebeu um nome” (ARISTÓTELES, 2014, p. 19). Já durante a Idade 
Média, textos greco-latinos clássicos eram chamados de tratados de re-
tórica ou oratória. Outras produções textuais, que não levavam o nome 
de literatura, eram os textos religiosos, como as bulas papais 1 .
Segundo Compagnon (2012), o entendimento moderno de literatu-
ra (romance, teatro e poesia) é recente, surgindo no início do século 
XIX, ligado ao Romantismo e à noção de autoria. Sabia que antes disso 
a relação entre autor e obra não tinha o mesmo estatuto que hoje? 
É durante o Romantismo que se consolidam os Estados-Nações, e a 
literatura vem como um dos elementos responsáveis por unificar um 
povo, juntamente com a língua, demarcação do território e produções 
Bula papal é um docu-
mento oficial assinado 
pelo Papa que confere 
bênçãos ou perdão aos 
que praticaram algum 
ato louvável.
1
Introdução à literatura 11
culturais. Então, passam a ser considerados literários os textos “canôni-
cos”, ou seja, aqueles que melhor encenam o espírito da nação. Alguns 
exemplos são os romances históricos do período: Ivanhoé (1820), de 
Walter Scott; Os três mosqueteiros (1844), de Alexandre Dumas; e Guerra 
e paz (1869), de Liev Tolstoi.
Já no século XX, sobretudo a partir dos anos 1960, a questão sobre 
o que é literatura continua sendo feita e a literatura já não é mais o 
que fora no século XIX. A tentativa de cientificizá-la era constante, mas 
em artes sabemos como é difícil esse movimento. O crítico e teórico 
literário, Roland Barthes, deu uma resposta irreverente e tautológica 2 
a essa pergunta. Ele disse: “a literatura é aquilo que se ensina, e ponto 
final” (BARTHES apud COMPAGNON, 2012, p. 30). Um filósofo argelino, 
Jacques Derrida (2014), também deu sua contribuição. Para ele, a litera-
tura é a possibilidade de dizer tudo – tanto no sentido de que ela pode 
falar sobre tudo (esgotando um assunto), como ela pode dizer qual-
quer coisa aleatória ou solene. Nesse sentido, o caráter aparentemente 
inocente da literatura enquanto mera fantasia é posto em suspenso. 
Se qualquer um pode escrever o que quiser sobre diversos assuntos, 
podem sair escritas perigosas, por exemplo, pelas quais nem sempre 
seus autores são responsabilizados.
De todo modo, acreditamos que ao invés de pensar em uma defini-
ção, que na maioria das vezes só engessa as ideias, seria mais produ-
tivo pensar do que a literatura é capaz. Como ela nos afeta? Quais seus 
efeitos no mundo? O que ela diz sobre nós? Para isso, é importante sis-
tematizar seu estudo em termos teóricos, a fim de organizar ferramen-
tas e recursos didáticos para falar sobre ela, como nos diz o professor 
Roberto Acízelo de Souza (2007).
O primeiro livro de que se tem registro é a A epopeia 3 de 
Gilgámesh, um épico escrito em sumério – língua cunei-
forme 4 , ou seja, cunhada em tabuletas. A obra conta a 
história do rei Gilgámesh que reinava em Uruque (Suméria). 
O que se tem hoje são apenas fragmentos. A autoria do 
texto é desconhecida, e os historiadores estimam que foi 
escrito em 1800 a.C.
A epopeia – poesia 
épica narrativa – é um 
gênero literário que 
narra os grandes feitos de 
heróis conhecidos pela 
sociedade da época. As 
mais famosas são Ilíada e 
Odisseia.
3
A escrita cuneiforme foi 
criada pelos sumérios e 
era praticada com objetos 
em formato de cunhas. 
Geralmente os textos 
eram cunhados em placas 
de argila ou pedras. Um 
outro exemplo desse tipo 
de escrita são os hierógli-
fos egípcios.
4
Tautologia é uma 
redundância. Quando 
uma proposição se vale 
dela, não explica o que 
é perguntado e volta a 
questão para seu início. 
Outro exemplo: “Bola é o 
que chama de bola”.
2
Fr
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 C
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on
s
12 Teoria da Literatura I
1.1.2 Teoria da literatura
Como nos diz Compagnon (2012), a teoria literária consolida-se 
como disciplina após reformas feitas nas universidades europeias e 
americanas no início do século XX. De todo modo, a pesquisa literária 
já era realizada junto a outras disciplinas, como a Filologia e a Retórica. 
Apesar de carregar o termo teoria, que nos remete a um campo científi-
co, “seu objeto são o/os discursos sobre a literatura, a crítica e a história 
literárias, que ela questiona, problematiza, e cujas práticas organiza” 
(COMPAGNON, 2012, p. 19).
A teoria literária é um modo de sistematizar – por meio de um vo-
cabulário e terminologias em comum – a análise e o estudo dos textos 
literários. Porém, é preciso ressaltar que não existe somente uma teo-
ria literária, e sim várias, com constantes mudanças de pontos de vista 
e abordagens sobre as obras literárias.
Ademais, podemos afirmar que a teoria literária é um grande guar-
da-chuva que abriga as reflexões sobre as condições das produções 
literárias – época, local, atores –, além do estudo da historiografia e 
crítica literárias. Segundo o autor, para que um texto seja considerado 
literário e, por consequência, objeto de teorização, ele deve conter cin-
co elementos essenciais: autor, livro, leitor, língua e um referente. 
A designação tem a ver com o tripé criado pelo crítico literário Antonio 
Candido (2014), que previa a consolidação de um sistema literário com 
base no tripé obra–autor–leitor. Dizemos tudo isso para sistematizar o 
que temos defendido até aqui como sendo um texto literário, que será 
objeto de estudo da crítica literária.
Autor
Livro
LeitorReferente
Língua
Texto 
literário
Introdução à literatura 13
1.1.3 Crítica literária
A palavra crítica pode até carregar um sentido negativo, mas se lem-
brarmos que existem as críticas construtivas, então é possível entrever 
uma função positiva para o termo. Quando se fala de crítica literária 
estamos apontando para textos/discursos que ajudam o leitor na com-
preensão e no enriquecimento de sua experiência de leitura. Seu ob-
jetivo é analisar a obra segundo seus elementos mais técnicos, como 
enredos, construção das personagens, narrador, espacialização ou, 
caso seja um poema, sua estrutura em rimas, enjambements, cesuras 
etc.
Cabe à crítica abalizada expressar uma apreciação, ou seja, um juí-
zo de valor sobre a obra. Evidentemente as críticas sobre uma mesma 
obra vão mudar no decorrer do tempo. Segundo o escritor Milan Kun-
dera (2016), D. Quixotedas coisas que eu faria se eu fosse eu, não posso contar.
“Se eu fosse eu” parece representar o nosso maior perigo de viver, 
parece a entrada nova no desconhecido.
No entanto tenho a intuição de que, passadas as primeiras cha-
madas loucuras da festa que seria, teríamos enfim a experiência 
do mundo. Bem sei, experimentaríamos enfim em pleno a dor do 
mundo. E a nossa dor aquela que aprendemos a não sentir. Mas 
também seríamos por vezes tomados de um êxtase de alegria 
pura e legítima que mal posso adivinhar.
TEXTO II
“A pequena cidade de Verrières pode ser considerada uma das 
terras mais bonitas do Franche-Comté. As suas casas brancas, 
de pontiagudos telhados vermelhos, estendem-se pela encosta 
de uma colina coberta de vigorosos castanheiros, cujas copas 
assinalam as mais ínfimas sinuosidades do terreno [...] Verrières 
está abrigada a norte por uma elevada montanha, um dos contra 
fortes do Jura. Os cumes recortados do Verra cobrem-se de neve 
logo aos primeiros frios de Outubro.”
70 Teoria da Literatura I
Atividade 2
Sobre os tipos de narradores, leia os trechos abaixo e 
 identifique-os. Justifique sua resposta:
TEXTO I
“Tal é o prefeito de Verrières, sr. de Rênal. Depois de ter atravessa-
do a rua com um passo grave, ele entra na prefeitura e desaparece 
dos olhos do viajante. Mas, cem passos acima, se continuar seu 
passeio, este avistará uma casa de aparência bastante bela e, 
através de uma grade de ferro contígua à casa, jardins magníficos. 
Para além, há uma linha de horizonte formada pelas colinas da 
Borgonha e que parece feita de propósito para o prazer dos olhos. 
Essa vista faz o viajante esquecer a atmosfera empestada dos 
pequenos interesses de dinheiro que começa a asfixiá-lo.”
TEXTO II
“Mrs. Dalloway disse que ela própria ia comprar as flores. O serviço 
de Lucy estava já determinado. As portas seriam retiradas dos 
gonzos; o pessoal da Rumpelmayer vinha a caminho. E que manhã, 
pensou Clarissa Dalloway — tão fresca, como se feita para as 
crianças brincarem na praia. Que prazer! Que mergulho! Era esta 
a sensação que tinha sempre, em Bourton [...] Era tão fresco e 
calmo, nessa altura, o ar da manhã, tão silencioso, muito mais do 
que aqui; era como o bater de uma onda, o beijo de uma onda; 
frio, cortante e contudo (para a rapariga de dezoito anos que ela 
era então) solene, sentindo, como sentia, de frente para a janela 
aberta, que algo de espantoso estava para acontecer; olhando 
para as flores, para as árvores de onde a névoa se desprendia, 
para as gralhas subindo e descendo, até que Peter Walsh lhe disse 
«A meditar entre os vegetais?» — seria isso? — «Eu cá prefiro os 
homens às couves-flores» — seria isso?”
Atividade 3
Leia o microconto abaixo e discorra sobre o uso do espaço e do 
tempo presente nele.
Tatuagem
José tinha um verso do poeta morto tatuado na barriga, logo 
abaixo do umbigo. Um dia, a família viva do poeta morto viu José 
refestelado na areia da praia, com o tal verso bem à vista, logo 
acima da sunga amarela. Horrorizada com o acinte, a família o 
processou. Era um inequívoco oferecimento da obra ao conheci-
mento público – e num local de frequência coletiva. A família ga-
nhou a causa e a tatuagem, que hoje está emoldurada na grande 
sala de estar, logo acima do sofá vermelho.
Aspectos narrativos 71
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72 Teoria da Literatura I
5
O gênero conto e o 
gênero romance
Neste capítulo, vamos abordar o gênero conto e o gênero romance, ambos 
escritos em prosa, ou seja, narrativos. Nosso objetivo é não apenas apresentar 
as origens desses gêneros, mas também suas manifestações na história da 
literatura. Começaremos pelo conto, mas cabe ressaltar que tanto ele como o 
romance são vistos aqui sob um ponto de vista ocidental, ou seja, suas mani-
festações em outras culturas são diferentes ou mesmo inexistentes.
O conto tem sua origem ligada à oralidade, como o próprio nome in-
dica – contar histórias. Narrativas orais foram passando da modalidade 
oral para a escrita e modificando-se no decorrer dos séculos. Por isso, 
na sequência, abordaremos especificamente o conto moderno – aquele 
escrito a partir do século XIX, com o início do Romantismo.
Em seguida, passaremos ao gênero romance, cuja origem remonta às 
epopeias gregas, como a Ilíada e a Odisseia, de Homero. Analisaremos tre-
chos de romances e veremos, na prática, como esse gênero surgiu e foi se 
desenvolvendo, além de aprendermos algumas técnicas para analisá-los.
Por fim, chegaremos aos romances contemporâneos, escritos nos sécu-
los XX e XXI, percebendo os desdobramentos e as multiplicidades do gênero, 
bem como sua capacidade de diálogo com outras manifestações artísticas e 
os atuais suportes tecnológicos por meio dos quais podemos frui-los.
Com o estudo deste capítulo, você será capaz de:
• conhecer a origem e as definições do conto no contexto ocidental;
• analisar contos contemporâneos e identificar seus principais ele-
mentos e mecanismos;
• conhecer a origem e as definições do romance no contexto ocidental;
• dominar as ferramentas principais de análise do romance;
• conhecer os desdobramentose as multiplicidades do romance na 
contemporaneidade.
Objetivos de aprendizagem
O gênero conto e o gênero romance 73
5.1 Teorias sobre o conto 
Vídeo Segundo Gotlib (2006), o conto caracteriza-se por três aspectos 
nomeados pelo escritor argentino Julio Cortázar: narrar um evento, 
dar unidade à ação (a sequência dos fatos deve ser coerente) e des-
pertar interesse no leitor (tratar de alguma situação ou sentimento 
reconhecível por todos nós). Há vários modos de combinar esses 
três aspectos e redigir uma narrativa instigante, como veremos na 
sequência.
5.1.1 Definições de conto
O conto é um dos gêneros literários escritos em prosa. Fazen-
do um recuo etimológico da palavra, temos que ela vem do latim 
computus, que significa cálculo, conta ou suposição. Dela deriva tam-
bém, por exemplo, o vocábulo computador, que aparece em um 
sentido mais matemático, de calcular possibilidades. Devido a um 
deslizamento semântico, o termo tornou-se também literário pelo 
seu caráter de suposição.
O conto, embora não recebesse essa alcunha ou sentido pelo qual 
o conhecemos hoje, remonta à tradição oral de narrar histórias, mi-
tos, lendas e fábulas. Os povos ágrafos – isto é, aqueles que não têm 
registro escrito de sua língua – permanecem ainda hoje transmitindo 
saberes de geração em geração oralmente. Assim, nota-se que houve 
um caminho da oralidade à escrita. Apesar de as primeiras modalida-
des de escrita datarem de cinco mil anos atrás, ela é recente quando 
comparada ao surgimento do homo sapiens.
Certamente você já deve ter ouvido falar dos contos de fadas. Se-
gundo Mendes (2004), se hoje Charles Perrault ou os irmãos Grimm 
são famosos por seus contos, saiba que, na verdade, eles fizeram um 
trabalho de reagrupamento de histórias orais com várias versões di-
ferentes, como Chapeuzinho Vermelho, Cinderela ou O barba azul. Pos-
teriormente, já no século XVII, Hans Christian Andersen e os irmãos 
Grimm – motivados pelo período em que escreviam, no qual a ideo-
logia cristã era premente – amenizaram esses aspectos negativos e 
reformularam as narrativas para que fossem palatáveis à família, so-
bretudo às crianças.
Gu
is
e/
W
ik
im
ed
ia
 C
om
m
on
s
Charles Perrault não 
estava preocupado com 
o conteúdo das histórias. 
Embora a maioria delas 
fosse vista como para 
crianças, a maior parte 
trazia versões mais po-
lêmicas, envolvendo vio-
lência, incestos e outros 
elementos assustadores.
O conto Chapeuzinho 
Vermelho, na versão de 
Perrault, não continha a 
personagem do caçador 
– responsável por salvar 
a menina. Em vez disso, 
o final mostra Chapeu-
zinho nua na cama com 
o lobo, que em seguida 
a devoraria. Em outro 
final, o lobo faz com que 
Chapeuzinho cozinhe 
e coma a própria avó, 
bebendo seu sangue 
como se fosse vinho. 
Desfechos assustadores, 
não?
História em foco
74 Teoria da Literatura I
5.1.2 Marco do gênero conto
Remontando à origem do conto, sua primeira manifestação é o livro 
 Decameron (em grego, dez jornadas), do autor italiano Giovanni Bocac-
cio. Uma vez que a modalidade conto é definida a posteriori, os textos 
que integram a obra costumam ser chamados pela crítica de novelas. 
Segundo Dias (2013, p. 11), é “considerada o marco inaugural da prosa 
de ficção no Ocidente”. Trata-se de uma obra com 100 contos redigidos 
entre 1348 e 1353, cujos narradores são jovens mulheres e homens. 
Fugindo da peste negra em um castelo nas proximidades de Florença, 
eles narravam essas histórias – com notas de erotismo, tragicidade e 
comicidade – a fim de passar o tempo.
Além disso, Decameron não deixa de ser um relato histórico, afinal 
fora escrito durante o período da peste que dizimou boa parte da po-
pulação europeia, incluindo os pais e amigos de Bocaccio. As narrativas 
dão detalhes sobre o cotidiano da época e os horrores diante da morte 
e do medo de ser assolado por ela. Sua escrita foi um modo de viven-
ciar o luto pelos que se foram e, ao mesmo tempo, voltar a entusias-
mar-se com a vida que ainda tinha pela frente.
O Decameron significou um ponto de inflexão na literatura da época. 
Um dos principais elementos a ser observado é a língua. Até aquele 
momento, século XIV, os escritos eram redigidos em latim, enquanto as 
línguas românicas já eram há muito tempo utilizadas pelos seus falan-
tes. Bocaccio escreveu o livro em dialeto toscano, além de ir contra as 
temáticas cristãs e medievais – pautadas em temas transcendentais e 
divinos –, em direção a uma escrita mais realista, calcada no homem e 
suas questões individuais.
Dias (2013) sublinha que os contos não são escritos sem reflexão 
sobre o tema, pois “a deriva pela superfície do mundo não deixa de 
obedecer a um traçado muito bem calculado pelo autor. Sob o aparen-
te acúmulo das histórias [...] todas têm um tema preestabelecido [...] 
delineando um desenho cheio de simetrias, de pesos e contrapesos” 
(DIAS, 2013, p. 18).
Isso quer dizer que, à sua maneira, a obra já apresentava a estru-
tura básica do conto tal qual o conhecemos hoje. A temática, a voz 
narrativa e a progressão do tema eram aspectos para os quais Bocac-
cio já atentava. Vejamos um exemplo: “Todos devem saber que em 
O filme Decameron é 
baseado em nove das 100 
histórias do Decameron, de 
Boccacio. A seleção é feita 
com base em temas como 
adultérios, vinganças, frau-
des e frustrações artísticas. 
É interessante ver o filme 
para termos a representa-
ção visual de uma época 
longínqua, como era a 
Baixa Idade Média. O filme 
faz parte de uma trilogia 
de Pasolini, cujo objetivo 
era adaptar três das mais 
conhecidas obras narradas 
em uma mescla de escrita 
e oralidade. As outras duas 
são As mil e uma noites e Os 
contos de Canterbury.
Direção: Pier Paolo Pasolini. 
Itália; França; Alemanha: Europee 
Associati; Les Productions Artistes 
Associés; Artemis Film, 1971.
Filme
O gênero conto e o gênero romance 75
tempos passados houve em nossa cidade costumes muito galantes 
e louváveis, de que hoje não há vestígios graças à avareza que pros-
perou lado a lado com a riqueza, as quais se uniram para bani-los” 
(BOCACCIO, 2013, p. 99).
No trecho, podemos ter uma ideia de como se constrói a narrati-
va, emoldurada, nesse caso, por uma introdução espacial e contex-
tual – a cidade de Florença e a avareza versus a abundância entre seus 
habitantes.
Na sequência, influenciado por Bocaccio, quem retoma a estrutura 
do conto é o escritor inglês Geoffrey Chaucer em sua obra Os cantos da 
Cantuária (1387-1400). Assim como Bocaccio, Chaucer redigiu o texto 
em inglês médio, ou seja, inscrevendo o idioma em sua forma escrita, 
deixando de lado o latim e o francês, ainda muito utilizados à época. Os 
contos abordam tipos sociais de diferentes estratos e versam sobre os 
hábitos e o dia a dia na Inglaterra do século XIV.
Já no século XVII, destacam-se as famosas fábulas de Jean de La 
Fontaine, que em sua escritura incorporam traços da oralidade, uma 
vez que tais histórias já faziam parte de um repertório comum do 
povo. As mais conhecidas são A raposa e as uvas, A cigarra e a formiga 
e A tartaruga e a lebre. O intuito era claramente moralizante. Ao final 
de cada uma delas há uma lição de moral a ser apreendida. Seu livro 
principal é Fábulas (1668-1694) e tinha como intuito apontar para as-
pectos negativos do caráter humano, como a avareza, a preguiça e a 
violência. Elas eram interpretadas sempre por animais, daí seu cará-
ter alegórico.
No século XVIII, podemos destacar as obras do filósofo iluminista 
francês Voltaire. Suas duas narrativas mais importantes – que à época 
eram nomeadas como novelas – são Zadig (1747) e Cândido, ou O Oti-
mismo (1759). Em ambas o autor utiliza uma escrita satírica, humanista 
e, até certo ponto, herética, uma vez que desconsidera a religião como 
solução para os problemas dos seres humanos. Assim como nas obras 
dos seus precursores – Bocaccio e Chaucer –, os dramas e as questões 
humanas aprofundam-se aqui e trazem em seu descontentamento in-
dícios da Revolução Francesa que viria embreve.
Nesse entretempo, a forma conto irá se manifestar como novelas 
de cavalaria e livros de crônicas, ganhando o formato moderno apenas 
durante o Romantismo, no século XIX, como veremos na seção a seguir.
5.2 O conto moderno 
Vídeo Segundo o crítico brasileiro Anatol Rosenfeld (1993), no Brasil, o 
conto é conhecido como um texto curto em prosa baseado no gênero 
épico – no que diz respeito ao seu caráter narrativo. Durante muito 
tempo, a palavra inglesa tale, que significa contar, referiu-se a histórias 
breves e oriundas do folclore, de lendas ou mitos populares, ou seja, 
não eram necessariamente contos. É com o advento do conto moderno 
e as teorizações acerca do gênero que surgiu seu termo mais especí-
fico, short story (história curta), cujas premissas eram a brevidade do 
relato e o uso da prosa. Resumindo, as tales tinham mais a ver com o 
verbo contar e as short stories, com o verbo narrar.
As questões ligadas à nomenclatura – não apenas em inglês, mas em 
espanhol, francês e italiano – também têm sua própria história, como 
observou Gotlib (2006). Para a autora: “Estes modos variados de narrar 
por vezes se agrupam, de acordo com alguns pontos característicos, 
que delimitam um gênero” (GOTLIB, 2006, p.14). Todavia, do Romantis-
mo ao Modernismo, os aspectos que definiam o gênero ultrapassaram 
seus limites, mesclando-se a outras possibilidades, desfazendo as no-
ções de gênero e normas, como apontou Gotlib (2006).
De qualquer forma, apesar de todas as distinções possíveis que o 
conto moderno pode adotar, algumas características básicas costu-
mam nortear a definição do gênero, como vemos no quadro a seguir:
Características do conto
Enredo Geralmente há uma única situação que será desenvolvida.
Brevidade Por ser um gênero breve, não há detalhamento de espaço ou temporalida-
de prolongada.
Estrutura O desenvolvimento se dá de modo rápido. O clímax 1 costuma vir no final, 
sem muitos arrodeios.
Personagens São poucos, pois não é possível aprofundar-se em todos eles.
Final impactante Após o clímax, o conto acaba, não há uma continuação ou explicação 
posterior.
Objetivo central 
definido
Focar uma única questão e efeito a ser proporcionado ao leitor (repulsa, 
surpresa, raiva, alívio).
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Em termos literários, 
clímax é o momento de 
maior tensão na narrativa, 
ou seja, aquele em que o 
tensionamento é resolvido. 
Esse movimento também 
aparece em outros gêne-
ros, como o romance.
1
7676 Teoria da Literatura ITeoria da Literatura I
O gênero conto e o gênero romance 77
As primeiras manifestações do conto moderno datam do início do 
Romantismo, no século XIX. A Alemanha surge como expoente, uma 
vez que o Romantismo tem suas bases nos escritores de língua ale-
mã. Segundo Italo Calvino (2004), é após a Revolução Industrial e a 
 Revolução Francesa, bem como o estabelecimento do capitalismo 
como modelo econômico, que a figura do artista – no nosso caso, o 
escritor – passa a ficar à margem da sociedade. Em um mundo regido 
pelo lucro e acúmulo de bens, tais ofícios passam a ser vistos como 
inúteis. Para aqueles privilegiados, nascidos em famílias ricas ou que 
se sustentavam escrevendo para jornais, a carreira de escritor era pos-
sível. No entanto, é importante ressaltar que a pequena burguesia da 
qual eles faziam parte ainda era incipiente, ou seja, muitos dos artistas 
viviam em condições de penúria e marginalidade.
É nesse contexto que surge o Romantismo, uma escola literária 
identificada pela recusa e insatisfação com relação ao mundo, extrema-
mente hostil aos artistas. Daí o desejo de evasão, escapismo e ingresso 
em um mundo da fantasia como modo de refugiar-se da realidade ao 
redor. É forte também o desejo de demarcar a individualidade do su-
jeito, bem como o direito a dar vazão aos seus sentimentos e às suas 
inquietações – que na poesia são bem evidentes.
Nas palavras de Calvino (2004): “O conto fantástico é uma das pro-
duções mais características da narrativa do século XIX e também uma 
das mais significativas para nós, já que nos diz muitas coisas sobre a 
interioridade do indivíduo e sobre a simbologia coletiva” ( CALVINO, 
2004, p. 12). O crítico afirma isso porque as primeiras manifestações 
em forma do conto moderno traziam consigo o elemento sobrenatural 
como marca registrada.
Destaca-se a figura de E. T. A Hoffmann, precursor da literatura 
fantástica. Seu conto mais conhecido é O homem da areia, do livro 
Noturnos (1817).
Esse conto em específico traz a personagem do homem de areia, 
recorrente no folclore europeu, que costumava ser retratado como um 
ser mágico que induzia o sono nas crianças. Na versão dos contos escri-
tos por Andersen, esse homem jogava areia nos olhos dos pequenos, 
trazendo-lhes sonhos bons ou ruins de acordo com seu comportamen-
to – vê-se aqui o caráter moralizante. Já em Hoffmann, o homem de 
areia é mais macabro: ele arranca os olhos das crianças.
O conto de Hoffman deu 
origem à famosa série de 
HQs, de 75 volumes no 
total, chamada Sandman, 
escrita pelo quadrinista 
Neil Gaiman e publica-
da pela renomada DC 
Comics. O sucesso foi 
tanto que essa foi a pri-
meira HQ a ingressar nos 
mais vendidos do jornal 
The New York Times. Além 
disso, em 2022 a história 
virou uma série da Netflix.
Saiba mais
Outro escritor essencial – e que consolida o conto moderno – é 
o americano Edgar Allan Poe. Na língua inglesa, ele é equivalente a 
 Hoffmann. Foi precursor do gênero policial e da ficção científica/fan-
tástica, e seus textos são marcados por mistérios, horrores, assassina-
tos e personagens disfuncionais. Poe também teoriza a sua escrita: em 
A filosofia da composição (2011), ele afirma 
que a narrativa curta seria o modo mais 
adequado para o escritor demonstrar seu 
talento como tal. Além disso, Poe rejeita 
a ideia de inspiração, espontaneidade, e 
defende que o ato da escrita é um processo 
meticuloso e analítico. Essas considerações vão 
contra o pensamento corrente do Romantismo, 
no qual prevalecia a imaginação como indutora da escrita, sem enfati-
zar o trabalho por trás dela.
O autor elabora a noção de “unidade de efeito” que, em suas pala-
vras, é explicada deste modo:
Se alguma obra literária é longa demais para ser lida de uma 
assentada, devemos resignar-nos a dispensar o efeito imensa-
mente importante que se deriva da unidade de impressão, pois, 
se requerem duas assentadas, os negócios do mundo in-
terferem e tudo o que se pareça com totalidade é imedia-
tamente destruído. (POE, 2011, p. 25)
Essa teoria vai repercutir entre os escritores das 
gerações seguintes, que também se debruçaram 
sobre a questão e a tentativa de definição do gê-
nero conto. Quem o fez de modo interessante foi 
o argentino Julio Cortázar. Em sua conferência Al-
guns aspectos do conto (2011), ele traz algumas 
analogias interessantes – por exemplo, 
compara o conto à fotografia em opo-
sição ao romance, que seria um filme. 
7878 Teoria da Literatura ITeoria da Literatura I
O gênero conto e o gênero romance 79
A fotografia condensa um instante da realidade limitado por suas 
bordas, que ao mesmo tempo abre-se para interpretações amplas 
“como uma visão dinâmica que transcende espiritualmente o campo 
abrangido pela câmera” (CORTÁZAR, 2011, p. 151). 
Outra analogia feita pelo autor é a do universo do boxe. Para 
ele, “o romance ganha por pontos, enquanto o conto ganha por 
knock out” ( CORTÁZAR, 2011, p. 152). Assim, vemos que a ideia de 
condensamento é relevante para Cortázar, que defende a profun-
didade em vez do acúmulo – possível apenas no romance. Em suas 
palavras: “pensem nos contos que não puderam esquecer e verão 
que todos eles têm a mesma característica: são aglutinantes de uma 
realidade infinitamente mais vasta que a do seu mero argumento” 
(CORTÁZAR, 2011, p. 155).
Além disso, o autor complementa afirmando que o conto deve apre-
sentar uma tensão a ser resolvida e esta deve apresentar-se desde as 
primeiras linhas do texto, sob o risco deser um conto “ruim”.
Atualmente, a forma conto adquiriu novos contornos e forma-
tos, sobretudo com a influência da internet e das redes sociais, 
 aproximando-o de uma estética minimalista. Há subgêneros, como mi-
croconto, miniconto e nanoconto – sendo estes muitas vezes identifica-
dos como sinônimos. Sua leitura ágil permite ao leitor consumir vários 
de uma vez, ao mesmo tempo que poucas frases podem nos levar a 
refletir tanto quanto um romance. Alguns expoentes do gênero em lín-
gua portuguesa são Dalton Trevisan, Antônio Prata, Marcelino Freire, 
entre outros. Vejamos alguns exemplos:
A velha insônia tossiu três da manhã.
(TREVISAN, 1994, p. 17)
Uma vida inteira pela frente. O tiro veio por trás.
(MOSCOVICH, 2004, p. 16)
Você deve estar se perguntando: afinal, qual é a diferença entre os 
contos e os minicontos? Alguns teóricos vão ater-se ao tamanho, im-
pondo um limite máximo de caracteres, algo bastante subjetivo. Po-
rém, nas palavras de Paulino (2001, p. 137), o miniconto é “um tipo de 
narrativa que tenta a economia máxima de recursos para obter tam-
bém o máximo de expressividade, o que resulta num impacto instan-
tâneo sobre o leitor”.
Se você quiser se apro-
fundar mais no universo 
dos contos modernos, 
o escritor Ricardo Piglia 
apresenta sua teoria no 
ensaio Teses sobre o conto. 
Para ele, todo conto tem 
sempre duas histórias: 
uma aparente, que 
esconde em si a segunda, 
a cifrada, que fica a cargo 
do leitor deduzir. Para 
isso, parte de um trecho 
do escritor russo Tchecov: 
“Um homem, em Monte 
Carlo, vai ao cassino, ga-
nha um milhão, volta para 
casa, se suicida”. Quantas 
interpretações podemos 
dar a esse trecho?
PIGLIA, R. São Paulo: Cia das 
Letras, 2004.
Livro
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Sustainable_Development_Goals.png
80 Teoria da Literatura I
5.3 O romance: origens e teorias 
Vídeo Quando falamos de formas literárias é sempre muito difícil precisar 
origens, isto é, datas exatas em que um movimento ou gênero começa. 
Pautamos cronologicamente para termos balizas e nos certificarmos 
de que nossos pares entenderão o que queremos dizer quando nos 
referimos ao Romantismo ou à tragédia, por exemplo.
O surgimento do termo romance vem do latim romanice scribere, ou 
seja, escrever em idioma romance, que vem de romanicus, ao estilo de 
 Roma. À medida que o Império Romano foi avançando pela Europa, 
cada país desenvolveu uma língua própria, que seria a mistura do latim 
com o vernáculo local, derivando daí um terceiro idioma – é o caso do 
inglês, francês, alemão, espanhol etc.
A princípio, essas línguas eram consideradas de pouco valor, uma 
vez que durante muito tempo o latim ainda perdurou como oficial em 
textos escritos. Elas eram usadas para a escrita de novelas de cavalaria 
ou histórias de amor – daí advém seu uso corrente: romance. O roman-
ce consolida-se ao mesmo tempo em que o movimento literário cha-
mado Romantismo surge, por isso a semelhança entre os dois nomes, 
uma vez que o gênero romance aborda temas como histórias de amor 
fracassadas, intrigas amorosas e outros.
É quase consenso entre os críticos que Dom Quixote (1605), do espa-
nhol Miguel de Cervantes, é o primeiro romance moderno. Um dos que 
detalham esse argumento é o escritor tcheco Milan Kundera (2016). Em 
seu ensaio A herança depreciada de Cervantes, ele começa aproximando 
o discurso literário do filosófico, a fim de demonstrar como as mesmas 
questões podiam ser respondidas por ambos, mas cada qual à sua ma-
neira. Nesse sentido, compara Descartes com Cervantes, “fundadores 
dos tempos modernos” (KUNDERA, 2016, p. 12).
Kundera rejeita o senso comum de que o romance é somente um 
modo de representar a realidade em que vivemos. Ele é, na verdade, 
o lugar da dúvida, da inquietação. É preciso sentir algum desconforto 
ao ler um romance, algo que implique a participação ativa do leitor na 
construção dos múltiplos significados ali presentes. Ao comentar a obra 
Crime e Castigo, do autor russo Fiódor Dostoiévski, Kundera (2016, p. 50) 
O gênero conto e o gênero romance 81
afirma: “O romance não examina a realidade mas sim a existência 
[...] ela é o campo das possibilidades humanas, tudo aquilo que o 
homem pode tornar-se, tudo aquilo de que é capaz. Os roman-
cistas desenham o mapa da existência”.
Dessa forma, o romance moderno, desde Quixote, tem 
como fito a análise da interioridade das personagens como 
indivíduos. Não por acaso, a publicação de 
Cervantes e de O discurso do método (1637), 
de Descartes, são contemporâneas e inscre-
vem-se justamente na passagem do Renas-
cimento para o Iluminismo, em que as 
doutrinas cristãs deixam de prevale-
cer e o sujeito passa a ser visto com 
singularidade, capaz de organizar 
suas próprias questões.
Outro teórico que se debruçou sobre o gênero romance foi Mikhail 
Bakhtin. De pronto, ele estabelece: “O estudo do romance enquanto 
gênero caracteriza-se por dificuldades particulares. Elas são condi-
cionadas pela singularidade do próprio objeto: o romance é o único 
gênero por se constituir, e ainda inacabado” (BAKHTIN, 2019, p. 397). 
Podemos pensar no romance como um gênero vampiresco, pois ele 
pode se alimentar de todos os outros gêneros com demais discursos 
– jornalístico, publicitário, lírico (as prosas poéticas) etc. Essa versatili-
dade ainda em curso difere dos demais gêneros que, vistos em retros-
pecto, aparecem como acabados (epopeia, tragédia, comédia).
Um aspecto interessante para o qual Bakhtin (2019) aponta é que o 
desenvolvimento do romance se dá em meio à pluralização das línguas 
vernáculas na Europa (português, espanhol, italiano, inglês, francês etc.). 
O latim deixa de ser a regra e as identidades nacionais reforçam-se am-
paradas também pelo estabelecimento das línguas. Bakhtin também é 
enfático ao distinguir epopeia e romance. A primeira seria “o passado 
heroico nacional, é o mundo das ‘origens’ [...] o mundo dos pais e an-
cestrais [...] A epopeia jamais foi um poema sobre o presente, sobre o 
seu tempo [...] desde o início foi um poema sobre o passado“ (BAKHTIN, 
2019, p. 405). O segundo, por sua vez, “tem uma problemática nova e 
específica; seus traços distintivos são a reinterpretação e a reavaliação 
Na obra A Arte do romance, 
vemos uma faceta dife-
rente da escritora Virgínia 
Woolf: a de teórica e 
ensaísta literária. Mesmo 
sem seguir os moldes 
acadêmicos, nos nove 
textos que compõem o 
livro, a autora disserta 
sobre a forma romance. 
Ela passa por questões 
como o lugar da mulher 
na literatura – um dos 
textos mais famosos é Um 
teto todo seu –, o prazer de 
ler e o destino e os des-
dobramentos do romance 
no século XX.
WOOLF, V. Porto Alegre: LP&M, 2018.
Livro
82 Teoria da Literatura I
permanentes. O centro da dinâmica da percepção e da justificativa do 
passado é transferido para o futuro” (BAKHTIN, 2019, p. 420). Isto é, há 
uma nítida relação entre um passado encerrado em si e um presente 
aberto a possibilidades.
Por fim, um teórico que dissertou sobre o tema, mas de um ponto 
de vista distinto, foi Georg Lukács. Em A teoria do romance (2009), ele 
faz um paralelo entre epopeia e romance – baseado na Estética, do fi-
lósofo alemão Friedrich Hegel, que defendia o romance como epopeia 
burguesa. O elo entre os dois é explicitado por Lukács (2009, p. 55) da 
seguinte forma: “O romance é a epopeia de uma era para a qual a tota-
lidade extensiva da vida não é mais dada de modo evidente, para qual 
a imanência do sentido à vida tornou-se problemática, mas que ainda 
assim tem por intenção a totalidade”.
Apesar de evidenciar uma diferença entre ambos no contexto mo-
derno – a epopeia como totalidade e o romance como afunilamento e 
individualização das personagens e seus destinos pessoais –, Lukács 
põe a questão de maneira melancólica: a extinção da figura heroica e 
da narrativa que fala a um povo versus a narrativa sobre sujeitos ordi-
nários presos em questões mundanas.
Resumindo, Lukács vê o romance como retrato de um mundo em 
que o indivíduo seencontra perdido e abandonado em meio a uma 
sociedade hostil. Essa visão advém de sua ligação com o pensamento 
filosófico alemão. Em certa passagem, o teórico afirma: “O processo 
segundo o qual foi concebida a forma interna do romance é a peregri-
nação do indivíduo problemático rumo a si mesmo, o caminho desde o 
opaco cativeiro da realidade simplesmente existente, em si heterogê-
nea e vazia de sentido para o indivíduo” (LUKÁCS, 2009, p. 82).
Com isso, percebemos um ponto de vista crítico acerca do romance 
que não o considera um gênero promissor, ao contrário de Kundera e 
 Bakhtin. Lukács entende o romance como a narrativa de vidas ocas e 
problemáticas. Deixa clara a sua predileção pela epopeia, acreditando 
que esta contém uma infinidade orgânica, enquanto o romance en-
clausura o personagem, tornando-o “mero instrumento, cuja posição 
central repousa no fato de estar apto a revelar uma determinada pro-
blemática do mundo” (LUKÁCS, 2009, p. 84-85).
O gênero conto e o gênero romance 83
Para concluir, observemos um breve resumo da estrutura clássica 
do romance:
Estrutura do romance
Definição Exemplos
Enredo/trama Série de acontecimentos que 
se interligam uns aos outros 
a partir da noção de causa e 
efeito.
“Quando certa manhã Gregor Samsa 
acordou de sonhos intranquilos, 
encontrou-se em sua cama meta-
morfoseado num inseto monstruoso” 
(KAFKA, 2011).
Espaço Precisar onde se passa a 
narrativa. Podem ser diferentes 
lugares.
Desde o micro – quarto, casa, bairro – 
até o macro – cidade, país.
Temporalidade Duração da narrativa ou 
momento cronológico em que 
se passa.
Cronológico e psicológico.
Personagens Responsáveis por dar corpo à 
ação.
Planas – sem profundidade –versus 
esféricas – complexas.
Narrador Ponto de vista de quem narra. Personagem, observador, onisciente 
ou onipresente.
Como vimos, o gênero romance possui sua estrutura clássica evi-
denciada por meio dos trabalhos apresentados, buscando interpretar 
e retratar suas características, registrando suas eventuais mudanças.
5.4 Romance contemporâneo 
Vídeo
Quando falamos em contemporâneo, vem logo à nossa cabeça a 
ideia de algo que estamos experimentando ou vivenciando naquele 
exato momento. Todavia, quando trazemos essa etiqueta para a esfera 
artística – no nosso caso, a literatura –, surge uma problemática. Com 
o número cada vez maior de escritores e editoras independentes, o vo-
lume de obras tem aumentado cada vez mais nos últimos anos. Nesse 
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ck
84 Teoria da Literatura I
sentido, como a crítica deve se posicionar diante desse cenário? O es-
tudo da literatura contemporânea deve deter-se nos livros publicados 
naquele mês, ano, década?
A esse respeito, o filósofo italiano Giorgio Agamben (2009) propõe 
uma definição de contemporaneidade tendo em vista a figura do poe-
ta: “contemporâneo é aquele que mantém fixo o olhar no seu tempo, 
para nele perceber não as luzes, mas o escuro [...] contemporâneo é, 
justamente, aquele que sabe ver essa obscuridade, que é capaz de es-
crever mergulhando a pena nas trevas do presente” (AGAMBEN, 2009, 
p. 62-63).
Mais adiante, Agamben vai clarificar essa acepção. Ele dirá que o 
contemporâneo é aquilo/aquele que não coincide exatamente com o 
seu tempo, ou seja, que está em um ponto de vista escuro – o presente 
cronológico em si –, mas que é capaz de, nessa escuridão, perceber pon-
tos de luz que estão um pouco mais adiante, embora inapreensíveis.
Dessa forma, podemos afirmar que vários escritores foram contem-
porâneos em seus tempos, justamente por terem inaugurado técnicas 
que até então não eram óbvias – como nos casos de Decameron e Dom 
Quixote. Há algo de inventivo nos contemporâneos, que não estão ata-
dos pura e simplesmente a um tempo cronológico.
Para focar nosso trabalho, vamos pensar essa noção na literatura 
produzida durante o século XX e início do século XXI. Dividiremos a 
abordagem em três momentos: primeira metade do século XX, segun-
da metade e início do século XXI.
5.4.1 Primeiro momento
Em 1922 foi publicada a obra que seria um divisor de águas no entendi-
mento de romance até então: Ulisses, de James Joyce. Pelo título, é possível 
presumir a intertextualidade com o épico do grego Homero, Odisseia, que 
narra a volta de Ulisses para casa após a Guerra de Troia. Joyce atualiza 
a figura do herói épico para a de um homem comum, Leopold Blomm, e 
acompanha dezoito horas do seu dia em quase mil páginas.
Você pode estar se perguntando: como ele dilatou tanto as-
sim o tempo? Seguindo a tradição dos romancistas do século XIX – 
Dostoiévski, Liev Tolstói e Honoré de Balzac –, Joyce apresenta ao seu 
O gênero conto e o gênero romance 85
leitor uma grande quantidade das personagens vinculadas ao protago-
nista Bloom. Contudo, o grande artifício para conseguir o feito foi usar 
a narração via fluxo de consciência, por meio do qual o leitor acessa 
sem mediações narrativas os pensamentos das personagens. Essa téc-
nica faz do livro um desafio, afinal, até aquele momento, os romances 
seguiam um realismo cuja estrutura era velha conhecida dos leitores.
Ulisses é uma leitura desafiadora. Os fluxos de consciência confun-
dem-se com as ações e com as descrições dos ambientes, e persona-
gens aparecem sem terem sido mencionadas. Além disso, Joyce joga 
também com diversas obras da tradição clássica, como a Bíblia, as 
epopeias gregas, os textos de Shakespeare e vários outras. Apesar de 
parecer caótico, o romance foi bem arquitetado pelo autor. Uma vez 
que seu intuito era essa espécie de paródia/homenagem à Odisseia, o 
romance segue uma divisão em 18 episódios que remetem aos narra-
dos na obra de Homero.
Um segundo nome incontornável é o de Franz Kafka. Famoso por 
A metamorfose, o escritor inaugura um novo tipo de realismo, influencia-
do pelo expressionismo alemão, que se apresenta de modo não linear 
e muitas vezes absurdo, exagerando o sentimento de fragmentação 
do indivíduo em meio a uma realidade que parecia não fazer sentido. 
Os dramas enfrentados pelas personagens kafkianos são a burocracia 
do Estado e demais instituições, os quais despem o indivíduo da sua 
humanidade e passam a tratá-lo como coisa.
Kafka cria atmosferas fantásticas, enclausurantes e sombrias. Ape-
sar disso, sua linguagem é muito clara e objetiva. Os fatos são narrados 
de modo direto – o que, muitas vezes, choca o leitor. Para resgatar-
mos um termo freudiano, Kafka joga com o estranho familiar (Das 
Unheimliche), que seria uma sensação de estranhamento que se con-
verte em angústia diante de algo conhecido – um exemplo seriam as 
bonecas hiper-realistas. Para termos uma noção, vejamos a abertura 
de A metamorfose:
Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranquilos, encon-
trou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso. Estava deita-
do sobre suas costas duras com couraça e, ao levantar um pouco a cabeça, 
viu seu ventre abaulado, marrom, dividido por nervuras arqueadas, no topo 
do qual a coberta, prestes a deslizar de vez, ainda mal se sustinha [...]. Não 
era um sonho. Seu quarto, um autêntico quarto humano, só que um pouco 
pequeno demais, permanecia calmo entre as quatro paredes bem conhecidas.
(KAFKA, 2011, p. 7)
O Expressionismo foi um 
movimento de vanguarda 
do começo do século 
XX que teve início na 
Alemanha. Como o nome 
sugere, há um desejo de 
expressão, mas não nos 
moldes realistas. Nas 
obras do período, vemos 
imagens que rompem 
com o padrão de beleza, 
exprimindo a angústia 
e o drama humanos. O 
movimento manifestou-se 
no cinema, na arquitetura, 
nas artes plásticas e na 
literatura. Sobre essa últi-
ma, pode-se caracterizá-la 
como objetiva, afeita a 
frases curtas. O eixo temá-
tico joga com abstrações, 
simbologias e analogias, 
ou seja, as “regras” lógicas 
do realismo foram suspen-
sas e cada texto criava a 
sua própria realidade.
Saiba mais
86 Teoria da Literatura I
O insólito despertar do protagonista, análogo a um pesadelo, con-
firma-se como realidade.Apenas ele mudou, tudo ao seu redor perma-
nece o mesmo. O desenrolar da narrativa mostra a reação de repulsa 
da família de Gregor e o modo como vão encarando a metamorfose. A 
angústia do leitor é a de não saber como aquilo aconteceu e perceber 
que, aos poucos, a situação vai sendo normalizada pela família.
Finalizando a primeira metade do século XX, temos a literatura exis-
tencialista. Ela surge a partir de um entendimento filosófico – o existen-
cialismo – em que o indivíduo, tomado por uma angústia existencialista, 
 vê-se como o responsável por todos os seus atos e gestos diante de um 
mundo que parece sem sentido. Esse movimento ganha musculatura 
após a Segunda Guerra Mundial, momento de desolamento e descren-
ça do povo europeu, cercado por escombros e ausência de justiça.
Os dois autores mais conhecidos do período são o escritor Albert Ca-
mus e o filósofo Jean-Paul Sartre, este que escreveu O ser e o nada (1943), 
um tratado filosófico acerca do existencialismo. O romance A náusea 
(1938), de Sartre, é uma das primeiras expressões literárias dessa cor-
rente. O autor vai enveredar sua obra existencialista para questões 
políticas, o que faz de algumas delas menos interessantes devido ao 
caráter panfletário.
É Camus que se lança de fato na elaboração literária do existencia-
lismo. Seu romance mais conhecido, O estrangeiro (1942), traz a história 
de Mersault, um sujeito qualquer que se envolve em uma briga na praia 
e acaba matando um homem com uma punhalada. Ele é preso e vai a 
julgamento, mas recusa-se a depor em sua própria defesa. Mersault 
não é capaz de elaborar a motivação para o seu crime, não sente re-
morso e se recusa a defender-se no julgamento. Considerado culpado, 
é sentenciado à morte. Acompanhemos a abertura do romance: 
Hoje, mamãe morreu. Ou talvez ontem, não sei bem. Recebi um telegrama do 
asilo: “Sua mãe faleceu. Enterro amanhã. Sentidos pêsames”. Isso não escla-
rece nada. Talvez tenha sido ontem.
(CAMUS, 2019, p. 11)
A indiferença de Mersault diante da morte da mãe e o fato de que 
não chorou durante o enterro serão usados no julgamento como prova 
de sua frieza e ausência de sentimentos. Do ponto de vista existen-
cialista, podemos pensar que o protagonista encara a vida como um 
absurdo sem sentido, daí seu embotamento diante dessas situações, 
pois se sente descolado delas.
O gênero conto e o gênero romance 87
5.4.2 Segundo momento
Passando agora para o panorama nacional, falaremos sobre o 
escritor João Guimarães Rosa e sua magnum opus 2 , Grande Sertão: 
Veredas (1956). Considerado como um ponto de inflexão na literatura 
brasileira, o romance conta com uma técnica narrativa interessante: um 
monólogo dialogado. O protagonista Riobaldo narra para uma segunda 
pessoa – a quem interpela em vários momentos, mas cuja identidade 
desconhecemos – suas memórias no tempo em que era jagunço. Per-
correndo diversos assuntos – sua relação com a terra, com os compa-
nheiros de jagunçagem e lembranças da sua infância –, o romance foca 
sobretudo a relação afetiva – porém tensa – entre Riobaldo e Reinaldo 
(cujo nome verdadeiro é Diadorim).
Além disso, Rosa vale-se de um vocabulário arcaico, fruto das suas 
pesquisas linguísticas e da observação do modo de falar dos jagunços. 
Sua linguagem é marcada por neologismos, aglutinações, trabalho re-
finado com os sons das palavras e uma sintaxe diferente daquela pres-
crita pela norma culta. O romance sustenta-se também em dualidades, 
como o bem e o mal, a existência do diabo ou não, o amor e o ódio etc. 
Ilustrando o estilo do autor, vejamos a abertura do texto:
– Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram de briga de homem não, Deus es-
teja. Alvejei mira em árvore, no quintal, no baixo do córrego. Por meu acerto. 
Todo dia isso faço, gosto; desde mal em minha mocidade. Daí, vieram me 
chamar. Causa dum bezerro: um bezerro branco, erroso, os olhos de nem ser 
– se viu –; e com máscara de cachorro. 
(ROSA, 2014, p. 23)
Em algumas passagens, vemos o arcaísmo, o “nonada”, que significa 
algo irrelevante; traços de oralidade, em “Causa dum”, em vez de “Por 
causa de um”; e neologismo, como em “erroso”. Além disso, note a sin-
taxe retorcida usada nas frases, por exemplo, em “Tiros que o senhor 
ouviu foram de briga de homem não, Deus esteja”. Perceba como a fra-
se poderia ser reescrita de maneira mais fluida caso fosse “Deus esteja, 
os tiros que o senhor ouviu não foram de briga de homem”. Guimarães 
Rosa inaugura e abre caminho para uma experimentação linguística 
que será herdada por vários escritores das gerações posteriores.
Outro desdobramento do romance foi a prosa poética. Se 
Baudelaire praticava poemas em prosa, aqui temos o inverso. A prosa 
poética apropria-se de mecanismos da poesia, como as aliterações, 
as assonâncias, as metáforas, o ritmo e a sonoridade, mas a estrutura 
O termo vem do latim – 
magnum é maior e opus, 
obra – e é usado para 
indicar a obra mais 
importante e relevante da 
carreira de um artista.
2
88 Teoria da Literatura I
permanece semelhante à de um conto ou romance, isto é, um texto 
corrido e formatado como prosa e com um enredo. Um dos nomes 
relevantes desse tipo de escrita é Hilda Hilst, poeta e prosadora bra-
sileira. Em Fluxo-floema (1970), composto de cinco contos, ela experi-
menta essa escrita que, além de propiciar ao leitor uma experiência 
de prosa-poética, propõe uma metalinguística ao expor a própria difi-
culdade de narrar. A ausência de enredo claro e o jogo com a própria 
linguagem denunciam a dificuldade e os limites da escrita, que é uma 
personagem central do livro. 
Estou todo dentro, de perfil também sou de frente, sou sempre inteiro, usa a 
linguagem fundamental, sem essa que disseste. Chama-se língua, essa? Não, 
nada tem a ver com o que eu digo, te fazes catacumba, cripta, deixa a tua 
morte para depois. Se ali estaremos juntos? Como posso? Nada é junto de 
mim, nada é distante. Abarco o meu próprio limite. 
(HILST, 2003, p. 226-227)
A voz narrativa escolhida é o fluxo de consciência, pontuada por 
diálogos entre as personagens, que se deslocam por um espaço.
5.4.3 Século XXI
Por ainda estarmos vivendo este período, é difícil 
mapear quais seriam os grandes escritores desta ge-
ração. Muitos críticos chamam esse momento artís-
tico de pós-moderno – nomenclatura problemática 
se pensarmos até onde ela se estenderia. Assim, 
é mais fácil atentarmos para temáticas e ten-
dências estilísticas. Com o avanço dos estudos 
culturais, cada vez mais autores pertencentes 
a grupos marginalizados – negros, LGBTs, mu-
lheres, indígenas, periféricos – têm escrito suas 
próprias narrativas, baseadas em suas experiên-
cias de vida.
Nesse sentido, Edward Said (2005) defende que 
a crítica deve distanciar-se dos estereótipos e das 
reduções grosseiras de tipos sociais e locais retra-
tados pela literatura escrita do ponto de vista dos 
vencidos, uma vez que isso limita o entendimento e 
estreita o horizonte dos leitores. É importante que os 
críticos se atualizem para dar conta das novas temáti-
cas e modos de narrar.
Rom
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borskyi/Shutterstock
O gênero conto e o gênero romance 89
No que diz respeito à prosa escrita por pessoas negras, ressaltamos 
a importância de Conceição Evaristo. Em Olhos d’água (2014), a auto-
ra foca perfis de mulheres negras e periféricas, vítimas de violências e 
abusos, além de sobrecarregadas nas tarefas familiares. Vejamos um 
trecho em que isso se evidencia:
Maria estava parada há mais de meia hora no ponto do ônibus [...]. Além do 
cansaço, a sacola estava pesada. No dia anterior, no domingo, havia tido festa 
na casa da patroa. Ela levava para casa os restos. O osso do pernil e as frutas 
que tinham enfeitado a mesa. 
(EVARISTO, 2020, p. 39)
Nele, notamos o perfil da personagem: uma empregada domésti-
ca exausta, esperando condução e trazendo para casa as sobras de 
 comida doadas pela patroa.
A representação e denúncia ao racismo podem ser vistas também 
no romance de Jeferson Tenório, O avesso da pele (2020),vencedor do 
prêmio Jabuti 2021. A obra é narrada por Pedro, cujo pai foi assassinado 
durante uma abordagem policial ao ser confundido com um assaltante. 
Nesse caminho, o jovem traça um percurso de memórias no qual tenta 
compreender a figura do pai. São relatadas situações de racismo so-
fridas não apenas pelo pai, mas também pela sua mãe e pelo próprio 
 Pedro. Em um trecho, ele comenta sobre o pai:
[...] você lembra que um dia já tinha sido algemado como um bandido. Isso 
aos catorze anos, quando você estava num ponto esperando o ônibus, em 
Copacabana [...] um ônibus parou e dele desceram alguns moleques que 
apontaram para você dizendo: foi ele, foi ele. [..] alguém sacou uma arma 
e apontou para a sua cabeça, você ainda podia ouvir um deles gritando: nós 
vamo te passar, neguim, tu vai morrê agora, neguim.
(TENÓRIO, 2020, p. 23)
Sobre questões de gênero temos o livro Amora (2019), de Natália 
Borges Polesso. Nele, os contos narram situações vividas por mulheres 
lésbicas ou que estão em um processo de entendimento da sua sexua-
lidade. Essas histórias apresentam os medos e as dores em torno dos 
preconceitos sofridos pela sociedade e a própria família. Em um trecho, 
captura-se este momento:
Vó Clarissa deixou cair os talheres no prato, fazendo a porcelana estalar. 
Joaquim, meu primo, continuava com o queixo suspenso [...]. Beatriz ecoou 
a palavra como pergunta “o que é lésbica?”. Eu fiquei muda. Joaquim sabia 
sobre mim e me entregaria para a vó e, mais tarde, para toda a família [...]. A 
vergonha estava na minha cara e me denunciava antes mesmo da delação.
(POLESSO, 2019, p. 34)
Passando agora para o universo periférico, falemos de Ferréz, autor 
do famoso Capão Pecado (2000) e conhecido por sua literatura margi-
nal. O título faz menção à periferia do bairro Capão Redondo, em São 
Grande parte dos famo-
sos romances do século 
XX recebeu adaptações 
cinematográficas – muitas 
vezes, até mais de 
uma. No caso do filme 
O Estrangeiro, de Visconti, 
o roteiro é fiel ao roman-
ce, seguindo a cronologia 
das ações e valendo-se 
de diálogos retirados do 
próprio livro. As paisagens 
e a atuação de Marcello 
Mastroianni como 
 Mersault dão cor e vida às 
descrições já muito poten-
tes no próprio livro.
Direção: Luchino Visconti. França; 
Itália: Dino de Laurentiis, 1967.
Filme
90 Teoria da Literatura I
Paulo, onde há várias favelas e o descaso da prefeitura para com seus 
moradores. O enredo gira em torno de Rael – jovem trabalhador que 
busca um destino diferente do de seus amigos, envolvidos em crimes – 
e seu romance com Paula, namorada do seu melhor amigo. Em meio a 
tudo isso, é descrito o dia a dia de penúria em que vivem esses jovens, 
bem como os assassinatos cometidos pela polícia truculenta.
Ressalta-se o uso de uma linguagem não apenas coloquial, mas pró-
pria das personagens que habitam a região. O intuito do autor é dar 
densidade e complexidade psicológica a essas personagens, rompendo 
com a lógica maniqueísta que distingue o certo do errado ou o bem do 
mal, visando romper com os estereótipos acerca dos núcleos periféri-
cos. A abertura do romance traz um diálogo entre Marquinhos e Vasp 
que já insere o leitor nesse universo: 
– Aí, mano! Eu bebo todo dia, cê tá ligado?
[...]
– Sobrevivo comendo coisas que ganho, mano, e até reviro os lixo, é mó treta 
com os cachorro, cê tá ligado?
– Já fui esfaqueado duas vezes, mano; [...].
(FERRÉZ, 2020, p. 18)
Por fim, fiquemos com um resumo das características mais marcan-
tes e recorrentes na produção literária brasileira contemporânea:
• Uso mesclado da norma culta e linguagem coloquial.
• Obras com temáticas urbanas e sociais.
• Engajamento em direção a pautas sociais.
• Experimentalismo linguístico.
• Intertextualidade.
• Diálogo com outras técnicas (fotografia, montagem, 
colagem etc.).
• Edições autorais e artesanais.
Como vimos, os textos em prosa têm se adaptado cada vez mais ao 
contexto social em que estamos inseridos, buscando interpretar e re-
tratar a realidade em que vivemos, registrando suas mudanças. Apesar 
de esboçarmos características do romance contemporâneo, não pode-
mos perder de vista o fato de que tais categorias estão em constante 
remodelação, devendo ser reconsideradas com o passar do tempo.
El
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O gênero conto e o gênero romance 91
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O histórico feito dos gêneros conto e romance serviu para dar uma 
noção de como eles surgiram e se desdobraram na contemporaneidade. 
Há vários autores e teóricos relevantes na ficção e crítica dessas obras.
Assim como a própria língua, os textos literários estão em constan-
te trânsito e transformações, acompanhando as mudanças da realidade 
ao seu redor e as demandas dos seus leitores. Tendo isso em mente, é 
possível não ficar preso a caracterizações engessadas acerca de nenhum 
desses gêneros.
Atualmente, há ficções inclassificáveis, pois encontram-se em regiões 
fronteiriças com outros discursos, como o publicitário, o jornalístico, o vir-
tual etc. Ou seja, a noção de gêneros literários precisa ser revisada pelos 
críticos e novos termos, criados para a compreensão dessas obras que 
rompem com os limites das estruturas tradicionais de narrativas em prosa.
ATIVIDADES
Atividade 1
Analise o trecho a seguir e comente as palavras e expressões em 
destaque.
– Aí, mano! Eu bebo todo dia, cê tá ligado?
[...]
– Sobrevivo comendo coisas que ganho, mano, e até reviro os lixo, 
é mó treta com os cachorro, cê tá ligado?
– Já fui esfaqueado duas vezes, mano; [...].
(FERRÉZ, 2020, p. 18, grifos da autora)
Atividade 2
Resuma os três pontos de vista acerca do gênero romance de 
acordo com Bakhtin, Lukács e Kundera.
Atividade 3
Quais são as tendências apontadas para o romance contemporâ-
neo? No que elas se diferem dos romances dos séculos XIX e XX?
92 Teoria da Literatura I
REFERÊNCIAS
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BAKHTIN, M. Teoria do romance III: o romance como gênero literário. São Paulo: Editora 
34, 2019.
BOCCACIO, G. Decameron. Seleção, introdução e tradução de Maurício Santana Dias. São 
Paulo: Cosac Naify, 2013.
CALVINO, I. Contos fantásticos do século XIX. São Paulo: Cia das Letras, 2004.
CAMUS, A. O estrangeiro. 45. ed. São Paulo: Record, 2019.
CORTÁZAR, J. Valise de cronópio. São Paulo: Perspectiva, 2011.
DIAS, M. S. Introdução. In: BOCCACIO, G. Decameron. Seleção, introdução e tradução de 
Maurício Santana Dias. São Paulo: Cosac Naify, 2013.
EVARISTO, C. Olhos d’água. Rio de Janeiro: Pallas, 2020.
FERRÉZ. Capão pecado. São Paulo: Cia das Letras, 2020.
GOTLIB, N. B. Teoria do conto 11. ed. São Paulo: Ática, 2006.
HILST, H. Fluxo-floema. São Paulo: Globo, 2003.
KAFKA, F. A metamorfose. São Paulo: Cia das Letras, 2011.
KUNDERA, M. A arte do romance. São Paulo: Cia das Letras, 2016.
LUKÁCS, G. A teoria do romance. 2. ed. São Paulo: Duas Cidades; Editora 34, 2009.
MENDES, M. B. T. Em busca dos contos perdidos: o significado das funções femininas nos 
contos de Perrault. São Paulo: Unesp, 2004.
MOSCOVICH, C. In: FREIRE, M. (org.). Os cem menores contos brasileiros do século. Cotia: 
Ateliê Editorial, 2004.
PAULINO, G. et al. Tipos de texto, modos de leitura. Belo Horizonte: Formato Editorial, 2001.
POE, E. A. A filosofia da composição. 2. ed. Rio de Janeiro: 7Letras, 2011.
POLESSO, N. B. Amora. São Paulo: Dublinense, 2019.
ROSA, J. G. Grande sertão: veredas. São Paulo: Cia das Letras, 2014.
ROSENFELD, A. Letras germânicas. São Paulo: Perspectiva, 1993.
SAID, E. Representações do intelectual. São Paulo: Cia das Letras, 2005.
TENÓRIO, J. O avesso da pele. São Paulo: Cia das Letras, 2020.
TREVISAN, D. Ah, é?. 2. ed. Rio de Janeiro: Record, 1994.
Resolução das atividades
1 Introdução à literatura
1. Considerando as discussões feitas sobre literatura: é possível 
defini-la? Sua resposta deve levar em consideração não apenas 
aspectos formais, mas também sociais e culturais.
Sugestão de resposta:
Podemos pensara literatura em seus aspectos mais técnicos e em 
como ela se divide (lírica, épica e drama). As características formais 
de cada um desses tipos de texto nos dão um norte, pois eles não 
estão presentes na linguagem cotidiana, por exemplo. A literatura, 
portanto, seria um jeito específico de usar a língua. No sentido social, 
ela cumpriu um papel de unificação de Estados-nações e fez parte 
da construção de um caráter nacional – como foi o caso do Brasil 
após a independência de Portugal. Em cada sociedade, contexto, 
época, público e obra, a literatura será lida de modo diferente e essas 
interpretações têm a ver com a ideologia por trás dos teóricos e 
críticos em questão.
2. Qual o entendimento de mimesis para Platão e Aristóteles? No que 
o entendimento moderno de mimesis diferencia-se desses?
Sugestão de resposta:
Para Platão, a mimesis presente nas epopeias gregas, por exemplo, 
fazia parte apenas do mundo das ideias. Elas não permitiam, portanto, 
um acesso à realidade por estarem apenas imitando algo que o autor 
não havia de fato vivido. Para Aristóteles, mimesis tem mais a ver com 
representação com base na verossimilhança, ou seja, precisa emular 
o real, e não copiá-lo fidedignamente. Atualmente o entendimento de 
mimesis coloca o termo em um lugar mais ativo, enxergando-o em 
sua relação com a poética, que sugere a ideia de fazer e executar. 
A mimesis hoje não seria mais pura imitação ou representação 
verossímil, mas sim uma possibilidade de criar seu universo com suas 
próprias leis.
3. Discorra sobre as diferenças entre prosa e poesia.
Sugestão de resposta:
A rigor, não devemos nos prender às nomenclaturas fixas, pois, como 
vimos, os entendimentos sobre prosa e poesia foram mudando no 
decorrer dos séculos. Inclusive vale ressaltar que a noção de prosa 
sequer estava presente na divisão clássica das artes poéticas greco-
romanas. De modo geral, a prosa é mais extensa, organiza-se em 
Resolução das atividades 93
parágrafos, possui narrador, personagens, enredo e ambientação 
(onde se passa e em que época). Há nela a presença de diálogos, 
marcados por aspas ou travessões, tendendo a ser realista. Ela 
divide-se em ficcional – conto, romance, crônica etc. – e não ficcional – 
biografias, reportagens etc. A poesia, por sua vez, é mais condensada, 
ocupa geralmente pouco espaço na página e é dividida em estrofes 
que se organizam em versos – que são as “linhas” que contêm uma 
unidade de sentido cada. Podem ter um eu lírico marcado e servir 
para expressar sentimentos, embora durante o Modernismo essas 
características tenham começado a mudar.
2 Gêneros literários
1. Leia o poema abaixo, de Álvares de Azevedo, poeta do Romantismo 
brasileiro, e identifique nele as características próprias à lírica.
Se eu morresse amanhã
Se eu morresse amanhã, viria ao menos
Fechar meus olhos minha triste irmã;
Minha mãe de saudades morreria
Se eu morresse amanhã!
Quanta glória pressinto em meu futuro!
Que aurora de porvir e que amanhã!
Eu perdera chorando essas coroas
Se eu morresse amanhã!
Que sol! que céu azul! que doce n’alva
Acorda a natureza mais louçã!
Não me batera tanto amor no peito
Se eu morresse amanhã!
Mas essa dor da vida que devora
A ânsia de glória, o doloroso afã...
A dor no peito emudecera ao menos
Se eu morresse amanhã!
(AZEVEDO, 2009, p. 44)
Sugestão de resposta:
A presença do eu lírico demonstra-se de modo contundente, como 
vemos nas palavras marcadas acima (pronomes possessivos em 
primeira pessoa, como “meu” e “minha”, pronome pessoal “eu” 
diversas vezes repetido, e marcação da 1ª pessoa do singular implícita 
na conjugação do verbo “pressinto”). Além disso, o tom confessional 
e emotivo é marcante, pois o eu lírico versa sobre sua possível morte, 
94 Teoria da Literatura I
o que se verifica na incessante repetição do verso ao final de cada 
estrofe, “Se eu morresse amanhã”. Verifica-se que o poeta não faz 
uso de forma fixa, pois temos apenas quatro quartetos (estrofes com 
quatro versos). O esquema de rimas é livre, ou seja, elas não coincidem 
ao final de cada verso – caracterizando, assim o verso branco, embora 
no que diz respeito à métrica, os versos são todos decassílabos. Um 
dado importante sobre o poema é que foi escrito por Aluísio um mês 
antes de sua morte, daí o tom de um quase conformismo e preparação 
para a morte.
2. Lei o trecho abaixo, de Édipo rei, escrito por Sófocles, e aponte as 
características de gênero dramático.
Édipo
- Está bem; havemos de voltar à origem desse crime, e pô-lo em 
evidência. É digna de Apoio, e de ti, a solicitude que tendes pelo 
morto; por isso mesmo ver-me-eis secundando vosso esforço, a 
fim de reabilitar e vingar a divindade e o país ao mesmo tempo. 
E não será por um estranho, mas no meu interesse que resolvo 
punir esse crime; quem quer que haja sido o assassino do rei 
Laio bem pode querer, por igual forma, ferir-me com a mesma 
audácia. Auxiliando-vos, portanto, eu sirvo a minha própria causa. 
Eia, depressa, meus filhos! Erguei-vos e tomai vossas palmas de 
suplicantes; que outros convoquem os cidadãos de Cadmo; eu não 
recuarei diante de obstáculo algum! Com o auxílio do Deus, ou 
seremos todos felizes, ou ver-se-á nossa total ruína!
O sacerdote
Levantemo-nos, meus filhos! O que ele acaba de anunciar é, 
precisamente, o que vínhamos pedir aqui. Que Apoio, que nos 
envia essa predição oracular, possa-nos socorrer, também, para 
pôr um fim ao flagelo que nos tortura!
Saem ÉDIPO, CREONTE, O SACERDOTE. Retira-se o POVO. Entra O 
CORO, composto de quinze notáveis tebanos.
O coro
Doce palavra de Zeus, que nos trazes do santuário dourado de 
Delfos à cidade ilustre de Tebas? Temos o espírito conturbado pelo 
terror, e o desespero nos quebranta. Ó Apoio, nume tutelar de 
Delos, tu que sabes curar todos os males, que sorte nos reservas 
agora, ou pelos anos futuros? Dize-nos tu, filha da áurea Esperança, 
divina voz imortal! Também a ti recorremos, ó filha de Zeus. Palas 
eterna, e a tua divina irmã, Diana, protetora de nossa pátria, em 
seu trono glorioso na Ágora imensa.
Resolução das atividades 95
Sugestão de resposta:
Presença de diálogos, como o de Édipo e o Sacerdote. Além disso, a 
existência de uma cena, como comprova o excerto. Há também uma 
rubrica, ou seja, indicação de cena em: “Saem ÉDIPO, CREONTE, O 
SACERDOTE. Retira-se o POVO. Entra O CORO, composto de quinze 
notáveis tebanos”. Por fim, há o coro, que comenta a conversa de Édipo 
com o Sacerdote, e o conflito no qual o protagonista se encontra.
3. Observe abaixo trechos do canto I de Os Lusíadas, de Luís de 
Camões. A epopeia recorda e exalta os grandes feitos dos antigos 
navegadores portugueses que, durante a Renascença, descobriram 
novas terras e criaram tecnologias de navegação. A partir da leitura, 
identifique as características que fazem dele um épico, aos moldes 
gregos, e quais seriam as diferenças em relação a este.
Canto I (abertura)
As armas e os barões assinalados
Que, da Ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados
Passaram ainda além da Taprobana
E em perigos e guerras esforçados
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram
[...]
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.
[...]
E vós, Tágides minhas, pois criado
Tendes em mim um novo engenho ardente
[...]
Dai-me agora um som alto e sublimado,
Um estilo grandíloquo e coerente
(CAMÕES, 2010, p. 17-18).
Sugestão de resposta:
A obra Os Lusíadas aproxima-se das epopeias gregas na medida em 
que seus versos têm metros fixos (são todos decassílabos). Além 
96 Teoria da Literatura I
disso, evoca as ninfas, divindades da natureza, para que lhe inspirem. 
Também, o autor pede um estilo eloquente e sem rodeios, para ir 
direto às ações. Diferente das epopeias gregas, percebe-se que os 
personagens principais aqui são os navegantes portugueses, que, 
apesar de sua bravura, não são os heróis míticos gregos e são 
narradas aqui apenas suas experiênciasindividuais. Enfim, ao dizer 
“um novo engenho ardente”, Camões apresenta-se como um aedo 
moderno, que provavelmente se valerá de técnicas distintas de seus 
predecessores.
3 Correntes literárias
1. A partir do que foi exposto neste capítulo, apresente as características 
do Formalismo Russo.
O Formalismo Russo é uma corrente literária que surge no início do 
século XX na Rússia e organiza-se em torno de diversos pensadores, 
como Roman Jakobson e Viktor Chklovski. Seus pressupostos eram a 
análise de uma obra literária com base em sua estrutura, descartando 
seu exterior – como a biografia do autor.
2. Faça um breve resumo do que você entendeu sobre a corrente 
Estruturalista.
O Estruturalismo advém da linguística de Ferdinand de Saussure, 
que organizava a língua como sistema. A corrente surge com o 
propósito de ler diversos campos do saber – literatura, sociologia, 
antropologia etc – como uma grande estrutura que se repetiria 
em cada texto e formulação. Suas características seriam a ideia 
de sistema totalizante a partir da combinação de elementos (como 
mostrou Propp) e a ausência de fatores externos (históricos, sociais) 
para as análises feitas.
3. Discorra sobre as principais características dos Estudos Culturais.
Esta corrente teórica surge nos Estados Unidos, entre as décadas 
de 1950 e 1960, no contexto das manifestações pelos direitos das 
mulheres, direitos civis e lutas antirracistas e anticolonialistas. 
Aplicando-a à crítica literária, vemos que seu interesse reside em 
uma leitura das obras que considere seu contexto social, histórico, de 
gênero, classe social e raça. Esta multiplicidade de fatores faz com que 
os Estudos Culturais dialoguem de perto com várias disciplinas, como 
a Geografia, a Sociologia, a Antropologia e a História. Outro aspecto 
importante é o interesse dos Estudos Culturais por diferentes mídias, 
como o cinema, a televisão e a internet.
Resolução das atividades 97
4 Aspectos narrativos
1. Observe os dois textos abaixo e indique o gênero textual ao qual 
pertencem. Justifique sua resposta:
 TEXTO I
 “Quando eu não sei onde guardei um papel importante e a procura 
revela-se inútil, pergunto-me: se eu fosse eu e tivesse um papel 
importante para guardar, que lugar escolheria? Às vezes dá certo.
 Experimente: se você fosse você, como seria e o que faria? Logo 
de início se sente um constrangimento: a mentira em que nos 
acomodamos acabou de ser movida do lugar onde se acomodara. 
No entanto já li biografias de pessoas que de repente passavam a 
ser elas mesmas e mudavam inteiramente de vida.
 [...]
 Metade das coisas que eu faria se eu fosse eu, não posso contar.
 “Se eu fosse eu” parece representar o nosso maior perigo de viver, 
parece a entrada nova no desconhecido.
 No entanto tenho a intuição de que, passadas as primeiras 
chamadas loucuras da festa que seria, teríamos enfim a experiência 
do mundo. Bem sei, experimentaríamos enfim em pleno a dor do 
mundo. E a nossa dor aquela que aprendemos a não sentir. Mas 
também seríamos por vezes tomados de um êxtase de alegria pura 
e legítima que mal posso adivinhar.” (LISPECTOR, 2018, p.138-139).
 TEXTO II
 “A cidadezinha de Verrières pode ser considerada uma das 
mais bonitas do Franco Condado. Suas casas brancas de teto 
pontiagudo e telhas vermelhas espraiamse pela encosta de uma 
colina cujas menores sinuosidades são marcadas por grupos de 
vigorosos castanheiros. [...] Verrières está abrigada ao norte por 
uma montanha alta, um dos ramos do Jura. Os cimos escarpados 
do Verra cobremse de neve desde as primeiras friagens de 
outubro.”(STENDHAL, 2010, p. 19)
Sugestão de resposta:
O trecho I é uma crônica de Clarice Lispector. Narrada em 1ª pessoa 
e de tamanho curto, a narradora parte de um questionamento trivial 
que já aconteceu a todos nós quando perdemos algo e queremos 
encontrá-lo. Apesar da premissa singela, Lispector vai fundo nessa 
questão em que haveria um eu fora de nós mesmo, ao qual não 
reconheceríamos. Trata-se de uma crônica com viés filosófico. O 
trecho II é a abertura de um romance em 3ª pessoa, que trabalha com 
98 Teoria da Literatura I
um dado do Romantismo: a descrição detalhada de onde se passa a 
narrativa, algo que posteriormente fará sentindo no enredo.
2. Sobre os tipos de narradores, leia os trechos abaixo e identifique-
os. Justifique sua resposta:
TEXTO I
“Tal é o prefeito de Verrières, sr. de Rênal. Depois de ter atravessado 
a rua com um passo grave, ele entra na prefeitura e desaparece dos 
olhos do viajante. Mas, cem passos acima, se continuar seu passeio, 
este avistará uma casa de aparência bastante bela e, através de uma 
grade de ferro contígua à casa, jardins magníficos. Para além, há uma 
linha de horizonte formada pelas colinas da Borgonha e que parece 
feita de propósito para o prazer dos olhos. Essa vista faz o viajante 
esquecer a atmosfera empestada dos pequenos interesses de 
dinheiro que começa a asfixiá-lo.” (STENDHAL, 2010, p.20-21)
TEXTO II
“Mrs. Dalloway disse que ela própria ia comprar as flores. O serviço 
de Lucy estava já determinado. As portas seriam retiradas dos 
gonzos; o pessoal da Rumpelmayer vinha a caminho. E que manhã, 
pensou Clarissa Dalloway — tão fresca, como se feita para as 
crianças brincarem na praia. Que prazer! Que mergulho! Era esta 
a sensação que tinha sempre, em Bourton [...] Era tão fresco e 
calmo, nessa altura, o ar da manhã, tão silencioso, muito mais do 
que aqui; era como o bater de uma onda, o beijo de uma onda; 
frio, cortante e contudo (para a rapariga de dezoito anos que ela 
era então) solene, sentindo, como sentia, de frente para a janela 
aberta, que algo de espantoso estava para acontecer; olhando 
para as flores, para as árvores de onde a névoa se desprendia, 
para as gralhas subindo e descendo, até que Peter Walsh lhe disse 
«A meditar entre os vegetais?» — seria isso? — «Eu cá prefiro os 
homens às couvesflores» — seria isso?”(WOOLF, 2012, p.7)
Sugestão de resposta:
O primeiro excerto apresenta um narrador onisciente neutro, marcado 
pelo uso da 3ª pessoa do singular. Ele acompanha o caminho do 
prefeito de Verrières até a prefeitura, descrevendo o espaço no qual 
se encontra e o que o personagem observa nele. Não juízo de valor 
da personagem e nem seu acesso à consciência. O segundo trecho 
traz um narrador onisciente seletivo. Ele está colado à perspectiva 
de apenas uma personagem, Clarissa Dalloway, e a narrativa será 
conduzida pelos seus sentimentos, pensamentos, inquietações etc.
Resolução das atividades 99
3. Leia o micro conto abaixo e discorra sobre o uso do espaço e do 
tempo presente nele.
 Tatuagem
 José tinha um verso do poeta morto tatuado na barriga, logo 
abaixo do umbigo. Um dia, a família viva do poeta morto viu José 
refestelado na areia da praia, com o tal verso bem à vista, logo acima 
da sunga amarela. Horrorizada com o acinte, a família o processou. 
Era um inequívoco oferecimento da obra ao conhecimento público 
– e num local de frequência coletiva. A família ganhou a causa e a 
tatuagem, que hoje está emoldurada na grande sala de estar, logo 
acima do sofá vermelho.(STIGGER, 2010, p.26)
Sugestão de resposta:
Apesar de sua brevidade, o texto joga com um detalhamento dos 
espaços em que a mini narrativa acontece. Temos o lugar da praia 
e da sala de estar bem descritos, bem como o espaço da própria 
tatuagem, título do texto, que funciona como personagem principal. 
Sua localização é mencionada em três momentos “abaixo do umbigo”, 
“acima da sunga amarela” e “acima do sofá vermelho”. Neste caso, 
temos uma miniaturização do espaço, pensando no espaço que 
ocupava o verso tatuado no corpo de José. Quanto à localização, 
temos marcadores que não definem bem em quanto tempo os fatos 
se deram, apesar de ter uma estrutura cronológica evidente – começo, 
meio e fim. Marcadores como “um dia”, por exemplo, assemelham-
se àqueles dos mitos e fábulas, trazendo a ideia de imprecisão – 
quando aconteceu a história? Ou, ainda, “A família ganhou a causa”. 
Nãosabemos se foram semanas, meses ou anos depois. Por tratar-se 
de um conto contemporâneo, é normal que os autores joguem com 
essas suspensões narrativas caras aos moldes realistas.
5 O gênero conto e o gênero romance
1. Analise o trecho a seguir de Capão Pecado, de Ferréz, e comente as 
palavras e expressões em destaque.
 – Aí, mano! Eu bebo todo dia, cê tá ligado?
 [...]
 – Sobrevivo comendo coisas que ganho, mano, e até reviro os lixo, 
é mó treta com os cachorro, cê tá ligado?
 – Já fui esfaqueado duas vezes, mano; [...].
 (FERRÉZ, 2020, p. 18, grifos da autora)
100 Teoria da Literatura I
Por tratar-se de um romance contemporâneo, percebemos que sua 
temática gira em torno de um núcleo periférico e marginalizado pelo 
Estado. O uso do vocativo mano, para referir-se ao interlocutor, marca 
a posição social do personagem, bem como a coloquialidade, traço 
da literatura contemporânea. Outros aspectos que poderiam ser 
considerados errados segundo a norma culta, como as contrações 
cê tá, em vez de você está, são usados como licença poética a fim de 
ambientar a narrativa, bem como os “erros” de concordância nominal 
os lixo e os cachorro. Se repararmos bem, nós mesmos falamos desse 
modo em momentos mais coloquiais, ou seja, o diálogo está mais 
próximo da realidade.
2. Resuma os três pontos de vista acerca do gênero romance de 
acordo com Bakhtin, Lukács e Kundera.
Kundera acredita que o romance não se resume à mera referencialidade 
– retratar fidedignamente o mundo em que vivemos, como se fosse um 
espelho da realidade. Em vez disso, propõe o romance como espaço para 
a dúvida, capaz de convocar o leitor para participar da construção dos 
sentidos do texto. Essa dúvida é o que vai romper a barreira do simples 
realismo, pois será preciso formular as intenções dos personagens e o 
comportamento do narrador, por exemplo.
Bakhtin encara o romance como uma singularidade, uma vez 
que está em processo de consolidação. A versatilidade do gênero 
permite que ele se aproprie de todos os outros gêneros e discursos, 
além de dar voz a diferentes pontos de vista simultaneamente 
– o que ele chama de polifonia. Além disso, o teórico entende o 
surgimento do romance em uma relação com as línguas vernáculas 
que se distanciam do latim. Por fim, Bakhtin nega uma relação ou 
continuidade entre romance e epopeia.
Lukács vê um elo entre o romance e a epopeia, considerando esta 
mais valorosa que aquele, uma vez que o romance traz o retrato de 
um indivíduo deslocado e destroçado junto à realidade em que vive. 
Lamenta também o caráter mundano do romance em comparação 
aos feitos heroicos da epopeia.
3. Quais são as tendências apontadas para o romance contemporâneo? 
No que elas se diferem dos romances dos séculos XIX e XX?
O romance contemporâneo abraça pautas ligadas a grupos 
marginalizados de modo ostensivo, algo sem precedentes na história 
literária brasileira. Além de abordar assuntos como sexualidade, racismo 
e vida nas periferias, temos essas histórias narradas do ponto de vista 
desses sujeitos, ou seja, eles adquirem voz própria. No século XIX, a 
narrativa dominante era romântica e realista, preocupada em expor 
sentimentos e a vida real, contada em moldes tradicionais. Já os romances 
do século XX embarcam em experimentações linguísticas e contextuais.
Resolução das atividades 101
Teoria da Literatura I
C
larissa C
om
in
ISBN 978-65-5821-182-2
9 786558 211822
Código Logístico
I000652
	Página em branco
	Página em branco(1605) foi o primeiro romance moderno da lite-
ratura ocidental. O que diziam os literatos na época de sua publicação 
– que gerou inquietação, justamente por inaugurar um novo gênero 
literário – não é a mesma coisa que a crítica diz hoje, no século XXI.
Todavia, cabe ressaltar o fato de que atualmente, no Brasil, a crítica 
literária perdeu muito do espaço que outrora possuía. Vários jornais e 
revistas renomados simplesmente extinguiram essas seções, que eram 
valiosos espaços de debates, inclusive entre escritores que também 
eram críticos. Atualmente encontramos no máximo sinopses sucintas 
e pouco atraentes dos livros mais vendidos. Hoje vemos que a crítica 
pulverizou-se em espaços na internet – blogs, perfis em redes sociais, 
newsletters – e em poucas revistas e jornais literários, que não têm o 
mesmo alcance das décadas anteriores. Infelizmente, os espaços aca-
dêmicos nas universidades pouco têm feito esse trabalho e estão qua-
se sempre em defasagem em relação às publicações recentes.
A crítica literária de boa qualidade é importante para educar o leitor 
e conduzi-lo por suas leituras. Acompanhar um crítico em específico, 
com quem se tenha afinidade, é um bom jeito de fomentar seu próprio 
desejo de ler as obras comentadas e, a partir disso, estabelecer interlo-
cução inclusive com os demais leitores ao seu redor.
O filme Meia-noite em Paris 
é uma homenagem aos 
artistas que habitaram 
a efervescente Paris dos 
anos 1920. O personagem 
principal, Gil, viaja à sua 
cidade favorita na com-
panhia de sua noiva. Em 
seus passeios solitários à 
noite, descobre um local 
em que, à meia-noite, 
é transportado para os 
anos 1920. Lá ele conhe-
ce escritores como Ernest 
Hemingway, Fitzgerald, 
Salvador Dali e a mecenas 
Gertrude Stein. Durante 
essas viagens no tempo, 
Gil põe na balança se 
o passado mitificado é 
realmente tão melhor que 
o seu presente.
Direção: Woody Allen. EUA; 
Espanha: Sony Pictures, 2011. 
Filme
14 Teoria da Literatura I
1.2 Conceito de mimesis 
Vídeo De modo geral, o paradigma de literatura em prosa é um texto 
realista, ou seja, apresenta situações e personagens com os quais nos 
identificamos ou reconhecemos. No entanto, pensar a literatura como 
uma simples cópia da realidade é diminui-la demais. Vejamos mais so-
bre o conceito de mimesis, que trata justamente da cópia e imitação.
1.2.1 Conceitos clássicos de mimesis
Se seguirmos a origem da palavra mimesis, vemos que no grego ela 
significa imitação. Mimesis deriva de outro termo, mimeisthai, que quer 
dizer copiar ou imitar. Para dar um exemplo que todos nós reconhece-
mos, pense na figura do mímico – aquele que pratica a mimesis. O que 
ele faz senão copiar os gestos e trejeitos de outra pessoa?
A discussão sobre mimesis data da Grécia Antiga e foi aprofundada 
por dois filósofos, Platão e Aristóteles. No Livro X de A República, Platão 
considera – com base em seu olhar filosófico – qualquer manifestação 
artística como mimesis, ou seja, uma imitação de situações ou aconte-
cimentos que é apreendida de modo sensível pelo público.
Platão fia-se na noção de verdadeiro ao pensar as representações 
artísticas. Para ele, uma obra como Ilíada não cumpre com o que pro-
mete. Seu enredo principal, a Guerra de Troia, não foi vivido por seu 
autor, Homero. Uma vez que ele não teve a experiência de viver aquilo 
que narra, a história estaria apenas presa ao mundo das ideias e das 
formas, pois trata-se de uma imitação imperfeita da realidade. Segun-
do Reale (2007), Platão é bem rigoroso em sua definição do que é ver-
dadeiro ou falso e, nesse sentido, as épicas não seriam bons modelos 
de representação da realidade.
Discípulo de Platão, Aristóteles apresenta um entendimento oposto 
da ideia de mimesis, que é desenvolvida em sua Arte poética. Para o 
filósofo, há uma diferença entre o que se chama de arte e as demais 
técnicas que também produzem objetos – isto é, representações. Aris-
tóteles distingue um artesão de um escultor por exemplo, sendo este 
último um praticante das belas artes.
Há dois conceitos 
platônicos importantes 
para entender a ideia 
de mimesis. O primeiro 
é o mundo das ideias e 
das formas, no qual nas-
ceríamos com um co-
nhecimento inato sobre 
as coisas. Todavia, esse 
conhecimento envolve 
apenas ideias e formas 
incapazes de revelar a 
realidade. O segundo 
conceito é o mundo 
concreto e sensível ao 
qual temos acesso pelos 
sentidos. Porém, esse 
conhecimento seria uma 
falsa consciência da 
realidade. Em resumo, 
para Platão, o acesso às 
“ideias verdadeiras” se 
daria na passagem do 
sensível ao inteligível, 
momento em que o 
sujeito acessaria o ver-
dadeiro conhecimento 
“esquecido”, com o qual 
todos nascemos.
História em foco
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ck
Introdução à literatura 15
Aristóteles, diferente de seu mentor, diz que a arte não está atre-
lada a um compromisso com a verdade. Ao referir-se às tragédias, ele 
afirma que: “as personagens não agem para imitar os caracteres, mas 
adquirem os caracteres graças às ações” ( ARISTÓTELES, 2014, p. 25). 
Portanto, o que está em jogo é uma emulação 5 do real, e não sua mera 
imitação.
Sobre isso, Aristóteles (2014, p. 28) ainda sublinha que “a obra do 
poeta não consiste em contar o que aconteceu, mas sim coisas que 
poderiam ter acontecido, possível no ponto de vista da verossimilhança 
ou da necessidade”. O mais importante, então, não é o teor de veraci-
dade empírica (comprovável) do que está sendo representado, mas sim 
a sua verossimilhança e a sua capacidade de ser plausível e provável, 
isto é, a aparência de verdade. Por fim, convém enfatizar que, sobre a 
mimesis, para Aristóteles (2014, p. 48), “o poeta necessariamente imita 
sempre por uma das três maneiras: ou reproduz os originais tais como 
eram ou são, ou como os dizem e eles parecem, ou como deviam ser”.
Apesar de apresentar uma visão mais arejada do que seria a mime-
sis, percebemos que Aristóteles ainda está apegado à racionalidade. 
Em nenhum momento de sua Arte poética ele abre espaço para repre-
sentações de mundos fantasiosos, por exemplo, em que as regras da 
verossimilhança possam ser rompidas – basta pensar em obras como 
Harry Potter ou O senhor dos anéis. O que Aristóteles teria a dizer sobre 
elas?
1.2.2 Conceitos modernos de mimesis
No início do século XIX, o filósofo alemão Walter Benjamin pensa a 
mimesis na linha argumentativa de Aristóteles e acrescenta o fato de 
que ela está ligada ao aprendizado e ao (re)conhecimento. A este res-
peito, Jeanne-Marie Gagnebin (2005, p. 98) esclarece que, para Benja-
min, “as semelhanças não existem em si, imutáveis e eternas, mas são 
descobertas e inventariadas pelo conhecimento humano de modo di-
ferente, de acordo com as épocas”. Essa leitura atenua os entendimen-
tos engessados preconizados por Platão e Aristóteles durante muitos 
séculos. A noção de que a história (e podemos expandi-la para a ficção 
também) pode ser contada por meio de vários pontos de vista, que 
Segundo o dicionário 
Priberam da Língua Portu-
guesa, a emulação é fazer 
o possível para “igualar 
ou exceder os outros no 
que é bom” (PRIBERAM, 
2022). Ou seja, não apenas 
a representação, mas 
algo além dela, na qual 
entrariam aspectos mais 
pessoais daqueles envolvi-
dos na obra de arte – para 
retomarmos o assunto do 
qual estamos falando.
5
Um conceito muito usado 
não apenas na literatura, 
mas também no cinema 
e teatro é a diegese. Ela 
diz respeito à realidade 
criada pelo mundo ficcio-
nal em questão, ou seja, 
descolada da realidade 
empírica vivida fora do 
cinema, do romance ou 
da peça de teatro. Nesse 
sentido, em uma ficção, 
o universo diegético se 
refere à coerência e à 
verossimilhança que se 
pode experimentar em 
seu contexto. Quando 
lemos ou assistimos a 
uma ficção científica com 
viagem no tempo, por 
exemplo, é diegeticamen-
te incoerente que alguém 
volte ao passado, mude 
uma situação determinan-
te na história e siga para 
um futuro no qual nada 
mudou em função disso.
Saibamais
16 Teoria da Literatura I
An
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não aquele dos vencedores, mas sim variando de acordo com a classe 
social, raça, gênero e do momento em que é narrada, torna a noção de 
mimesis mais dinâmica e fluida. Isso foi o que Walter Benjamin (2012) 
chamou de escovar a história a contrapelo.
Por fim, em meados do século XX, o filósofo alemão Wolfgang Iser 
(2013) conceitua a mimesis em um lugar ativo, não de representação 
ou imitação, mas de criação, valendo-se do fato de que ela é uma poéti-
ca, cuja etimologia nos leva ao vocábulo grego poiein, que significa criar, 
fazer. A arte poética, portanto, teria um espaço de criação. Iser acredita 
que o como se da ficção implica atrelá-lo a algo que na realidade ele não 
é. O mundo ficcional criado por um romance, por exemplo, é capaz de 
construir a sua própria realidade, sem que, para isso, a nossa, o mundo 
do leitor, deixe de existir. Para o filósofo, o ato de leitura é habitar dois 
lugares ao mesmo tempo. O leitor de D. Quixote, por exemplo, precisa 
colocar-se no lugar do personagem para que a experiência ficcional - 
mimética - aconteça. Nesse caso, o leitor passa a ser ele próprio e Qui-
xote ao mesmo tempo enquanto lê a obra.
1.3 Prosa versus poesia 
Vídeo Poesia e prosa são termos que nos remetem ao campo literário e, 
atualmente, a literatura contemporânea tem explorado as diferenças 
entre ambos para criar obras cujos gêneros são de difícil classificação. 
Nesse sentido, é preciso entender como poesia e prosa funcionam 
para que possamos lê-las de maneira crítica.
Podemos, à primeira vista, afirmar que a prosa se constitui de tex-
tos corridos, que ocupam o espaço inteiro da página, são divididos em 
parágrafos e capítulos, têm diálogos marcados por travessões ou aspas 
e contam uma história. Neste caso, seus gêneros principais seriam con-
tos, romances, crônicas e biografias. A poesia, por sua vez, é compreen-
dida inicialmente por se constituir de textos menores, que não ocupam 
a página inteira, dividem-se em estrofes organizadas por versos – nas 
quais cada verso exprime ideias e estabelece uma pausa na leitura –, 
são mais condensados, precisam às vezes de uma segunda leitura para 
seu entendimento e estão cada vez mais presentes nas redes sociais, 
como o Instagram.
Introdução à literatura 17
De modo geral, essa explanação estaria correta, pois é mais ou me-
nos assim que se organizam esses dois gêneros literários. De acordo 
com Angélica Soares (2007), há uma divisão tripartida aceita pela crítica 
de que existem três núcleos essenciais: lírico, épico e dramático. O líri-
co corresponde à poesia; o épico é representado pelas epopeias – os 
grandes feitos heroicos contados em versos narrativos –; e o drama 
são os textos dramatúrgicos escritos para a encenação teatral. Perceba 
como nessa divisão – que vem desde a Antiguidade Clássica – não se 
fala especificamente em poesia ou prosa. 
A princípio, a lírica era o principal gênero. A Arte Poética do poeta 
romano Horácio (2014) – conhecida como Carta aos Pisões –, pautada 
em um pensamento racionalista, afirma que um verdadeiro poeta é 
aquele capaz de conciliar as características de um gênero literário – 
uma epopeia, por exemplo – com suas particularidades, como o ritmo, 
o tom, o metro dos versos etc. Em certa passagem, Horácio (2014, p. 56) 
sublinha: “vocês, que escrevem, tomem um tema adequado a suas for-
ças; ponderem longamente o que seus ombros se recusem a carregar, 
o que aguentem”. O autor (2014, p. 65,) ainda comenta a importância 
da concisão: “poetas desejam ou ser úteis, ou deleitar, ou dizer coisas 
ao mesmo tempo agradáveis e proveitosas para a vida. O que quer que 
se preceitue, seja breve”.
Já durante a Idade Média, devido ao distanciamento total da cultura 
greco-latina, vê-se uma ênfase na poesia trovadoresca. Enquanto isso, 
o poeta Dante Alighieri estabelece três estilos: nobre (epopeia e tragé-
dia), médio (comédia) e humilde (elegia). Ainda durante a Renascença 
e o Neoclassicismo perdurariam as concepções da antiguidade clássica 
em relação aos gêneros literários.
1.3.1 Prosa
Entre os séculos XVI e XVII, o entendimento dos gêneros cria maior 
mobilidade. D. Quixote, marco do romance moderno, inaugura uma 
modalidade até então não catalogada pelas artes poéticas. Já os contos 
modernos têm início no século XIX, com Edgar Allan Poe. Essa virada 
conceitual dos gêneros literários apresenta-se associada ao Romantis-
mo alemão e a uma mudança de perspectiva sobre a História. Os gê-
neros literários passam a ser observados, então, em sua relação com o 
contexto histórico
A elegia seria um poema 
de temática triste ou dolo-
rosa, com um viés sempre 
melancólico. Geralmente 
ela versa sobre o luto 
por alguém querido e a 
velhice, por exemplo. Seu 
objetivo é homenagear 
aquilo ou aquele que se 
foi ou se perdeu, daí seu 
tom solene. Apesar de ter 
sua origem na Antiguida-
de Clássica, a prática da 
elegia continua mesmo 
nos séculos seguintes. 
Uma delas, Elegias de 
Duino, do poeta austríaco 
Rainer Maria Rilke, foi 
escrita após a 1ª Guerra 
Mundial e versa sobre te-
mas místicos, existenciais 
e melancólicos.
Saiba mais
18 Teoria da Literatura I
O conceito clássico de mimesis enfraquece e surge a ideia do es-
critor como um gênio movido por uma inspiração individual. Um dos 
textos mais famosos do período que trata da questão é o prefácio de 
Cromwell (1827), do poeta francês Victor Hugo, “onde se faz a defesa 
do hibridismo dos gêneros, como base na observação de que na vida 
se misturam o belo e o feio, o riso e a dor, o grotesco e o sublime, 
sendo, portanto, artificial separar-se a comédia da tragédia” (SOA-
RES, 2007, p. 14).
A partir daí a nomenclatura “prosa” passa a ser aplicada com as se-
guintes características:
Prosa
El
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a 
Pi
m
uk
ov
a/
Sh
ut
te
rs
to
ck
• Geralmente estruturada em capítulos e 
parágrafos.
• Possui vários estilos (romântico, realista, 
ficção científica, fantasia, terror etc).
• Pode ser narrada em 1ª, 2ª e 3ª pessoas.
• Presença de um enredo.
• Geralmente traz diálogos.
Exemplo de texto em prosa:
Minha irmã, a senhora Joe Gargery, era mais de vinte anos mais velha 
que eu, e granjeara grande reputação junto a si própria e à vizinhança por 
ter me criado “com a mão” [...] Não era uma mulher bonita a minha irmã; e 
tinha eu a impressão geral de que ela havia obrigado Joe Gargery a casar com 
ela com a mão. (DICKENS, 2017, p. 22)
O exemplo dado não é um modelo fixo. Existem diversas formas de 
verificarmos esses elementos dentro do texto. O trecho exemplificado 
cumpre a proposta de didatizar alguns termos trabalhados na seção.
Observe a marcação de um 
narrador que é ao mesmo tempo o 
personagem – ele apresenta a irmã 
e o marido dela, logo discorrendo 
sobre a relação dos dois.
Percebemos que é um romance realista, 
pois a figura feminina não é idealizada e 
nem detalhada.
Consideração feita pelo narrador 
que pode ser posta em dúvida, pois 
ele tem a impressão, e nós, leitores, 
não temos acesso a outros pontos 
de vista na narrativa.
Introdução à literatura 19
1.3.2 Poesia
A poesia, durante muito tempo chamada de lírica pelas categorias 
clássicas, também passou por várias remodelações no decorrer dos sé-
culos. Se a princípio era a forma usada para redigir as epopeias – que 
por sua vez tinham também traços narrativos, característicos da prosa 
–, a lírica foi se desprendendo desse modelo até chegar aos seus mol-
des contemporâneos. Talvez os dois lugares comuns mais conhecidos 
são: o fato de a poesia falar de coisas belas, apaixonadas; e o fato de 
ser escrita em primeira pessoa (com a presença de um eu lírico) expon-
do emoções particulares para os leitores.
No entanto, é preciso ter sempre em mente a reconhecida estrofe 
de Fernando Pessoa (2002, p. 23) no poema Autopsicografia.
O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor de que deveras sente [...]
A ressalva feita por Pessoa denuncia o que há desimulação e inven-
ção naquilo que o eu lírico afirma. Isso não vale apenas para a poesia, 
mas também para a prosa. Confundir narrador ou eu lírico com autor 
é um equívoco que devemos evitar, afinal são instâncias estabelecidas 
justamente para diferenciar o ponto de vista de cada um deles.
Entretanto, antes de chegarmos a um poeta moderno, como Pessoa, 
a poesia percorreu um longo caminho da Antiguidade Clássica até os 
nossos tempos, passando por Trovadorismo, Classicismo e Romantis-
mo. Vejamos suas características a seguir.
O Trovadorismo (cantigas trovadorescas) data do século XI e surgiu 
na região onde hoje estão França (Occitânia) e Itália. As cantigas eram 
de dois tipos: líricas (de amor e de amigo) ou satíricas (de escárnio 
e maldizer). O amor desses poemas era sempre idealizado e não cor-
respondido. Já as de escárnio e maldizer tinham o objetivo de atingir 
desafetos, fosse por intermédio de indiretas ou citando literalmente os 
inimigos. Observemos o exemplo de uma canção de amor:
Senhora minha, desde que vos vi,
lutei para ocultar esta paixão
que me tomou inteiro o coração;
mas não o posso mais e decidi
que saibam todos o meu grande amor,
a tristeza que tenho, a imensa dor
que sofro desde o dia em que vos vi. [...]
(FERNANDES, 1994, p. 307)
É recorrente usar poesia 
como sinônimo de poema. 
No entanto, poesia é um 
componente do gênero 
lírico, que se divide em 
lírica, poética e dramática. 
Por ser um termo mais 
amplo, que explora afetos 
e percepções de seu pú-
blico, podemos dizer que 
a poesia é um efeito – não 
necessariamente literário 
– também presente em 
outras manifestações 
artísticas, como o cinema, 
a pintura, a música. Todos 
eles podem ser “poéticos”. 
O poema, por sua vez, é 
uma das expressões da 
poesia e caracteriza-se 
por seus aspectos mais 
técnicos e composicionais 
(presença de estrofes, ver-
sos, rimas, eu lírico etc.).
Saiba mais
20 Teoria da Literatura I
O Classicismo retoma valores greco-romanos e, com eles, novas 
epopeias. A mais renomada do período é Os Lusíadas, de Camões. 
Nesse caso, a forma poema é usada para narrar os grandes feitos dos 
colonizadores portugueses e alçar Portugal à altura e porte do povo 
greco-latino. Vejamos a abertura da obra, o Canto I:
As armas e os Barões assinalados
Que da Ocidental praia Lusitana
Por mares nunca de antes navegados
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;
E também as memórias gloriosas
Daqueles Reis que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando,
E aqueles que por obras valerosas
Se vão da lei da Morte libertando,
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte. [...]
(CAMÕES, 2013, p. 4)
No Romantismo o eu lírico destaca-se dos poemas. Grande parte 
deles, de fato, vai falar sobre as agruras de amores não correspondi-
dos, amadas que morreram, o desejo pela morte, tudo isso em ambien-
tações sombrias e noturnas. Vejamos um trecho do poema de Casimiro 
de Abreu, “Minh’alma é triste”:
Minh’alma é triste como a rola aflita
Que o bosque acorda desde o albor da aurora,
E em doce arrulo que o soluço imita
O morto esposo gemedora chora
(ABREU, 1972, p. 45)
A partir do Modernismo, iniciado no século XX, percebemos como 
o paradigma poético muda radicalmente. Já nos anos de 1920, vere-
mos poemas como os feitos por Oswald de Andrade, que incorporam 
características que pareciam ser apenas da prosa, como o diálogo e a 
linguagem coloquial. Além disso, aqui não se vê mais o culto ao belo ou 
à mulher amada.
Para organizar, fiquemos com algumas características mais gerais e 
recorrentes no que diz respeito à poesia.
O vídeo Poema - Cidade-
zinha Qualquer, Carlos 
Drummond de Andrade 
do canal Profa. Ana Maria 
Bacellar - Língua Portu-
guesa analisa um poema 
modernista dentro do seu 
contexto de produção.
Disponível em: https://www.youtube.
com/watch?v=-E6prR7tRQQ&ab_
channel=Profa.AnaMariaBacellar-
L%C3%ADnguaPortuguesa. Acesso 
em: 02 set. 2022.
Vídeo
https://www.youtube.com/watch?v=-E6prR7tRQQ&ab_channel=Profa.AnaMariaBacellar-L%C3%ADnguaPortuguesa
https://www.youtube.com/watch?v=-E6prR7tRQQ&ab_channel=Profa.AnaMariaBacellar-L%C3%ADnguaPortuguesa
https://www.youtube.com/watch?v=-E6prR7tRQQ&ab_channel=Profa.AnaMariaBacellar-L%C3%ADnguaPortuguesa
https://www.youtube.com/watch?v=-E6prR7tRQQ&ab_channel=Profa.AnaMariaBacellar-L%C3%ADnguaPortuguesa
Introdução à literatura 21
Poesia
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• Presença de um eu lírico.
• Composta por versos.
• Versos formam estrofes.
• Pensamento condensado.
• Divide-se em subgêneros: soneto, trova, balada, haicai etc.
Vejamos algumas características que compõem um poema:
Autopsicografia
O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor de que deveras sente
Título (prestar atenção nele, pois pode ser 
uma chave de leitura para o poema)
Estrofe (bloco de 
versos que podem 
ser de tamanhos 
variáveis)
Verso (unidade mínima do poema; 
cada verso encerra uma ideia)
Esquema de rimas ao final do 
verso com final “ente”
O exemplo dado não é fixo. Como vimos nos demais excertos, há 
várias possibilidades de escrita de um poema. Considerando o modelo 
do poema moderno, no entanto, o esquema exposto cumpre a propos-
ta de didatizar alguns termos recorrentes ao falar de poemas.
1.4 Literatura e cultura 
Vídeo Segundo Terry Eagleton (2006), a produção literária sempre esteve 
ligada ao seu contexto social, histórico, geográfico, econômico etc. Fe-
char os olhos para isso seria proceder a análises superficiais e, às vezes, 
equivocadas. A certa altura, o crítico observa como o estatuto literário 
de livros considerados hoje canônicos é frágil.
22 Teoria da Literatura I
Sobre isso, Eagleton (2006) cita a obra de Shakespeare. Apesar de o 
dramaturgo e poeta inglês, há séculos, ser um nome incontornável da 
literatura mundial ocidental, não há garantia de que, em dado momen-
to futuro, ele continue com esse estatuto. Isso porque a ideia de câno-
ne não é fixa, mas construída socialmente por uma série de agentes 
(críticos, teóricos, academias e premiações, por exemplo) que atuam de 
acordo com as posições que ocupam – sobretudo as culturais. Um dos 
aspectos a ser questionado, por exemplo, é a construção de um cânone 
que é majoritariamente formado por uma elite econômica formada por 
homens brancos. Não apenas Shakespeare, mas vários outros entra-
riam nessa conta: Camões, Flaubert, Alencar, Balzac, Tolstoi, Joyce etc.
Se concordarmos com a relação inerente entre literatura e socieda-
de, como defende Antonio Candido (2010), compreenderemos que as 
obras literárias são compostas por fatores internos (ligados à estética, 
imaginação e inspiração de cada escritor) e fatores externos (referen-
tes ao lugar social ocupado pelo escritor, considerando para quem e 
em que contexto escreve). Ora, dificilmente um autor escreve para não 
ser lido. Então, se há o desejo evidente de publicação, é natural que a 
obra não seja monolítica e nem esteja presa ao que o autor “quis dizer”. 
Aliás, após a publicação, quando o autor se desprende de sua obra, 
pouco importam suas justificativas e intenções, pois ela passa a fazer 
parte do mundo de leitores.
Para Candido (2010), há o modo como a obra é acolhida. Por exem-
plo, quando José de Alencar publicou o romance Iracema, no auge do 
Romantismo, momento de construção de um caráter nacional, ou seja, 
da conformação de uma cultura brasileira, e não mais portuguesa, essa 
obra teve um efeito poderoso de unificação. De modo extremamen-
te romantizado, Iracema narra o mito da formação do brasileiro: uma 
criança que nasce do relacionamento entre um colonizador europeu e 
uma indígena. Veja que, no nível cultural, a obra teve sua importância 
validada, mas, à luz do contexto de hoje, sua leitura já não seria mais 
a mesma.
Ainda na pegada cultural, háde se considerar as culturas ágrafas, 
isto é, aquelas que não registram sua história por escrito, sendo essas 
informações veiculadas oralmente. Os povos indígenas são um exem-
plo. Nesse sentido, seus valores sociais e culturais têm uma função 
Introdução à literatura 23
muito diferente em comparação com nossas sociedades ágrafas. Para 
eles, noções como cânone não fazem sentido. A transmissão oral des-
ses saberes tem a ver com a manutenção de seus modos de vida, tanto 
que entre essas sociedades a palavra literatura sequer existe – o que 
não quer dizer que eles não tenham suas próprias manifestações ar-
tísticas. A oralidade transmite seus mitos fundacionais, as histórias de 
antepassados importantes, os rituais, as instruções de caça, o preparo 
de alimentos etc.
Podemos afirmar, então, haver algo ideológico, que passa pelo cul-
tural, na produção literária e em sua historiografia. Eagleton (2006, p. 
22) coloca a questão da seguinte forma:
estrutura de valores, em grande parte oculta, que informa e en-
fatiza nossas afirmações fatuais, é parte do que entendemos 
por “ideologia”. Por “ideologia” quero dizer, aproximadamente, a 
maneira pela qual aquilo que dizemos e no que acreditamos se 
relaciona com a estrutura do poder e com as relações de poder 
da sociedade em que vivemos.
Em termos literários, portanto, o teórico crê que o texto alçado ao 
lugar de literatura ou mesmo cânone está ligado às estruturas de po-
der vigentes à época de sua produção. O trabalho recente de recupe-
ração de autores até então negligenciados pela historiografia literária 
brasileira é uma prova disso. Atualmente autoras do século XIX estão 
sendo publicadas, desmistificando o fato de que no Brasil desse perío-
do não havia mulheres escrevendo. Além disso, outras minorias mar-
ginalizadas têm tido esse resgate, tanto pela crítica quanto pelo meio 
acadêmico, como Carolina Maria de Jesus e Stela do Patrocínio.
Concluindo, como disse Antonio Candido (2011, p. 176), a literatura 
tem um papel fulcral nas sociedades em que é praticada, pois ela “apa-
rece claramente como manifestação universal de todos os homens em 
todos os tempos”. Para o crítico, a literatura tem um caráter humaniza-
dor, uma vez que traz à tona e aborda questões sociais que extrapolam 
a pura e simples ficção, servindo como denúncia de injustiças e registro 
de momentos históricos. Por fim, Candido (2011, p. 177) arremata ao 
dizer que “cada sociedade cria as suas manifestações ficcionais, poéti-
cas e dramáticas de acordo com os seus impulsos, as suas crenças, os 
seus sentimentos, as suas normas, a fim de fortalecer em cada um a 
presença e atuação deles”.
O filme Caramuru – a 
invenção do Brasil é a 
adaptação de um poema 
épico homônimo, escrito 
em 1781 por Santa Rita 
Durão. O diretor transfor-
ma o épico em comédia 
e retrata as peripécias de 
um pintor português que 
vem ao Brasil retratar len-
das e mitos sobre o Cara-
muru. Diogo, personagem 
cômico, atrapalha-se 
com mapas importan-
tes – nada menos do 
que aqueles usados por 
Pedro Álvares Cabral – e é 
deportado. Conseguindo 
voltar ao Brasil, envolve-se 
com duas indígenas, 
Paraguaçu e Moema, de 
modo que o desfecho gira 
em torno daí.
Direção: Guel Arraes. Brasil: Globo 
Filmes, 2001. 
Filme
24 Teoria da Literatura I
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A literatura, assim como as demais manifestações artísticas, não care-
ce de definições estanques, embora haja muitas delas principalmente em 
dicionários. Se as usamos, é apenas para facilitar a compreensão entre os 
falantes no discurso, pois suas acepções costumam se modificar no de-
correr dos séculos. Essas modificações não ocorrem apenas no conceito 
de literatura, mas também nos seus efeitos sobre aqueles que a leem.
Embora a literatura seja sempre sobre os nossos sentimentos e o 
contexto em que os indivíduos – inclusive o próprio autor – vivem, ela é 
um discurso independente da realidade. Ela não se prende a descrever e 
representar ipisis litteris nenhum acontecimento ou pessoas específicas. 
Talvez resida aí a sua maior potência e beleza: dizer tanto sobre e para 
nós sem deixar de ser ela mesma. A autonomia do texto literário é o que 
vai permiti-lo falar sobre tudo.
Por fim, a relação entre literatura e cultura é importante, uma vez que 
o acesso a ela, bem como às demais formas de artes, é essencial para con-
tar a história de uma sociedade. O acesso à literatura deveria ser assegu-
rado a todos. O contato com ela expande as possibilidades de imaginário 
e conhecimento do mundo em que vivemos, além de abrir as portas para 
outros mundos possíveis, criados pelos textos literários em que habita-
mos a cada leitura.
ATIVIDADES
Atividade 1
Considerando as discussões feitas sobre literatura: é possível 
defini-la? Sua resposta deve levar em consideração não apenas 
aspectos formais, mas também sociais e culturais.
Atividade 2
Qual o entendimento de mimesis para Platão e Aristóteles? No que 
o entendimento moderno de mimesis diferencia-se desses?
Introdução à literatura 25
Atividade 3
Discorra sobre as diferenças entre prosa e poesia.
REFERÊNCIAS
ABREU, C. de. As Primaveras. São Paulo: Editora Martins S/A; Instituto Nacional do Livro, 
1972.
ARISTÓTELES; HORÁCIO; LONGINO. A poética clássica. 17. reimp. São Paulo: Cultrix, 2014.
BENJAMIN, W. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura.  
8. ed. São Paulo: Brasiliense, 2012. v. 1.
CAMÕES, L. V. Os Lusíadas. São Paulo: Melhoramentos, 2013.
CANDIDO, A. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos. Rio de Janeiro: Ouro 
sobre Azul, 2014.
CANDIDO, A. Literatura e sociedade: estudos de teoria e história literária. 11. ed. Rio de 
Janeiro: Ouro sobre Azul, 2010.
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2011.
COMPAGNON, A. O demônio da teoria: literatura e senso comum. 2. ed. Belo Horizonte: 
Editora da UFMG, 2012.
DERRIDA, J. Essa estranha instituição chamada literatura: uma entrevista com Jacques 
Derrida. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2014.
DICKENS, C. Grandes esperanças. São Paulo: Cia das Letras, 2017.
EAGLETON, T. Teoria da literatura: uma introdução. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
PRIBERAM. Dicionário Online Priberam da Língua Portuguesa. 2022. Disponível em: https://
dicionario.priberam.org/emula%C3%A7%C3%A3o . Acesso em 12 set. 2022.
FERNANDES CUBEL, A. Cantiga de amor. In: OLIVEIRA, A. R. de.  Depois do espetáculo 
trovadoresco: a estrutura dos cancioneiros peninsulares e as recolhas dos séculos XIII e 
XIV. Lisboa: Edições Colibri, 1994.
GAGNEBIN, J. M. Sete aulas sobre linguagem, memória e história. Rio de Janeiro: Imago, 2005.
HILST, H. Fluxo-Floema. São Paulo: Globo, 2012.
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Editora da UERJ, 2013.
KUNDERA, M. A arte do romance. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.
PESSOA, F. Autopsicografia. In: PESSOA, F. Cancioneiro. Ciberfil Literatura Digital. 2002. 
Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ph000003.pdf. Acesso 
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REALE, G. Platão: história da filosofia grega e romana. São Paulo: Loyola, 2007. v. 3.
SCHNEIDERMAN, B. In: TODOROV, T. Teoria da literatura: textos dos formalistas russos. 
São Paulo: Editora da Unesp, 2014.
SOARES, A. Gêneros literários: série princípios. 7. ed. São Paulo: Ática, 2007.
SOUZA, R. A. de. Teoria da literatura. 10. ed. São Paulo: Ática, 2007.
https://dicionario.priberam.org/emula%C3%A7%C3%A3o
https://dicionario.priberam.org/emula%C3%A7%C3%A3o
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ph000003.pdf
26 Teoria da Literatura I
2
Gêneros literários
Neste capítulo, vamos falar sobre os três principais gêneros literários: 
lírico, épico e dramático. Nosso objetivo é conhecer as origens e concei-
tuações pertinentes a esses gêneros, bem como aprender a identificá-los 
e analisá-los. Veremos suas características e respectivas importâncias nos 
subgênerosoriundos de cada um deles.
O romance, por exemplo, tem em sua origem uma influência direta da 
épica, que é uma forma escrita em versos, mas essencialmente narrativa, 
apresentando a figura de um herói como personagem principal, confor-
me veremos nos romances de formação. De maneira similar, o drama, 
responsável pela dramaturgia moderna, culmina não apenas em peças 
de teatro, mas também em novelas, séries e filmes. Por fim, a lírica, cujas 
origens remontam aos textos cantados com acompanhamento musical, 
hoje nos chega como poesia que emula os elementos de sua origem, ou 
seja, a musicalidade, ritmo e tom.
Com o estudo deste capítulo, você será capaz de:
• conhecer as origens e a conceituação do gênero literário lírico, dra-
mático e épico.
Objetivo de aprendizagem
2.1 Gênero lírico 
Vídeo A Arte Poética (2014) de Aristóteles nos fala basicamente de três gê-
neros literários: a epopeia – responsável por narrar feitos históricos 
envolvendo divindades –, o drama (tragédia) e a lírica – palavra deri-
vada da lira, instrumento musical que acompanhava a récita de textos 
com maior teor sentimental: morte, cantos de amor etc.
Segundo Soares (2007), os cantos líricos já expressavam sentimen-
tos, exploravam a musicalidade e marcavam uma distância entre o eu 
poético e o assunto tratado – característica presente até hoje na poe-
sia, que evita a confusão entre autor e eu lírico. Há de se considerar que 
Gêneros literários 27
a lírica tem sua origem na oralidade, por isso sua forte relação com o 
som, que não podemos perder de vista.
Na passagem para a modalidade escrita, há a permanência de al-
guns desses aspectos, como a musicalidade, ritmo, rimas, construções 
imagéticas, melódicas etc. Vejamos como isso acontece em um poema 
de Vinícius de Moraes.
Oh! Páginas da vida que eu amava,
Rompei-vos! nunca mais! tão desgraçado!…
Ardei, lembranças doces do passado!
Quero rir-me de tudo que eu amava!
E que doido que eu fui!como eu pensava
Em mãe, amor de irmã! em sossegado
Adormecer na vida acalentado
Pelos lábios que eu tímido beijava! 
Embora — é meu destino. Em treva densa
Dentro do peito a existência finda
Pressinto a morte na fatal doença!
A mim a solidão da noite infinda
Possa dormir o trovador sem crença.
Perdoa minha mãe — eu te amo ainda!
(AZEVEDO, 2014, p.431)
Veja nas palavras em destaque como a presença do eu lírico é forte e 
seu desejo de expressar seus sentimentos é evidenciado. Além disso, há 
o uso da forma soneto, que é uma das formas clássicas da lírica. Confor-
me Soares (2007, p. 25) “no texto lírico, os recursos sonoros e de signifi-
cação se aliam de tal forma, que se cria uma unidade”. Essa unidade de 
sentido é assegurada pelo uso correto das rimas – como apresentado no 
poema –, mas também pelo manejo de versos brancos e livres.
Durante o século XX, sobretudo após o Modernismo de 1922, passa-
mos a ver outros modos de fazer poesia que não necessariamente se 
apegam aos modelos fixos. Temos os versos livres – aqueles que não 
seguem um padrão métrico definido – e os verso brancos (ou soltos) – 
que não apresentam um esquema fixo de rimas. Ademais, de acordo 
com Soares (2007), percebe-se um apagamento do eu lírico, passando-
-se ao uso da terceira pessoa em alguns poemas. Exemplo disso são 
poemas como o de Oswald de Andrade.
O capoeira
– Qué apanhá, sordado?
– O quê?
– Qué apanhá?
Pernas e cabeças na calçada
(ANDRADE, 2016, p. 94).
A lira é composta de cor-
das paralelas – geralmente 
feitas de tripas de boi ou 
carneiro – ligadas à caixa 
de ressonância, que podia 
ser feita de cascos de 
animais. Ela é semelhante 
à harpa, a diferença é o 
número de cordas e como 
o som é propagado.
Saiba mais
28 Teoria da Literatura I
Veja que, nesse caso, há um misto de dramaturgia, marcada pelos 
travessões e o diálogo, e ausência de um eu lírico. Cabe ao leitor ima-
ginar a situação e montar a cena, pois a posição de quem escreve é 
também a de um espectador.
Outro poeta reconhecido por limar ao máximo o eu lírico romantiza-
do é João Cabral de Melo Neto. Sua poesia é árida e precisa, com rimas 
inusuais e versos em octossílabos (com oito sílabas), raramente usados 
em português, o que traz alguma resistência ao leitor para embarcar 
nos poemas. Um exemplo de um deles seria este a seguir.
O mar e o canavial
O que o mar sim aprende do canavial:
a elocução horizontal de seu verso;
a geórgica de cordel, ininterrupta,
narrada em voz e silêncio paralelos.
O que o mar não aprende do canavial:
a veemência passional da preamar;
a mão-de-pilão das ondas na areia,
moída e miúda, pilada do que pilar.
*
 O que o canavial sim aprende do mar;
o avançar em linha rasteira da onda;
o espraiar-se minucioso, de líquido,
alagando cova a cova onde se alonga.
O que o canavial não aprende do mar:
o desmedido do derramar-se da cana;
o comedimento do latifúndio do mar,
que menos lastradamente se derrama.
(MELO NETO, 2003, p. 335)
Note como aqui o poeta traz elementos concretos, o mar e o ca-
navial, estabelecendo relações de aprendizagem entre ambos. Ele não 
põe em cena personagens humanos nem lirismo. A ausência de adjeti-
vos e a opção por verbos de ação e substantivos concretos inauguram 
uma linhagem diferente na poesia brasileira.
2.2 Gênero dramático 
Vídeo Se recuperarmos a etimologia grega da palavra drama, temos que 
essa significa ação. Nesse sentido, apesar de ser um gênero literário, ou 
seja, de ter como ponto de partida um texto, o drama é concebido por 
um dramaturgo e sua concreção ocorre na encenação do espetáculo 
para uma plateia.
Na obra Jóquei, de difícil 
definição, a poesia se 
mistura à prosa de um 
jeito despretensioso, mas 
inovador. Campilho, poeta 
portuguesa, escreveu o li-
vro durante sua estadia no 
Brasil (2010-2013). É uma 
leitura para aqueles que 
se interessam pela poesia 
contemporânea. Nessa 
obra pode-se ver como 
ela, simultaneamente, se 
distancia da lírica clássica, 
mas guarda característi-
cas dela, como o uso da 
musicalidade, das rimas 
– nem sempre evidentes 
–, do ritmo e de um tom 
afetivo transmitido por 
um eu lírico disposto a se 
mostrar.
CAMPILHO, M. São Paulo: Editora 
34, 2014.
Livro
Gêneros literários 29
A origem do drama remonta à Grécia Antiga, tendo sido o tópico 
mais relevante na Arte poética de Aristóteles (2014). Segundo o filósofo, 
os textos têm foco na representação – em sua dramatização. Ou seja, 
nesse caso a sua versão escrita não era o essencial. O enredo desses 
dramas era conhecido pelo espectador a partir dos diálogos, ou monó-
logos, das personagens. Não havia a presença de um narrador ou expli-
cador, mesmo porque a maioria das encenações versavam sobre mitos 
envolvendo deuses e feitos históricos já conhecidos pela população.
Em termos técnicos, podemos listar as seguintes características des-
te gênero.
Características do gênero dramático
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• Geralmente vem em forma de diálogos ou monólogos.
• Pode ser dividido em atos – embora não seja uma regra – e 
em cenas (presentes em cada ato).
• Inserção de rubricas (indicações espaciais, onde cada ator 
ou objeto deve estar, ou ainda indicar qual o tom da cena).
• Uso do que chamamos de a jornada do herói, composta de: 
apresentação do protagonista, inserção do conflito, desa-
fios a serem vencidos pelo herói, clímax e desfecho.
Para Aristóteles (2014) a tragédia é um dos subgêneros do drama e, 
em sua opinião, o mais bem acabado deles. Partindo do princípio da ve-
rossimilhança, o filósofo vê nela o potencial para despertar no espectador 
sentimentos que lhes são caros, como paixões, terrores e compaixão. Este 
seria um modo de encarnar essas vivências, mas sem ter de encará-las no 
mundo real. O ápice da tragédia é o seu final, no qual tudo se revela, e o 
espectador experimenta o sentimento da catarse – um momento de iden-
tificação com o personagem que é acompanhado de comoção.
Os componentes básicos da tragédia eram: protagonista (persona-
gem principal) e antagonista (inimigo ou opositor aoprotagonista), o 
coro – que foi inserido posteriormente, mas tinha como função agre-
gar informações durante o espetáculo – e a catarse (do grego, significa 
Apesar de estarmos 
falando aqui de gêneros 
literários clássicos, cabe 
ressaltar que drama, 
uma vez que significa 
ação, também está pre-
sente em vários outros 
gêneros, como a comé-
dia, a ficção científica, os 
livros policiais etc.
Atenção
O psicanalista Sigmund 
Freud cunhou a expres-
são “complexo de Édi-
po”, inspirada na peça 
de Sófocles. Para Freud, 
esse complexo tem a 
ver com o momento da 
vida em que a criança 
(o menino, entre 3 e 
5 anos) sente atração 
pela mãe, sendo a figu-
ra paterna, castradora, 
responsável por romper 
esse desejo. O contrário 
também ocorre, o 
“complexo de Electra”, 
também fruto da leitura 
de Sófocles, em que a 
menina sente atração 
pelo pai, sendo podada 
pela figura materna.
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História em foco
30 Teoria da Literatura I
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purificação), mencionada por Aristóteles (2014) como o momento de 
expurgo do público, um modo de externalizar suas próprias emoções 
por meio da experiência como espectador.
Agora vamos comentar sobre três dramaturgos importantes do pe-
ríodo. Iniciando com Ésquilo (525-456 a. C.), considerado o fundador 
da tragédia grega como conhecemos hoje, pois foi ele que introduziu 
o coro, os diálogos (acrescentando um segundo ator em cena) e o uso 
de máscaras pelos atores, para dar conta de diferentes personagens – 
lembrando que as mulheres não podiam ser atrizes. Cabe pontuar que, 
a princípio, as tragédias eram apenas monólogos. A inserção de mais 
personagens e um diálogo veio através das obras de Ésquilo. Entre as 
mais importantes, temos Édipo, Agamenon e Prometeu acorrentado. To-
das elas versavam sobre mitos e deuses, que faziam parte da religião 
grega e estavam no imaginário dos espectadores.
Outro renomado dramaturgo grego foi Sófocles (497-406 a. C.). Ele 
foi responsável por mais inovações: a presença de um terceiro ator 
no palco e a criação de cenários de fundo, decorados de acordo com 
a peça. Suas dramaturgias têm como tônica a presença de um desti-
no fatal, irreversível, a despeito da vontade das personagens tentarem 
contorná-lo. O exemplo mais dramático de todos é Édipo rei – cabe ob-
servar que a mesma “história” era escrita e encenada de diferentes mo-
dos pelos outros dramaturgos. A tragédia anunciada é emitida após a 
consulta em um oráculo, dizendo aos pais – Laio, rei de Tebas, e Jocasta 
– que o filho recém-nascido deveria ser morto, pois se vivo, no futuro, 
viria a matar o pai e se casar com a própria mãe, Jocasta. 
Outro dramaturgo importante nessa trinca – e o mais jovem deles 
– foi Eurípedes (480 a. C. – 406 a. C.). Diferente de seus antecessores, 
Eurípedes interessou-se em retratar a condição feminina, entrevista 
em peças como Medeia, Electra e As troianas, por exemplo, cujas prota-
gonistas são todas mulheres. Um dado importante com relação a isso é 
o de que o dramaturgo rompe com a tradição dramática de até então, 
preocupada em sempre mostrar os grandes feitos míticos com heróis 
vencedores e fortes.
Figura 1
Ruínas de um antigo teatro 
grego em Epidaro
Gêneros literários 31
Em suas dramaturgias, ganham atenção os vencidos e derrotados 
(escravos, idosos, velhos e mulheres), como observamos em As troia-
nas, que narra o destino das mulheres feitas prisioneiras após o fim 
da guerra de Troia (vale salientar que na sociedade grega da época as 
mulheres sequer eram consideradas cidadãs).
Medeia também figura entre suas dramaturgias mais relevantes. A 
heroína é uma mulher que decide matar os dois filhos do marido – Ja-
são – que a havia abandonado. Os diálogos e monólogos criados por 
Eurípedes tendem a ser mais realistas e trazem questões da existência 
humana para que seu público reflita. Sentimentos como ciúme, inveja, 
paixão e desejo de vingança dão o tom em seus textos. Vejamos um 
dos trechos mais conhecidos de Medeia, na tradução de Trajano Vieira 
(2010), em que a personagem diz:
Eis minha mão, que tanto acariciavas!
Joelhos meus, quantas vezes o farsante
vos afagou, mentindo-me esperanças!
Que tipo de diálogo teríamos,
qual foras companheiro a mim solícito?
A vilania avulta na conversa.
Que rumo hei de tomar? O da morada
paterna que traí, tal qual a pátria?
E as míseras pelíades me abririam
a porta, a mim, algoz cruel do pai?
Não ignoro que em casa me detesta
quem mais amo. Só tem por mim rancor
quem, para te agradar, prejudiquei.
Ganhei o quê? A boa aventurança,
na opinião corrente entre as helênicas.
Infeliz, que marido fiel, notável,
a mim foi dado ter, se me exilarem
só, com meus filhos sós, vazia de amigos…
(VIEIRA, 2010, p. 158)
Nessa passagem Medeia expõe sua decepção com o ex-marido, Ja-
são, que não correspondeu às expectativas do amor devotado a ele. 
Veja que se trata de um drama humano, sem envolver deuses ou he-
róis, ou seja, são situações que instigam o público a pensar em como 
reagiria diante delas.
 Outro subgênero do drama é a comédia, cujos principais autores 
gregos são Aristófanes – com As nuvens, As vespas e Lisístrata – e Menan-
dro – com O misantropo. Para Aristóteles, a comédia seria a imitação de 
homens considerados “inferiores”. Geralmente essas comédias eram 
traduzidas para o latim e encenadas ipsis litteris 1 . Posteriormente, 
durante o Império Romano, o gênero comédia se consolidou. Vejamos 
como este gênero funciona.
Segundo o Dicionário 
Priberam da Língua 
Portuguesa, a expressão, 
oriunda do grego, significa 
“pelas mesmas letras”, ou 
seja, literalmente.
Glossário
32 Teoria da Literatura I
Características da comédia
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• Objetivo cômico, por vezes ridicularizador.
• Enredos alinhados ao cotidiano, satirizando hipocrisias 
da sociedade.
• Os diálogos aproximam-se da coloquialidade.
• A história parte de um conflito que, após peripécias, che-
ga a um final feliz.
• Uso de personagens estereotipadas, como o ciumento, 
o avarento, o adúltero.
Conforme Aristóteles (2014, p. 23-24), a comédia “é imitação de pes-
soas inferiores; não, porém, com relação a todo vício, mas sim por ser 
o cômico uma espécie de feio. A comicidade, com efeito, é um defeito 
e uma feiura sem dor nem destruição; um exemplo óbvio é a másca-
ra cômica, feia e contorcida, mas sem expressão de dor”. Percebam o 
desdém que o filósofo demonstra pela comédia, considerando-a uma 
subdivisão menor do drama. Nas palavras destacadas da citação, o feio 
é reforçado três vezes em poucas linhas.
A despeito da depreciação de Aristóteles, fato é que o gênero se tor-
nou um dos mais consumidos e apreciados por leitores e espectadores, 
justamente por suas características humanizadoras e menos pomposas, 
mais próximas da realidade de cada um. Basta ver como no século XX, so-
bretudo com o advento do cinema, vários atores ficaram famosos em pa-
péis cômicos, como Charles Chaplin, Rowan Atkinson (Mr. Bean), Roberto 
Gómez Bolaños (Chaves e Chapolin) e, no Brasil, Chico Anísio e Jô Soares.
Para ilustrar o que Aristóteles diz sobre as máscaras, vejamos dois 
exemplos: uma trágica (à esquerda) e uma cômica (à direita).
panos Karas/S
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Lefteris Papaulakis
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Figura 2
Máscaras 
gregas
A peça Auto da compade-
cida narra as peripécias 
cômicas e dramáticas nas 
quais se envolvem os pro-
tagonistas, além da morte 
de vários personagens que 
vão parar no céu e passam 
por um julgamento 
envolvendo Jesus, Nossa 
Senhora e o Diabo. A peça 
foi inspirada em outra 
obra do autor, O Santo e a 
Porca (1957), que aborda o 
tema da avareza.
A obra é um subgênero 
do drama que surgiu por 
volta do século XII, na 
Espanha. Comumente são 
textos mais curtos, com 
linguagem mais acessível, 
e têm como objetivo 
provocar o riso ou uma 
reflexão moralizante nos 
espectadores.
SUASSUNA, A. 39. ed. Rio de 
Janeiro: Nova Fronteira,2018.
Livro
Gêneros literários 33
Por fim, acrescentamos que alguns outros subgêneros surgiram a 
partir da comédia: a farsa, a comédia de costumes, a sátira, a comédia 
burlesca, a ópera cômica e o stand-up.
2.3 Gênero épico 
Vídeo Em sua origem, o gênero épico grego na Antiguidade era encena-
do apenas oralmente, posto que o alfabeto grego usado para articular 
textos tem uma origem ainda discutida. Oliveira (2018) afirma que em 
560 a.C. iniciou-se a escrituras das duas mais conhecidas epopeias do 
período: Ilíada e a Odisseia, ambas de Homero. Ainda hoje há estudio-
sos helenistas questionando a autoria justamente pela ausência de re-
gistros escritos.
Ora, se concordarmos com Soares (2007), a epopeia era “uma lon-
ga narrativa literária de caráter heroico, grandioso e de interesse na-
cional e social” (SOARES, 2007, p. 38). Isso quer dizer que havia algo 
de pedagógico e moral nessas obras, que eram responsáveis por reu-
nir mitos e feitos heroicos que faziam parte da cultura dos cidadãos. 
De acordo com Murari (2011 apud ANTUNES; ROSA; SILVA, 2020, p. 
100752), “no sistema educacional grego, a cultura literária, musical 
e artística estava intrinsecamente ligada às aptidões e habilidades fí-
sicas. Acima de tudo, os poemas eram uma forma de explicação dos 
fenômenos naturais e espirituais”. 
O gênero épico, como sua etimologia comprova, vem do latim, epi-
cus, do grego, epikos, proveniente da palavra epos, que significa palavra, 
canção, fala. Em sua origem, o gênero épico era conhecido como poesia 
épica, devido à sua conformação em versos. Vejamos abaixo um ex-
certo da Ilíada (2021, p. 43), de Homero, traduzida por Carlos Alberto 
Nunes, uma das épicas ocidentais mais famosas.
Canta-me a cólera – ó deusa || – funesta de Aquiles Pelida,
causa que foi de os Aquivos || sofrerem trabalhos sem conta
e de baixarem para o Hades || as almas de heróis numerosos
e esclarecidos || ficando eles próprios || aos cães atirados
e como pasto das aves. || Cumpriu-se de Zeus o desígnio
desde o princípio em que os dois, || em discórdia, ficaram cindidos:
o de Atreu filho || senhor de guerreiros || e Aquiles divino [...]
Cesuras são os momentos 
em que há corte entre um 
verso e outro. Observe 
este exemplo do poema 
Canção do Exílio, de Gon-
çalves Dias (1843).
“Minha terra tem palmeiras
Onde canta o sabiá [...]”
A passagem de palmeiras 
para onde exige uma que-
bra do verso para iniciar o 
seguinte, essa é a cesura.
Saiba mais
O filme Troia parte 
do mote da Ilíada, de 
Homero, que acompanha 
o último ano da Guerra 
de Troia, causada por um 
conflito entre Aquiles e 
Agamemnon. O estopim 
foi a fuga de Páris e Hele-
na, até então casada com 
o rei Menelau. A duração 
do filme – quase três 
horas – é importante para 
situar o espectador e fa-
zê-lo entender quem são 
esses personagens, suas 
relações e motivações.
Direção: Wolfgang Petersen. EUA: 
Warner Bros. Picture, 2004. 
Filme
34 Teoria da Literatura I
Os trechos em destaque marcam as tônicas dentro das palavras, 
evidenciando a musicalidade e ritmo dos versos, enquanto as barras 
duplas representam as cesuras dos versos. Veja a evocação aos deuses, 
e também às Musas, para transmitirem ao aedo (no caso, Homero) seu 
canto. Aedo era o poeta responsável por cantar e recitar os versos, com 
acompanhamento musical. 
Aristóteles definiu a epopeia da seguinte forma:
a epopeia segue de perto a tragédia por ser também imitação, 
com palavras e ajuda de metro, de caracteres virtuosos. Todavia, 
difere desta por ter um metro uniforme e por ser uma narra-
tiva. Diferem ainda quanto à extensão: uma esforça-se o mais 
possível por durar uma só revolução do Sol ou demorar pouco 
mais, enquanto a epopeia, não tendo limite de tempo, é diferen-
te neste aspecto. (ARISTÓTELES, 2014, p. 46-47)
A definição do filósofo apega-se basicamente à ideia de imitação 
(mímesis), de técnica métrica e de extensão do texto. Pode-se dizer que 
são características muito limitantes. Delas, destaca-se, de fato, o as-
pecto narrativo, que irá desembocar em outros gêneros, como as epo-
peias modernas (por exemplo, Os Lusíadas), romance, conto, novelas 
etc. Nesses três últimos, perdeu-se a construção em versos e migrou-se 
para o texto corrido, muitas vezes mais preocupado em “contar uma 
história” do que ater-se à musicalidade, rimas e ritmo – embora haja 
obras em prosa que fazem isso, como Grande Sertão: veredas, de Gui-
marães Rosa e Perto do coração selvagem, de Clarice Lispector.
Vejamos algumas características da epopeia (SANTANA, 2021):
Características da epopeia
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• Escrita grandiloquente, narrando grandes feitos de heróis.
• É dividida em “cantos”.
• Há um eu lírico que conduz a narrativa, mas a ênfase é mostrar os fatos.
• A presença de deuses que intervêm sobre os heróis, seja positiva ou 
negativamente.
• O objetivo é destacar a primazia e superioridade da sociedade grega.
• Presença de ações constantes, que vão se intensificando até o final.
• Destaque a um protagonista, o herói, responsável pelos grandes feitos.
• O poeta invoca as Musas para que cantem a narrativa através dele.
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A epoéia de Gilgamesh, 
escrita pelos sumérios, 
versa sobre os gran-
des feitos heroicos e 
aventuras do rei Uruk. A 
estrutura é semelhante 
às epopeias gregas, cons-
truída em versos, mas 
com caráter narrativo. 
Questiona-se a origina-
lidade da obra, pois a 
versão que temos hoje 
parece a junção de len-
das e mitos de diversos 
povos, como os acádios, 
assírios e babilônicos.
Curiosidade
Gêneros literários 35
Por fim, julgamos necessário apontar para o fato de que as epopeias 
foram se modificando no decorrer dos séculos e desprenderam-se dos 
moldes gregos. Temos a Divina Comédia (1321) de Dante Alighieri, o Pa-
raíso Perdido (1667), de John Milton e O Uraguai (1769), escrito por Basí-
lio da Gama, como alguns exemplos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como pudemos perceber ao longo deste capítulo, os gêneros literá-
rios estudados desdobram-se, no presente, em vários outros. O significa-
do desses textos, em suas raízes, distanciou-se muito de seus objetivos 
originais. Ora, as tragédias, por exemplo, tinham como subgêneros as co-
médias, que em muito distancia-se de sua origem. Além disso, nossa leitu-
ra de uma epopeia como a Ilíada hoje em dia certamente não é a mesma 
de 100 ou 1000 anos atrás.
Vimos, por exemplo, como a lírica desenvolveu-se no decorrer dos 
séculos, transformando-se nos poemas modernos que são distintos da-
queles acompanhados por música como na Grécia Antiga. Portanto, é 
importante não perder de vista que estes três gêneros não devem ser 
vistos de modo fixo e engessado, posto que através dos tempos eles de-
monstram uma maleabilidade, releitura e realocamento junto à tradição e 
historiografia literárias.
ATIVIDADES
Atividade 1
Leia o poema abaixo, de Álvares de Azevedo, poeta do Romantis-
mo brasileiro, e identifique nele as características próprias à lírica.
Se eu morresse amanhã
Se eu morresse amanhã, viria ao menos
Fechar meus olhos minha triste irmã;
Minha mãe de saudades morreria
Se eu morresse amanhã!
Quanta glória pressinto em meu futuro!
Que aurora de porvir e que amanhã!
Eu perdera chorando essas coroas
Se eu morresse amanhã!
Que sol! que céu azul! que doce n’alva
Acorda a natureza mais louçã!
Não me batera tanto amor no peito
Se eu morresse amanhã!
Mas essa dor da vida que devora
A ânsia de glória, o doloroso afã...
A dor no peito emudecera ao menos
Se eu morresse amanhã!
(AZEVEDO, 2009, p. 44)
36 Teoria da Literatura I
Atividade 2
Leia o trecho abaixo, de Édipo rei, escrito por Sófocles, e aponte as 
características de gênero dramático.
Édipo
- Está bem; havemos de voltar à origem desse crime, e pô-lo em 
evidência. É digna de Apoio, e de ti, a solicitude que tendes pelo 
morto; por isso mesmo ver-me-eis secundando vosso esforço, a 
fim de reabilitar e vingar a divindade e o país ao mesmo tempo 
E não será por um estranho,

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