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AULA 3 – BRANQUITUDE, BRANQUEAMENTO E AS HIERARQUIAS DE HUMANIDADE A discussão sobre a branquitude e a desumanização da população negra no Brasil revela as complexas dinâmicas raciais que permeiam a sociedade brasileira. A branquitude, termo que se refere ao privilégio e à perspectiva de quem é branco, está intimamente ligada à forma como a população negra é tratada e representada. Essa relação entre a branquitude e a desumanização dos negros tem suas raízes na história do país, marcada pela escravidão e pela construção de uma hierarquia racial. A branquitude se manifesta nas relações sociais, na cultura e nas estruturas institucionais, contribuindo para a perpetuação de estereótipos negativos e a marginalização da população negra. A ideia de superioridade racial branca foi historicamente construída, e isso in�uenciou na maneira como os negros foram, e ainda são, vistos. A desumanização, por sua vez, é uma consequência dessa percepção distorcida, na qual os negros são reduzidos a estereótipos que negam sua humanidade plena. Essa desumanização é observada em diversos contextos, desde em veículos midiáticos até a criminalização dos negros em determinados espaços. A mídia, por exemplo, muitas vezes, retrata os negros de maneira estigmatizada, associando-os, frequentemente, a crimes e a comportamentos negativos. Isso reforça a visão equivocada de que a população negra é inerentemente perigosa ou problemática, contribuindo para a perpetuação de atitudes preconceituosas. Além disso, esse problema se re�ete na violência policial e nas altas taxas de encarceramento, que afetam, desproporcionalmente, os negros. O preconceito racial, muitas vezes, leva a abordagens mais agressivas por parte das autoridades, resultando em tratamentos desumanos e injustos. A falta de acesso a oportunidades educacionais e econômicas também é uma consequência direta da desumanização, já que a população negra enfrenta barreiras sistêmicas que limitam suas perspectivas de crescimento. Outro aspecto importante a ser observado, no Brasil, são as cerca de 6 mil comunidades quilombolas, espalhadas em todo território nacional, que lutam para garantir o direito aos seus territórios, preservando, a partir de suas culturas, os bens materiais e imateriais. Uma ação importante, que terá, como consequência, a melhoria nas Para combater, tanto a desumanização, quanto a branquitude no Brasil, é essencial promover a conscientização sobre a história do racismo e suas rami�cações atuais. A educação antirracista, prevista pelas leis nº 10.639/03 e 11.645/08, que alteraram a lei nº 9394/96, institui o ensino das culturas africana, afro-brasileira e indígena nos currículos da Educação Básica no Brasil. Essas políticas podem ajudar a desconstruir estereótipos prejudiciais e a criar uma compreensão mais profunda da experiência negra e indígena. Além disso, políticas públicas voltadas para a igualdade racial, como ações a�rmativas e programas de empoderamento econômico, são fundamentais para enfrentar as desigualdades estruturais. Na Prática LETRAMENTO E SENSIBILIZAÇÃO ANTIRRACISTA javascript:void(0); condições de vida desses grupos, é o Estado assegurar o que diz a Constituição Federal de 1988: o artigo. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias a�rma que “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras, é reconhecida a propriedade de�nitiva, devendo o Estado emitir- lhes os títulos respectivos”. Nesse sentido, é dever do Estado garantir a posse legal das terras dos quilombolas, fazendo com que esses possam se desenvolver e acessem uma educação que valorize e fortaleça as identidades, assim reduzindo as desigualdades frente aos demais grupos. Em resumo, a interligação entre a branquitude e a desumanização da população negra, no Brasil, re�ete uma história de discriminação e hierarquia racial. A superação dessas questões exige um esforço coletivo para reconhecer e desconstruir os preconceitos enraizados na sociedade, promovendo uma abordagem mais inclusiva e respeitosa para com todas as pessoas, independentemente de sua origem étnica. O processo de desumanização a que os negros são submetidos há alguns séculos nessas terras é irmão siamês de toda violência descomunal que lhe é perpetrada. “Ora, se há um modelo ideal de humanidade, que é uma contraposição a quem eu sou, logo minha vida é indigna e o meu corpo indesejado.”. Aqui, mora o casamento entre as percepções simbólicas criadas pelos brancos a partir do modelo único de humanidade e a materialidade brutal do racismo diário. Nesse sentido, existe uma simbiose entre aquilo que está na ordem ideológica do sistema de dominação racial e a tangibilidade desse sistema, seja através do monopólio das instituições, dos símbolos e dos postos de maior estima social, seja em sua face mais perversa, como nos assassinatos recorrentes de pessoas negras. A violência, portanto, atua como um instrumento de garantia das hierarquias de humanidade entre brancos e todos os outros corpos indesejados, racializados e que são, por não humanos, indignos de vida. Mas ora, o que está oculto nestas classi�cações de humanidade, por parte da branquitude, é que, ao criar gradientes de humanidade, também está́, em contraposição justa, colocando em xeque a sua própria. Ao aplicar o conceito de raça ao outro, é inevitável que o outro lhe racialize, e esse movimento é a reação necessária para identi�car, na sociedade brasileira, o grupo que detém o poder. Esses aspectos se diferem das formas hierarquizadas que a população negra é, então, racializada. Nesse sentido, são muito bem-vindos a emergência de estudos sobre branquitude e o debate sobre privilégio branco, pois eles são a outra face da moeda do extermínio da população negra, já que não há maior benefício do que poder enxergar o mundo através de uma lente que confere, a si mesmo, o referencial daquilo que é desejado. O reconhecimento do privilégio branco e a ação sobre ele expressam a via de reconstituição daquilo que entendemos como humanidade. Uma agenda sistemática de pesquisas e escrutínio sobre a branquitude brasileira nos ajudará a revelar as nuances e as características do poder, da dominação e da violência no Brasil. Pensar em uma reversão do cenário atroz de violência é apostar em uma restauração radical das percepções sobre o sujeito universal. Examinar a branquitude, em sua base, e fazer um chamamento à responsabilização de pessoas brancas é uma forma de destituir a universalidade da zona do ser e tornar intragáveis políticas públicas que neguem a humanidade de não brancos. A branquitude, nesse sentido, é um modo de comportamento social, a partir de uma situação estruturada de poder, baseada numa racialidade neutra, não nomeada, mas sustentada pelos privilégios sociais continuamente experimentados. Portanto, o problema racial no Brasil deve ser discutido não como “um problema de negros”, mas como um problema das relações entre negros e brancos, pois sua solução certamente envolverá os dois grupos. LETRAMENTO E SENSIBILIZAÇÃO ANTIRRACISTA javascript:void(0);