Prévia do material em texto
1 A DIVERSIDADE CULTURAL COMO PRÁTICA NA EDUCAÇÃO AULA 2 Prof. Lucas Pydd Nechi 2 CONVERSA INICIAL O argumento da diversidade cultural como práxis é fundamentado, minimamente, por duas grandes áreas da teoria social: a Antropologia e a História. Mais precisamente, a Educação Histórica – responsável por investigar como as pessoas aprendem a História e seus processos de ensino e aprendizagem. As concepções antropológicas nos fornecem um quadro amplo de como entendemos nossas diferenças e o que desejamos para as próximas gerações. A Educação Histórica pesquisa, a partir da Teoria da História, a diversidade cultural vinculada a seus elementos temporais. A defesa de uma educação nos moldes do Multiculturalismo Intercultural exige, de antemão, a fundamentação profunda, para que não seja confundida com movimentos políticos partidários e perenes, com interesses velados. Na aula 02, conheceremos alguns conceitos e fundamentos da Educação Histórica e suas possíveis contribuições para a prática educativa no contexto da diversidade. CONTEXTUALIZANDO Um estudante, ao sair da escola, encontra na rua uma criança muito parecida consigo mesmo. Mesma idade, tamanhos equivalentes, a mesma certa doçura e traquinagem do olhar. Porém, uma passa pela rua para ir e vir da escola. A outra mora na rua. Quando os olhares se cruzam, e uma relação empática acontece, mesmo que silenciosa, centenas de perguntas invadem a mente da criança mais bem afortunada: como alguém mora na rua? Por que ela, que é tão parecida comigo, passa por situações tão difíceis? Como que tudo aconteceu até chegar nesse ponto? Do outro lado, outras perguntas: como deve ser a sensação de possuir todo este conforto? Ter roupa e cama limpas todos os dias? A compreensão de situações sociais extremas, ainda tão comuns no Brasil, passa, necessariamente, pelo conhecimento histórico. Não é possível compreender a desigualdade social, a cultura, os conflitos de interesse, as instituições e os costumes dos povos sem que se investigue tais elementos 3 historicamente. Os mesmos questionamentos de “como as coisas vieram a ser como são hoje” poderiam ser feitos em relação à discriminação, à desigualdade de gênero, o preconceito manifesto contra identidades de gênero e orientação sexual. Porém, a Educação Histórica afirma que apenas memorizar datas e fatos do passado não se equivale a aprender História. É necessário o desenvolvimento da consciência histórica: a habilidade de experimentar, interpretar e orientar-se no fluxo do tempo a partir do passado. Os fundamentos deste pensamento serão debatidos nas próximas duas aulas. TEMA 1: PASSADO E A DIVERSIDADE CULTURAL Muitos estudantes consideram, ainda, que a disciplina de História pouco ou nada contribui com a sua vida cotidiana. Para eles, tal matéria escolar é focada em “coisas velhas”, que não possuem utilidade nos dias atuais e muito menos nas suas vidas pessoais. É justamente contra estas concepções que as investigações sobre aprendizagem histórica se concentraram. A compreensão da função do passado em nossas vidas e decisões no presente permanece nebulosa quando se toma o passado por ele mesmo. Afinal, memorizar guerras, reviravoltas políticas, dados e datas passadas não torna mais fácil e nem atribui sentido às decisões que tomamos cotidianamente. Há, claramente, uma cisão entre o passado, o presente e o futuro, que demandam novas visões da aprendizagem histórica. A ida até o passado, de forma arbitrária, desconectada de qualquer necessidade de orientação temporal no presente dos sujeitos aprendentes, assemelha-se ao estudante que busca aprender literatura e gramática abrindo o dicionário aleatoriamente e decorando definições de palavras. A professora Maria Auxiliadora Schmidt investiga a aprendizagem histórica por meio da Teoria da Consciência Histórica de Jörn Rüsen, filósofo e historiador alemão, cuja produção vasta vem sendo a base de uma variedade de pesquisas na área. Para Schmidt (2011, p.83), pautada em Rüsen, a aprendizagem histórica refere-se muito mais ao fluxo do tempo do que ao passado por si só. O presente estaria permeado por elementos do passado, que 4 para serem compreendidos devem ser contextualizados temporalmente. É somente desta forma que o conhecimento histórico poderia servir para a orientação temporal, isso é, ser usado como fundamentação das decisões do cotidiano das pessoas. [...] se aprende História porque a vida cotidiana nos impõe determinados interesses relacionados a nossa necessidade de orientação no fluxo do tempo (passado, presente e futuro) e de nos apoderarmos do passado, a partir do presente, por meio do conhecimento. Assim, pode-se admitir que é no passado que reside a essencialidade da aprendizagem histórica – o passado como ponto de partida e de chegada, sempre a partir do presente. Jörn Rüsen propõe que a aprendizagem histórica acontece na relação das pessoas com a cultura histórica em três dimensões distintas e inter-relacionadas: experiência, interpretação e orientação. A experiência é a vida prática em si, na relação dos sujeitos com o passado que está inserido nas questões do presente. A interpretação é a forma pessoal que tais sujeitos atribuem sentidos e significados àquilo que experienciaram, inserindo acontecimentos isolados em contextos maiores. A orientação temporal seria a capacidade de tomar decisões a partir do conjunto de experiências e suas interpretações. A ocupação da consciência histórica enquanto aprendizagem histórica pode ser abordada quando traz à tona um aumento na experiência do passado humano, tanto como um aumento da competência histórica que dá significado a essa experiência, e na capacidade de aplicar esses significados aos quadros de orientação da vida prática. (RÜSEN, 2010, p. 84) A diversidade étnica brasileira possui uma inegável raiz histórica. A composição do povo deste país se realizou a partir de diferentes relações de poder, em uma história repleta de luta, sofrimento, resistência e opressão. Os nomes e sobrenomes de uma turma escolar no Brasil, por exemplo, já são capazes de indicar uma miscelânea de culturas e nações anteriores a esta, que se fizeram presente na história brasileira. 5 O processo de escravização e colonização; a vinda da família real portuguesa; os diversos povos africanos trazidos à força e culturalmente desconsiderados; a pluralidade de povos indígenas exterminados e também desapropriados de sua cultura; os primeiros imigrantes europeus e do oriente, cada qual em determinado momento e com diferentes condições, compõem um cenário único e problemático que confere à História a tarefa fundamental de desenvolvimento da identidade histórica de crianças e jovens brasileiros. A diversidade cultural também possui relação intrínseca com a geografia de cada região do vasto território do país. Ser gaúcho, catarinense, pernambucano ou amazonense, implica inúmeras consequências na constituição identitária. Para que as diferenças não sejam traduzidas e perpetuadas em desigualdades, os processos históricos e as relações de poder devem ser desvelados e combatidos. TEMA 2: EDUCAÇÃO HISTÓRICA E INTERCULTURALIDADE Há, no campo da Educação, a necessidade da fundamentação das práticas didáticas em teorias condizentes com os objetivos educacionais prévios. Tanto a Educação Histórica como a abordagem do Multiculturalismo Intercultural encontram guarida em uma perspectiva de educação que defende a democracia e a emancipação dos estudantes como sujeitos, elementos fortemente presentes na obra de Paulo Freire. Schmidt (2016) e Divardim (2012) afirmam que o ensino e a aprendizagem de História possuem muitos elementos em comum com a perspectiva freireana. Para estes pesquisadores,tanto Rüsen como Freire constroem suas teorizações fundados no conceito de cultura. A Educação Histórica não pode se omitir em trabalhar a partir da diversidade cultural, não levando em consideração a pluralidade dos sujeitos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem e as imposições trazidas por elas. Mesmo em sociedades nas quais, aparentemente, a hegemonia de uma etnia específica parece amplamente dominante, como a japonesa, por exemplo, 6 o ensino deve ser pensado de forma multiperspectivada, para que se oportunize às crianças e jovens o desenvolvimento da capacidade de se comunicar interculturalmente. A globalização e as sutis diferenças dentro da mesma cultura demandam esta habilidade de racionalmente optar-se pela tolerância e o reconhecimento mútuo intercultural. Isso é o que Schmidt conceitua como interculturalidade crítica, ou seja, não apenas a percepção das diferenças, mas um pensar e agir crítico em relação a elas. A categoria da Interculturalidade trouxe novos e complexos desafios para a Educação Histórica na sociedade brasileira. Nas contribuições de Paulo Freire para uma concepção de educação e de Jörn Rüsen para a didática da história, podemos encontrar a possibilidade de superação de uma interculturalidade funcional, fundamentada no conceito tradicional de cultura e construir uma interculturalidade crítica. (SCHMIDT, 2016, p. 32). Dois elementos se destacam como ferramentas didáticas indispensáveis para o ensino fundamentado na diversidade. O primeiro seria o reconhecimento e a valorização do conhecimento prévio ou tácito que os alunos possuem no início da apresentação de cada conteúdo a ser trabalhado. Não considerar os alunos “tábulas rasas” impõe a prática de dar-lhes voz para expressar sua compreensão de mundo. O segundo elemento seria o dialogismo entre professores e alunos. Assim, o conhecimento seria construído coletivamente e de maneira significativa para todos. O trabalho com ideias prévias dos alunos é um elemento intrínseco do ensinar na perspectiva da educação histórica, mas tendo como norteador o princípio do dialogismo, em que, neste processo, há sempre a voz do professor e a voz do aluno, não partindo do entendimento de que o professor deve levar pronto o conteúdo, na perspectiva do seu mundo e da sua cultura. Na esteira do pensamento de Paulo Freire, o método de ensino deve ser um ato de compartilhamento, solidário e coletivo, não podendo ser a imposição de um sobre o outro, ou o despejo de quem supõe que tem o poder de dominar o saber, de um conhecimento que, por suposto, o outro não possui. (SCHMIDT, 2016. p. 30) 7 O trabalho histórico não deve ser limitado à disciplina de História, mas levar em consideração as mais recentes discussões da aprendizagem histórica a partir da Teoria da História. Muitas vezes, a forma tradicional de educação não contempla concepções e métodos desenvolvidos nesta área que podem ser de extrema importância na formação dos estudantes. Elencamos, até aqui, três pensadores da humanidade que podem abrir possibilidades teóricas e práticas no ensino a partir da diversidade. Candau, pela Antropologia na defesa do Multiculturalismo Intercultural, Freire na Educação e sua base emancipatória, e Jörn Rüsen, na História, no desenvolvimento da consciência histórica. Continuaremos nos aprofundando no trabalho teórico de Rüsen para que, enfim, possamos sistematizar orientações de cunho prático na rotina de sala de aula. TEMA 3: UM NOVO HUMANISMO INTERCULTURAL O conceito de Humanismo já possuiu as mais diversas significações ao longo da história do conhecimento. Rüsen, no entanto, aprofunda-se mais uma vez neste conceito para defender o princípio da dignidade humana, ou seja, a concepção de que todos os seres humanos possuem os mesmos direitos inalienáveis apenas pelo fato de serem seres humanos. Os direitos, assim, não estariam condicionados ao comportamento, a classes sociais ou etnias. Sabemos que, na prática, não é assim que acontece: a cor da pele, a vestimenta, a língua, a origem, a etnia, a orientação sexual e outras características pessoais acabam por exercer bastante influência – na maioria das vezes negativa – em relação aos direitos básicos das pessoas. A defesa do humanismo de Rüsen busca justamente superar estas barreiras de opressão, discriminação e desigualdade entre pessoas e nações. Para tanto, este autor aponta críticas ao humanismo desenvolvido na modernidade, não no sentido de antagonizá-lo, mas de propor superações do que acredita ser equívocos, ao mesmo tempo defende o fortalecimento de 8 conceitos humanistas modernos que julga ainda não terem sidos desenvolvidos plenamente na prática. O autor requalifica a ideia de humanismo, atualizando-a de acordo com a sua compreensão da teoria da história e a insere no contexto da didática da história. Fazer com que os seres humanos sejam humanizados por meio do ensino de história, ou seja, que o aprendizado histórico possibilite o desenvolvimento da capacidade de fazer indivíduos reconhecerem reciprocamente o valor intrínseco da vida e da dignidade humana, a partir do reconhecimento do outro – até mesmo e principalmente quando o outro for proveniente de etnias, nações, religiões ou convicções políticas diversas – é o grande mote utópico que pode nortear os esforços na construção de uma educação histórica significativa para os sujeitos nela envolvidos. Na obra “O Humanismo na era da globalização” Rüsen apresenta o conceito afirmando que: “o humanismo tem de ser compreendido e desenvolvido como um elemento mental e espiritual dentro dos confins dos âmbitos da vida social concreta.” (RÜSEN; KOZLAREK, 2009, p.14). Ou seja, a ideia de novo humanismo pertencente a uma intrincada construção teórica, deve ser reconhecida em contato com a materialidade que a vida social apresenta. Sua proposta é mais do que a constituição de um ethos direcionado para determinada cultura ou povo, mas intenciona a realocação do foco no pensar e atuar histórico dos seres humanos como comunidade múltipla que partilha da mesma essência. A globalização e a sua consequente aproximação virtual e geográfica de culturas diferentes, muitas vezes ocorrida de maneira conflituosa, evoca-nos a questionamentos humanitários em face de genocídios e atentados contra a vida. A História como ciência possui uma contribuição na constituição de mecanismos de compreensão desta realidade. Segundo o autor: A resposta deverá dar-se em forma de um ‘novo’ humanismo que entrelace percepções antropológicas relacionando-as com a fragilidade e a falibilidade da vida humana, com o desenvolvimento de novas categorias de interpretação histórica, de tal forma que consiga acentuar o impacto que o sofrimento tem em potencial e o desenvolvimento humano, mudando por sua vez os critérios da 9 interpretação histórica tradicional para novos conceitos muito mais frutíferos. (RÜSEN; KOZLAREK, 2009, p. 24) O conceito de humanismo de Jörn Rüsen é apresentado como ‘novo’ pois possui a intenção de demonstrar que não se trata simplesmente da retomada dos valores de outros humanismos ocidentais. O autor almeja não apenas valorizar conquistas humanitárias dos últimos períodos históricos como também superá-las em vista da construção de um mundo mais igualitário. A definição objetiva do novo humanismo de Rüsen foi descrita como: Um recurso fundamental e uma referência para a natureza cultural dos homens na orientação da vida humana e um alinhamento desta orientação com o princípio da dignidade humana. Suas dimensões empírica e normativa são ambas universais. O novo humanismo inclui a unidade da humanidade e também sua manifestação na variabilidade e mutabilidade das formas culturais de vida. Ele temporaliza a humanidade em um conceito abrangente da história universalem que cada singular forma de vida em sua individualidade é hermeneuticamente reconhecida. Politicamente ele baseia a legitimidade da dominação e poder dos direitos humanos fundamentais e civis. Ele compreende a subjetividade humana como um processo de autoformação de acordo com a dignidade humana inerente a todos os seres humanos no espaço e no tempo. (RÜSEN, 2015, p. 25) A afirmação deste Novo Humanismo vincula-se à compreensão racionalista de cultura e de relacionamento intercultural, pois, como vimos, a Educação Histórica com base na teoria da consciência histórica pressupõe que todos os seres humanos partilham características culturais semelhantes. A comunicação entre culturas se daria a partir de elementos comuns e do princípio de dignidade inerente a todos seres humanos. Estes pontos em comum entre as pessoas de qualquer cultura são denominados Universais Antropológicos. TEMA 4: UNIVERSAIS ANTROPOLÓGICOS O Humanismo de Rüsen é sustentado no âmbito da cultura pelos Universais Antropológicos, especificamente das investigações de Christoph 10 Antweiler. O conceito de “Universais” é utilizado de acordo com a definição de Brown: “Universais, universais culturais, universais humanos, são elementos ou fenômenos encontrados regularmente em todas ou quase todas sociedades conhecidas” (BROWN, 1991). Deve-se distinguir, contudo, a universalidade do comportamento cultural de tendências biológicas ou genéticas. Não é pelo fato de que determinado tipo de comportamento se repita na espécie humana, em todas as sociedades, que ele deva ser considerado automaticamente natural ou biológico. As culturas não se diferem entre si somente pela presença ou ausência de determinada característica, mas também pela forma de tratamento e valoração que atribuem a diferentes características. Ao fim, todas as culturas partilham um número elevado de características comuns, presentes de formas diferentes em cada uma delas. Antweiler propõe a observação de uma lista interessante de Universais Antropológicos que podem ser úteis em definições e investigações do Novo Humanismo. A lista, a seguir, fornece comportamentos que não só estariam presentes em todas as culturas, bem como seriam responsáveis pelas características de um humanismo inclusivo. Tal lista é aberta e não possui pretensão de contemplar todos os universais, mas já nos fornece uma ampla noção da variedade de temas e aspectos presentes em todas as culturas, que podem servir como ferramentas de análise antropológica e como facilitadoras da comunicação intercultural. Os universais antropológicos se afastam do relativismo radical por esta corrente não achar relevante os pontos comuns entre diferentes culturas. Por outro lado, difere-se também de concepções absolutistas (como as biológicas e até mesmo filosóficas que discorrem sobre a natureza humana), que não tomam as diferenças de culturas específicas como relevantes no estabelecimento de um humanismo inclusivo. 11 TEMA 5: COMUNICAÇÃO INTERCULTURAL A ancoragem teórica nos universais antropológicos permite fundamentar uma proposta de Novo Humanismo que não recaia, novamente, no etnocentrismo. Para isso, os pontos comuns entre as culturas devem ser usados como pontes respeitosas de abordagem, conhecimento e comunicação. No encontro com o diferente, não se deve estabelecer tentativas de convencimento ou diminuição dos elementos culturais uns dos outros. É o que Leonardo Boff afirma sobre tolerância ativa: “a atitude de quem positivamente convive com o outro por que tem respeito por ele e aceita a riqueza multifacetada da realidade. Consegue ver dimensões que sem o diferente jamais veria, entrevê possibilidades de condivisão e parceria e assim de se enriquecer mediante o contato e a troca.” (BOFF, 2006, p. 82). Esta tolerância é desejada em casos de encontro de culturas, seja entre países diferentes ou mesmo dentro de um país que apresente culturas variadas, como o Brasil, Em 2012, Jörn Rüsen, Stefan Reichmuth e Aladdin Sarhan publicaram uma compilação de artigos focados na relação do humanismo com a cultura muçulmana. Os três autores assinam um artigo introdutório ao livro, publicado em inglês no Taiwan e em português (SCHMIDT, 2015) o LAPEDUH. O texto reforça os elementos da urgência de um humanismo intercultural e a defesa do princípio de dignidade de Kant – no qual as pessoas não devem viver em função de outras a não ser de si mesmas. Neste artigo são expostas estratégias de comunicação intercultural válidas universalmente, inclusive como referência no trabalho de grupos étnicos, religiosos e culturais diferentes. Os autores estruturam objetivamente sete elementos que podem constituir a base de uma comunicação intercultural pautada pelo Novo Humanismo (REICHMUTH; RÜSEN; SARHAN, 2012, p. 13): 1 – Conceito universal de humanidade. O humanismo é postulado como oposição mais abrangente ao etnocentrismo; 2 – Centralidade no Ser Humano – Antropocentrismo. Consideração do papel central da humanidade no cosmos, a partir de um humanismo secular. 12 3 – Dignidade Humana como valor básico da orientação cultural. A qualidade de dignidade dos homens e mulheres, como ponto fundamental de debate. 4 – Igualdade de todos os seres humanos em respeito à sua dignidade essencial. A busca de equidade e justiça a partir deste elemento paira como questão urgente e ainda insolúvel. 5 – Referência fundamental à responsabilidade e alteridade na existência humana. A dignidade humana e a liberdade sendo significadas a partir da relação com o outro, superando uma ética individualista. 6 - Individualidade e responsabilidade social. O equilíbrio entre o respeito às dimensões sociais da vida humana e a defesa dos direitos de cada indivíduo perante a coletividade. 7 – Humanidade e Transcendência. Todas as referências de formas culturais que se projetam além das circunstâncias e condições dadas na vida cotidiana. Arte, Religião e Filosofia como exemplos. Como podemos nos apropriar destas ferramentas no trabalho educativo? O Brasil, em sua dimensão geográfica e pluralidade cultural, ainda apresenta conflitos de ordem cultural, étnica e religiosa cotidianamente. O conceito universal de humanidade (ponto 1) é traduzido pelo valor único e igualdade de direitos de todos os cidadãos. Sem diferenciações que oportunizem privilégios ou supremacia na relação de poder. A centralidade no ser humano (ponto 2) equivale aos valores racionalistas e seculares que constituem a República e deveriam prevalecer nas normatizações coletivas, respeitando a diversidade e não adotando uma ou outra denominação religiosa como orientação velada. A dignidade humana (ponto 3) compreendida como critério universal e inalienável de justiça (ponto 4), respeitando as diferenças, porém igualando a todos em direitos. É a definição de equidade. A saída de si e o olhar atento às necessidades do outro (ponto 5), superando o egoísmo e constituindo a ética social. O equilíbrio entre o coletivo e o individual (ponto 6) é fundamental nas lutas históricas de grupos oprimidos, nas quais os direitos de indivíduos não podem se sobrepor às necessidades da coletividade. O último aspecto (ponto 7) 13 aponta para dimensões além da racionalidade, na transcendência artística ou espiritual em sentido amplo, que devem ser acolhidas e valorizadas, buscando o reconhecimento e o respeito às suas diferentes formas de representação. SÍNTESE O desafio da interculturalidade nos levou a buscar sustentação teórica nas discussões mais recentes da Antropologia e da Educação Histórica que se influenciam mutuamente. Percebe-se que não há explicação simples e prática para o entendimento de questões do presente, o que nos exige retrospecção ao passado e a definição da maneira pela qual a cultura do presente é observada emrelação às demais. Apresentou-se algumas propostas teóricas que podem ser chaves para a didática escolar da diferença cultural. O Novo Humanismo, referenciado na Teoria da História e os Universais Antropológicos. Ambas sugerem mecanismos de comunicação intercultural, explanados brevemente. 14 REFERÊNCIAS ANTWEILER, C. Pan – Cultural Universals – A foundation for an inclusive humanism. In.: RÜSEN, J. (org.) Approaching Humankind: Towards an Intercultural Humanism. Goettingen: V&R Unipress, 2013. BOFF, L. Virtudes Para um Outro Mundo Possível. v. 2. Convivência, respeito e tolerância. Petrópolis: Ed. Vozes, 2006. FREITAS, F.S. A Diversidade Cultural como Prática na Educação. Curitiba: IBPEX, 2011. OLIVEIRA, T. D. de. A Relação ensino e Aprendizagem como Práxis: A Educação Histórica e a Formação de Professores. Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil. 2012. SCHIMIDT, M. A. O Significado do Passado na Aprendizagem e na Formação da Consciência Histórica de Jovens Alunos. In: CAINELLI, M.; SCHMIDT, M. A. (orgs.) Educação Histórica: Teoria e Pesquisa. Ijuí: Ed. Unijuí, 2011. p.81-90. RÜSEN, J.; KOZLAREK, O. Humanismo en la era de la globalizacíon. Buenos Aires: Editorial Biblos, 2009. RÜSEN, J. Experiência, Interpretação, Orientação: As três dimensões da aprendizagem histórica. In: SCHMIDT, M.A.; BARCA, I.; MARTINS, E. R. Jörn Rüsen e o Ensino de História. Curitiba: Editora UFPR, 2010, p. 79-91. RÜSEN, J. Formando a Consciência Histórica – para uma Didática Humanista da História. In: SCHMIDT, M.A. et al. Humanismo e Didática da História. Curitiba: W.A. Editores, 2015. REICHMUTH, S.; RÜSEN, J.; SARHAN, A. Humanism and Muslin Culture: Historical heritage and contemporary challenges. Göttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 2012. SCHMIDT, M.A. et al (orgs) Humanismo e Didática da História. Curitiba: WA Editores, 2015. 15 Texto obrigatório Abordagem teórica Entrevista – Jörn Rüsen Algumas ideias sobre a interseção da meta-história e da didática da história Marília Gago* Entrevista realizada por e-mail, dias 1, 2 e 28 de março de 2016. Tradução: Tradioma, Porto, Portugal Disponível em: <https://rhhj.anpuh.org/RHHJ/article/view/245/163>. Abordagem Prática RÜSEN, J. Formando a Consciência histórica – para uma didática humanista da História. In: SCHMIDT, M.A. et al. (orgs.) Humanismo e Didática da História. Curitiba: WA Editores, 2015. p.19-42; Saiba Mais - Jörn Rüsen, Temporalizando a Humanidade -- O Humanismo no Pensamento Histórico. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=qLCQxm3B7L4>.