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A DIVERSIDADE CULTURAL 
COMO PRÁTICA NA 
EDUCAÇÃO 
AULA 2 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Prof. Lucas Pydd Nechi 
 
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CONVERSA INICIAL 
 O argumento da diversidade cultural como práxis é fundamentado, 
minimamente, por duas grandes áreas da teoria social: a Antropologia e a 
História. Mais precisamente, a Educação Histórica – responsável por investigar 
como as pessoas aprendem a História e seus processos de ensino e 
aprendizagem. As concepções antropológicas nos fornecem um quadro amplo 
de como entendemos nossas diferenças e o que desejamos para as próximas 
gerações. A Educação Histórica pesquisa, a partir da Teoria da História, a 
diversidade cultural vinculada a seus elementos temporais. A defesa de uma 
educação nos moldes do Multiculturalismo Intercultural exige, de antemão, a 
fundamentação profunda, para que não seja confundida com movimentos 
políticos partidários e perenes, com interesses velados. Na aula 02, 
conheceremos alguns conceitos e fundamentos da Educação Histórica e suas 
possíveis contribuições para a prática educativa no contexto da diversidade. 
 
CONTEXTUALIZANDO 
 Um estudante, ao sair da escola, encontra na rua uma criança muito 
parecida consigo mesmo. Mesma idade, tamanhos equivalentes, a mesma certa 
doçura e traquinagem do olhar. Porém, uma passa pela rua para ir e vir da 
escola. A outra mora na rua. Quando os olhares se cruzam, e uma relação 
empática acontece, mesmo que silenciosa, centenas de perguntas invadem a 
mente da criança mais bem afortunada: como alguém mora na rua? Por que ela, 
que é tão parecida comigo, passa por situações tão difíceis? Como que tudo 
aconteceu até chegar nesse ponto? Do outro lado, outras perguntas: como deve 
ser a sensação de possuir todo este conforto? Ter roupa e cama limpas todos 
os dias? 
A compreensão de situações sociais extremas, ainda tão comuns no 
Brasil, passa, necessariamente, pelo conhecimento histórico. Não é possível 
compreender a desigualdade social, a cultura, os conflitos de interesse, as 
instituições e os costumes dos povos sem que se investigue tais elementos 
 
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historicamente. Os mesmos questionamentos de “como as coisas vieram a ser 
como são hoje” poderiam ser feitos em relação à discriminação, à desigualdade 
de gênero, o preconceito manifesto contra identidades de gênero e orientação 
sexual. Porém, a Educação Histórica afirma que apenas memorizar datas e fatos 
do passado não se equivale a aprender História. É necessário o desenvolvimento 
da consciência histórica: a habilidade de experimentar, interpretar e orientar-se 
no fluxo do tempo a partir do passado. Os fundamentos deste pensamento serão 
debatidos nas próximas duas aulas. 
 
TEMA 1: PASSADO E A DIVERSIDADE CULTURAL 
 Muitos estudantes consideram, ainda, que a disciplina de História pouco 
ou nada contribui com a sua vida cotidiana. Para eles, tal matéria escolar é 
focada em “coisas velhas”, que não possuem utilidade nos dias atuais e muito 
menos nas suas vidas pessoais. É justamente contra estas concepções que as 
investigações sobre aprendizagem histórica se concentraram. A compreensão 
da função do passado em nossas vidas e decisões no presente permanece 
nebulosa quando se toma o passado por ele mesmo. Afinal, memorizar guerras, 
reviravoltas políticas, dados e datas passadas não torna mais fácil e nem atribui 
sentido às decisões que tomamos cotidianamente. Há, claramente, uma cisão 
entre o passado, o presente e o futuro, que demandam novas visões da 
aprendizagem histórica. A ida até o passado, de forma arbitrária, desconectada 
de qualquer necessidade de orientação temporal no presente dos sujeitos 
aprendentes, assemelha-se ao estudante que busca aprender literatura e 
gramática abrindo o dicionário aleatoriamente e decorando definições 
de palavras. 
A professora Maria Auxiliadora Schmidt investiga a aprendizagem 
histórica por meio da Teoria da Consciência Histórica de Jörn Rüsen, filósofo e 
historiador alemão, cuja produção vasta vem sendo a base de uma variedade de 
pesquisas na área. Para Schmidt (2011, p.83), pautada em Rüsen, a 
aprendizagem histórica refere-se muito mais ao fluxo do tempo do que ao 
passado por si só. O presente estaria permeado por elementos do passado, que 
 
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para serem compreendidos devem ser contextualizados temporalmente. É 
somente desta forma que o conhecimento histórico poderia servir para a 
orientação temporal, isso é, ser usado como fundamentação das decisões do 
cotidiano das pessoas. 
 
[...] se aprende História porque a vida cotidiana nos impõe 
determinados interesses relacionados a nossa necessidade de 
orientação no fluxo do tempo (passado, presente e futuro) e de nos 
apoderarmos do passado, a partir do presente, por meio do 
conhecimento. Assim, pode-se admitir que é no passado que reside a 
essencialidade da aprendizagem histórica – o passado como ponto de 
partida e de chegada, sempre a partir do presente. 
 
Jörn Rüsen propõe que a aprendizagem histórica acontece na relação das 
pessoas com a cultura histórica em três dimensões distintas e inter-relacionadas: 
experiência, interpretação e orientação. 
A experiência é a vida prática em si, na relação dos sujeitos com o 
passado que está inserido nas questões do presente. A interpretação é a forma 
pessoal que tais sujeitos atribuem sentidos e significados àquilo que 
experienciaram, inserindo acontecimentos isolados em contextos maiores. A 
orientação temporal seria a capacidade de tomar decisões a partir do conjunto 
de experiências e suas interpretações. 
 
A ocupação da consciência histórica enquanto aprendizagem histórica 
pode ser abordada quando traz à tona um aumento na experiência do 
passado humano, tanto como um aumento da competência histórica 
que dá significado a essa experiência, e na capacidade de aplicar 
esses significados aos quadros de orientação da vida prática. (RÜSEN, 
2010, p. 84) 
 
A diversidade étnica brasileira possui uma inegável raiz histórica. A 
composição do povo deste país se realizou a partir de diferentes relações de 
poder, em uma história repleta de luta, sofrimento, resistência e opressão. 
Os nomes e sobrenomes de uma turma escolar no Brasil, por exemplo, já são 
capazes de indicar uma miscelânea de culturas e nações anteriores a esta, que 
se fizeram presente na história brasileira. 
 
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O processo de escravização e colonização; a vinda da família real 
portuguesa; os diversos povos africanos trazidos à força e culturalmente 
desconsiderados; a pluralidade de povos indígenas exterminados e também 
desapropriados de sua cultura; os primeiros imigrantes europeus e do oriente, 
cada qual em determinado momento e com diferentes condições, compõem um 
cenário único e problemático que confere à História a tarefa fundamental de 
desenvolvimento da identidade histórica de crianças e jovens brasileiros. 
A diversidade cultural também possui relação intrínseca com a geografia 
de cada região do vasto território do país. Ser gaúcho, catarinense, 
pernambucano ou amazonense, implica inúmeras consequências na 
constituição identitária. Para que as diferenças não sejam traduzidas e 
perpetuadas em desigualdades, os processos históricos e as relações de poder 
devem ser desvelados e combatidos. 
 
TEMA 2: EDUCAÇÃO HISTÓRICA E INTERCULTURALIDADE 
 Há, no campo da Educação, a necessidade da fundamentação das 
práticas didáticas em teorias condizentes com os objetivos educacionais prévios. 
Tanto a Educação Histórica como a abordagem do Multiculturalismo Intercultural 
encontram guarida em uma perspectiva de educação que defende a democracia 
e a emancipação dos estudantes como sujeitos, elementos fortemente presentes 
na obra de Paulo Freire. 
Schmidt (2016) e Divardim (2012) afirmam que o ensino e a aprendizagem 
de História possuem muitos elementos em comum com a perspectiva freireana. 
Para estes pesquisadores,tanto Rüsen como Freire constroem suas teorizações 
fundados no conceito de cultura. 
A Educação Histórica não pode se omitir em trabalhar a partir da 
diversidade cultural, não levando em consideração a pluralidade dos sujeitos 
envolvidos no processo de ensino e aprendizagem e as imposições trazidas por 
elas. Mesmo em sociedades nas quais, aparentemente, a hegemonia de uma 
etnia específica parece amplamente dominante, como a japonesa, por exemplo, 
 
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o ensino deve ser pensado de forma multiperspectivada, para que se oportunize 
às crianças e jovens o desenvolvimento da capacidade de se comunicar 
interculturalmente. A globalização e as sutis diferenças dentro da mesma cultura 
demandam esta habilidade de racionalmente optar-se pela tolerância e o 
reconhecimento mútuo intercultural. Isso é o que Schmidt conceitua como 
interculturalidade crítica, ou seja, não apenas a percepção das diferenças, mas 
um pensar e agir crítico em relação a elas. 
 
A categoria da Interculturalidade trouxe novos e complexos desafios 
para a Educação Histórica na sociedade brasileira. Nas contribuições 
de Paulo Freire para uma concepção de educação e de Jörn Rüsen 
para a didática da história, podemos encontrar a possibilidade de 
superação de uma interculturalidade funcional, fundamentada no 
conceito tradicional de cultura e construir uma interculturalidade crítica. 
(SCHMIDT, 2016, p. 32). 
 
Dois elementos se destacam como ferramentas didáticas indispensáveis 
para o ensino fundamentado na diversidade. O primeiro seria o reconhecimento 
e a valorização do conhecimento prévio ou tácito que os alunos possuem no 
início da apresentação de cada conteúdo a ser trabalhado. Não considerar os 
alunos “tábulas rasas” impõe a prática de dar-lhes voz para expressar sua 
compreensão de mundo. O segundo elemento seria o dialogismo entre 
professores e alunos. Assim, o conhecimento seria construído coletivamente e 
de maneira significativa para todos. 
 
O trabalho com ideias prévias dos alunos é um elemento intrínseco do 
ensinar na perspectiva da educação histórica, mas tendo como 
norteador o princípio do dialogismo, em que, neste processo, há 
sempre a voz do professor e a voz do aluno, não partindo do 
entendimento de que o professor deve levar pronto o conteúdo, na 
perspectiva do seu mundo e da sua cultura. Na esteira do pensamento 
de Paulo Freire, o método de ensino deve ser um ato de 
compartilhamento, solidário e coletivo, não podendo ser a imposição 
de um sobre o outro, ou o despejo de quem supõe que tem o poder de 
dominar o saber, de um conhecimento que, por suposto, o outro não 
possui. (SCHMIDT, 2016. p. 30) 
 
 
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O trabalho histórico não deve ser limitado à disciplina de História, mas 
levar em consideração as mais recentes discussões da aprendizagem histórica 
a partir da Teoria da História. Muitas vezes, a forma tradicional de educação não 
contempla concepções e métodos desenvolvidos nesta área que podem ser de 
extrema importância na formação dos estudantes. 
Elencamos, até aqui, três pensadores da humanidade que podem abrir 
possibilidades teóricas e práticas no ensino a partir da diversidade. Candau, pela 
Antropologia na defesa do Multiculturalismo Intercultural, Freire na Educação e 
sua base emancipatória, e Jörn Rüsen, na História, no desenvolvimento da 
consciência histórica. Continuaremos nos aprofundando no trabalho teórico de 
Rüsen para que, enfim, possamos sistematizar orientações de cunho prático na 
rotina de sala de aula. 
 
 
TEMA 3: UM NOVO HUMANISMO INTERCULTURAL 
 O conceito de Humanismo já possuiu as mais diversas significações ao 
longo da história do conhecimento. Rüsen, no entanto, aprofunda-se mais uma 
vez neste conceito para defender o princípio da dignidade humana, ou seja, a 
concepção de que todos os seres humanos possuem os mesmos direitos 
inalienáveis apenas pelo fato de serem seres humanos. 
Os direitos, assim, não estariam condicionados ao comportamento, a 
classes sociais ou etnias. Sabemos que, na prática, não é assim que acontece: 
a cor da pele, a vestimenta, a língua, a origem, a etnia, a orientação sexual e 
outras características pessoais acabam por exercer bastante influência – na 
maioria das vezes negativa – em relação aos direitos básicos das pessoas. A 
defesa do humanismo de Rüsen busca justamente superar estas barreiras de 
opressão, discriminação e desigualdade entre pessoas e nações. 
Para tanto, este autor aponta críticas ao humanismo desenvolvido na 
modernidade, não no sentido de antagonizá-lo, mas de propor superações do 
que acredita ser equívocos, ao mesmo tempo defende o fortalecimento de 
 
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conceitos humanistas modernos que julga ainda não terem sidos desenvolvidos 
plenamente na prática. 
O autor requalifica a ideia de humanismo, atualizando-a de acordo com a 
sua compreensão da teoria da história e a insere no contexto da didática da 
história. Fazer com que os seres humanos sejam humanizados por meio do 
ensino de história, ou seja, que o aprendizado histórico possibilite o 
desenvolvimento da capacidade de fazer indivíduos reconhecerem 
reciprocamente o valor intrínseco da vida e da dignidade humana, a partir do 
reconhecimento do outro – até mesmo e principalmente quando o outro for 
proveniente de etnias, nações, religiões ou convicções políticas diversas – é o 
grande mote utópico que pode nortear os esforços na construção de uma 
educação histórica significativa para os sujeitos nela envolvidos. 
Na obra “O Humanismo na era da globalização” Rüsen apresenta o 
conceito afirmando que: “o humanismo tem de ser compreendido e desenvolvido 
como um elemento mental e espiritual dentro dos confins dos âmbitos da vida 
social concreta.” (RÜSEN; KOZLAREK, 2009, p.14). Ou seja, a ideia de novo 
humanismo pertencente a uma intrincada construção teórica, deve ser 
reconhecida em contato com a materialidade que a vida social apresenta. Sua 
proposta é mais do que a constituição de um ethos direcionado para determinada 
cultura ou povo, mas intenciona a realocação do foco no pensar e atuar histórico 
dos seres humanos como comunidade múltipla que partilha da mesma essência. 
A globalização e a sua consequente aproximação virtual e geográfica de 
culturas diferentes, muitas vezes ocorrida de maneira conflituosa, evoca-nos a 
questionamentos humanitários em face de genocídios e atentados contra a vida. 
A História como ciência possui uma contribuição na constituição de mecanismos 
de compreensão desta realidade. Segundo o autor: 
 
 
A resposta deverá dar-se em forma de um ‘novo’ humanismo que 
entrelace percepções antropológicas relacionando-as com a 
fragilidade e a falibilidade da vida humana, com o desenvolvimento de 
novas categorias de interpretação histórica, de tal forma que consiga 
acentuar o impacto que o sofrimento tem em potencial e o 
desenvolvimento humano, mudando por sua vez os critérios da 
 
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interpretação histórica tradicional para novos conceitos muito mais 
frutíferos. (RÜSEN; KOZLAREK, 2009, p. 24) 
 
O conceito de humanismo de Jörn Rüsen é apresentado como ‘novo’ pois 
possui a intenção de demonstrar que não se trata simplesmente da retomada 
dos valores de outros humanismos ocidentais. O autor almeja não apenas 
valorizar conquistas humanitárias dos últimos períodos históricos como também 
superá-las em vista da construção de um mundo mais igualitário. A definição 
objetiva do novo humanismo de Rüsen foi descrita como: 
 
Um recurso fundamental e uma referência para a natureza cultural dos 
homens na orientação da vida humana e um alinhamento desta 
orientação com o princípio da dignidade humana. Suas dimensões 
empírica e normativa são ambas universais. O novo humanismo inclui 
a unidade da humanidade e também sua manifestação na variabilidade 
e mutabilidade das formas culturais de vida. Ele temporaliza a 
humanidade em um conceito abrangente da história universalem que 
cada singular forma de vida em sua individualidade é 
hermeneuticamente reconhecida. Politicamente ele baseia a 
legitimidade da dominação e poder dos direitos humanos fundamentais 
e civis. Ele compreende a subjetividade humana como um processo de 
autoformação de acordo com a dignidade humana inerente a todos os 
seres humanos no espaço e no tempo. (RÜSEN, 2015, p. 25) 
 
A afirmação deste Novo Humanismo vincula-se à compreensão 
racionalista de cultura e de relacionamento intercultural, pois, como vimos, a 
Educação Histórica com base na teoria da consciência histórica pressupõe que 
todos os seres humanos partilham características culturais semelhantes. A 
comunicação entre culturas se daria a partir de elementos comuns e do princípio 
de dignidade inerente a todos seres humanos. Estes pontos em comum entre as 
pessoas de qualquer cultura são denominados Universais Antropológicos. 
 
TEMA 4: UNIVERSAIS ANTROPOLÓGICOS 
O Humanismo de Rüsen é sustentado no âmbito da cultura pelos 
Universais Antropológicos, especificamente das investigações de Christoph 
 
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Antweiler. O conceito de “Universais” é utilizado de acordo com a definição de 
Brown: “Universais, universais culturais, universais humanos, são elementos ou 
fenômenos encontrados regularmente em todas ou quase todas sociedades 
conhecidas” (BROWN, 1991). 
Deve-se distinguir, contudo, a universalidade do comportamento cultural 
de tendências biológicas ou genéticas. Não é pelo fato de que determinado tipo 
de comportamento se repita na espécie humana, em todas as sociedades, que 
ele deva ser considerado automaticamente natural ou biológico. 
As culturas não se diferem entre si somente pela presença ou ausência 
de determinada característica, mas também pela forma de tratamento e 
valoração que atribuem a diferentes características. Ao fim, todas as culturas 
partilham um número elevado de características comuns, presentes de formas 
diferentes em cada uma delas. 
Antweiler propõe a observação de uma lista interessante de Universais 
Antropológicos que podem ser úteis em definições e investigações do Novo 
Humanismo. A lista, a seguir, fornece comportamentos que não só estariam 
presentes em todas as culturas, bem como seriam responsáveis pelas 
características de um humanismo inclusivo. 
 Tal lista é aberta e não possui pretensão de contemplar todos os 
universais, mas já nos fornece uma ampla noção da variedade de temas e 
aspectos presentes em todas as culturas, que podem servir como ferramentas 
de análise antropológica e como facilitadoras da comunicação intercultural. 
Os universais antropológicos se afastam do relativismo radical por esta 
corrente não achar relevante os pontos comuns entre diferentes culturas. Por 
outro lado, difere-se também de concepções absolutistas (como as biológicas e 
até mesmo filosóficas que discorrem sobre a natureza humana), que não tomam 
as diferenças de culturas específicas como relevantes no estabelecimento de um 
humanismo inclusivo. 
 
 
 
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TEMA 5: COMUNICAÇÃO INTERCULTURAL 
A ancoragem teórica nos universais antropológicos permite fundamentar 
uma proposta de Novo Humanismo que não recaia, novamente, no 
etnocentrismo. Para isso, os pontos comuns entre as culturas devem ser usados 
como pontes respeitosas de abordagem, conhecimento e comunicação. No 
encontro com o diferente, não se deve estabelecer tentativas de convencimento 
ou diminuição dos elementos culturais uns dos outros. 
É o que Leonardo Boff afirma sobre tolerância ativa: “a atitude de quem 
positivamente convive com o outro por que tem respeito por ele e aceita a riqueza 
multifacetada da realidade. Consegue ver dimensões que sem o diferente jamais 
veria, entrevê possibilidades de condivisão e parceria e assim de se enriquecer 
mediante o contato e a troca.” (BOFF, 2006, p. 82). Esta tolerância é desejada 
em casos de encontro de culturas, seja entre países diferentes ou mesmo dentro 
de um país que apresente culturas variadas, como o Brasil, 
Em 2012, Jörn Rüsen, Stefan Reichmuth e Aladdin Sarhan publicaram 
uma compilação de artigos focados na relação do humanismo com a cultura 
muçulmana. Os três autores assinam um artigo introdutório ao livro, publicado 
em inglês no Taiwan e em português (SCHMIDT, 2015) o LAPEDUH. O texto 
reforça os elementos da urgência de um humanismo intercultural e a defesa do 
princípio de dignidade de Kant – no qual as pessoas não devem viver em função 
de outras a não ser de si mesmas. 
Neste artigo são expostas estratégias de comunicação intercultural 
válidas universalmente, inclusive como referência no trabalho de grupos étnicos, 
religiosos e culturais diferentes. Os autores estruturam objetivamente sete 
elementos que podem constituir a base de uma comunicação intercultural 
pautada pelo Novo Humanismo (REICHMUTH; RÜSEN; SARHAN, 2012, p. 13): 
 1 – Conceito universal de humanidade. O humanismo é postulado como 
oposição mais abrangente ao etnocentrismo; 
2 – Centralidade no Ser Humano – Antropocentrismo. Consideração do 
papel central da humanidade no cosmos, a partir de um humanismo secular. 
 
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3 – Dignidade Humana como valor básico da orientação cultural. 
A qualidade de dignidade dos homens e mulheres, como ponto fundamental 
de debate. 
4 – Igualdade de todos os seres humanos em respeito à sua dignidade 
essencial. A busca de equidade e justiça a partir deste elemento paira como 
questão urgente e ainda insolúvel. 
5 – Referência fundamental à responsabilidade e alteridade na existência 
humana. A dignidade humana e a liberdade sendo significadas a partir da relação 
com o outro, superando uma ética individualista. 
6 - Individualidade e responsabilidade social. O equilíbrio entre o respeito 
às dimensões sociais da vida humana e a defesa dos direitos de cada indivíduo 
perante a coletividade. 
7 – Humanidade e Transcendência. Todas as referências de formas 
culturais que se projetam além das circunstâncias e condições dadas na vida 
cotidiana. Arte, Religião e Filosofia como exemplos. 
Como podemos nos apropriar destas ferramentas no trabalho educativo? 
O Brasil, em sua dimensão geográfica e pluralidade cultural, ainda apresenta 
conflitos de ordem cultural, étnica e religiosa cotidianamente. O conceito 
universal de humanidade (ponto 1) é traduzido pelo valor único e igualdade de 
direitos de todos os cidadãos. Sem diferenciações que oportunizem privilégios 
ou supremacia na relação de poder. A centralidade no ser humano (ponto 2) 
equivale aos valores racionalistas e seculares que constituem a República e 
deveriam prevalecer nas normatizações coletivas, respeitando a diversidade e 
não adotando uma ou outra denominação religiosa como orientação velada. A 
dignidade humana (ponto 3) compreendida como critério universal e inalienável 
de justiça (ponto 4), respeitando as diferenças, porém igualando a todos em 
direitos. É a definição de equidade. A saída de si e o olhar atento às 
necessidades do outro (ponto 5), superando o egoísmo e constituindo a ética 
social. O equilíbrio entre o coletivo e o individual (ponto 6) é fundamental nas 
lutas históricas de grupos oprimidos, nas quais os direitos de indivíduos não 
podem se sobrepor às necessidades da coletividade. O último aspecto (ponto 7) 
 
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aponta para dimensões além da racionalidade, na transcendência artística ou 
espiritual em sentido amplo, que devem ser acolhidas e valorizadas, buscando 
o reconhecimento e o respeito às suas diferentes formas de representação. 
 
SÍNTESE 
O desafio da interculturalidade nos levou a buscar sustentação teórica nas 
discussões mais recentes da Antropologia e da Educação Histórica que se 
influenciam mutuamente. Percebe-se que não há explicação simples e prática 
para o entendimento de questões do presente, o que nos exige retrospecção ao 
passado e a definição da maneira pela qual a cultura do presente é observada 
emrelação às demais. 
Apresentou-se algumas propostas teóricas que podem ser chaves para a 
didática escolar da diferença cultural. O Novo Humanismo, referenciado na 
Teoria da História e os Universais Antropológicos. Ambas sugerem mecanismos 
de comunicação intercultural, explanados brevemente. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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REFERÊNCIAS 
ANTWEILER, C. Pan – Cultural Universals – A foundation for an inclusive 
humanism. In.: RÜSEN, J. (org.) Approaching Humankind: Towards an 
Intercultural Humanism. Goettingen: V&R Unipress, 2013. 
 
 
BOFF, L. Virtudes Para um Outro Mundo Possível. v. 2. Convivência, respeito 
e tolerância. Petrópolis: Ed. Vozes, 2006. 
 
 
 
FREITAS, F.S. A Diversidade Cultural como Prática na Educação. Curitiba: 
IBPEX, 2011. 
 
 
OLIVEIRA, T. D. de. A Relação ensino e Aprendizagem como Práxis: A 
Educação Histórica e a Formação de Professores. Dissertação de mestrado, 
Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil. 2012. 
 
 
SCHIMIDT, M. A. O Significado do Passado na Aprendizagem e na Formação 
da Consciência Histórica de Jovens Alunos. In: CAINELLI, M.; SCHMIDT, M. A. 
(orgs.) Educação Histórica: Teoria e Pesquisa. Ijuí: Ed. Unijuí, 2011. p.81-90. 
RÜSEN, J.; KOZLAREK, O. Humanismo en la era de la globalizacíon. Buenos 
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RÜSEN, J. Experiência, Interpretação, Orientação: As três dimensões da 
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Rüsen e o Ensino de História. Curitiba: Editora UFPR, 2010, p. 79-91. 
 
RÜSEN, J. Formando a Consciência Histórica – para uma Didática Humanista 
da História. In: SCHMIDT, M.A. et al. Humanismo e Didática da História. 
Curitiba: W.A. Editores, 2015. 
 
REICHMUTH, S.; RÜSEN, J.; SARHAN, A. Humanism and Muslin Culture: 
Historical heritage and contemporary challenges. Göttingen, Vandenhoeck & 
Ruprecht, 2012. 
 
 
SCHMIDT, M.A. et al (orgs) Humanismo e Didática da História. Curitiba: WA 
Editores, 2015. 
 
 
 
15 
 
 
Texto obrigatório 
 
Abordagem teórica 
 
Entrevista – Jörn Rüsen Algumas ideias sobre a interseção da meta-história e da 
didática da história Marília Gago* Entrevista realizada por e-mail, dias 1, 2 e 28 
de março de 2016. Tradução: Tradioma, Porto, Portugal 
Disponível em: 
<https://rhhj.anpuh.org/RHHJ/article/view/245/163>. 
 
 
Abordagem Prática 
 
RÜSEN, J. Formando a Consciência histórica – para uma didática humanista da 
História. In: SCHMIDT, M.A. et al. (orgs.) Humanismo e Didática da História. 
Curitiba: WA Editores, 2015. p.19-42; 
 
 
Saiba Mais 
 
- Jörn Rüsen, Temporalizando a Humanidade -- O Humanismo no Pensamento 
Histórico. Disponível em: 
<https://www.youtube.com/watch?v=qLCQxm3B7L4>.

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