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1 PENAS ALTERNATIVAS: APLICABILIDADE – SISTEMA PRISIONAL ALCANCES E LIMITES NA REALIDADE BRASILEIRA Ana Maria Augusta dos Santos¹ Lucilene Mol Roberto² RESUMO Essa prática investigativa realizou um estudo exploratório, que propõe refletir sobre a temática das penas alternativas a partir de uma contextualização do sistema prisional brasileiro, suas precariedades e seus reflexos na sociedade como um todo. O estudo retrata ainda, a aplicação das alternativas penais, como uma possibilidade de uma intervenção diferenciada no âmbito das execuções penais. Palavras-chave: Ressignificação, Reflexão, Pena Alternativa e Criminalidade. _______________ ¹Graduada em Serviços pela PUC Minas, com Especialização em Intervenção Psicossocial no Contexto das Políticas Públicas pelo Centro Universitário UNA- BH. Atuou como Assistente Social da Casa de Passagem da Secretária Municipal de Desenvolvimento Social de Santa Luzia. Atualmente trabalha como Técnica Social do Programa Fica Vivo! no Aglomerado da Serra. ² Graduada em Serviços pela PUC Minas. Atualmente trabalha como Técnica Social do Programa CEAPA. 1. INTRODUÇÃO O artigo em questão tem como fundamento a temática “Penas Alternativas: Aplicabilidade – Sistema Prisional, Alcances e Limites da Realidade Brasileira”. Tal processo de investigação e reflexão surgiu de interesses pessoais em trabalhar este tema, visto que o assunto tem sido pouco abordado, além da possibilidade de novas percepções acerca dos resultados na execução das Penas e Medidas Alternativas no contexto brasileiro. Para compreendermos a ampliação do modelo de Penas Alternativas é importante destacar que, a prisão, em seu nascimento surge como uma medida ressocializadora para a humanidade, fazendo com que aqueles, que não cumprissem minimamente as regras estabelecidas pelo contrato social, fossem retirados do convívio social até que estivessem prontos para voltar a viver sociedade. O tratamento oferecido pelo sistema carcerário aos condenados é em sua maioria inadequado, pois os resultados obtidos através da privação da liberdade não são os esperados pela sociedade. Esse ambiente permite a estes cidadãos a sujeição na intimidade da prisão, a maus tratos, corrupção e perda vagarosa de suas aptidões para o trabalho, além de carregarem o estigma que a sociedade impõe, definindo-os como "ex-presidiários". Tal convivência, naturalmente, afeta a subjetividade daquele que a priori era passível de recuperação, como também facilita o surgimento nas prisões de organizações criminosas. Nesse sentido, há uma falência explicita do sistema prisional, produzindo então um fomento para a criação das penas alternativas, com o intuito de trazer novamente à tona, o papel resignificador das penas aplicadas aos sentenciados. O surgimento das penas alternativas está fundamentado no principio de que os sujeitos podem ter seus direitos restritos no meio em que convivem, podendo ser responsabilizados pelo ato cometido, e ao mesmo tempo resignificar suas práticas em liberdade, no contexto de sua trajetória. A responsabilidade é o principio da aplicação das penas alternativas, pois esta abrange simultaneamente a reflexão sobre o ocorrido, mas na perspectiva de convivência social combinado com o padrão civilizatório democrático adotado. A política de penas alternativas é uma sanção realizada pelo Estado ao autor de um delito, buscando aprimorar-se para um bem maior a sociedade junto ao infrator. Além de considerá-lo como sujeito de sua própria mudança, dentro da complexidade das relações sociais em sociedade. O papel das penas alternativas é fomentar a responsabilização e a participação do usuário no contexto reflexivo/ativo em predomínio ao princípio da punição, uma vez que no sistema prisional vigente, prevalece à punição sobre outras possibilidades de intervenção. Todavia é importante ressaltar o caráter reflexivo das penas alternativas. Essa política é apresentada como uma alternativa de desafogamento do sistema carcerário brasileiro para delitos de menor potencial ofensivo. Além de contribuir com a redução da criminalidade e com a não reincidência de crimes praticados, possibilita, sobretudo, a maior participação do usuário neste processo. A política de penas alternativas conta para sua plena efetivação com a parceria de instituições, as quais possuem papel primordial no processo de resignificação do sujeito beneficiário. Essa tem como intuito a possibilidade de contribuir para um maior envolvimento do usuário em seu contexto societário. As penas alternativas surgem, então, como um novo modelo de intervenção entre o sentenciado e a própria lei. Possibilita uma responsabilização mais humanizada na execução penal, implicando o sujeito em todo o processo, focalizando a pessoa que cometeu o delito e não seu crime. A pena alternativa determina como finalidade a reflexão enquanto possibilidade, a fim de sensibilizar o transgressor a respeito de novas perspectivas, na tentativa de prevenir a reincidência, fomentando novas participações e implicações para o sujeito. 2. REALIDADE DO SISTEMA PRISIONAL E AS POLÍTICAS DE ALTERNATIVAS PENAIS A PRISÃO 2.1 – Contextualização da realidade do sistema prisional No livro “Prisões Abertas” de Medeiros (1985), o autor aponta a partir de experiências de trabalho em alguns presídios no Brasil, a importância de mudanças urgentes no sistema penitenciário vigente, pois acredita que as instituições carcerárias se tornaram escolas do crime. Nesse sentido, ele faz apresentações de situações vivenciadas nesse ambiente, apontando as precariedades existentes descrevendo alternativas ao sistema carcerário. Investiga o cotidiano dos presos, apresenta como as instituições não conseguem garantir os direitos mínimos de cidadãos. Relata as experiências em países da Europa e América do Norte, que iniciaram com o processo das prisões abertas, as quais eram reservadas aos presos considerados não perigosos. O autor indica essa mudança como uma alternativa para a ressocialização e humanização do regime. Dessa maneira, exemplifica como uma das alternativas, as prisões albergues, onde o sentenciado pode trabalhar durante o dia. Trabalho este, realizado fora do presídio, sem vigilância policial e com remuneração, mas no final de suas atividades o indivíduo tem que retornar ao presídio. No livro “Direito Penal de Emergência e Alternativas à Prisão”, de Leonardo Sica (2002), o autor descreve os processos de penalização, a partir do contrato social, onde as práticas que velam pelo bem-estar assumem uma postura rígida diante dos comportamentos desviantes, até mesmo, a utilização das penas como método de controle social punitivo, beneficiando a classe dominante.·. Relata e propõe uma análise histórica, onde a pena aflitiva tem um caráter de vingança privada à vingança pública, contextualizando o embate travado historicamente entre a população nobre que ante uma situação diferenciada do tradicional constituído, vem criticar, penalizar e reprimir atitudes advindas dos submissos, em represália ao instituído, agindo de maneira a contrariar a norma. Neste contexto, a prisão é colocada como uma “alternativa” a esse comportamento desviante e, significa uma ação central do sistema punitivo. Atualmente a prisão é bastante utilizada como uma uniformidade para a questão penal, mas no seu bojo não retrata uma manifestação de recuperação, de responsabilização do ato, mas sim um espaço desumano, revoltante. E, além de tudo, reprodutor desta atitude considerada como desviante ao sistema. Há de um lado a “necessidade” de punir e, do outro, a propostade resignificação e responsabilização, que é esquecida diante desse panorama de segregação e dessocialização, não visível, ou até mesmo camuflada. Sica (2002) aborda ainda, a temática do simbolismo, da função ilusória da pena, além da emergência do direito penal, já que a criminalidade toma uma relevância, uma abrangência tão grande, que forma um medo social, fazendo da pena uma solução emergencial. Agora com uma definição com finalidades mais justificáveis, os fins da pena ganham maior legitimidade, diminuindo a questão da seletividade, superando a filosofia do castigo e reforçando o caráter reflexivo. Nas conclusões, Sica (2002) analisa os projetos e as leis que vêm tentar superar o quadro emergencial da criminalidade. Ressalta a questão de uma reforma penal ideal, onde a harmonia encontre alternativas eficazes ao sistema punitivo, levando a uma tomada de responsabilização do autor do fato, e que este possa na maioria das vezes, não resultar na reincidência do crime. Mas, enquanto isso não é possível, que pelo menos ocorra uma discussão sobre uma nova racionalidade penal. “A questão penitenciária”, de Augusto F. G. Thompson, realça a importância para o embasamento deste artigo. Thompson (1976) descreve a realidade das prisões brasileiras a partir de uma ótica diferenciada. Como trabalhador do sistema penitenciário brasileiro vivenciou durante muito tempo a dinâmica prisional. A princípio, o autor descreve sobre a sobrecarga destas instituições que, por consequência da constante demanda de vagas, pode vir a desenvolver um ciclo, onde os sujeitos que passam pelas prisões, depois de vivenciar tal realidade, são com frequência despejados no contexto social, estimulados e sujeitados a prática da reincidência criminal. Reflete sobre a difícil tarefa de se estabelecer uma reforma no sistema carcerário do Brasil. Neste sentido o maior e mais árduo trabalho seria, então, desenvolver capacidade e espaço para absorção desta demanda, que não pode se opor ou restringir as atividades dos Tribunais de Justiça. Atualmente, o sistema penitenciário não consegue desenvolver resultados positivos com os internos, já que seu espaço na maioria das vezes consiste em um ambiente promiscuo, ocioso, perverso, corrompido e de tratamento desumanizado, incapaz de propiciar atividades voltadas à recuperação ou sensibilização do sujeito que cometeu um ato infracional. O autor aponta que nesta perspectiva, que os fins destinados à prisão dissertam sobre a punição do autor do delito, realçando a prevenção de posteriores infrações e, a regeneração/ressocialização deste sujeito nesta realidade complexa. Desta forma a idéia de reabilitação do interno é esquecida frente a constantes implicações de procedimentos coletivos no contexto do cárcere. Não existe uma harmonia entre punição e tratamento, mas sim uma sobreposição da prática do castigo à ideologia de reintegração deste. Tornando desta maneira impossível, uma articulação ou coerência destas ações tão antagônicas entre si. Thompson (1976) defende a idéia de que o cárcere é um sistema social de convivência. Este consiste em uma instituição, na qual um grupo determinado de pessoas expostas a uma nova realidade vão estabelecer um regime interno de convivências, capaz de ordenar todas as ações que naquele espaço serão legitimadas. Reconhecendo ou não as normas já estabelecidas na instituição, estes indivíduos irão posicionar-se enquanto uma hierarquia e um sistema de poder estruturado. O autor aponta que, estar contido em um regime de poderes tão bem estabelecidos como o sistema prisional, aponta a hipótese de que não é somente a solidão destes detentos que os trás angústias, mas também há um constrangimento no que se refere à convivência em massa. Mesmo que no contexto de aprisionamento não exista de fato uma transformação positiva ou negativa do sujeito que nele está inserido, este sempre sofre influências do meio. Thompson levanta ainda, que questões como a submissão a papéis inferiores, o desenvolvimento de novos hábitos e de um linguajar local, acarretam em mais um ponto de estigmatização e exclusão por parte da sociedade como um todo. E que, ainda que este sujeito não tenha introjetado à criminalidade de fato, será tipificado como participante do sistema prisional, voltando a ser objeto de pré conceitos, sofrendo a totalidade dos efeitos do aprisionamento. A impossibilidade de um tratamento coerente individualizado dentro do sistema prisional dificulta a responsabilização deste sujeito penalizado, que não tendo identificado o sentido verdadeiro da punição, desacredita e deslegitima este sistema de “justiça”. O autor relata ainda, que o detento percebe somente as metas da prisão relacionadas ao impedimento de fugas e manutenção da ordem interna, sem vislumbrar o plano da recuperação e ressocialização. Descreve como outra grande dificuldade de sucesso do sistema penitenciário, o papel dos agentes penitenciários. Estes possuem sempre uma capacitação reduzida e, consequentemente pisos salariais desmotivante. A falta de orientações, condições inadequadas ao exercício profissional e a pressão psicológica do ambiente, limitam a atuação destes profissionais há apenas uma ação de repressão dos presos, deixando para o plano inferior o caráter resignificativo da punição. Além disso, as constantes ameaças sofridas por estes agentes e a ocorrência de desordens internas vão estabelecer um risco constante, levando-os até mesmo às agressões e também à morte. Neste sentido cabe a eles somente a manutenção da passividade local sem qualquer interesse com relação ao passado ou futuro criminal daqueles que são por eles observados, dependendo também da cooperação dos internos. Como relação aos técnicos que atuam no sistema, Thompson (1976) realiza uma análise acerca das dificuldades de atuação dentro do sistema prisional. Nesse sentido ele discorda da hipótese reformista que julga ser o número insuficiente destes profissionais, o fator principal da dificuldade em realizar os efeitos terapêuticos ou resignificantes da punição. O autor descreve que o número destes profissionais é sim um dificultador, mas não estabelece como a causa principal deste fracasso. A princípio, não se sabe qual seria o número ideal de funcionários necessários para abarcar toda a demanda de trabalho. Por ser de qualificação superior, há também um montante de recursos a ser investido, o que dificulta em boa parte, a contratação de novos profissionais especializados. Além disso, existe uma imensa dificuldade em se estabelecer plenamente um trabalho significativo para os detentos dentro do cárcere e diante da situação de privação da liberdade. Subordinados a essa política hierarquizada e conflitante, desmotivados pela demanda e as condições de trabalho e conscientes da ineficiência de muitas ações, o autor aponta que os técnicos vão muitas vezes ao encontro do comodismo e da realização de tarefas puramente burocráticas, desestimulados a execução do trabalho subjetivo e minimizador dos sofrimentos do cárcere. Mergulhados no contexto de exclusão e submetidos ao aprisionamento sem um acompanhamento necessário, os detentos, de acordo com o autor, perdem boa parte de sua identidade e de seus significados, além do direito a sua intimidade, ao exercício da sua individualidade, estabelecendo um conceito de si como um “resto” que não coube à sociedade. Retrata que a impossibilidade de obter recursos, tomar decisões, de prover seu sustento, de ser responsável, de fazer escolhas, traz ao preso à idéia de castração. Em casos de abuso, a denúncia muitas vezes não pode ser feita, a resistência é dificilmente conseguida e o que lheresta é somente a submissão à violência, ao abuso e à humilhação. Nesse sentido Thompson afirma que a prisão deve ser encarada como um espaço somente de exigências relacionadas à segurança e a disciplina e, repensada enquanto uma instituição de caráter reformativo. Pois a ilusão de que ela possa ser um ambiente de punição e reforma não trás benefícios e muito menos solução a esse problema tão alarmante. 2.1.1 – Poder do sistema prisional Foucault (1987) em seu livro “Vigiar e Punir” apresenta a evolução da legislação penal e os métodos punitivos dos últimos séculos. Descreve as transformações nos modelos de punição dos criminosos, dos suplícios até o surgimento do sistema prisional do século XXI. Evidencia que, inicialmente, as penas aplicáveis aos criminosos tinham caráter aflitivo, eram impostas sobre o corpo do condenado, predominando, as sanções corporais e capitais. Passa, então, por períodos intermediários: decadência das penas corporais, extinção, em alguns países, da própria pena de morte, surgimento da pena privativa de liberdade até chegarmos ao momento em que predomina esta espécie de sanção penal. Duas formas de poder são apresentadas à luz do direito penal: nos regimes absolutistas, é delineado um poder que se exercia e se reafirmava por meio do severo exercício da punição; no mundo emergente pós-revolução francesa, vemos à caracterização daquilo que Foucault chama de sociedade disciplinar, uma modalidade de poder que perduraria até nossos dias e que tem como viés em relação ao direito penal, a preocupação com o vigiar e disciplinar. No livro, o autor aponta a questão do poder como um instrumento de análise capaz de explicar a produção de saberes. O indivíduo é fixado dentro do sistema de produção, construindo sua visão de mundo dentro das normas e saberes constituídos. Opera-se uma inclusão por exclusão. O sistema punitivo seria um sistema que fomentaria o sistema de produção capitalista, cujas formas de punição estabelecem o poder sobre o corpo do indivíduo. As relações de saber e de controle do sistema punitivo, torna-se estratégia das classes dominantes para produzir a alma, como prisão do corpo do condenado. Foucault relata que a prisão ao gerar o isolamento, possibilitaria que o sujeito refletisse sobre seu ato e livrá-lo dos efeitos externos que o levaram ao cometer o delito. As penas ao serem cumpridas deveriam corresponder ao tempo necessário para a reinserção na sociedade, não possuindo somente o caráter retributivo do delito cometido. A prisão fundamenta-se, primeiramente, no fato de que a liberdade é um bem pertencente a todos e da mesma maneira, logo, a sua privação teria um “preço” equivalente, sendo um castigo igualitário. Como complemento a sua base de fundamentação, a prisão tem o papel de transformar o indivíduo, impondo-lhe disciplina. Um dos responsáveis por essa transformação é o trabalho prisional, cujo sentido não estaria ligado à aprendizagem de um ofício, mas a noção própria de virtude do trabalho, dando aos indivíduos a forma ideal do trabalhador. O trabalho prisional não seria “nem uma adição nem um corretivo ao regime de detenção”, ele teria uma função diferente da punição. Como bem destaca, sob o prisma da socialização a punição não visa "apagar um crime", mas sim "transformar um culpado" por meio de uma "técnica corretiva" que o torne "dócil" aos fins sociais a que se destina. Foucault relata que a prisão, onde gerava o isolamento, possibilitaria que o sujeito refletisse sobre seu ato e livrá-lo dos efeitos externos que o levaram ao cometer o delito. O autor aponta a prisão como necessária à sociedade, mesmo tendo se tornado um ambiente perigoso ao invés de útil e essencial. Vale lembrar que o autor traz o conceito de disciplina ou técnicas de controle e sujeição dos corpos com o fim de tornar o indivíduo dócil e útil, acreditando-se que o pior dos presos deveria ser respeitado, mesmo quando punido. A humanidade deveria enxergá-lo como um cidadão, pois o homem, que foi descoberto como criminoso, torna-se alvo da intervenção penal, sendo o objeto que pretende corrigir e transformar. Goffman (1961) aborda em seu livro as questões das instituições como locais onde há um elevado número de indivíduos em circunstância semelhantes tornando-se isolados do restante da sociedade por um determinado tempo. Neste sentido, o autor dá ênfase às instituições totais e fechadas. De acordo com o autor, as instituições fechadas são como barreiras à sociedade. As suas grades, portas fechadas, muros, paredes altas tem o intuito de isolar o internado para além dos seus limites. O presídio é considerado uma instituição fechada, na qual é organizado para proteger a sociedade de indivíduos que geram perigo. As instituições totais rompem os papéis do internado com o mundo exterior, resultando num retorno com extensas barreiras, não conseguindo reestruturar e dar sentido pelo Eu do ex-internado, colocando-lhe num processo doloroso. Aponta que os presos não perdem somente sua liberdade, mas alguns direito de cidadão como votar, trabalhar, tirar fotografia, adoção e, consequentemente terão alguns direitos negados permanentemente. Os internados submetidos às instituições totais, segundo Goffman (1961) sofrem uma violação do Eu, onde dos sujeitos ao entrarem na instituição, são retirados suas roupas, seus objetos, seu visual. Os indivíduos são padronizados com os princípios da instituição. Os internados tendem a constituir táticas de resistências, de forma a preservar o Eu individual. Denomina estas estratégias de ajustamento primário ou secundário. Enquanto que as primeiras desenvolvem-se quando o indivíduo colabora com as normas institucionais, tornando-se um colaborador. Já a segunda estratégia, consiste em quebras e a não adesão às normas. Goffman salienta que só se pode explorar eficazmente um sistema quando o conhece profundamente. Assim, os internados há mais tempo nas instituições, eram os melhores que desenvolviam os ajustamentos secundários e que melhor quebravam as regras. 2.2 – Política de penas alternativas a prisão Até o século XIX, poucas eram as argumentações a cerca do cumprimento de penas sem o contexto da privação de liberdade. Todavia, a Organização das Nações Unidas (ONU), na década de cinqüenta, demonstrava uma preocupação relevante com o tema. Mas, foi somente em 1990 que a Assembléia Geral da ONU acatou a Resolução 45/110, na qual são estabelecidas as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Elaboração de Medidas não Privativas de Liberdade (Regras de Tóquio). As penas alternativas eram pouco aplicadas no Brasil, embora previstas na Lei de Execução Penal (Lei nº 7.910, de 1984), devido à dificuldade do Poder Judiciário e do Ministério Público na fiscalização do seu cumprimento e a sensação de impunidade que a sociedade apresentava em relação às estas medidas. É nesse panorama, que se insere o processo de responsabilização e reflexão do indivíduo em condições de privação da liberdade, apresentando-se como um dos principais focos de preocupação, tanto das esferas governamentais como da sociedade de uma forma geral. Fomentando e desenvolvendo as possibilidades de medidas e penas alternativas à prisão. Neste sentido, pensar a punição estatal dissociada de seu fim reflexivo, representava uma traição ao objetivo maior dado à pena, que consiste na reforma do comportamento desviante do transgressor, a fim de propiciar e potencializar seu posterior retorno ao convívio social. No que tange ao processo resignificante da pena, esta busca atribuir à sua execução uma mesma função primordial: a de responsabilização e reflexão do sujeito que cometeuo delito. O aspecto positivo da proposição e aplicação de programas e projetos nesta perspectiva, não está unicamente na sensibilização e no reconhecimento por parte dos usuários acerca do objetivo da punição, mas, sobretudo, na mentalidade dos que se colocam prontos a contribuir para possíveis processos de mudança destes sujeitos. Diante de um cenário de aumento global da criminalidade e do fracasso dos diversos sistemas punitivos em preveni-la, foram elaboradas as “Regras de Tóquio”, editadas no início da década de 90, como citada anteriormente. As “Regras de Tóquio” constituem um conjunto de princípios básicos para promover o emprego de medidas não privativas de liberdade, assim como garantias básicas para as pessoas submetidas às medidas substitutivas à prisão, garantindo a participação da comunidade, fortalecendo os vínculos comunitários, além de ser uma oportunidade para que a comunidade contribua para a proteção de todos. Impulsionados pela tendência mundial contemporânea, além da observância de uma falência do sistema prisional vigente, o Brasil encontrava-se na emergência para adoção da aplicação das Penas e Medidas Alternativas. O retorno dos sujeitos encaminhados ao sistema prisional, muitas vezes não retratava o sucesso da intervenção, destacando a ineficácia da instituição que, tornou-se um ambiente, no qual são altos os gastos na manutenção, justificando novos aumentos de recursos investidos na segurança. O modelo da pena restritiva de liberdade apresenta como conseqüência principal a intimidação aos infratores, sem preocupar-se com o sujeito condenado. Já a pena alternativa sugere um maior acompanhamento do usuário, trabalhando na minimização dos fatores de risco e vulnerabilidades, potencializando fatores de proteção e otimizando processos de sensibilização na trajetória do sujeito. 2.3 – O assistente social na política de penas alternativas Carvalho e Mendes (2009), em artigo apresentado no Simpósio Mineiro de Assistentes Sociais, dissertam sobre a importância das penas alternativas e o papel de relevância dos assistentes sociais na efetivação dessa política, visto que a sociedade se encontra num momento de auge da violência, aonde o combate a esta, vai além de reclusão. No referido artigo, apresenta-se a construção da política de penas e medidas alternativas, as leis que a colocaram em vigor, além da definição do público beneficiado e os tipos de penas. Neste sentido é destacada a importância da reflexão/responsabilização para os indivíduos que cometeram delitos de menor potencial ofensivo, sendo o sistema prisional, a última opção a ser estabelecida, somente nos casos onde as penas alternativas de fato não se adequarem. As autoras relatam ainda que, no ano de 2006, a Central de Apoio e Acompanhamento das Penas e Medidas Alternativas (CEAPA) iniciou a aplicação de grupos reflexivos temáticos como uma medida alternativa à prisão. A medida foi realizada com beneficiários, que praticaram delitos de violência contra a mulher e, também delitos de trânsito, com grupos distintos, tendo como perspectiva gerar uma reflexão humanizada acerca dos seus atos. Dessa forma, é importante ressaltar o papel da rede social que foi a todo o momento acionada na busca de parceiras para o pleno êxito do cumprimento das penas e medidas alternativas a prisão. Tudo isso, além da essencial atuação do Serviço Social para a concretização desta política através de acompanhamentos e realização de encaminhamentos necessários às instituições, aos usuários e à família, na garantia plena dos seus direitos. Robson Sávio (2006), no artigo “O Serviço Social na Prevenção à Criminalidade: Relato de Experiências” apresenta os projetos de prevenção à criminalidade por meio de vivências de estagiários e profissionais do Serviço Social. Questão da violência na sociedade brasileira tem tornado-se um grande dificultador na tentativa de viabilização da dignidade humana, pois atinge principalmente os indivíduos das classes sociais mais vulneráveis. Desta maneira, a construção de projetos, que contribuem para fomentar a viabilização da cidadania nos processos de sensibilização, reflexão e responsabilização, é fundamental para o sucesso nas intervenções direcionadas às Penas e Medidas Alternativas. Perspectivas estas, propostas pela CEAPA (Central de Apoio e Acompanhamento às Penas e Medidas Alternativas), onde o Serviço Social juntamente com outros profissionais acompanham diversos casos de usuários em situação de Penas e Medidas Alternativas. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS A prática investigativa realizada tem como intuito contribuir para uma maior compreensão das questões inerentes ao sistema prisional vigente no Brasil, bem como, fomentar a discussão acerca da temática das penas alternativas como uma possibilidade diferenciada e em potencial. Pode-se verificar que no contexto da execução penal brasileira foram diversas as ampliações e os avanços na aplicação de penas e medidas alternativas no Brasil. A legislação desenvolveu em muito na perspectiva das alternativas penais, mas a sociedade ainda carregada de estigmas e preconceitos referentes aos sujeitos considerados “criminosos”, ainda não legitima essa prática tida como inovadora e humanizada. Nesse sentido, o sistema prisional ainda é um grande desafio, pois consiste muitas vezes, em um ambiente desumanizado, de aplicação da punição voltada principalmente ao castigo, ao sofrimento e a minimização do sujeito que está nele inserido. Nesta perspectiva, a utilização da medida de restrição total da liberdade, tem sido aplicada de maneira excessiva, resultando em um sistema superlotado e incapaz de estabelecer de fato as ideologias de punição e ao mesmo tempo a prática de responsabilização e ressocialização deste detento. A sociedade, que diante da conjuntura sócio econômica, de concentração de riquezas, aumento das desigualdades, crescimento constante das cidades sem o acompanhamento de políticas sociais necessárias, aumento do desemprego devido à brusca modificação nas bases econômicas; silencia e acomoda-se sem imaginar os impactos e amplitude deste contexto que atinge principalmente as parcelas sociais mais desfavorecidas. Tornando assim, responsável imediata pelo aumento da criminalidade, legitimando condições e tratamentos dispensados pelo sistema prisional, impulsionada muitas vezes pelo sensacionalismo da mídia. Na busca de minimizar este cenário carcerário, que é violador contínuo dos Direitos Humanos e que retrata verdadeiramente a questão social desta sociedade tão desigual e repleta de excluídos, a aplicação de penas alternativas, tenta intervir de maneira diferenciada, no contexto de responsabilização deste sujeito, respeitando sua individualidade e explorando suas potencialidades. Nesse sentido, a atuação dos profissionais envolvidos neste processo é de fundamental importância. Pois são eles que estabelecerão um diálogo com as instâncias governamentais na busca de possibilidades de minimização dos efeitos negativos relacionados à execução penal e, que poderão contribuir de fato com a proposição de políticas de abarquem esta demanda crescente de necessidades. Além disso, um trabalho realizado de maneira qualificada com estes sujeitos pode levá-los a uma reflexão crítica e uma provável resignificação quanto às perspectivas futuras desvinculadas do crime. É importante que o acompanhamento e execução das Penas e medidas Alternativas sejam constantemente discutidos, para que não haja uma banalização desta política apontada como rica possibilidade, bem como não se torne ineficaz e desumanizada como alternativas antes pensadas, estimulando ainda, um maiorenvolvimento da sociedade nestas discussões. Neste sentido, a política de prevenção a criminalidade é por nós também ressaltada enquanto grande potência na minimização dos conflitos sociais, da criminalidade e das formas de violência como um todo. Mas é no investimento em políticas sociais básicas e na promoção plena de direitos fundamentais como saúde, educação, esporte, lazer, cultura, alimentação, habitação, que apostamos nossas fichas. É através da plena manutenção destes direitos básicos, que acreditamos que a população poderá realizar um movimento de empoderamento enquanto sujeitos de direitos, reconhecendo seus deveres e participando ativamente da sociedade. Sendo protagonista de sua própria história e, principalmente da história de uma sociedade mais justa, igualitária, mais humana e menos excludente. REFERÊNCIAS BRASIL. LEI Nº 9.714 - DE 25 DE NOVEMBRO DE 1998 - DOU DE 26/11/98 - PENAS ALTERNATIVAS - Altera dispositivos do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Fernando Henrique Cardoso. CAPALBO, Creusa. Fenomenologia e Serviço Social, In: Correntes Filosóficas e Serviço Social/CBCIS nº182, ano XVII – Cap. V, 1985. 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