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atenção a infância e adolescencia


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GIAQUETO, A. Caminhos para a atenção à infância e adolescência no Brasil: as políticas sociais e as legislações In Revista Ágora: Políticas Públicas e Serviço Social, Ano 2, nº 4, julho de 2006 - ISSN - 1807-698X. Disponível em � HYPERLINK "http://www.assistentesocial.com.br" ��http://www.assistentesocial.com.br�
CAMINHOS PARA A ATENÇÃO À INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA NO BRASIL: as políticas sociais e as legislações
Adriana Giaqueto�
Resumo: O presente artigo objetiva apresentar a evolução dos direitos da criança e do adolescente no Brasil. Através de contextualização histórica, aborda as legislações e as políticas sociais e ressalta a importância do Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual cria as condições legais para que se desencadeie uma verdadeira revolução, tanto na formulação das políticas públicas como na estrutura e funcionamento dos organismos que atuam na área. A lei 8.069/90, portanto, mais do que regulamentar as conquistas em favor das crianças e adolescentes expressas na Constituição Federal, veio promover um importante conjunto de transformações que extrapola o campo jurídico e desdobra-se em outras áreas da realidade política e social no Brasil. Trouxe, assim, mudanças de conteúdo - ao conceber a criança e o adolescente como sujeitos de direitos exigíveis com base na lei; ao considerar a criança e o adolescente como pessoas em condição peculiar de desenvolvimento; e ao reconhecer a criança e o adolescente como absoluta prioridade. Trouxe também mudanças de métodos – ao introduzir garantias processuais no relacionamento do adolescente com o sistema de administração da justiça e ao superar a visão assistencialista e paternalista. Além disso, ocorreram mudanças de gestão: a estrutura das políticas e programas passa a se sustentar em dois princípios básicos: descentralização político-adminstrativa e participação da população, por meio de suas organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis. Entretanto, a situação a que estão submetidas muitas crianças e adolescentes, ameaçados ou violados em seus direitos básicos não surge por acaso: é fruto de um estado de injustiça social que gera e agrava o pauperismo em que sobrevive a maior parte da população. Desta forma, embora tenhamos um instrumento legal para a defesa dos direitos das crianças e adolescentes, ainda existem muitas dificuldades no caminho para a efetivação dos direitos garantidos na legislação. 
Palavras-chaves: criança, adolescente, direitos
PATHWAYS TO SUPPORT CHILDHOOD AND ADOLESCENCE IN BRAZIL: social policies and legislation
Abstract: This article aims to present the evolution of child and adolescent’s rights in Brazil. Through the historic contextualization, it approaches legislation and the social policies and emphasizes the importance of the Child and Adolescent’s Code, which creates legal conditions to arouse a real revolution, either in the formulation of public policies or in the structure and functioning of the acting organisms in this area. The 8.069/90 law, which regulates childhood and adolescence’s conquests within the Federal Constitution, also allowed important transformations which overstep the Law field and spread to other areas of social and political reality in Brazil. It has brought content changes – when regarding the child and the adolescent as people with required rights based on the law; when regarding the child and the adolescent as people in peculiar development conditions; and when recognizing the child and the adolescent as an absolute priority. It has brought method changes too – when introducing processual guarantees in the relationship between the adolescent and the justice administration system and when overcoming the assistential and paternalist points of view. Besides, management changes have occurred: the policies and programs structure begins to maintain itself on two basic principles: political and administrative decentralization and the participation of the population, through their representative organizations, in the policies formulation and in the action control in all levels. However, the situation to which many threatened and rights-violated children and adolescents are submitted does not happen by chance: it is the product of a state of social injustice, which leads to and worsens the poverty in which most of the population survives. This way, although we have a legal instrument to defend children and adolescents´ rights, there are still many difficulties in the way to make real the rights guaranteed through legislation. 
Key Words: child, adolescent, rights.
CAMINHOS PARA A ATENÇÃO À INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA NO BRASIL: as políticas sociais e as legislações
Quanto mais eu caminho, mais vejo estrada.
Mas se eu não caminho eu sou é nada.
Se tenho a poeira como companheira, 
faço da poeira meu camarada.
(Geraldo Vandré e Hilton Accioli�)
A criança brasileira é, legalmente, concebida como sujeito de direitos, ou seja, como um indivíduo que exige respeito à sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, merecendo proteção especial da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público. Contudo, a situação de descaso, abandono e, exploração em que muitas delas vivem vem de longa data, desde a época do descobrimento do Brasil... Mas não precisamos voltar tanto no tempo para compreendermos as recentes mudanças.
No Brasil, os registros da preocupação social com crianças e adolescentes, os chamados “menores” carentes e abandonados, são do final do século XVIII. Eram as Santas Casas de Misericórdia, Confrarias e Irmandades que se ocupavam dos cuidados aos órfãos. Portanto, desde o princípio, o atendimento à infância dita abandonada trazia a marca da caridade e do assistencialismo ligados às entidades religiosas e filantrópicas.
O Estado brasileiro começa a se ocupar diretamente dos jovens chamados “delinqüentes” por volta do início do século XX, por meio da criação dos “Reformatórios” ou “Institutos Correcionais”. O atendimento nesses locais pautava-se pela “correção, recuperação e disciplinamento” dos jovens que não se enquadravam no padrão de comportamento da época. Em São Paulo o Instituto Disciplinar foi criado em 1902, localizado na Chácara Belém, onde hoje se encontra o “quadrilátero” da Febem/SP. Em 1919 cria-se o Departamento Nacional da Criança.
Em Kaminski (2002: 13-35) podemos encontrar referências à evolução histórica dos direitos da criança no Brasil. Segundo este autor, o primeiro Juiz de Menores brasileiro e também da América Latina foi José Cândido de Albuquerque Mello Mattos, jurista e legislado. Ele apresentou seu projeto de lei em favor do “menor” em 1921, e lutou contra uma visão conservadora do exercício do pátrio poder, com origem no pátrio potestas do Direito Romano�. Somente em 1925 obteve a aprovação de seu texto através do Decreto nº 5083, de primeiro de dezembro de 1926, onde fica acolhida uma nova concepção de exercício do pátrio poder.
O trabalho de construção do primeiro Código de Menores da América Latina (Chile, 1928; Uruguai,1934; Equador, 1938), conforme previsão contida no Artigo 1º do Decreto nº 5083, e delegado a Mello Mattos, foi concluído e aprovado, resultando no Decreto nº 17.943, de 12 de outubro de 1927. Já em seu primeiro artigo dispunha que: “O menor, de um ou outro sexo, abandonado ou delinqüente, que tiver menos de 18 anos de idade será submetido pela autoridade competente às medidas de assistência e proteção contidas neste Código [...]”. 
Levando-se em conta o processo histórico, o Código de Menores de 1927 conseguiu firmar importantes princípios modernos, como a definição pela imprescindível existência de um Juízo Privativo de Menores, o afastamento absoluto de responsabilidade penal aos menores de 14 anos de idade – que não poderiam ser submetidos a qualquer espécie de processo – e o estabelecimento de um processo especial para julgamento dos menores delinqüentes comidades entre 14 e 18 anos incompletos. Além disso, o Código institucionalizou definitivamente o dever do Estado em assistir os menores que, devido à pobreza, ao abandono ou à morte dos pais, tornavam-se dependentes da ajuda e da proteção pública como única forma de sobrevivência.
Por outro lado, através deste Código, caberia ao Juiz de Menores a autoridade de definir a vida das crianças e adolescentes, bem como de seus familiares. Uma vez constatado o estado de abandono – quando o pai, a mãe ou o responsável era reconhecidamente incapaz de cumprir seus deveres, a criança ou o adolescente ficariam sujeitos à vigilância da autoridade pública. Era dever da família suprir as necessidades básicas de seus filhos de maneira adequada (concepção defendida pelos que estavam à frente do Estado, independente da situação econômica da família); caso contrário, perderia o pátrio poder. A pobreza era o bastante para caracterizar o “menor” como abandonado.
Ainda segundo Kaminski (2002: 26), a situação de dependência desses “menores” ainda não era atribuída aos fatores estruturais, mas sim interpretada como uma conseqüência natural da orfandade, ou vista como resultado da incompetência das famílias pobres de cuidarem dos seus filhos. A partir daí a ausência e a pobreza dos pais - a desestruturação familiar - passam a ser culpadas pela situação do “menor”. Embora a causa relativa ao fator econômico fosse bastante visível e até conhecida pelos legisladores e estudiosos, nenhuma solução era apresentada para o seu enfrentamento. Em decorrência disso, muitos denunciavam que nenhuma lei de proteção à criança seria útil enquanto não fosse combatida a exploração econômica a que estavam submetidos os trabalhadores adultos (seus pais), bem como enquanto houvesse omissão do Estado em promulgar uma lei de proteção social à classe trabalhadora.
	Na esfera constitucional, a Carta Brasileira de 1934, promulgada durante o mandato do presidente Getúlio Vargas foi a primeira a se referir à criança e ao adolescente, à defesa e à proteção de seus direitos, proibindo todo tipo de trabalho aos menores de 14 anos e o trabalho noturno aos menores de 18 anos de idade (artigo 121, parágrafo 1º, letra d).
	Mas foi a Constituição de 1937, também outorgada por Vargas, durante o período ditatorial conhecido como Estado Novo, que lançou dispositivos mais modernos em proteção ao “menor” carente, a quem deu maior atenção. Cabia ao Estado prover e garantir as condições mínimas para o desenvolvimento do “menor”. A Constituição ainda ratificava as proibições em relação ao trabalho infanto-juvenil (Artigo 137) e incluía como dever concorrente dos estados e dos municípios a garantia de acesso ao ensino público e gratuito aos que não tivessem condições de pagar o ensino particular (Artigo 129). 
Silva (1997: 154) também aborda a história do Código de Menores no Brasil, destacando que em 1941 o Estado criou o Serviço de Assistência ao Menor (SAM), subordinado ao Ministério da Justiça, para prevenir a criminalidade infantil. O SAM tinha como objetivo sistematizar e orientar os serviços de assistência aos menores abandonados e delinqüentes internados em estabelecimentos oficiais e particulares. Outra finalidade era estudar as causas do abandono e da delinqüência. Cabia ao SAM abrigar os menores em caráter provisório, à disposição do juiz de menores, e encaminhá-los aos estabelecimentos adequados após investigação social e exames médicos e psicopedagógicos bem como a responsabilidade pelos tratamentos a eles prestados.
Em 1945, alguns artigos do Código de Menores de 1927 foram alterados, pois de acordo com o Código Penal, não mais seria imputada responsabilidade aos menores de 18 anos os quais, rotulados antes de delinqüentes, passaram a ser denominados “menores infratores”.
Em 1º de dezembro de 1964, através da Lei nº 4513, extingue-se o SAM e cria-se a FUNABEM – Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor. A FUNABEM herdou do SAM péssimas condições de higiene, instalações precárias, ensino deficiente, nenhuma orientação pedagógica, alimentação insuficiente e muitos castigos físicos. No SAM, as crianças desapareciam dentro de um verdadeiro presídio (com muros altos, metralhadoras e holofotes). Eram violentadas e permaneciam, como acontece até os dias de hoje, inadaptadas (LUPPI, 1987). 
A FUNABEM implementou no país um sistema de internatos para menores através de Fundações Estaduais (FEBEM/Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor). A política de bem-estar do menor foi criada pelo regime militar; atrelada à ideologia de segurança nacional, e não transformou a realidade vivida no antigo SAM, pois os internatos continuavam a funcionar como se fossem prisões de meninos e meninas.
Em 1979, no Ano Internacional da Criança, o governo expediu a lei nº 6.697, de 10 de outubro instituindo o novo Código de Menores, elaborado pelo Congresso Nacional, em substituição à legislação que regulamentou a assistência, a proteção e a vigilância dispensada aos “menores” pelo Estado brasileiro, durante mais de meio século. 
O segundo Código de Menores do Brasil acolheu a chamada “Doutrina da Situação Irregular do Menor”. As chamadas situações irregulares vinham enumeradas exaustivamente no Artigo 2º da lei. Da mesma forma que o Código substituído (o de 1927), o código de 1979 não foi uma lei de proteção genérica, isto é, dirigida a todos os adolescentes e crianças brasileiros; visava apenas àqueles que se encontravam nas situações descritas como irregulares: carentes, abandonados, inadaptados, e infratores (como os critérios que norteavam essas classificações eram subjetivos, isso implicava, obviamente, em discriminação). Os Juízes de Menores, responsáveis por decisões e encaminhamentos, eram investidos de um imenso poder, por vezes utilizado ideologicamente, para criminalizar e penalizar a miséria e a pobreza. O código limitava-se a assegurar proteção para os carentes e abandonados (por meio da separação da família e internação em instituição pública ou conveniada) e propor vigilância para os inadaptados e infratores, utilizando o mesmo conjunto de medidas judiciais tanto para os casos sociais (famílias pobres e miseráveis) como para os que envolviam conflitos de natureza jurídica.
A década de 1980 foi profundamente marcada por intensas mobilizações populares em defesa de causas e direitos de cunho social para crianças e adolescentes, na medida em que era amplamente divulgada a existência de milhões de crianças carentes, desassistidas ou abandonadas.
A atmosfera e o sentimento de mobilização que, a posteriori, propiciaram a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente foram bem traduzidos por Irene Rizzini e Fracisco Pilloti (1995: 166):
O amplo processo de mobilização social, sem paralelos na história da assistência no Brasil, constitui terreno necessário para a conjugação de forças que se criou em torno da causa da criança em geral, e da reformulação da legislação em particular. Nos anos [19]80, vivemos a experiência de ver expressa a indignação popular, aliada à visibilidade de exercer pressão para mudança. Em relação à criança, foi, porém, revelada pela primeira vez, de forma tão explícita, a opção de diversos segmentos da sociedade. Não se tinha noção, nem conhecimento, de que eram tantas as instituições públicas e privadas destinadas à assistência à infância no país e tantos os indivíduos predispostos a compor um movimento de pressão. 
Baseados na publicação do Fundo das Nações Unidas para a Infância – UNIDEF – (1998: 152-156), podemos nos reportar à realidade da infância e adolescência no Brasil nas décadas de 1980 e 1990: os anos de 1980 assistiram à eclosão de um amplo movimento de construção democrática; as questões da anistia e dos direitos humanos integravam a agenda dos diversos movimentos sociais da época. A partir das críticas à violência com que eram tratados crianças e adolescentes pobres, em particular os meninos e meninas de rua, e do reconhecimento da inadequação da Política Nacional de Bem-Estar do Menor (PNBEM), implementadapela Fundação Nacional de Bem-Estar do Menor (FUNABEM), vários setores da sociedade civil uniram-se em busca de soluções para o problema.
Entidades e profissionais que lidavam com este “menor” apontavam o Código de Menores e a PNBEM como os responsáveis pelo abandono e pela violência com que esses “menores” eram tratados no Brasil. A lei, bem como a política na qual se baseava o atendimento ao “menor carente” ou “delinqüente” (categorias do Código de Menores incorporadas ao senso comum) eram vistas como parte integrante do período autoritário brasileiro.
A articulação dos diversos grupos, indivíduos e instituições ganhou visibilidade, e a organização de manifestações em torno do “problema do menor” começava a influenciar não só o debate como também a ação política. A luta, empreendida por representantes da sociedade civil, reunindo educadores, trabalhadores sociais, voluntários dedicados ao cuidado de crianças e adolescentes, instituições de assistência social, comunidades, escolas, universidades, empresas, igrejas e sindicatos, preparava o terreno para mudanças significativas, com o objetivo de substituir o Código de Menores pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
O Código de Menores, inspirado na doutrina da situação irregular, não considerava que crianças e adolescentes - que por algum motivo ficavam sob a proteção do Estado - fossem sujeitos de direitos. Promulgado em 1927, sofreu alteração em 1979, com o estabelecimento da idade mínima para o trabalho em 12 anos, o que anteriormente só era permitido para menores de 14 anos. Além disso, foi também aprovado um artigo, introduzindo a prisão cautelar para os “menores” suspeitos de terem praticado algum delito. Essas alterações fortaleceram, ainda mais, o caráter repressivo da legislação dirigida a crianças e adolescentes, que os enquadrava nas “leis de controle social da infância”. Isso fazia com que a “proteção” aos “menores” que entravam na rede do sistema FUNABEM fosse, cada vez mais, de caráter punitivo e não educativo, como constava nos princípios da PNBEM. Outro aspecto destacado pelos críticos era o caráter pejorativo da categoria “menor”, que significava, de fato, meninos e meninas pobres, em sua maioria negros, julgados perigosos.
A crise econômica e o desemprego e a miséria afetavam de forma violenta a maioria da população, aumentando a exclusão social e econômica dos mais carentes, a quem era negado o acesso à saúde, à educação e aos diversos bens culturais existentes na sociedade. 
Foram realizados diversos encontros, nos quais eram criticados o modelo assistencialista e correcional-repressivo, imposto pelo Código de Menores e pela PNBEM e se buscavam alternativas a este modelo. Um dos efeitos mais importantes desses encontros foi a articulação que resultou, em 1985, na fundação do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua (MNMMR), entidade de luta pelos direitos da criança e adolescente, visando à articulação política e a parceria entre pessoas envolvidas na problemática, com a finalidade de exercer ações políticas que levassem à transformação da realidade.
Em maio de 1986 realizou-se em Brasília o Primeiro Encontro Nacional de Meninos e Meninas de Rua. Esse evento foi uma iniciativa de crianças e adolescentes de Belém do Pará, assistidos pelo padre italiano Bruno Sechi, que há 16 anos mantinha na cidade a “República do Pequeno Vendedor” e coordenava a Pastoral do Menor. Os participantes do encontro eram crianças que ganhavam a vida nas grandes capitais lavando carros, engraxando sapatos e fazendo biscate; de futuro incerto e a um passo da marginalidade, eram assistidas por algum tipo de organização não-governamental. 
Ainda em 1986, a convocação da Assembléia Nacional Constituinte, para elaborar uma nova Carta Constitucional para o país, movimentou o cenário político. Isso provocou a organização de vários segmentos sociais para defender seus interesses, incorporando questões mundialmente debatidas, concernentes aos direitos humanos dos cidadãos.
A participação da sociedade civil na defesa dos direitos da infância e da adolescência, por meio do movimento denominado “A Criança e a Constituinte”, foi evidenciada durante a discussão das emendas relativas aos direitos desses dois segmentos da população, apresentadas à Assembléia Nacional Constituinte.
A Comissão Nacional Criança e Constituinte foi criada em setembro de 1986, sendo integrada por representantes dos Ministérios da Educação, Saúde, Previdência Social, Justiça, Trabalho e Planejamento, que participaram de audiências públicas dos grupos de trabalho encarregados das áreas temáticas do texto constitucional. Em outubro de 1986, foi lançada a “Carta de Brasília”, que reivindicava a adoção do direito constitucional da criança e do adolescente.
A grande mobilização da sociedade civil organizada possibilitou que os textos das emendas “Criança e Adolescente” e “Criança Prioridade Absoluta” resultassem nos Artigos 204 e 227 da Constituição. A filosofia neles contida fazia parte do projeto da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, a qual veio a ser aprovada em 1989 pela Assembléia Geral das Nações Unidas. 
Em março de 1988, ocorreu um encontro de várias entidades não-governamentais que participaram da Campanha “Criança Prioridade Absoluta Nacional”, articulada pelo MNMMR. Na ocasião foi proposta a criação de um Fórum Permanente e da Sociedade Brasileira do DCI – Defesa Internacional da Criança. Desse encontro resultou a criação do Fórum Permanente de Entidades Não-Governamentais de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente – Fórum DCA, cujo objetivo era criar uma frente de luta de vários segmentos sociais que atuavam direta ou indiretamente com crianças e adolescentes.
A Reunião da Cúpula Mundial pela Infância, realizada pelas Nações Unidas em 1990, representou um marco fundamental em todo esse contexto, na medida em que o Brasil assumiu, nessa reunião, o compromisso de garantir a sobrevivência, o desenvolvimento e a proteção de todas as crianças e adolescentes no país.
		Costa (1998) aborda a caminhada dos direitos da criança e do adolescente no cenário internacional, destacando que no século XX, a grande caminhada da comunidade internacional em favor dos Direitos da Criança, tem início em 1923. Nesse ano, a União Internacional Save the Children redigiu e aprovou um documento que ficou conhecido como Declaração de Genebra, o qual continha os princípios básicos da Proteção à Infância. No ano seguinte, a Quinta Assembléia da Sociedade das Nações aprovou a Declaração de Genebra e propôs aos países-membros que pautassem a sua conduta em relação à infância pelos princípios nela contidos; terminada a II Guerra Mundial, a ONU (Organização das Nações Unidas) aprova uma Declaração que amplia ligeiramente os direitos constantes no texto de 1924.
		Onze anos depois, em 1935, a Assembléia Geral, órgão máximo da Organização das Nações Unidas, aprova a Declaração Universal dos Direitos da Criança, um texto contendo dez princípios, aumentando, substancialmente, o elenco dos direitos aplicáveis à população infantil. Em 1978, o governo da Polônia apresenta à comunidade internacional uma Proposta de Convenção Internacional dos Direitos da Criança.
		Segundo Costa (1998), a convenção é um instrumento de direito mais forte que uma declaração. A declaração sugere princípios pelos quais os povos devem guiar-se, no que diz respeito aos direitos da criança. A convenção vai mais além, ela estabelece normas, isto é, deveres e obrigações aos países que a ela formalizem sua adesão e confere a esses direitos a força de lei internacional.
		Em 1979, a Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas examina a proposta da Polônia e cria um grupo de trabalho para, a partir dela, produzir um texto definitivo. Durante os dez anos que se seguiram, o texto foi intensamente debatido pela comunidade internacional. Várias organizações não-governamentais uniram-se para auxiliar o grupo de trabalho encarregado pelas Nações Unidas de elaborar uma propostade texto final. Em 1989, o grupo de trabalho apresenta a redação definitiva do Projeto de Convenção à Comissão de Direitos Humanos da ONU. Em 20 de novembro desse mesmo ano, a Assembléia Geral aprova, por unanimidade, o texto da Convenção Internacional dos Direitos da Criança.
		Em 2 de setembro de 1990, após ter sido ratificada por vinte países (o que implica o compromisso formal de aceitar o que está enunciado em seu conteúdo, assumindo ainda, os deveres e obrigações que o novo instrumento lhes impõe), a Convenção Internacional dos Direitos da Criança, finalmente entrou em vigor.
		No Brasil, o Estatuto da Criança e Adolescente foi, portanto, aprovado em julho de 1990, estabelecendo em seu artigo primeiro que se trata de uma lei sobre a proteção integral da criança e do adolescente, passando a apresentar um marco doutrinário e conceitual totalmente novo, diferente dos preceitos legais até então em vigor. O novo reordenamento jurídico do estatuto visava a adaptar a legislação brasileira à normativa internacional e ao marco teórico referencial de proteção integral da Convenção Internacional dos Direitos da Criança e do Adolescente.
		Ao revogar o velho paradigma, representado pelas leis 4.513/64 (Política Nacional de Bem-Estar do Menor) e 6.697/79 (Código de Menores), o Estatuto cria condições legais para que se desencadeie uma verdadeira revolução, tanto na formulação das políticas públicas para a infância e adolescência, como na estrutura e funcionamento dos organismos que atuam na área. 
		A Lei 8.069/90, portanto, mais do que regulamentar as conquistas em favor das crianças e adolescentes expressas na Constituição Federal de 1988, veio promover um importante conjunto de revoluções que extrapola o campo jurídico e desdobra-se em outras áreas da realidade política e social no Brasil. 
		Trouxe, assim, mudanças de conteúdo - ao conceber a criança e o adolescente como sujeitos de direitos exigíveis com base na lei e ao deixar de considerá-los como meros objetos de intervenção social e jurídica por parte da família, da sociedade e do Estado; ao reconhecer a criança e o adolescente como pessoas em condição peculiar de desenvolvimento e como absoluta prioridade. Trouxe também mudanças de métodos, ao introduzir garantias processuais no relacionamento do adolescente com o sistema de administração da justiça e ao superar a visão assistencialista e paternalista. 
		Além disso, ocorreram mudanças de gestão: a estrutura das políticas e programas passa a se sustentar em dois princípios básicos: descentralização político-administrativa e participação da população, por meio de suas organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis. O Estatuto da Criança e do Adolescente pressupõe, pois, uma clara ruptura com a passividade e o alheamento. A Constituição Federal de 5 de outubro de 1988, por sua vez, reconheceu no município a base do nosso sistema federativo, rompendo com séculos de tradição centralizadora e autoritária, herança do passado colonial, que subsistiu durante todo o curso da nossa evolução histórica.
Na direção apontada, a participação deixa de ser um fenômeno à margem da legislação, para passar a constituir um dos pilares institucionais da nova democracia brasileira. Estamos nos referindo à participação enquanto exercício de diálogo, que pressupõe a expressão de ambas – ou várias – partes. Costa (1993), reportando-se a um estudioso do fenômeno da participação, aponta três posturas em relação à democracia: (i) a primeira é a participação sem crítica, defendida por aqueles dirigentes que só admitem a “participação” não-governamental em suas administrações num clima de plena e total submissão, funcionando apenas como chancela e respaldo de suas iniciativas no campo social; (ii) a segunda é a daqueles que defendem a crítica sem participação, ou seja, não acreditam em nenhuma alternativa que não passe por uma mudança radical nas estruturas e, portanto, recusam-se a se envolver em qualquer tipo de mudança parcial da realidade; (iii) a terceira é a posição daqueles que já compreenderam a democracia como um processo que implica, ao mesmo tempo, consenso e divergência: consenso na aceitação das regras básicas do jogo democrático e divergência na madura compreensão do fato de que o conflito de pontos de vista e de interesses, longe de ser um sinal de debilidade, é um indicador de saúde e força da vida democrática em todos os níveis e situações. 
A realidade mostra que os espaços de participação na construção de uma política não estão dados e nem prontos; eles configuram um caminho longo e difícil a ser percorrido. É no trabalho cotidiano realizado por todos e cada um que vão se delineando e visualizando caminhos.
		Temos, assim, um instrumento legal “adolescente” (existe há pouco mais de uma década) e às vezes parece que a efetivação destes direitos ainda nem aprendeu a andar.
		Como vimos, a história cultural e social que marca o passado do Brasil não apresenta uma tradição de glórias em relação às idéias e práticas no que diz respeito à atenção às crianças e aos adolescentes desfavorecidos.
A desigualdade de hoje é expressão e resultado de um processo histórico que, desde seus primórdios, desconheceu direitos fundamentais do homem, reduzindo-o a objeto de compra e venda.
Nesta conjuntura, a situação a que estão submetidas as crianças e os adolescentes ameaçados ou violados em seus direitos básicos, não é fruto do acaso e sim de um estado de injustiça social, que gera e agrava o pauperismo em que sobrevive a maior parte da população.
A iniqüidade em nossa sociedade resulta de um sistema injusto, erguido sobre um conjunto de fatores históricos, econômicos, sociais. Este sistema se baseia na perversa reunião de três fatores: uma das maiores concentrações de riqueza do mundo; a falta de investimento do Estado em serviços sociais fundamentais; a falta de participação dos cidadãos no desenho das políticas sociais. 
A problemática das crianças e adolescentes ameaçados ou violados em seus direitos básicos é, portanto, de natureza social e política. As condições do atendimento a este segmento da população, em situação de maior vulnerabilidade social, são também precárias, vulneráveis, suscetíveis a interrupções, carentes de recursos.
Pode parecer utopia acreditar que a infância e a adolescência passarão a ser reconhecidas como as fases do desenvolvimento pessoal onde se encontram as melhores possibilidades de construir o aperfeiçoamento da sociedade, principalmente quando nos deparamos com a realidade repleta de situações de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão contra crianças e adolescentes. 
Para aqueles que lidam com a defesa e o atendimento dos princípios constitucionais e legais relativos à infância e juventude a utopia não está no direito, mas no seu exercício – ao contrário de muitos que percebem o próprio direito como irreal, inatingível. Para os primeiros, o segredo da utopia é presenciar a possibilidade de aparatos legais que estabeleçam condições de todos participarem da construção de medidas que alterem a realidade, lutando contra a desigualdade e reconhecendo em cada um o pleno direito de exercer direitos.
Não basta, portanto, a legislação. É preciso instalar o processo cultural. É outra luta dentro de uma luta maior, com avanços e recuos, com adesões e resistências. É um processo que não tem fim e exige vigilância constante. Como diz o poeta: “quanto mais se anda, mais se vê estrada” (...); o que justifica a existência é o caminhar permanente.
A epígrafe nos lembra da importância da contradição na construção dos caminhos: “Se tenho a poeira como companheira, faço da poeira meu camarada”. O que dificulta, ajuda. A dificuldade é que também valoriza a luta.
Ao dizer “caminho”, imaginamos um percurso que demandaria um esforço de deslocamento espacial em determinado tempo. No caso das estratégias para fazer valer a doutrina da proteção integral no Brasil, há que sepensar que tal caminho não existe naquela forma visível. Os caminhos estão por construir. Eles se constroem caminhando; outros permanecem à espera de serem redescobertos. Há limites, porém, há possibilidades também. 
�
Referências bibliográficas
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, Centro Gráfico, 1988. 
_______. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei 8.069/90. São Paulo: Imprensa Oficial, [2000].
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� Professora Doutora em Serviço Social na Unesp – Faculdade de História, Direito, Relações Internacionais e Serviço Social de Franca. Atuou como assistente social na Prefeitura Municipal de Franca de 1990 a 2005, na área da Assistência Social. E-mail: � HYPERLINK "mailto:marianadri@terra.com.br" ��marianadri@terra.com.br�
� O trecho citado é da música, “O Plantador”, cujo disco é de 1968, de Geraldo Vandré. A letra da música é de Geraldo Sodré e Hilton Accioli.
� A concepção de pátrio poder admitida na época era a inspirada no pater famílias do Direito Romano, pelo qual se dava ao pai um conjunto de direitos amplos e ilimitados sobre a pessoa do filho. O filho pertencia ao pai, estando sob a autoridade deste, e a este sendo totalmente submisso, inclusive com o direito do pai à sua vida e morte, à venda, escravização, ou simplesmente rejeição.
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