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A COMPETÊNCIA PARA JULGAR DELITOS DE “PEDOFILIA” PRATICADOS POR INTERMÉDIO DA INTERNET Douglas Fischer, Procurador Regional da República na 4ª Região, Mestre em Instituições de Direito e do Estado pela PUCRS. SUMÁRIO. 1. Considerações Iniciais. 2 - Dispositivos legais fundamentais aplicáveis à espécie em discussão. 3 - Da (melhor) interpretação às normas em comento. 4 -Conclusões. 1. Considerações iniciais O presente – e modesto – estudo tem a finalidade de fazer um contraponto a alguns posicionamentos jurisprudenciais (oxalá que momentâneos) no sentido de que a competência para julgar o delito previsto no art. 241 da Lei nº 8.069, quando praticado por intermédio da internet, quase sempre serão de competência da Justiça Estadual. Consoante se vê de alguns julgados, “aos juízes federais compete processar e julgar os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente. (Constituição Federal, artigo 109, inciso V)”, sendo que “o fato do crime ser cometido através da "Internet" não é suficiente para firmar a competência da Justiça Federal, sendo necessária a prova de que houve execução ou consumação do delito no exterior.” (Recurso em Sentido Estrito nº 2009.72.01.005539-1-SC, TRF da 4ª Região, publicado no DJ em 22.04.2010). 2. Dispositivos legais fundamentais aplicáveis à espécie em discussão. Em primeiro lugar, cumpre destacar o que consta no art. 241 da Lei nº 8.069 (Estatuto da Criança e do Adolescente): Art. 241-A. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente: (Nos moldes da redação da Lei nº 11.829, em vigor desde 26.11.2008) Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.(Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008) § 1o Nas mesmas penas incorre quem:(Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008) I – assegura os meios ou serviços para o armazenamento das fotografias, cenas ou imagens de que trata o caput deste artigo; (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008) II – assegura, por qualquer meio, o acesso por rede de computadores às fotografias, cenas ou imagens de que trata o caput deste artigo.(Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008) – grifos nossos Anteriormente, a redação era assim resumida: Art. 241. Fotografar ou publicar cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente: Pena - reclusão de um a quatro anos. Evidente que todas as condutas acima descritas, isoladamente vistas, não atraem automaticamente a competência federal. Importante referir, ainda, que a troca de fotografias entre pessoas mediante emails está fora da discussão ora apresentada. A questão fundamental é saber qual a competência em razão da matéria quando a prática delitiva se der a publicação ou a divulgação de fotos, vídeos ou outros registros por intermédio da internet, utilizando-se de sites, blogs ou comunidades de relacionamento. Com efeito, o Brasil é signatário da Convenção sobre os Direitos da Criança, da Assembleia das Nações Unidas, de 20 de novembro de 1989. A ratificação da Convenção se deu em 24.09.1990 (há vinte anos!), tendo entrado em vigor no Brasil em 23.10.1990, na forma do seu artigo 49, incisos 2, e promulgada em 21 de novembro de 1990, pelo Decreto n. 99.710. Já adiantamos conclusões, malgrado o desenvolvimento que se fará na sequência: todos os casos que vierem a tratar de disponibilização (publicação ou divulgação) de material pornográfico envolvendo crianças e/ou adolescentes na rede internacional de computadores são, inegavelmente e por interpretação, de competência federal, conforme subsunção do inciso V do art. 109 da Carta Magna. 3. Da (melhor) interpretação das normas em comento. Há alguns julgados defendendo que que, nos moldes do art. 109, V, CF/88 (aplicável ao caso, porque não é hipótese do inciso IV), a competência da Justiça Federal para o julgamento do delito em voga é reconhecida quando, previsto ele ou sua repressão em tratado ou convenção internacional, o resultado ocorra, ou, pelo menos, devesse ocorrer no estrangeiro ou vice-versa. Mais: há precedentes que têm exigido a prova mínima do resultado no exterior. Confira-se, exemplificativamente: PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. DIVULGAÇÃO/PUBLICAÇÃO, POR MEIO DA INTERNET, DE FOTOGRAFIAS OU IMAGENS COM PORNOGRAFIA OU CE- NAS DE SEXO EXPLÍCITO ENVOLVENDO CRIANÇA OU ADOLESCENTE. ART. 241 DO ECA (ANTIGA REDAÇÃO). AUSÊNCIA DE PROVA DE QUE A CONSUMAÇÃO DO DELI- TO TENHA OU DEVESSE TER OCORRIDO NO ESTRANGEI- RO. REQUISITO DA INTERNACIONALIDADE, A QUE ALU- DE O ARTIGO 109, INCISO V, DA CF/88, NÃO PREENCHIDO. DECLINAÇÃO DA COMPETÊNCIA PARA A JUSTIÇA ESTA- DUAL. ATOS DECISÓRIOS. NULIDADE. ARTIGO 567 DO CPP. 1. Para fins do disposto no artigo 109, inciso V, da CF/88, não havendo dúvidas de que o início da execução da conduta em tese perpetrada se deu no Brasil, mister restar demonstrada que a consumação da infração tenha ou devesse ter ocorrido no exte- rior. Tal assertiva não se modifica nas hipóteses em que a Internet é utilizada como meio para o cometimento de crimes: a prova (ou, pelo menos, indícios suficientes de prova) da execução do delito no Brasil e da sua consumação no exterior, ou vice-versa, mantém-se como pressuposto para que o feito seja processado e julgado pela Justiça Federal. Assim, as questões envolvendo a competência para julgar crimes cometidos via Internet exigem exame casuístico, não se presumindo que a simples utilização do meio virtual para a práti- ca de delitos extrapole, por si só, os limites do território nacional. Precedente do Supremo Tribunal Federal. […] 3. Declinação, de ofício, da competência para processar e julgar o feito em favor da Justiça Estadual de Santa Catarina, com a observância do disposto no artigo 567 do Código de Processo Penal, ressalvando-se, contu- do, a possibilidade de ratificação dos atos instrutórios pelo Juízo competente. (Apelação Criminal nº 2008.72.16.000677-0/SC, TRF 4ª Região, 7ª Turma, unânime, publicado no DJ em 19.08.2010). PROCESSO PENAL. ARTIGO 241 DO ECA. INTERNET. COMUNIDADE 'ORKUT'. PUBLICAÇÃO DE FOTOGRAFIAS E IMAGENS DE PORNOGRAFIA ENVOLVENDO CRIANÇAS E ADOLESCENTES. COMPETÊNCIA. ART. 109, V, DA CF. AUSÊNCIA DE PROVA DE QUE A CONSUMAÇÃO DO DELITO TENHA OU DEVESSE TER OCORRIDO NO ESTRANGEIRO. JUSTIÇA ESTADUAL. 1. Para fins do disposto no artigo 109, inciso V, da CF/88, não havendo dúvidas de que o início da execução da conduta em tese perpetrada se deu no Brasil, mister restar demonstrado que a consumação da infração tenha ou devesse ter ocorrido no exterior. 2. As questões envolvendo a competência para julgar crimes cometidos via Internet exigem exame casuístico, não se presumindo que a simples utilização do meio virtual para a prática de delitos extrapole, por si só, os limites do território nacional. Precedente do STF. 3. Não tendo sido evidenciado pelos elementos encartados nos autos que o acesso às fotografias pornográficas ou de cenas de sexo explícito envolvendo crianças ou adolescentes deu-se além das fron- teiras nacionais, não há falar em competência da Justiça Federal. (Recurso em Sentido Estrito n. 2009.71.10.000538-6-RS, TRF 4ª Região, 8ª Turma, unânime, publicado no DJ em 27.05.2009) Com a devida venia, a exigência “criada” – da prova (ou indícios) do resultado (?) no exterior, além de desnecessária (em razão de como interpretamos as normas incidentes)é, se mantido o critério estabelecido, forma evidente (e ilegal, respeitosamente) de excluir a competência federal praticamente para todos os casos envolvendo a “pedofilia” na internet mediante instrumentos públicos de disponibilização de imagens (repita-se: não está em jogo aqui a utilização de emails para a troca ou envio de fotografias de crianças ou adolescentes). Aliás, muitos julgados estão utilizando “ementas” totalmente diversas para, sob o pálio de precedentes, justificar que o tema já foi enfrentado pela jurisprudência. É o que se vê do precedente abaixo, arguido como paradigma (quando se tratavam de casos absolutamente diversos) nos autos do processo criminal nº 2009.72.01.005539-1-SC (referido no preâmbulo): CONFLITO DE COMPETÊNCIA. DIREITO PROCESSUAL PENAL. ARTIGO 241, CAPUT, DA LEI 8.069/90. DIVULGAÇÃO. CRIME PRATICADO NO GTERRITÓRIO NACIONAL POR MEIO DE PROGRAMA DE COMUNICAÇÃO ELETRÔNICA ENTRE DUAS PESSOAS. COMPETÊNCIA DA Justiça Estadual. […] 2. Em se evidenciando que os crimes de divulgação de fotografias e filmes pornográficos ou de cenas de explícito envolvendo crianças e adolescentes não se deram além das fronteiras nacionais, restringindo-se a uma comunicação eletrônica entre duas pessoas residentes no Brasil, não há como afirmar a competência da Justiça Federal para o processo e julgamento do feito. 3. Conflito conhecido, para declarar competente o Juízo Estadual suscitante. (Conflito de Competência nº 57.411/RJ, 3ª Seção do STJ, publicado no DJ em 30.06.2008) É de se atentar que o caso acima tratava de situação em que as partes envolvidas estavam trocando as fotos mediante a utilização de emails e o compartilhamento de imagens ocorreu entre duas pessoas residentes no Brasil. De acordo com a dicção de expresso dispositivo constitucional (artigo 109, V), é da competência originária da Justiça Federal (em razão da matéria) processar e julgar “os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente”. A discussão em tela, já dito alhures, está em saber se a disponibilização de imagens de conteúdo pornográfico ou sexual envolvendo crianças e/ou adolescentes em página de sítio de relacionamentos ou de acesso público da rede mundial de computadores já seria suficiente para depreender que o resultado do referido delito estaria se dando além das fronteiras nacionais ou teria a potencialidade para tanto, justificando, assim, a competência federal. A resposta é-nos afirmativa. Com efeito, a publicação ou divulgação de imagens de conteúdo “pedofílico” (não se adentra no presente estudo o nomen juris conferido ao delito) pela internet na rede pública ou social de relacionamentos permite depreender, indubitavelmente, que uma ação iniciada no Brasil – postagem das referidas imagens – possibilita o acesso ao referido conteúdo seja realizado por qualquer indivíduo e em qualquer país, sendo necessário apenas o acesso à rede mundial de computadores (world wide web). Não se pode exigir comprovação (ou indícios que sejam) de que o resultado tenha efetivamente ocorrido no exterior. Além de se tratar de prova quase impossível, não é elementar ou exigida pela (melhor) hermenêutica. Não há como afastar a competência federal, uma vez que, considerando a multiplicidade das relações que o ambiente virtual propicia, pode-se dizer que o resultado poderia ocorrer em localidades além das fronteiras brasileiras pela simples divulgação ou publicação. Não fosse isso, há outro dado fundamental a firmar a competência federal: ela decorre de disposições constitucionais em face de tratados ou convenções internacionais. Não se desconhece (além do CC nº 57.411-STJ, acima destacado) a existência de precedente do Supremo Tribunal Federal no HC nº 86.289-GO. Como se vê do voto do eminente Relator neste último caso, se verifica o entendimento de que, para a definição da competência federal, o delito sob a modalidade de divulgar ou publicar imagens de conteúdo pornográfico envolvendo crianças ou adolescentes somente se consuma a partir do momento em que é verificado o acesso ao material disponibilizado, devendo, para tanto haver uma ação do receptor que visualiza o material exposto. Seguindo a esteira dessa interpretação, o crime seria da competência federal tão somente se houvesse comprovação de que a recepção do material pornográfico em questão tivesse se dado no exterior, o que não foi comprovado nos autos do qual gerado o writ. Entretanto, como insistentemente aqui defendido, não se deve considerar que a consumação dos crimes previsto no art. 241 do Estatuto da Criança e do Adolescente se dê apenas no momento em que seja identificado o acesso ao material pedofílico disponibilizado. Isso porque não se pode utilizar de um recurso semântico em função da modernidade e dos avanços tecnológicos para redimensionar o real significado dos verbos nucleares apresentar, produzir, fornecer, e, especialmente, divulgar e publicar, contidos no caput do art. 241 da Lei n. 8.069. A divulgação e/ou publicação dispensam qualquer ação de outrem, cabendo única e exclusivamente àquele que divulga ou publica. Ao permitir que as fotos de conteúdo pedofílico fossem acessadas, qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo, desde que conectada à rede poderá acessar a página publicada. Neste caso, resta claro (ao menos para nós) que, inevitavelmente, o resultado dos atos criminosos praticados redundariam, cedo ou tarde (mas pelo menos potencialmente), além das fronteiras brasileiras, dada a amplitude de acesso proporcionado pela rede mundial de computadores. A respeito do momento do delito, importante fazer menção ao voto do Ministro Carlos Brito no mesmo habeas corpus retromencionado, que se identifica com a discussão em tela: [...] No caso, penso que o resultado do crime é a própria ocorrência do dano sofrido pelo bem jurídico tutelado. O que se deu com o instantâneo, o desembaraçado acesso de qualquer pessoa às fotos exibidas pela rede mundial de computadores, o momento da consumação do crime, no caso, deu-se exatamente com a disponibilização das fotos para qualquer pessoa. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é particularmente rigorosa e elucidativa quando diz – vejam o propósito abrangente do Código ao dilatar, ampliar o núcleo do tipo penal – no seu art.241: 'Apresentar, produzir, vender, fornecer, divulgar ou publicar, por qualquer meio de comunicação, ' - aí, vem a previsibilidade específica – 'inclusive rede mundial de computadores ou internet' (…) […] essa disposição do legislador de proteger o adolescente mediante definição de um tipo penal, não diria em aberto, mas bem dilatado, rima toante e consoantemente com a própria Constituição Federal. Em matéria de proteção à criança e ao adolescente, diz a Constituição, no § 4º do artigo 227, que: 'A Lei punirá severamente' – olhem o comando da constituição – 'o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente.' Sem dúvida que esse tipo de exibição visual é uma forma de 'exploração sexual da criança e do adolescente'. No caso, penso que resultado e exaurimento, na verdade, se imbricam, de modo, a meu ver, a atrair a competência do art. 109, inciso V, da Constituição Federal, para o processamento e julgamento do feito no âmbito da Justiça Federal. [...] [grifei] Merece ser referido, também, o voto do Ministro Cezar Peluso, no mesmo decisum: [...] O tipo era publicar. Com inserção das fotos em redeinternacional, deu-se a publicação instantaneamente, de modo que os resultados, também, se produziram no exterior desde aí. [...] - grifamos Já o (hoje aposentado) Ministro Sepúlveda Pertence, em seu voto, expressou (corretamente) que o delito do art. 241 da Lei n. 8.069/1999 “se consuma com a publicação, que é tornar disponível, acessível, pela rede da internet, determinada mensagem”. Na mesma senda, a confirmação de voto do Ministro Carlos Britto: [...] Senhor presidente, também entendo que, hoje em dia, quem entra na rede mundial de computadores em casos que tais não tem como deixar de iniciar o crime no Brasil e se expor ao risco da consumação fora do Brasil. É imediata. Uma coisa puxa a outra. É da natureza desse tipo de comunicação eletrônica. [...] Aí está o cerne da discussão, muito bem observado pelos Ministros Cezar Peluso, Sepúlveda Pertence e Carlos Britto. Ora, tendo-se verificado que as imagens de conteúdo pedofílico foram disponibilizadas em sítio que permite acesso pela rede mundial de computadores, tem-se que a conduta delituosa restou efetuada. E mais, estando as fotos disponíveis na referida rede mundial, há se entender como iminente a visualização das imagens em questão no exterior, sendo dispensável que se identifique quando e como ocorreu a visualização, fora do Brasil, do conteúdo do arquivo (aliás, e como se disse, exigir o contrário implicaria verdadeira prova quase impossível!!!). Com efeito, o art. 34 da Convenção sobre os Direitos da Criança, do qual o Brasil é signatário, foi promulgada pelo Decreto n. 99.710, de 21 de novembro de 1990, e traz a seguinte dicção: Artigo 34 Os Estados Partes se comprometem a proteger a criança contra todas as formas de exploração e abuso sexual. Nesse sentido, os Estados Partes tomarão, em especial, todas as medidas de caráter nacional, bilateral e multilateral que sejam necessárias para impedir: a) o incentivo ou a coação para que uma criança se dedique a qualquer atividade sexual ilegal; b) a exploração da criança na prostituição ou outras práticas sexuais ilegais; c) a exploração da criança em espetáculos ou materiais pornográficos. (grifamos) Por sua vez, o art. 109, V, da Constituição Federal diz que "aos juízes federais compete processar e julgar: […] V – os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente". É de se ver que o próprio aresto do STF repetiu o conteúdo da norma supramencionada, afirmando que a “competência da Justiça Federal é fixada quando, iniciada a execução no Brasil, o resultado ocorra ou, pelo menos, devesse ocorrer, no estrangeiro ou vice-versa”. Essa é a razão pela qual (acertadamente) assim decidiu o Superior Tribunal de Justiça, na melhor hermenêutica incidente à hipótese: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. PENAL E PROCESSO PENAL. DIVULGAÇÃO DE IMAGENS PORNOGRÁFICAS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES POR MEIO DA INTERNET. CONDUTA QUE SE AJUSTA ÀS HIPÓTESES PREVISTAS NO ROL TAXATIVO DO ART. 109 DA CF. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. 1. Este Superior Tribunal de Justiça tem entendido que só o fato de o crime ser praticado pela rede mundial de computadores não atrai a competência da Justiça Federal. 2. A competência da Justiça Federal é fixada quando o cometimento do delito por meio eletrônico se refere à infrações previstas em tratados ou convenções internacionais, constatada a internacionalidade do fato praticado (art. 109, V, da CF), ou quando a prática de crime via internet venha a atingir bem, interesse ou serviço da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas (art. 109, IV, da CF). 3. No presente caso, há hipótese de atração da competência da Justiça Federal, uma vez que o fato de haver um usuário do Orkut, supostamente praticando delitos de divulgação de imagens pornográficas de crianças e adolescentes, configura uma das situações previstas pelo art. 109 da Constituição Federal. 4. Além do mais, é importante ressaltar que a divulgação de imagens pornográficas, envolvendo crianças e adolescentes por meio do Orkut, provavelmente não se restringiu a uma comunicação eletrônica entre pessoas residentes no Brasil, uma vez que qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo, desde que conectada à internet e pertencente ao dito sítio de relacionamento, poderá acessar a página publicada com tais conteúdos pedófilos-pornográficos, verificando-se, portanto, cumprido o requisito da transnacionalidade exigido para atrair a competência da Justiça Federal. 5. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo da Vara Federal e Juizado Especial Federal de Pato Branco – SJ/PR, ora suscitado. (Conflito de Competência nº 111.338-TO, STJ, 3ª Seção, julgado em 23.06.2010, publicado no DJ em 1º.07.2010) - grifos nossos Também calha referir entendimento firmado pelo TRF da 3ª Região, que reconheceu a competência federal para os delitos em tela em face exclusivamente da previsão em convenção internacional de sua repressão: PROCESSO PENAL. MANDADO DE SEGURANÇA. ARTIGO 241 DA LEI Nº 8.069/90.. UTILIZAÇÃO DA REDE MUNDIAL DE COMPUTADORES (INTERNET). DELITO PREVISTO EM CONVENÇÃO INTERNACIONAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. QUEBRA DE SIGILO TELEMÁTICO. POSSIBLIDADE DE INVESTIGAÇÃO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. SEGURANÇA CONCEDIDA.[ ...] 2. Considerando-se o disposto na convenção sobre os direitos da criança e quando praticado por meio da rede mundial de computadores (internet), compete à Justiça Federal processar e julgar o crime de divulgação de imagens pornográficas envolvendo crianças ou adolescentes (Estatuto da Criança e do Adolescente, artigo 241), a teor da regra do inciso V do artigo 109 da Constituição Federal.[ ...] 5. Segurança concedida, para suspender os efeitos da decisão impugnada e reconhecer a competência da Justiça Federal para processar e julgar o delito enumerado no artigo 241 do Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como para que o Juízo Federal da 8ª Vara Criminal de São Paulo proceda à apreciação dos ulteriores requerimentos ministeriais que forem formulados com vistas à apuração do delito. (Mandado de Segurança nº 2009.03.00.020240-0-SP, publicado no DJ em 15.11.2009) Diante das normas enfrentadas e da hermenêutica que lhes emprestamos, em consonância com a intenção manifesta de proteger na máxima medida à criança e ao adolescente prevista constitucionalmente – art. 227 e seguintes, CF/88 –, tem-se que os casos que nelas se enquadrarem são inexoravelmente da competência da Justiça Federal. Ademais, o resultado de o ato de tornar disponíveis as imagens pedofílicas em sítios que permitam a conexão via rede mundial de computadores não só podem como, por óbvio, devem ter ocorrido no estrangeiro, dada à velocidade com que as informações são disseminadas no meio virtual, sem qualquer espécie de controle de acesso e, por isso mesmo, tornando difícil aferir se, quando e onde o referido arquivo foi visualizado (requisito este absolutamente dispensável). À luz do art. 109, V, CF, o resultado do crime não precisa se concretizar no exterior: basta que devesse ou pudesse ocorrer no exterior. Exatamente por essa razão que há muito a jurisprudência (inclusive dessa Suprema Corte) vem (corretamente) dizendo que o tráfico internacional de entorpecentes sob a modalidade de exportar se consuma ainda no Brasil, mesmo que a droga não chegue ao exterior e sequer saia fisicamente do país. Deste modo, compreendemos que os arestos que estão restringindoa competência federal mediante as exigências expostas anteriormente estão violando – diretamente – o disposto no art. 109, V, CF/88, pois a simples publicação ou divulgação de fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente em ambiente passível de acesso via internet é de competência da Justiça Federal.
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