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COMO VAI SUA PLACA CORONARIANA

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COMO VAI SUA PLACA CORONARIANA?
Claudio G il Soares de Araújo
Diretor-Médico da Clínica de Medicina 
do Exercício - CLINIMEX
Ao escrevermos esse breve ensaio, pensamos qual será a reação do leitor ao
título. Provavelmente, retornará ao mesmo e após relê-lo, pensará, parece
que o autor está dirigindo a pergunta a mim. Reagirá inicialmente com
desprezo e depois, com um misto de espanto e curiosidade, questionará,
mas como assim?
O conhecimento morfofuncional cardíaco é bastante limitado pela grande
dificuldade (ética e operacional) de se estudar a circulação coronariana em
indivíduos saudáveis. Pesquisadores da Cleveland Clinic fizeram contudo
uma relevante contribuição1, ao submeterem 262 receptores de transplante
cardíaco ao ultrasom cardíaco, com cerca de apenas um mês do
procedimento. Assumindo como válida, a avaliação prévia da higidez
cardíaca para caracterização como doador (idade média de 33 anos e 56%
de homens), esse elegante estudo pode identificar que nesses corações,
aparentemente saudáveis, 52% possuíam pelo menos um lesão
aterosclerótica (> 0,5 mm) em uma das artérias coronarianas, representando
uma estenose média de 1/3 da luz do vaso. Quando os dados eram analisados
por faixa etária, 60% dos doadores entre 30 e 39 anos de idade já possuíam
lesões relevantes, crescendo a prevalência para 71 e 85%, respectivamente
entre 40 e 49 anos e após os 50 anos de idade, em sua maioria constituída de
lesões proximais e em mais de 90% do tipo excêntricas. Dessa forma,
assumindo que o leitor já completou mais de 25 anos de idade e não é
diferente da maioria dos seus pares, podemos retornar à pergunta básica,
como vai a sua placa coronariana?
Provavelmente inquieto por essa traumatizante revelação (provavelmente já
temos pelo menos uma placa coronariana!), o que devemos fazer? Qualquer
que seja sua resposta, vale a pena ler o final do ensaio e verificar que,
apesar de já possuirmos placas coronarianas, isso não quer dizer que
estejamos à beira de um infarto do miocárdio. 
Revendo a fisiologia coronariana, lembramos que a extração artério-venosa
de oxigênio já é praticamente máxima em repouso no miocárdio, de modo
que, variações de perfusão só podem ser alcançadas por vasodilatação
coronariana, especialmente durante o exercício, quando a demanda aumenta
em várias vezes e o fluxo, especialmente na coronária esquerda
(primariamente diastólico) tende a ser mecanicamente prejudicado pela
maior contratilidade e pela redução proporcionalmente maior da duração da
diástole. Dessa forma, estudar as dimensões da luz coronariana efetiva
(diâmetro menos placa) em repouso para inferir as condições durante o
exercício é semelhante a investigar presença de disfunção erétil a partir de
dados do pênis em estado de repouso. Vários trabalhos têm assinalado a
importância da função endotelial para o risco cardiovascular2, assim como o
impacto favorável do exercício físico regular sobre a capacidade
vasodilatadora coronariana relacionada ao endotélio3 (ver também edição de
out/dez 2000 Cardiologia e Exercício). Parece assim, muito mais importante
para as coronárias ter uma capacidade vasodilatadora normal do que a
eventual presença de placas ateroescleróticas que não ocluam
completamente a luz vascular. Por outro lado, há relações consistentes e
biologicamente plausíveis entre sobrevida e condição aeróbica4, exercício
aeróbico regular5 e intensidade absoluta6 e relativa7 do exercício em
indivíduos saudáveis e em cardiopatas. 
Esse impacto benéfico do exercício físico, inclusive reduzindo mais a
mortalidade cardiovascular do que a reincidência de infartos em pacientes
submetidos à reabilitação cardíaca8, parece não estar apenas relacionado à
função endotelial preservada ou recuperada, mas também a outros
relevantes mecanismos biológicos que estão sendo atualmente estudados.
Uma área interessante tem sido primariamente estudada em animais de
experimentação. O grupo liderado por Scott Powers na Flórida apresentou
dados no ano passado no Brasil e publicou recentemente um elegante
estudo9, verificando que animais treinados submetidos à oclusão curta (20
minutos - isquemia) e/ou longa (60 minutos - infarto) da porção proximal da
artéria descendente anterior apresentavam melhor função ventricular
durante a reperfusão e menor área de infarto. Dados histobioquímicos
apontam para um papel protetor importante desencadeado por um aumento
significativo da superóxido desmutase, decorrente de alterações pós-
transcricionais, levando a uma inibição da peroxidação lipídica e assim, uma
maior estabilidade da membrana e conseqüentemente das funções do
miócito cardíaco.
Parece assim, que podemos deixar um pouco de lado aquelas discussões
sobre colateralização coronariana com o exercício físico regular e priorizar
os aspectos de biologia molecular, assumindo que as placas coronarianas
tendem a ocorrer na maioria dos indivíduos adultos, mas que serão muito
menos relevantes clinicamente naqueles com condição aeróbica acima da
prevista para a idade e que se exercitam regularmente de modo vigoroso.
REFERÊNCIAS
1. Tuzcu EM, Kapadia SR, Tutar E, Ziada KM, Hobbs RE, McCarthy PM,
Young JB, Nissen SE. High prevalence of coronary atherosclerosis in
asymptomatic teenagers and young adults: evidence from
intravascular ultrasound. Circulation 2001;103(22):2705-10.
2. Vita JA, Keaney JF Jr. Endothelial function: a barometer for
cardiovascular risk? Circulation 2002;106(6):640-2.
3. Hambrecht R, Wolf A, Gielen S, Linke A, Hofer J, Erbs S, Schoene N,
Schuler G. Effect of exercise on coronary endothelial function in
patients with coronary artery disease. N Engl J Med 2000;342(7):454-
60.
4. Kavanagh T, Mertens DJ, Hamm LF, Beyene J, Kennedy J, Corey P,
Shephard RJ. Prediction of long-term prognosis in 12 169 men referred
for cardiac rehabilitation. Circulation 2002;106(6):666-71.
5. Williams PT. Physical fitness and activity as separate heart disease risk
factors: a meta-analysis. Med Sci Sports Exerc 2001;33(5):754-61.
6. Paffenbarger RS Jr, Lee IM. Physical activity and fitness for health and
longevity. Res Q Exerc Sport 1996;67(3 Suppl):S11-28. 
7. Lee IM, Sesso HD, Oguma Y, Paffenbarger RS Jr. Relative intensity of
physical activity and risk of coronary heart disease. Circulation
2003;107(8):1110-6.
8. Oldridge NB, Guyatt GH, Fischer ME, Rimm AA. Cardiac rehabilitation
after myocardial infarction. Combined experience of randomized
clinical trials. JAMA 1988;260(7):945-50.
9. Hamilton KL, Staib JL, Phillips T, Hess A, Lennon SL, Powers SK.
Exercise, antioxidants, and HSP72: protection against myocardial
ischemia/reperfusion. Free Radic Biol Med 2003;34(7):800-9.

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