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Encefalomielite aviária Lígia Pedroso Boretti INTRODUÇÃO Encefalomielite aviária (EA) é uma doença infecto-contagiosa de origem viral que acomete principalmente aves jovens (até 3 semanas de idade). Por se tratar de doença que afeta o sistema nervoso, os principais sintomas são ataxia e tremores, especialmente da cabeça e pescoço. Em razão desses sintomas, a doença também é conhecida como tremor epidêmico. As aves adultas, quando infectadas, podem apresentar queda temporária na produção de ovos e diminuição da eclodibilidade. A distribuição é mundial, podendo-se encontrar a doença onde haja criação de aves comerciais. A incidência da doença clínica é baixa, a menos que as matrizes não sejam vacinadas e venham a se infectar após o início da postura. Nesse caso, ocorre transmissão vertical e infecção da progênie, que desenvolverá sinais clínicos. A EA não está relacionada a nenhum problema de saúde pública. HISTÓRICO o primeiro relato da doença foi publicado na revista Science, pela Dra. E. Elizabeth Jones, em 1932, onde foram observados pintos com 2 semanas de idade apresentando tremores de cabeça. Em 1934, Jones reproduziu a doença em aves por inoculação intracerebral de cérebro macerado e filtrado de aves com sintomas. As aves infectadas apresentaram o mesmo quadro de tremores de cabeça e pescoço. Somente em 1958, Schaaf relatou o primeiro controle efetivo da doença por imunização. Em 1960, Calnek et al.l esclareceram a epizootia da doença e, em 1961, o mesmo grupo desenvolveu uma vacina para administração oral, licenciada em 1962, e é utilizada até hoje para imunização de plantéis de aves reprodutoras e de postura comercial. ETIOLOGIA o vírus da EA foi classificado como um enterovírus pertencente à família Picornaviridae. Constitui-se em um RNA vírus, de fita simples e está entre os menores vírus conhecidos. Apresenta um diâmetro médio das partículas de 26,lnm; simetria pentagonal com 32 ou 42 capsômeros, é filtrável e não possui envelope lipídico. Uma vez que a maioria dos desinfetantes comuns age destruindo o envelope viral, o vírus se torna resistente aos desinfetantes comuns, bem como aos ácidos, clorofórmio e calor. Seu reduzido tamanho auxilia-o, também, a resistir à desinfecção. O formol é um desinfetante eficaz contra o vírus de encefalomielite aviária (VEA). Não há diferenças sorológicas entre os vários tipos isolados de VEA, mas algumas distinções podem ser feitas entre as amostras de campo e as adaptadas em embriões. Amostras de Campo Apresentam transmissão horizontal, infectando aves por via oral e disseminando-se pelas fezes. São enterotrópicas e apresentam baixa patogenicidade, exceto para pintos suscetíveis, infectados por transmissão vertical ou por transmissão horizontal precoce, com apresentação de sintomatologia nervosa logo após a eclosão. Algumas amostras tendem a ser mais neurotrópicas que outras, causando graves lesões no SNC. Em aves com mais de 3 ou 4 semanas de idade as cepas de campo são praticamente apatogênicas. As amostras de campo não causam lesões embrionárias. Cepa Adaptada em Embrião (Van Roekel) É altamente neurotrópica e não apresenta transmissão horizontal. Causa lesões macroscópicas nos embriões, como nanismo, hemorragia, encefalomalacia, degeneração muscular e desvio dos membros inferiores. TRANSMISSÃO O vírus da EA apresenta um número limitado de hospedeiros: galinhas, faisões, perus e codornas sucumbem à infecção natural. Experimentalmente patos, pombos e galinhas-d'angola foram infectados. Sob condições naturais, a forma de infecção é essencialmente a via digestiva, na qual ocorre ingestão do vírus que, provavelmente, se replica nas células epiteliais do intestino delgado, entra na corrente sangüínea, via placas de Peyer e vasos linfáticos, atingindo outros locais, como o SNC. A excreção do vírus ocorre pelas fezes e o tempo de eliminação varia de acordo com a idade das aves. Os pintos podem excretar o vírus pelas fezes por 2 a 3 semanas enquanto aves infectadas, após 3 semanas de idade, eliminam por apenas 5 dias. Devido a sua relativa resistência às condições naturais, o vírus permanece infectivo por longos períodos de tempo no meio ambiente. Transmissão Horizontal As principais fontes de infecção na transmissão horizontal do vírus da EA são os alimentos, a água, a cama, os calçados e qualquer equipamento contendo fezes contaminadas. Uma vez que a doença foi introduzi da, a transmissão de ave a ave é rápida em um mesmo galpão, assim como de um galpão para o outro, quando não se tem bons procedimentos de biosseguridade. Nas criações em que há aves de uma única idade, a probabilidade de incidência da doença é menor do que em granjas onde se têm múltiplas idades. Em poedeiras comerciais criadas em gaiolas, a transmissão horizontal ocorre de maneira mais lenta. Além da transmissão oral-fecal, Calnek et al.l sugeriram também uma infecção pela via ocular, o que se tornou eficiente para aplicação da vacina contra a EA, pois permite a replicação viral no trato digestório superior das aves. Na transmissão horizontal precoce, tanto na hora do nascimento no incubatório, como nas próprias granjas logo após o alojamento dos pimos, os sinais nervosos manifestam-se mais tardiamente, entre a segunda e a terceira semana de idade. Transmissão Vertical A transmissão vertical é uma importame forma de disseminação do vírus da EA. Quando, após a maruridade sexual, lotes de fêmeas reprodutoras suscetíveis são expostas ao vírus da doença, estas produzem uma quantidade variável de ovos infectados, podendo chegar a 40%. PERíODO DE INCUBAÇÃO O período de incubação em pintos infectados por transmissão vertical é de um a sete dias, enquanto pintos infectados por contato ou administração oral demoram, no mínimo, 11 dias para manifestar sintomas da doença. Sendo assim, podese concluir que pintos com sinais clínicos antes de 11 dias foram infectados via transovariana. PATOGENIA Em pintos jovens infectados oralmente pelo vírus da EA de campo, a instalação do mesmo se dá no trato digestivo, principalmente no duodeno. Após 3 dias pode ser detectado no pâncreas, fígado e baço. Nos próximos dias pode-se detectar o vírus também no proventrículo, intestino delgado, ceco, músculos esqueléticos e, finalmente, no SNC. Existe uma grande quantidade de antígeno víral no SNC, onde as células de Purkinje e cerebelo são os locais de eleição para a instalação do vírus. Em algumas aves adultas foram detectados antígenos do vírus nos tecidos do trato digestivo e não foram encontrados no SNC, correlacionando positivamente com o não desenvolvimento dos sintomas nervosos na ave adulta. as aves adultas são encontrados títulos elevados no fígado, baço, pâncreas e folículos ovarianos, sendo que nos folículos o vírus permanece com altos títulos por 2 semanas, permitindo a transmissão a grande número de ovos. Cheville (1970) relatou que pintos infectados no primeiro dia de vida geralmente morrem, enquanto os infectados com 8 dias de idade desenvolvem pares ia e podem se recuperar, já a infecção após 28 dias não provoca o aparecimento de sintomas. A imunidade humoral é a base da resistência oferecida pela idade. Provavelmente a atividade humoral bloqueia a disseminação do vírus antes que ele chegue ao SNC. Aves e embriões infectados com cepas adaptadas em ovos apresentaram alterações histopatológicas, como encefalomalacia e distrofia muscular. Após inoculação no saco da gema, o vírus é detectado após três a cinco dias, no cérebro do embrião e posteriormente na maioria dos tecidos. SINAIS CLíNICOS Nos surtos naturais, aparecem em pintos com até 1 a 2 semanas de idade, apesar de terem sido observados sintomas já na eclosão, devido à transmissão verrical. Pintos afetados inicialmente mostram expressão apática dos olhos seguido por ataxia progressiva com incordenação dos movimentos das pernas e asas. Com aumento da ataxia, tendem a se sentar sobre as articulações tibiotársicas. Quando excitados, movem-seexibindo pouco controle sobre a velocidade e o modo de andar. Finalmente param ou caem em decúbito lateral. Os tremores musculares (principalmente da cabeça e pescoço) apresentam intensidade variável e são característicos da EA. Em alguns casos, tremor é o único sintoma observado. A ataxia normalmente progride até que a ave seja incapaz de mover-se (paralisia), seguindo-se a inanição, prostração e morte (sendo freqüentemente pisada e esmagada pelas outras). Alguns pintos com sinais clínicos podem sobreviver e chegar à maturidade sexual e os sinais podem desaparecer completamente. Alguns sobreviventes desenvolvem cegueira devido a uma descoloração azulada e opacidade do cristalino. Há uma marcada resistência à doença em aves infecradas após 3 semanas de idade, pois com o sistema imunológico maduro são capazes de produzir anticorpos neutralizantes suficientes para evitar que a infecção progrida a ponto de se evidenciar sinais clínicos nervosos. As aves adultas podem apresentar uma queda temporária na produção de ovos (5% a 10%), sem alterações significativas na qualidade da casca. A eclodibilidade pode diminuir em até 20% devido, principalmente, à mortalidade embrionária nos últimos dias de incubação. Embora a infecção horizontal pelo vírus possa ocorrer em qualquer idade, os sintomas nervosos só podem ser observados nas primeiras semanas de vida. A mortalidade é de aproximadamente 40 a 60% se todos os pintos são provenientes de reprodutoras infectadas. A mortalidade gira em torno de 25%, mas pode ultrapassar 50%. Estes valores tendem a cair consideravelmente se parte dos pintinhos forem provenientes de reprodutoras imunes. ALTERACÕES ANATOMOPATOLÓGICAS Lesões Macroscópicas Em pintos pode-se observar áreas esbranquiçadas na camada muscular do ventrículo, que correspondem a massas de infiltrados linfocitários. São alterações discretas que requerem prática e condições favoráveis para sua identificação. Em aves adultas, a única alteração macroscópica que pode ser observada é uma opacidade de tonalidade azulada no cristalino. Lesões Microscópicas Histologicamente, as principais lesões são encontradas no SNC e em algumas vísceras. Um ponto importante para o diagnóstico diferencial é o fato de o tecido nervoso periférico não ser afetado. No SNC observa-se uma encefalomielite disseminada não purulenta e freqüentemente enconrra-se infiltrado perivascular em todas as porções do cérebro e medula espinhal, exceto no cerebelo, onde é restrito ao núcleo cerebelar. No mesencéfalo há dois núcleos (n. rotundu e n. ovoidalis); invariavelmente são afetados por uma leve microgliose, que pode ser considerada patognomônica, da mesma forma que a cromatólise central, que ocorre nos neurônios do núcleo do tronco central, particularmente aqueles da medula oblonga. Em geral, os sintomas não podem ser correlacionados à severidade das lesões ou distribuição no SNC. Lesões viscerais podem ser encontradas no proventrículo, local onde normalmente são observados poucos linfócitos na camada muscular; já no caso de infecção por EA surgem densos agregados de linfócitos, o que pode ser considerado patognomônico da doença. No pâncreas, folículos circunscritos são normais, mas no caso de EA, o número aumenta muitas vezes. DIAGNÓSTICO Fatores significativos para o diagnóstico: idade das aves quando apresentam os primeiros sinais clínicos, ausência de lesões macroscópicas, quadro histopatológico e isolamento viral. Para o isolamento, o cérebro constitui-se de uma excelente fonte de vírus, seguido do pâncreas e duodeno. Deve-se inocular um macerado dos órgãos anteriormente citados em ovos em brio nados com 5 a 7 dias de incubação, provenientes de um lote suscetível. A via de inoculação é o saco da gema. Incubamse os ovos e após o nascimento observa-se a ocorrência de sinais clínicos até 10 dias de idade. Na presença dos mesmos, deve-se realizar exame histopatológico, visando encontrar as lesões patognomônicas anteriormente citadas. Pode-se examinar também o cérebro, pâncreas e duodeno de pintos afetados, por imunofluorescência direta ou imunodifusão. Resultados positivos são confirmatórios de diagnóstico, porém resultados negativos não são conclusivos. As aves expostas ao vírus desenvolvem anticorpos que podem ser titulados mediante teste de vírus-neutralização, imunofluorescência indireta, imunodifusão, ELISA e hemaglutinação indireta. Deve-se lembrar que a repetição dos exames neurológicos é necessária em caso de dúvida ou indefinição dos resultados. No caso de vírus-neutralização, usa-se a cepa VR, que é adaptada ao embrião. Deve-se inocular diferentes diluições do vírus misturando com o soro em ovos embrionados com 6 dias de incubaçao, via saco da gema. Após 10 a 12 dias os embriões são examinados a fim de se enconrrar lesões como nanismo, distrofia muscular e hemotragia. Um índice de neutralização acima de 1,1 é considerado como positivo de exposição prévia ao vírus. Os anticorpos podem ser detectados 12 dias após a infecção e permanecem em níveis significantes por vários dias. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Deve-se diferenciar a EA das seguintes doenças: Doença de Newcastle (DNC). A EA acomete aves até 3 semanas de idade, período em que a DNC também pode ocorrer. Pode-se confundir as duas doenças pelo fato de ambas causarem sinais neurológicos, porém, podem ser diferenciadas pelas lesões macro e microscópicas e também por sorologia, como a inibição da hemaglutinação (H I) para DNC. Doença de Marek. Pode ser diferenciada da EA por ocorrer mais tardiamente e também pelo quadro macroscópico de linfomatose dos diferentes órgãos, assim como pela histopatologia (lesão em SNC e SNP). EncefaIomaIacia nutricionaI (deficiência de vitamina E em matrizes). Geralmente ocorre mais tarde e pode ser diferenciada da EA pelas lesões macroscópicas, como hemorragia cerebral, e pelo exame histopatológico. Devem ser descartadas as suspeitas de deficiências nutricionais causadas por vitamina E, vitamina D tiamina, riboflavina, assim como por minerais, como o cálcio e fósforo. Existe também a possibilidade de intoxicação por drogas normalmente utilizadas na avicultura, como os ionóforos e nitrofuranos. Quedas bruscas na produção de ovos em aves adultas podem ser causadas por bronquite infecciosa, doença de Newcasrle (DNC) , síndrome da queda de postura (EDS-76) ou más técnicas de manejo. As técnicas sorológicas-padrão geralmente confirmam a causa do problema. PREVENÇÃO E CONTROLE Por se tratar de uma doença viral não há tratamento para a EA, no entanto, recomenda-se a separação dos pintos que apresentam sintomatologia nervosa para locais de fácil acesso à água e ração, pois pode ocorrer a recuperação natural de algumas aves. O controle da doença é feito pela vacinação de reprodutoras e aves de postura, durante a fase de recria, para garantir que não se infectarão após a maturidade. A imunidade humoral das reprodutoras, transmitida via saco da gema à progênie, e capaz de proteger os pintos contra desafios de campo até a terceira semana de idade. A vacinação deve ser feita após a oitava semana de idade, o ideal é vacinar pelo menos 10% do plantel entre 10 e 12 semanas de idade. Após 4 semanas, devem-se realizar provas sorológicas para constatação da eficácia da imunização. Dependendo dos resultados, uma nova vacinação deve ser feita, mas tomando-se a precaução de não ultrapassar o limite de 4 semanas ames do início da produção, a fim de garantir imunidade à progênie, e evitar a transmissão vertical, se a vacina é com vírus vivo. A vacina mais usada é a viva (atenuada ou não), propagada (mas não adaptada) em embrião, que pode ser encomrada na forma congelada ou liofilizada. As vias de administração são: água de beber, spraye via membrana da asa. Existe também a vacina inativada, cuja recomendação é para plantéis que já iniciaram a postura ou quando o vírus vivo é contra-indicado.
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