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Filosofia da Educação - Pedagogia UERJ CEDERJ Material Completo

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cadernos didáticos/Atividade prático-poiética.pdf
 filosofia da educação filosofia da educação 
 
 
 
postpost --scriptum 1scriptum 1 
A EDUCAÇÃO COMO ATIVIDADE PRÁTICOA EDUCAÇÃO COMO ATIVIDADE PRÁTICO--
POIÉTICAPOIÉTICA 
	
  
A	
  expressão	
  prático-­‐poiética	
  tenta	
  resolver	
  um	
  falso	
  impasse	
  entre	
  duas	
  possibilidades	
  que,	
  na	
  Etica a 
Nicômaco,	
  Aristóteles	
  elencou,	
  ao	
  analisar	
  os	
  tipos	
  de	
  atividade	
  humana.	
  	
  
	
  
AS ATIVIDADES «POIAS ATIVIDADES «POIÉTICAS»ÉTICAS» 
Há,	
  dizia	
  o	
  filósofo,	
  entre	
  as	
  atividades	
  a	
  que	
  se	
  dedicam	
  os	
  humanos,	
  algumas	
  que	
  têm	
  uma	
  finalidade	
  
objetiva,	
  finalidade	
  que	
  é	
  possível	
  definir	
  antecipadamente.	
  E	
  isso	
  porque	
  estas	
  atividades	
  visam	
  sempre	
  
uma	
  produção,	
   a	
   produção	
  de	
   algo	
   de	
   bem	
  determinado,	
   sendo	
   chamadas	
   de	
   «poiéticas»	
   –	
   do	
   grego	
  
poíesis,	
  que	
  significa	
  fabricar,	
  fazer.	
  Daí	
  se	
  segue	
  que	
  essas	
  atividades	
  não	
  têm	
  sentido	
  se	
  não	
  atingem	
  
este	
   objetivo,	
   se	
   não	
   produzem	
   este	
   resultado	
   que	
   é,	
   aliás,	
   sua	
   única	
   razão	
   de	
   ser	
   –	
   elas	
   não	
   têm,	
  
portanto,	
   fim	
  em	
  si	
  mesmas.	
  E	
  quando,	
  por	
   fim,	
  elas	
  cumprem	
  sua	
   finalidade,	
   realizando	
  seu	
  produto,	
  
elas	
   são	
   dadas	
   por	
   encerradas.	
   Note-­‐se,	
   assim,	
   que	
   as	
   atividades	
   denominadas	
   de	
   «poiéticas»	
   são	
  
aquelas	
  que	
  têm	
  não	
  apenas	
  uma	
  finalidade	
  precisa,	
  mas	
  também	
  um	
  término	
  que	
  pode	
  ser	
  claramente	
  
fixado:	
   e	
   assim	
   sendo,	
   elas	
   podem	
   ser	
   avaliadas	
   objetivamente,	
   em	
   função	
   da	
   realização	
   de	
   um	
  
«produto»	
  exterior	
  a	
  elas.	
  	
  
Ü A	
  atividade	
  educacional	
  deve	
  ser	
  compreendida	
  como	
  poiética,	
  na	
  medida	
  em	
  que	
  é	
  necessário	
  
que	
   se	
   fixem	
   para	
   ela	
   objetivos	
   comuns	
   e	
   públicos,	
   capazes	
   de	
   fornecer	
   parâmetros	
   para	
   o	
  
acompanhamento,	
  a	
  prestação	
  de	
  contas	
  e	
  a	
  avaliação	
  do	
  trabalho	
  realizado.	
  Mas	
  houve	
  uma	
  
corrente,	
  bastante	
  difundida	
  nos	
  anos	
  1970,	
  que	
  proclamava	
  que	
  o	
  êxito	
  do	
  processo	
  educacional	
  
 filosofia da educação filosofia da educação 
 
 
 
dependia	
  quase	
  que	
   inteiramente	
  da	
  fixação	
  de	
  «objetivos	
   instrumentais»,	
   isso	
  é,	
  que	
  afirmava	
  
que	
  o	
  professor	
  devia	
  ser	
  capaz	
  de	
  traduzir	
  todas	
  as	
  suas	
  finalidades	
  em	
  uma	
  lista	
  de	
  metas	
  bem	
  
objetivas	
  e	
  facilmente	
  observáveis.	
  
Aristóteles	
   também	
   identificou,	
   porém,	
   atividades	
   para	
   as	
   quais	
   não	
   se	
   podiam	
   designar	
   fins	
  
objetiváveis,	
  já	
  que	
  elas	
  não	
  visam	
  nenhuma	
  finalidade	
  além	
  de	
  seu	
  próprio	
  exercício.	
  Não	
  se	
  concluindo	
  
pela	
   realização	
   de	
   nenhum	
   «produto»,	
   não	
   tendo	
   uma	
   finalidade	
   exterior	
   a	
   elas,	
   diz-­‐se	
   que	
   estas	
  
atividades	
  têm	
  fim	
  em	
  si	
  mesmas,	
  ou	
  que	
  elas	
  são	
  seu	
  próprio	
  fim.	
  Aristóteles	
  as	
  apelidou	
  de	
  «práticas»,	
  
na	
  medida	
  em	
  que	
  elas	
  são	
  definidas,	
  não	
  por	
  um	
  produto,	
  mas	
  por	
  uma	
  ação	
  –	
  em	
  grego,	
  prâxis.	
  As	
  
atividades	
   práticas	
   não	
   se	
   concluem	
   forçosamente	
   pela	
   fabricação	
   de	
   um	
   «produto»:	
   isso	
   torna	
  
impossível	
   a	
   fixação	
   de	
   um	
   momento	
   preciso	
   e	
   definitivo	
   para	
   seu	
   encerramento,	
   tanto	
   quanto	
  
impossibilita	
  qualquer	
  tentativa	
  de	
  se	
  proceder	
  à	
  sua	
  «avaliação	
  objetiva».	
  	
  
Ü Na	
  medida	
  em	
  que	
  se	
  pode	
  dizer	
  que	
  a	
  ação	
  educacional	
  consiste	
  essencialmente	
  na	
  formação,	
  
ou	
   na	
   auto-­‐formação	
   humana,	
   cabe	
   defini-­‐la	
   como	
   uma	
   atividade	
   prática:	
   como	
   fixar	
   um	
   fim	
  
para	
   a	
   auto-­‐formação,	
   separá-­‐la	
   artificialmente	
   da	
   própria	
   existência?	
   Como	
   avaliar	
  
objetivamente	
  uma	
  ação	
  que	
  não	
  tem	
  um	
  «resultado»	
  ou	
  um	
  «efeito»	
  preciso,	
  mas	
  refere-­‐se	
  ao	
  
que	
  cada	
  humano	
  é	
  e	
  faz	
  de	
  si?	
  
Examinando	
  os	
   limites	
  da	
  distinção	
  operada	
  por	
  Aristóteles,	
  Cornelius	
  Castoriadis	
   identificou	
  três	
  casos	
  
em	
  que	
  ela	
  não	
  parece	
  adequada,	
   todos	
  eles	
   relativos	
  a	
  atividades	
  de	
   formação	
  humana:	
  a	
  política,	
   a	
  
educação	
  e	
  a	
  psicanálise.	
  É	
  fácil	
  verificar	
  o	
  que	
  Castoriadis	
  pretendia,	
  observando	
  a	
  educação,	
  da	
  qual	
  se	
  
deve	
   dizer	
   que	
   é	
   tanto	
   uma	
   poíesis	
   quanto	
   uma	
   prâxis.	
   Por	
   um	
   lado,	
   sucessivas	
   «objetivações»	
   são	
  
necessárias,	
  já	
  a	
  educação	
  se	
  passa	
  entre	
  humanos,	
  que	
  precisam	
  de	
  definições	
  para	
  agir	
  e	
  se	
  comunicar;	
  
mas,	
  por	
  outro	
  lado,	
  estas	
  definições	
  têm	
  aqui	
  um	
  caráter	
  não	
  somente	
   limitado,	
   	
  não	
  dando	
  conta	
  de	
  
tudo	
   que	
   o	
   processo	
   significa,	
   como	
   provisório,	
   já	
   que	
   elas	
   forçosamente	
   se	
  modificam,	
   ao	
   longo	
   do	
  
processo.	
  O	
  professor	
  não	
  pode	
  perder	
  de	
  vista	
  estes	
  «objetivos	
  limitados	
  e	
  provisórios,	
  mas	
  tampouco	
  
pode	
  se	
  fiar	
  inteiramente	
  neles,	
  porque	
  isto	
  seria	
  reduzir	
  a	
  educação	
  a	
  um	
  mero	
  treinamento…	
  	
  
Tomemos	
  a	
  finalidade	
  mais	
   importante	
  da	
  educação,	
  a	
  construção	
  da	
  autonomia:	
  repare-­‐se	
  que	
  ela	
  se	
  
constitui,	
   ao	
   mesmo	
   tempo,	
   no	
   fim	
   a	
   ser	
   buscado	
   e	
   na	
   própria	
   atividade.	
   Em	
   outras	
   palavras,	
   na	
  
 filosofia da educação filosofia da educação 
 
 
 
educação,	
   o	
   processo	
   e	
   o	
   produto,	
   os	
   meios	
   e	
   os	
   fins	
   se	
   confundem,	
   não	
   há	
   como	
   distingui-­‐los	
  
inteiramente:	
  por	
  isso	
  cabe	
  defini-­‐la	
  como	
  uma	
  atividade	
  prático-­‐poiética.	
  	
  
Na educação, a autonomia é, concomitantemente, o meio para se chegar ao fim e o próprio fim 
buscado. 
 
cadernos didáticos/Texto 1.pdf
 ffiilloossooffiiaa ddaa eedduuccaaççããoo 
 
 
 
1 
 
 
 
tteexxttoo 11 
PPOORR UUMMAA DDEEFFIINNIIÇÇÃÃOO FFIILLOOSSÓÓFFIICCAA DDAA 
EEDDUUCCAAÇÇÃÃOO
ccoonnttrriibbuuiiççõõeess ddaa ffiilloossooffiiaa ppaarraa ppeennssaarr oo ffaazzeerr eedduuccaattiivvoo 
 
 
Haveria, ainda hoje, sentido em se buscar a filosofia para definir a educação? O que 
teria, atualmente, a filosofia a contribuir para a teoria sobre a educação? 
Para aqueles que a ela não foram introduzidos, a filosofia passa freqüentemente por ser 
um conhecimento abstrato e distante de tudo o que se vive, e o seu ensino uma longa 
enumeração de respostas que autores do passado remoto forneceram a questões que não são 
mais as nossas, que jamais nos ocorreria interrogar. Em uma palavra, um conhecimento… inútil 
e enfadonho, e ainda por cima muito difícil de ser apreendido. 
Se hoje essa maneira de ver as coisas se apóia em velhos preconceitos e em um certo 
acomodamento mental, isso nem sempre foi assim: no passado, longe de nascer das 
resistências que a reflexão pode engendrar face ao imediatismo e à rapidez que nosso estilo de 
vida comporta atualmente, ela se constituiu numa reação contra o poder dogmático que em 
 ffiilloossooffiiaa ddaa eedduuccaaççããoo 
 
 
 
2 
 
nome da filosofia foi exercido pelo Estado, pela tradição ou pelos religiosos. A substituição da 
antiga autoridade filosófica pelas referências provenientes do saber científico consolidou-se no 
século passado, em função da crescente confiabilidade que esse último alcançou, e foi 
finalmente selada, em nossos tempos, pela definitiva adoção da identidade que as «ciências da 
educação» passaram a conceder à pedagogia. 
 
Assim, resume Franco Cambi, no século XX o saber pedagógico se emancipou do modelo 
metafísico que, desde a antigüidade até pelo menos o século XVII, dominou a educação, 
fornecendo definições acabadas sobre sua natureza e seus fins. 
…o declínio do modelo metafísico da pedagogia (…) tinha começado 
entre os séculos XVII e XVIII, com Locke, aumentando depois com 
Rousseau e Kant, com o romantismo e o positivismo, para expandir-se 
em nosso século, onde permaneceu como apanágio de posições… como 
o idealismo, como o pensamento católico, neoescolástico ou 
espiritualístico). A centralidade da especulação filosófica como guia da 
pedagogia foi substituída no pensamento contemporâneo pela 
centralidade da ciência, e de uma ciência autônoma, cada vez mais 
autônoma em relação à filosofia.1 
A concepção histórica que Cambi defende para a pedagogia – a concepção científica – 
manteve-se largamente dominante na educação a partir da modernidade, sobretudo no que se 
refere à definição da prática educacional, que teria sido libertada da dependência das verdades 
definidas de uma vez por todas pela metafísica. Antes, o fazer educativo era apenas um espaço 
de aplicação das leis e determinações absolutas engendradas pela especulação; com o advento 
da ciência, introduz-se uma atitude radicalmente diferente, que enfatiza e valoriza a criação e 
 
1 Franco Cambi, História da Pedagogia. São Paulo: Ed. UNESP, 1999, p. 402. 
 ffiilloossooffiiaa ddaa eedduuccaaççããoo 
 
 
 
3 
 
experimentação de novos métodos e procedimentos técnicos para o ensino, tanto quanto para 
a administração da educação escolarizada. 
Na definição cientificista da educação, o fazer educativo é campo de permanente 
exploração das ciências humanas – feitas, agora, «ciências da educação». Assim, a influência da 
filosofia foi sendo substituída pela autoridade do conhecimento científico, que, à medida que 
vai se especializando e complexificando, passa a fornecer tantas definições para a educação 
quantos são os ramos da ciência e, em seu interior, as correntes assumidas pelos cientistas. 
Para muitos, isso representou a superação definitiva do pensamento filosófico, como 
fonte de construção dos sentidos do que é a educação, de suas finalidades, de como e porque 
se deve ensinar. E, de fato, para muitos, sem o aval que a crença numa verdade absoluta e 
incorruptível lhe outorgava, isso é, sem poder recorrer à autoridade metafísica, que a ciência 
havia destronado, a filosofia teria que ter seu papel definitivamente reduzido. De disciplina 
específica e soberana, que anunciava as verdades que nada nem ninguém poderia contestar, 
tudo a que ela poderia aspirar, de agora por diante, era ao posto de uma reflexão que as 
ciências deveriam manter sobre sua própria prática – sobre seu método, sobre sua coerência 
interna, sobre a validade de seus argumentos, definições e deduções, em sua contextualização 
histórica. A filosofia havia se transformado em apenas um momento do fazer metodológico do 
investigador. 
Mas, paralelamente a essa redução a que foi submetida pela ciência, que a tornou uma 
etapa especializada de seu fazer investigativo, a filosofia se viu – como, por exemplo, no caso da 
política e da educação – objeto do movimento oposto, que a ampliou de uma forma inaudita. 
 ffiilloossooffiiaa ddaa eedduuccaaççããoo 
 
 
 
4 
 
Assim, no início do século, Antonio Gramsci proclamava: «todos são filósofos»!2 No campo da 
educação, a concepção gramsciana de filosofia exerceu uma enorme influência, sobretudo a 
partir dos anos 1980, vindo somar-se a uma tendência mais antiga, de designar como filosofia 
não mais uma atividade conscientemente realizada, mas, genericamente, um «modo de ser» de 
um indivíduo ou de um grupo: 
Na medida de nossas forças, construímos, então, uma filosofia e a ela 
nos acomodamos, tão bem como tão mal, em nossa ânsia e inquietação 
de compreender e de pacificar o espírito. Tais filosofias individuais não 
se articulam, porém, em sistemas filosóficos. Esses, quando não são 
criações pedantes de gabinete, mas expressões reais de filosofia, 
representam e caracterizam uma época, um povo ou uma classe de 
pessoas. Porque, no sentido realístico de que falamos de filosofia, tal 
seja a vida, tal seja a civilização, tal será a filosofia. A filosofia de um 
grupo que luta corajosamente para viver, não é a mesma de outro cujas 
facilidades transcorrem em uma tranqüila e rica abundância. Conforme 
o tipo de experiência de cada um, será a filosofia de cada um.3 
Ou, como resumiu o autor dessas palavras, o educador Anísio Teixeira: «conforme o tipo 
de experiência de cada um, será a filosofia de cada um»4. Face à decadência dos grandes 
sistemas teóricos e das verdades que produziam, a filosofia já pode ser confundida com a 
própria «a atividade de pensar»5. 
É bem verdade que essa definição mais «democrática» da filosofia rompia com o 
elitismo que consistia em reservar o saber a uma pequena elite afastada do cotidiano dos seres 
«comuns»; mas, em contrapartida, ao naturalizar a prática filosófica – isso é, ao supor que a 
 
2
 Antonio Gramsci, Introdução ao estudo da filosofia e do materialismo histórico. Alguns pontos de referência 
preliminares, in Obras escolhidas. Lisboa: Editorial Estampa, 1974, p. 25. 
3
 Anísio Teixeira, Pequena introdução à filosofia da educação – A Escola Progressiva ou A Transformação da Escola. 
6 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. p. 170) 
4
 Id., ibid., p. 170. 
5 Id., ib., p. 168. 
 ffiilloossooffiiaa ddaa eedduuccaaççããoo 
 
 
 
5 
 
filosofia se realiza sempre e em toda parte, espontâneamente, sem que seja necessária 
qualquer decisão deliberada, ao identificar inteiramente a cultura de um povo a uma filosofia – 
essa tendência por ocultar o que significou, em sua origem, a invenção da filosofia. Pois a 
filosofia não começou como um «pensar» genérico,
nem apareceu do movimento irrefletido 
pelo qual as sociedades se constróem estabelecendo valores, normas, costumes e finalidades 
comuns: sua invenção está historicamente ligada à invenção da democracia, correspondendo ao 
projeto de crítica e superação dos dogmas e das dominações, ao projeto de autonomia. Decerto 
esta vocação original da filosofia foi muito cedo interrompida, para começar com a escola 
platônica, que se opôs firmemente a mais de duzentos anos de tradição democrática; e não há 
como negar que a história da filosofia é uma história elitista. Mas também é preciso dizer que 
foi como luta contra este elitismo que as mais belas páginas filosóficas foram escritas. Há que se 
temer que a naturalização da filosofia leve não só a desperdiçar esse rico patrimônio que é o de 
nosso pensamento, mas, o que é ainda pior, a que nossa atualidade rompa definitivamente com 
ele, tornando-se cegamente submissa aos novos dogmas e dominações de nossa sociedade. 
Definida como atividade plenamente inserida na vida cotidiana de cada um – 
pesquisador ou homem comum, a filosofia torna-se o campo das escolhas, dos valores. Mas – 
questão que os filósofos nunca deixaram de fazer – em que então a filosofia, a reflexão, se 
apoiaria, para fundamentar essa decisão? Como, para a modernidade, a filosofia só é atividade 
especializada se ela se fizer «científica», a resposta mais evidente é: ela deveria se amparar na 
crítica racional, na razão científica que se emancipou do dogmatismo metafísico. Considerando 
a imensidão do terreno sobre o qual se debruça o «pensar» e o agir humano, como garantir, em 
 ffiilloossooffiiaa ddaa eedduuccaaççããoo 
 
 
 
6 
 
toda parte e sempre, o domínio das regras científicas? É preciso convir que é impossível fazer 
caber a realidade humana nos estreitos limites da racionalidade científica. Assim, deduz Anísio 
Teixeira, tudo que não decorre das certezas rigorosas da razão, deve ser comparado à arte, à 
profecia… à crença: 
A filosofia não busca verdade no sentido estritamente científico do 
termo, mas valores, sentido, interpretações mais ou menos ricas de vida. 
Vai às «causas últimas» para usar a velha expressão, porquanto nos 
deve levar à compreensão mais larga, mais profunda e mais cheia de 
sentido que for possível obter, do universo, à vista de tudo que o 
homem fez e conhece na terra. A filosofia tem, assim, tanto de literário 
quanto de científico. Científicas devem ser as suas bases, os seus 
postulados, as suas premissas; literárias ou artísticas as suas conclusões, 
a sua projeção, as suas profecias, a sua visão. E, nesse sentido, a filosofia 
se confunde com a atividade de pensar, no que ela encerra de 
perplexidade, de dúvida, de imaginação e de hipotético. Quando o 
conhecimento é suscetível de verificação, transforma-se em ciência, e 
enquanto permanece como visão, como simples hipótese de valor, 
sujeito aos vaivéns da apreciação atual dos homens e do estado 
presente de suas instituições, diremos, é filosofia.6 
Haveria, pois, uma produção científica da educação que teria por tarefa a identificação 
de determinações observáveis, de regularidades verificáveis, de explicações capazes de dotar o 
fazer educativo de instrumentos de controle, de predição e de planificação; e haveria, também, 
uma produção filosófica da educação, que, mantida e apoiada pela própria racionalidade 
científica, estaria presente e atuante nas «ciências da educação». Quanto àquilo que a razão 
não pode afiançar, essa seria uma elaboração filosófica que, não podendo se converter em 
ciência, deveria permanecer como intuição, como «visão», como «hipótese de valor». 
 
6 Id., ibid., p. 168. 
 ffiilloossooffiiaa ddaa eedduuccaaççããoo 
 
 
 
7 
 
É que, a partir da modernidade, a educação – como tantos outros domínios da vida 
social – esteve inteiramente subjugada pela valorização do saber, ou dos saberes científicos. 
Essa confiança na razão foi tão desmesurada que aquilo que se apresentara originalmente como 
resposta de ruptura do dogmatismo da metafísica, acabou por se tornar como um novo dogma. 
E, tal como ocorrera com a filosofia, ainda que abrindo espaço para muitos inegáveis avanços, a 
ciência não tardou a pretender apresentar-se como saber absoluto. 
Especialmente no campo das ciências humanas, e muito particularmente na formação 
humana, a aspiração a um saber totamente objetivo, a pretensão à certeza, ainda que 
disfórmica e conflituosa, sobre o enigma humano, sobre o enigma da educação estão na base 
do dogma científico e toda a mistificação em torno dos «métodos» geniais, das «técnicas» todo-
poderosas e das «tecnologias» milagrosas. 
Ora, da insistência – anteriormente metafísica e, na modernidade, científica – na 
identificação de fontes legítimas para a explicação, o controle e a predição do sentido humano e 
social resulta a incapacidade de lidar com o que não pode ser inteiramente determinado, 
definido de antemão, resulta também a tendência a querer eliminar totalmente do horizonte de 
nossas preocupações o processo pelo qual o homem cria, continuamente, social e 
coletivamente, as determinações para seu modo de existência individual e coletiva. 
De modo que se, sob a influência científica, o fazer educacional de fato se «emancipou» 
das concepções dogmáticas da filosofia, que o reduziam a mero terreno de aplicação de suas 
verdades, foi só para melhor se submetê-lo ao domínio da autoridade científica – que, ela 
 ffiilloossooffiiaa ddaa eedduuccaaççããoo 
 
 
 
8 
 
também, pretendeu estabelecer, antecipadamente, as regras e os procedimentos pelos quais a 
educação deveria forçosamente se pautar. 
Assim sendo, a natureza indeterminada e indeterminável do fazer educativo, pela qual 
ele existe como criação permanente de um sentido sempre singular, e como deliberação 
racional e razoável que só a liberdade pode colocar em perspectiva, acabou mais uma vez sendo 
ocultada. 
A democracia é o projeto de romper o fechamento em nível coletivo. A 
filosofia, que cria a subjetividade com capacidade de refletir, é o projeto 
de romper com o fechamnto do pensamento… O nascimento da filosofia 
e o nascimento da democracia não coincidem, eles co-significam. Ambos 
são expressões e encarnações centrais do projeto de autonomia.7 
Portanto, sob a perspectiva democrática, isso é, à luz do projeto de autonomia individual 
e coletiva, a filosofia não é a atividade espontânea pela qual as sociedades criam seus costumes, 
valores, representações e finalidades, mas a forma sistemática e deliberada de interrogar esta 
criação. Ela é a busca de definição, em primeiro lugar, do espaço que cabe à deliberação e à 
iniciativa humana: individualmente, como decisão que constitui a conduta ética; e, 
coletivamente, como política, nessa acepção que, em grande escala, o autor mencionado 
compartilhava com Hannah Arendt. 
Do ponto de vista, ainda, da democracia, tampouco a crítica da modernidade ao 
pensamento metafísico pode ser avaliada pelo que dela resultou, ou pelo seu «fracasso»: mais 
do que um acontecimento meramente intelectual, à modernidade corresponderam conquistas 
 
7
 Cornelius Castoriadis, «O fim da filosofia?» in Encruzilhadas do Labirinto III – O Mundo fragmentado. Rio de 
Janeiro: Paz e Terra, 1991, p. 235. 
 ffiilloossooffiiaa ddaa eedduuccaaççããoo 
 
 
 
9 
 
sociais que a tornaram um momento muito especial de criação social-histórica. Nesse
momento, e após muitos séculos, a definição filosófica da educação voltou a buscar, na 
radicalidade de sua tradição de questionamento, seu caráter eminentemente instituinte. 
Essa dimensão instituinte do fazer educativo foi proclamada com insistência durante o 
período da Revolução Francesa, que redescobriu a direta relação entre este fazer e a instituição 
política da sociedade. Decorre daí uma nova definição filosófica da educação, uma definição 
política. Aos poucos, porém, em face das exigências de construção de uma sociedade nova e 
unificada, a autoridade científica foi retomando o poder que havia sido subtraído ao dogma: a 
prática do controle se reinstituiu, pela ambição ampliada de uma definição científica da 
educação, que promove as «ciências da educação» em referências absolutas para os métodos e 
procedimentos de administração e de realização do fazer educativo. Muito particularmente a 
psicologia – no que se refere aos aspectos individuais – e a estatística – no que se refere ao 
aspecto coletivo – passam a ser irrestritamente valorizadas no campo educativo. 
Não se pode dizer que essas definições especializadas da educação tenham liberado o 
fazer educativo de seus enigmas, apenas ajudaram a ocultá-lo. 
Sem dúvida, nossos tempos já não desconhecem os efeitos nefastos do mito do 
«progresso» técnico-científico, que Jean-Jacques Rousseau começara a denunciar, e os riscos da 
descontrolada ambição de domínio racional da realidade. Como diria Agnes Heller, hoje 
sabemos que tudo tem seu preço. Mas nem por isso nos tornamos mais capazes de interferir, 
coletivamente, sobre esses processos. Nem por isso nos tornamos mais imunes à sedução do 
mito da eficácia das técnicas e da validade universal dos discursos especializados. 
 ffiilloossooffiiaa ddaa eedduuccaaççããoo 
 
 
 
10 
 
Por isso, na área da educação, as diferentes disciplinas dificilmente convergirão para 
uma compreensão organizada e harmônica da realidade humana e social – e não é essa a 
função da filosofia. 
Ao contrário, sem o questionamento de seus limites, essas perspectivas continuarão 
disputando o privilégio de fornecer a definição acabada e total para a educação, sob a forma da 
resposta mais conveniente para os dilemas que ela coloca. Mas a tentação de fornecer as 
explicações acabadas para o humano e a sociedade é um traço comum entre a ciência e a 
filosofia da modernidade. 
Um dos maiores expoentes da filosofia moderna, Immanuel Kant havia começado a 
demonstrar os limites do conhecimento científico, no que se refere ao homem e à sociedade: 
sob esse aspecto, sua contribuição para a definição filosófica da educação é inegável, ainda que 
pouco explorada. No entanto, ele julgou poder estabelecer não só os fundamentos universais e 
absolutos para o entendimento humano, mas também as bases inquestionáveis de um 
«conhecimento prático», sucumbindo à tentação de estabelecer parâmetros universais que 
reduziriam a educação a uma simples questão de método. Todavia, qualquer «definição» que 
parta apenas das determinações que pesam sobre a natureza humana e social, e não, 
igualmente, do questionamento dos limites dessas determinações é nefasta para a educação. 
Volta-se, assim, repetidamente, à tradição platônica, e à herança metafísica: 
Com Platão começa a torção, e a distorção, platônica que dominou a 
história da filosofia ou, pelo menos, a sua principal corrente. O filósofo 
deixa de ser um cidadão. Sai da pólis, ou coloca-se acima dela, e diz às 
 ffiilloossooffiiaa ddaa eedduuccaaççããoo 
 
 
 
11 
 
pessoas o que devem fazer, deduzindo isso de [seu próprio 
conhecimento]8 
Começa com Platão, diz Cornelius Castoriadis, a crença de que se possa encontrar uma 
teoria única e válida para todas as questões sobre o humano, uma ontologia unitária, da qual, 
em seguida, se tenta derivar o regime político ideal. É essa a «torção e a distorção» que sofrem, 
primeiramente, a filosofia e, em seguida, a ciência moderna: a de acreditar que o conhecimento 
pode e deve substituir a liberdade humana. 
Em fins do século XIX, Friedrich Nietzsche afirmava que só seríamos de fato «modernos» 
quando, enterrando de uma vez por todas a tradição platônica, abraçássemos definitivamente o 
nihilismo. Não haveria, então, outra opção, para superar o ideal do saber absoluto? 
Não são poucos os que, buscando evitar os erros modernos, acabam por ceder ante 
outras seduções, como a do subjetivismo e do relativismo das concepções que pretendem que 
nada é possível dizer sobre o humano, e que suspeitam das intenções dominadoras de todo 
projeto educativo. Dessa forma, alguns críticos pós-modernos renunciam à filosofia como práxis 
e à educação como ação deliberada e racional. 
Mas, feita compromisso racional e deliberado com o projeto de autonomia, a filosofia 
pode definir a educação como prática de formação coletiva de subjetividades reflexivas e 
deliberantes de que a democracia carece. 
Mas não há método, ou regra, ou receita, que garanta antecipadamente o êxito de uma 
empreitada em que se trata, na verdade, de socializar os indivíduos, com base nas instituições 
 
8
 Idem, p. 236-237. 
 ffiilloossooffiiaa ddaa eedduuccaaççããoo 
 
 
 
12 
 
heterônomas da sociedade (e já encarnadas por eles), para a criação de um novo modo de 
existência individual e coletiva, em que a autonomia seja possível. 
Não há método, ou regra, ou receita eficaz para garantir que se vai desistir para sempre 
de toda ambição de controle da educação; ou para garantir que se vá admitir a liberdade, a 
rebeldia, o erro, a singularidade do aluno – sua auto-criação concretamente manifestada – não 
como um obstáculo, mas como uma condição essencial da construção comum da educação. Não 
há método, ou regra, ou receita, que garanta antecipadamente o êxito de uma empreitada em 
que se trata de realizar, a cada dia, a descoberta do imponderável da criação, com base em 
todas as teorias e métodos e técnicas que, tomados dogmaticamente, acabam por ocultá-la. 
Não há método, ou regra, ou receita, que garanta antecipadamente o êxito do fazer educativo. 
Eis o que é próprio da definição filosófica da educação: à luz do projeto de autonomia humana, 
individual e coletiva, elucidar o enigma do fazer educativo (cf. infra, p. 22). 
 
 
13 
 
AANNÍÍSSIIOO TTEEIIXXEEIIRRAA 
 
 
 
 
 
Na medida de nossas forças, construímos, então, uma filosofia e a ela nos acomodamos, tão bem 
como tão mal, em nossa ânsia e inquietação de compreender e de pacificar o espírito. Tais 
filosofias individuais não se articulam, porém, em sistemas filosóficos. Esses, quando não são 
criações pedantes de gabinete, mas expressões reais de filosofia, representam e caracterizam 
uma época, um povo ou uma classe de pessoas. Porque, no sentido realístico de que falamos de 
filosofia, tal seja a vida, tal seja a civilização, tal será a filosofia. A filosofia de um grupo que luta 
corajosamente para viver, não é a mesma de outro cujas facilidades transcorrem em uma 
tranqüila e rica abundância. Conforme o tipo de experiência de cada um, será a filosofia de cada 
um… 
TEIXEIRA, A. Pequena introdução à filosofia da educação – 
A Escola Progressiva ou A Transformação da Escola. 
6 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2000, p. 170. 
 
 
A filosofia se traduz, assim, «em educação, e educação só é digna desse nome 
quando está percorrida de uma larga visão filosófica. Filosofia da educação não é, 
pois, senão o estudo dos problemas
que se referem à formação dos melhores 
hábitos mentais e morais em relação às dificuldades da vida social 
contemporânea.» [Dewey]. Considerada assim, a filosofia, como a investigadora 
dos valores mentais e morais mais compreensivos, mais harmoniosos e mais ricos 
que possam existir na vida social contemporânea, está claro que a filosofia 
dependerá, como a educação, do tipo de sociedade que se tiver em vista. 
Id., p. 171) 
 
De todos os lados [da educação] lhe batem à porta. De todos os lados as 
instituições humanas se abalam e se transformam. Transforma-se a 
família, transforma-se a vida econômica, transforma-se a vida industrial, 
transforma-se a igreja, transforma-se o estado, transformam-se todas as 
instituições, as mais rígidas e as mais sólidas – e de todas essas 
transformações chegam à escola um eco e uma exigência… A escola tem 
que dar ouvidos a todos e a todos servir. Será o teste de sua flexibilidade, 
da inteligência de sua organização e da inteligência dos seus servidores. 
Esses têm de honrar as responsabilidades que as circunstâncias lhes 
confiam, e só o poderão fazer, transformando-se a si mesmos e 
transformando a escola. 
(Id., p. 173) 
 
 
14 
 
 
CCOORRNNEELLIIUUSS CCAASSTTOORRIIAADDIISS 
 
 
 
Atravessamos um período de crise prolongada da cultura ocidental. À crise 
pertencem também a proclamação – em particular por Heidegger, mas não só 
por ele – do “fim da filosofia” e toda a gama de retóricas desconstrucionistas e 
pós-modernistas. Pois a filosofia é um elemento central do projeto greco-
ocidental de autonomia individual e social; o fim da filosofia significaria nem 
mais nem menos do que o fim da liberdade. A liberdade não está apenas 
ameaçada pelos regimes totalitários ou autoritários. E sim, de maneira mais 
escondida, porém não menos forte, pela atrofia do conflito e da crítica, pela 
expansão da amnésia e da irrelevância, pela incapacidade crescente de 
questionar o presente e as instituições existentes, quer sejam propriamente 
políticas ou contenham concepções do mundo. Nessa crítica, a filosofia sempre 
teve uma parte central, ainda que, na maior parte do tempo, sua ação tenha 
sido indireta. 
CASTORIADIS, C. «O ‘fim da filosofia’?» 
in As encruzilhadas do labirinto III: o mundo fragmentado. 
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. pp. 239-240. 
 
 
Um filósofo escreve e publica porque crê que tem coisas verdadeiras e importantes 
a dizer, mas, também, porque quer ser discutido. Ser discutido implica a 
possibilidade de ser criticado e, eventualmente, refutado. E todos os grandes 
filósofos do passado – inclusive Kant, Fichte e Schelling – explicitamente discutiram, 
criticaram e refutaram – ou pensaram que refutaram – seus predecessores. 
Pensavam, com razão, que pertenciam a um espaço social-histórico público e 
transtemporal, na ágora trans-histórica da reflexão, e que sua crítica pública dos 
outros filósofos era um fator essencial da manutenção e do alargamento desse 
espaço como sendo de liberdade (…). 
 
(…) É por isso que, para um filósofo, não pode haver história da filosofia a não ser 
crítica. A crítica pressupõe evidentemente o esforço mais laborioso e mais 
desinteressado para compreender a obra crítica. Mas ela exige também uma 
vigilância constante quanto às limitações possíveis desta obra, limitações que 
resultam do fechamento quase inevitável de toda obra de pensamento que 
acompanha a sua ruptura com o fechamento precedente. 
Id., p. 243-244. 
 
 
15 
 
 
IIMMMMAANNUUEELL KKAANNTT 
 
 
O homem é a única criatura que precisa ser educada. Por educação entende-
se o cuidado de sua infância (a conservação, o trato), a disciplina e a instrução 
com a formação. Conseqüentemente, o homem é infante, educando e 
discípulo. (…) A disciplina transforma a animalidade em humanidade. Um 
animal é por seu próprio instinto tudo aquilo que pode ser; uma razão 
exterior a ele tomou por ele antecipadamente todos os cuidados necessários. 
Mas, o homem tem necessidade de sua própria razão. Não tem instinto, e 
precisa formar por si mesmo o projeto de sua conduta. Entretanto, porque ele 
não tem a capacidade imediata de o realizar, mas vem ao mundo em estado 
bruto, outros devem fazê-lo por ele. 
KANT, I. Sobre a Pedagogia. Piracicaba: UNIMEP, 1996. pp. 11-12. 
 
 
 
Mas, o homem é tão naturalmente inclinado à liberdade que, depois que se 
acostuma a ela por longo tempo, a ela tudo sacrifica. Ora, este é o motivo 
preciso, pelo qual é conveniente recorrer cedo à disciplina; pois, de outro 
modo, seria muito difícil mudar depois o homem. Ele seguiria, então, todos os 
seus caprichos. Do mesmo modo, pode-se ver que os selvagens jamais se 
habituam a viver como os europeus, ainda que permaneçam por muito tempo a 
seu serviço. O que neles não deriva, como opinam Rousseau e outros, de uma 
nobre tendência à liberdade, mas de uma certa rudeza, uma vez que o animal 
ainda não desenvolveu a humanidade em si mesmo numa certa medida. Assim, 
é preciso acostumá-lo logo a submeter-se aos preceitos da razão. 
Id., p. 13. 
 
O homem não pode tornar-se um verdadeiro homem senão pela educação. Ele 
é aquilo que a educação dele faz. Note-se que ele só pode receber esta 
educação de outros homens, os quais a receberam igualmente de outros. 
Portanto, a falta de disciplina e de instrução em certos homens os torna 
mestres muito ruins de seus educandos. Se um ser de natureza superior 
tomasse cuidado da nossa educação, ver-se-ia, então, o que poderíamos nos 
tornar. Mas, assim como, por um lado, a educação ensina alguma coisa aos 
homens e, por outro lado, não faz mais que desenvolver nele certas 
qualidades, não se pode saber até onde nos levariam as nossas disposições 
naturais. 
Id., p. 15. 
 
 
16 
 
 
HHAANNNNAAHH AARREENNDDTT 
 
A filosofia tem duas boas razões para não se limitar a apenas encontrar o lugar 
onde surge a política. A primeira é: 
a) Zoon politikon: como se no homem houvesse algo político que pertencesse à 
sua essência – conceito que não procede; o homem é a-político. A política 
surge no entre-os-homens; portanto, totalmente fora dos homens. Por 
conseguinte, não existe nenhuma substância política original. A política surge 
no intra-espaço e se estabelece como relação. Hobbes compreendeu isso. 
b) A concepção monoteísta de Deus, em cuja imagem o homem deve ter sido 
criado. Daí só pode haver o homem, e os homens tornam-se sua repetição mais 
ou menos bem-sucedida. O homem, criado à imagem da solidão de Deus, serve 
de base ao state of nature as a war of all against all, de Hobbes. É a rebelião de 
cada um contra todos os outros, odiados porque existem sem sentido – sem 
sentido exclusivamente para o homem criado à imagem da solidão de Deus. 
ARENDT, H. O que é política. Rio de Janeiro: Bretrand Brasil, 1998. p. 23. 
 
 
 
Ao se falar de política, em nosso tempo, é preciso começar pelos preconceitos que 
todos nós temos contra a política – quando não somos políticos profissionais (…).Não 
se precisa deplorar e, em nenhum caso, deve-se tentar modificar o fato de os 
preconceitos desempenharem um papel tão extraordinário no cotidiano – e com isso, 
na política. Pois nenhum homem pode viver sem preconceitos, não apenas porque 
não teria inteligência ou conhecimento suficiente para julgar de novo tudo que exi-
gisse um juízo seu no decorrer de sua vida, mas sim porque tal falta de preconceito 
requereria um estado de alerta sobre-humano. Por isso, a política tem de lidar 
sempre e em toda parte com o esclarecimento e com a dispersão de preconceitos, o 
que não significa tratar-se, no caso de uma educação para a perda de preconceitos, 
nem que aqueles que se esforcem para fazer
tal esclarecimento sejam livres de 
preconceitos. 
Id., p. 28-29. 
 
 
Se o sentido da política é a liberdade, isso significa que nesse espaço – e em 
nenhum outro – temos de fato o direito de esperar milagres. Não porque 
fôssemos crentes em milagres, mas sim porque os homens, enquanto 
puderem agir, estão em condições de fazer o improvável e o incalculável e, 
saibam eles ou não, estão sempre fazendo. (…) A pergunta hoje quase não é: 
qual é o sentido da política? É muito mais natural ao sentimento dos povos 
que por toda parte se sentem ameaçados pela política e nos quais os 
melhores se distanciam da política de maneira consciente que a pergunta 
seja: tem a política ainda algum sentido? 
Id., p. 44 
 
cadernos didáticos/Texto 2.pdf
 ffiilloossooffiiaa ddaa eedduuccaaççããoo 
 
 
 
tteexxttoo 22 
AA CCOONNCCEEPPÇÇÃÃOO FFIILLOOSSÓÓFFIICCAA DDAA 
EEDDUUCCAAÇÇÃÃOO 
ee oo eessttaattuuttoo ddaa tteeoorriiaa 
 
 
Muitas vezes, no passado, o ensino da filosofia da educação tomou a forma de uma 
apresentação mais ou menos cronológica das «teorias» ou das «concepções filosóficas» 
produzidas para a prática educativa. Esse procedimento inspirava-se em uma tradição didática 
fortemente arraigada na própria área de filosofia e tinha o mérito de fornecer um painel 
bastante abrangente dos grandes filósofos do passado. No entanto, o preço a pagar por esse 
lustre cultural era sem dúvida excessivo: em primeiro lugar, a ênfase em um conjunto acabado 
de idéias, e não na atividade de reflexão em que a filosofia, antes de qualquer outra coisa, se 
constitui; e, em decorrência disso, a construção de um «saber» teórico que, livre de toda 
relação com a realidade daquele a quem se dirige, tende a revestir-se de uma autoridade 
inquestionável. 
Não é ademais difícil perceber, na origem dessa tradição, as posições analisadas no texto 
1, já que o fundamento desse modo descontextualizado de se ensinar a filosofia da educação é 
 
 
2 
 
a velha crença de que o verdadeiro saber não precisa da prática nem para se organizar nem 
para se validar. 
Se, todavia, a filosofia tem um papel central na formação dos educadores e dos 
pesquisadores em educação é porque a natureza do fazer educativo impõe à teoria ser muito 
mais do que uma série de belos desenvolvimentos, e mais também do que um corpo coerente 
de explicações previamente organizado. Diante dos enigmas que a existência humana e social 
colocam para a educação, qualquer teoria fracassará, se não for acompanhada de um contínuo 
questionamento, se não for vivificada pela constante reflexão. E, para isso, a filosofia pode 
certamente ajudar: pois de seu passado ela pode nos oferecer não somente conceitos e teorias, 
mas igualmente as interrogações de que se originaram. 
E, de fato, a filosofia dizia Cornelius Castoriadis, é compromisso com a totalidade do 
pensável. Não apenas, portanto, com a totalidade daquilo que já foi pensado mas, sobretudo, 
com tudo que ainda há para pensar. 
Assim definida, aliás, a questão do ensino da filosofia, a questão de porque apreendê-la 
se desloca: não se trata de buscar avidamente conhecer tudo o que já foi escrito e pensado 
(desafio de todo modo irrealizável), nem sequer de se preparar antecipadamente para 
responder a todas as questões que possam ser levantadas (projeto simplesmente insano!), mas 
de buscar no estudo os meios de explorar ao máximo possível as possibilidades de pensamento 
que são as nossas, lá onde estamos. 
A atitude de interrogação a que visa a filosofia se fundamenta não no poder de uma 
racionalidade humana impessoal, mas na convicção do poder da criação humana, que decerto 
 
 
3 
 
se manifesta na cultura que nos precede e que supera os limites de nossas experiências, mas 
que também se manifesta em nossa própria existência. Logo, essa atitude implica uma 
responsabilidade para consigo mesmo, para com seu meio, sua época, sua espécie; e implica, 
igualmente, a capacidade de manter sob constante exame crítico suas próprias limitações. Em 
outros termos, essa atitude só se justifica por um projeto de autonomia que sempre começa 
pelo questionamento do mito de uma razão controladora e todo-poderosa cujas «teorias», ao 
invés de liberar nossa reflexão e criatividade, nos tornam mais alheios a nosso próprio 
pensamento, mais conformados com o instituído, imobilizados. 
A filosofia é, assim, esse compromisso com a interrogação que não quer se fechar, e é 
dessa forma que ela é prática de emancipação, que ela é terreno de luta pela autonomia. 
Assim, se a «concepção filosófica da educação» nos interessa é porque, remetendo 
àquilo que foi um dia pensado, ela nos ajuda a descortinar franjas enormes daquilo que ainda 
não pensamos, daquilo que ainda não nos interrogamos em nossa atividade cotidiana. É numa 
luta permanente contra nossa tendência à acomodação, nossa preferência pelas respostas, ao 
invés de perguntas, contra nosso desejo de reconforto – de que as verdades acabadas se 
alimentam, que o pensamento tenta se fazer. É isso que as grandes páginas da filosofia nos 
ajudam a perceber, nos ensinam. 
Eis como conceber filosoficamente a educação pode significar entendê-la como terreno 
de permanente questionamento, de interrogação aberta. E é assim que a filosofia pode colocar-
se a serviço da educação e da valorização do professor – mas não oferecendo uma espécie de 
«menu» de concepções a serem escolhidas para compor nosso prato feito educacional. 
 
 
4 
 
E se isso é assim, é porque a educação é, ao mesmo tempo, um enigma e uma atividade 
prático-poiética. Kant decretou que ela era, juntamente com a política, «a mais difícil das artes». 
Freud a chamou, simplesmente, de «impossibilidade». A educação e a política – e, acrescentaria 
Freud, a psicanálise – são atividades impossíveis. Essa é uma afirmação muito profunda, mas só 
a entenderá quem se colocar na mesma perspectiva que era a de Freud, ao dizê-lo: a da 
autonomia humana. 
A natureza, os objetos criados pelo homem podem ser inteiramente desvendados 
naquilo que são e na forma como se comportam por uma ciência, no sentido mais estrito do 
termo: eles podem ser inteiramente explicados pela teoria. O que é uma cadeira, o que é um 
cão, o que é um raio – o que é um vírus, como se comportará um ciclone, estas e outras 
questões, muito mais difíceis, podem ter embaraçado e podem embaraçar, ainda, nosso 
entendimento. 
Porém, no caso do humano, nunca é possível dizer inteiramente o que é, nunca se 
poderá prever totalmente seu comportamento, pela simples razão que o modo de ser do 
homem, sua existência, toma a forma de autocriação incessante. Por isso não há, para ele, um 
conhecimento preciso e infalível. Não se pode dizer o que o homem será ao nascer, nem ao 
menos aquilo em que se tornará, a partir daí. Sempre haverá, entre a legítima necessidade de 
compreender o humano e a realidade, uma enorme fenda, e esta fenda se chama criação. Por 
isso, a educação é um enigma. 
A criação é também a origem e o fundamento da autonomia humana. Nisso consiste a 
impossibilidade da educação: como é possível educar um ser autônomo? A educação tem por 
 
 
5 
 
finalidade construir a autonomia do indivíduo, como o próprio termo (autonomia) já anuncia, 
essa construção é sempre, necessariamente, uma autocriação. Em suma, para educar o 
humano, para torná-lo um ser autônomo, deve-se partir e deve-se tomar como base algo que 
ainda não está lá – essa própria autonomia. Por isso,
diz Castoriadis, a educação é uma atividade 
prático-poiética. 
A expressão prático-poiética tenta resolver um falso impasse entre duas possibilidades 
que Aristóteles1 elencou, para definir a natureza das atividades humanas: há, dizia o filósofo, 
algumas atividades que têm uma finalidade determinada, que visam a produção de alguma 
coisa objetivável, uma coisa ou um efeito sobre algo. A essas atividades que não têm, portanto, 
fim em si mesmas, mas cujo fim é sempre exterior, Aristóteles chamou de poiesis (que se 
poderia traduzir aqui como fabricação). E há, também, atividades que não visam a produção de 
nada: sua finalidade está em seu próprio exercício. Aristóteles denomina essas atividades, que 
têm fim em si mesmas, de praxis. Ora, essa distinção parece que não se aplica à educação. Para 
ela, a autonomia deve se constituir, ao mesmo tempo, em fim a ser buscado e na própria 
atividade. Em outras palavras, na educação, o processo e o produto, meio (poiesis) e fim (praxis) 
se confundem, não há como distingui-los inteiramente: ela é uma atividade prático-poiética. Na 
educação, a autonomia é, concomitantemente, o meio para se chegar ao fim e o próprio fim 
buscado. 
O problema se apresenta como um dilema quando se opõe, equivocadamente, instrução 
e formação: poderia a comunicação de um conhecimento ser um fim, ou deveria ela ser sempre 
 
1
 Aristóteles, Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2002 
 
 
6 
 
um meio da educação? Até onde se pode ir em uma atividade que pretenda tão-somente dar a 
conhecer um conhecimento, ou um saber-fazer, sem considerar a dimensão formativa 
indissociavelmente ligada à instrução? E como pretender formar alguém sem atentar para o que 
é meio e matéria dessa formação?2 
Não há respostas absolutas para essas questões, nem é possível estabelecer uma regra 
para determinar onde acaba a preocupação com os meios e onde começa o cuidado com os 
fins. Meios e fins só encontram justificação nessa permanente tensão que os liga – e que, 
desafiando a capacidade de questionamento e de criação do professor, põe em movimento a 
ação educativa. Mas a criatividade e a deliberação do professor não são garantias absolutas! 
Quem é ou já foi professor reconhece essa característica de seu ofício: algo de absolutamente 
essencial sempre escapa – e o que escapa não é nada de irrisório, mas justamente o que mais 
importa, o cerne da educação: o fato de que só o próprio indivíduo pode se construir, de que 
cada indivíduo necessariamente cria, cria a cada vez, nas palavras de C. Castoriadis, seu «modo 
próprio de existência». Mas de que, por sua vez, essa autocriação, longe de implicar auto-
suficiência, não só admite, mas exige a saída de si, a socialização, as trocas com o mundo – 
exige, enfim, a educação. 
Assim, a resistência que a realidade educativa oferece às tentativas de conhecimento 
absoluto e de controle é um fato e, mais do que isso, uma preciosa oportunidade para que o 
professor se questione acerca de suas próprias «certezas». A resistência é a marca 
permanentemente manifesta da liberdade alheia, da liberdade humana em geral – da liberdade 
 
2
 Essas questões serão aprofundadas no textos 3 e 4. 
 
 
7 
 
do aluno, como da própria liberdade, também. Por isso, dizer que a educação é um enigma 
significa, igualmente, dizer: pode-se – e deve-se! – tentar elucidar esse enigma, mas jamais será 
possível reduzi-lo a certezas. 
Para o educador comprometido com o projeto de autonomia, esse conceito abstrato 
sobre o qual tantos filósofos, tantos políticos, tantos sociólogos tentaram teorizar – a liberdade 
humana – se apresenta como realidade quotidiana. Não é, pois, à idéia de Deus, ou à noção de 
um «direito natural» que ele recorre, como a teoria tantas vezes fez, para afirmar uma noção 
abstrata que a prática social não cessa de negar. A liberdade que conhece esse educador se 
apresenta a ele sob seu verdadeiro nome: criação humana. O humano cria, e sua primeira 
criação é a si próprio. Historicamente, essa evidência – de que «o modo de ser» próprio da 
espécie humana é a criação – foi e vem sendo sistematicamente ocultada. A isso Castoriadis 
chama de heteronomia: a alienação individual e coletiva. 
Uma sociedade heterônoma tende a produzir indivíduos que desconhecem e alienam 
esse poder criador em si mesmos. Isso se reflete, paradoxalmente na tentativa de controle; no 
campo educacional, na equivocada noção de que o processo educativo pode ser inteiramente 
explicado e seus resultados preditos pelas teorias, conquistados pela rigorosa aplicação dos 
métodos, concretizados no recurso sistemático às técnicas. E, dessa forma, na ausência da 
autonomia social e individual, a educação fica reduzida ao que não é: ao espaço de mera 
aplicação de teorias e de procedimentos pensados a priori. Como essas teorias e procedimentos 
não são postos em questão, disso resulta que a resistência ao controle sobre a qual falávamos 
vai ser interpretada como erro, vai ser explicada pela identificação de «culpados»: de um lado, o 
 
 
8 
 
aluno – que é «rebelde», que é «violento», que é «indisciplinado», que é «incapaz»… de outro, 
o professor – que é «incompetente», que «falha» em sua tarefa. 
No entanto, contrariamente ao que se pensa, a educação não pode ser entendida como 
mero domínio aplicado, como campo de aplicação de leis, teorias, determinações vindas de 
fora. Por pelo menos duas razões gritantes: o aluno e o professor – dois seres que são livres, 
porque são criadores. E, por mais que o poder criador possa ser limitado, e ocultado, e 
obstruído, por mais que a criação de si se dê em condições de heteronomia, isso é, como mera 
ratificação do que está instituído, o que resiste, tanto no professor quanto no aluno, ainda é 
suficientemente expressivo, manifesto e resistente para atuar como uma espécie de denúncia 
espontânea das ilusões da tecnocracia da educação. 
Castoriadis tem, a esse respeito, uma frase bastante eloqüente e profunda: falando da 
psicanálise, – isso é, de uma outra dessas atividades «impossíveis» que, visando a autonomia 
humana, sugerem uma intervenção externa ali onde só pode autocriação – ao falar da 
psicanálise, Castoriadis afirma que, aí as teorias servem para não serem usadas: 
… o analista, diz ele, tem principalmente necessidade do seu saber para 
não lançar mão dele, ou melhor, para saber o que não deve ser feito, 
para atribuir-lhe o papel do demônio de Sócrates: a injunção negativa», 
e isto porque «a teoria orienta, define classes infinitas de possíveis e de 
impossíveis, mas não pode predizer nem produzir a solução.»3 
A função emancipadora da educação não deve, portanto, ser entendida tão-somente 
como atualização das faculdades do indivíduo, como ativação de uma potência que preexistiria, 
como atualização de algo que podemos definir a priori, como um poder ser alguma coisa que já 
 
3
 in As Encruzilhadas do Labirinto, vol. I. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987, p. 41. 
 
 
9 
 
sei de antemão que ele é, tal como a filosofia tradicionalmente concebeu. Na educação, o 
projeto de autonomia depende da atualização de um poder poder ser. Explique-se: este «poder 
poder» ser significa que não há um conteúdo objetivo para definir como o humano é 
determinado desde o nascimento, não há uma virtude específica, uma predisposição particular 
que definam o que o humano é ao nascer.
Esse modo de conceber a educação, que entende sua 
tarefa como a de simples atualização de germens, das «potencialidades» que estão presentes em 
cada indivíduo é, sem dúvida, muito corrente em educação. É com base nessa concepção que, 
desde Aristóteles, considerou-se que os mestres deviam «avaliar» o potencial de seus 
discípulos, para determinar aqueles que deveriam ser objeto de maior ou de menor 
investimento e atenção educacionais. Além de altamente perigosa, pelos preconceitos e 
injustiças que acaba por legitimar, esta posição apóia-se em uma falsa antropologia. Se ela fosse 
consistente, o humano nada criaria, apenas teria a opção de desenvolver, ou não, talentos 
rigidamente determinados por sua disposição natural. Mas são muitas as evidências de que a 
natureza humana é infinitamente mais rica, e deve ser definida como possibilidade de criar suas 
próprias possibilidades como ser. A esse poder, chamamos, justamente, criação. 
Justamente porque o humano é, na feliz expressão Castoriadis, «efeito que ultrapassa 
suas causas e causa que seus efeitos não esgotam», a teoria, que só considera o que é universal, 
que adota necessariamente a linguagem da generalização, não consegue exprimi-lo totalmente, 
não esgota os sentidos que ele tem. Por isso, aquilo que o indivíduo é não pode ser reduzido a 
uma formulação teórica, por mais perfeita que ela seja. Pode-se, pois, dizer que o que 
permanecerá, para a teoria, como irredutível, já que resiste às «explicações» que para ele são 
 
 
10 
 
fornecidas, ao controle que os métodos proclamam, ao fazer automático que as técnicas 
parecem por vezes supor. 
É claro, porém, que isso não significa que o indivíduo seja o incognoscível absoluto, mas 
sim que, diz ainda Castoriadis, a criação não pode ser inteiramente explicada, sua origem nunca 
pode ser inteiramente identificada. Não se pode explicar o que o humano é de forma acabada e 
exaustiva e, assim, não se pode prever a criação. Pode-se explicar inteiramente os fenômenos 
físicos e biológicos, mas não o chamado «fenômeno humano». É claro que a teoria pode dar 
conta de muitos aspectos da condição e da existência humana – pode explicar como o indivíduo 
contrai a hepatite, pode explicar e prever as conseqüências de um tombo, se todas as variáveis, 
as condições objetivas desta queda são controladas e levadas em conta. Mas nada disso é 
suficiente para explicar o que realmente nos importa aqui, o mais fundamental: o fenômeno 
pelo qual o homem é como ele é – diferente, a cada vez, dos outros homens. E o fenômeno pelo 
qual ele se cria a si mesmo a cada vez como singularidade, como ser absolutamente único ainda 
que sempre se criando como membro de uma só espécie. 
Porém, se a teoria, no caso do que é essencialmente humano, e especificamente naquilo 
que interessa à educação, não pode explicar, prever e controlar tudo, ela pode e deve elucidar. 
No que se refere à realidade humana e social, a finalidade da teoria não é a de explicação, mas a 
elucidação. 
O tipo de conhecimento que se pode e se deve obter para a educação nunca é o 
conhecimento objetivo, explicativo e preditivo que caracteriza outras atividades teóricas. Não é 
um conhecimento que produz certezas, leis a serem aplicadas, mas interrogações que não serão 
 
 
11 
 
jamais totalmente respondidas, ainda que sobre elas se deva, na prática, deliberar. Assim, a 
deliberação nunca será determinada, fornecida de antemão pela teoria – pois, de outro modo, 
ela não seria uma deliberação. Deliberar é uma atividade criadora que cabe ao educador. 
Uma vez que, por envolver seres humanos, cada situação educativa é única, o educador, 
por mais que apoiado nas teorias, nos métodos e técnicas que tem a seu dispor, está sempre 
diante desse grande enigma, de uma interrogação que não lhe cabe desvendar, nem responder, 
porque esta interrogação refere-se ao ser do outro, à sua liberdade. 
Nessa perspectiva, deve-se dizer que, também para o próprio aluno, o seu poder ser é 
um enigma, que supera qualquer previsão, mas que depende de sua criação incessante, ao 
longo de sua vida: pode-se, pois, afirmar que educar é, essencialmente, ter em mente esse fato 
e ajudar o aluno a tomar consciência da responsabilidade que lhe cabe em sua autocriação. 
Educar é construir, a cada momento, o sentido do que é educar, tanto quanto viver é, a cada 
momento, fazer e refazer o sentido do que é viver, e existir é fazer e refazer incessantemente o 
sentido muito próprio que a existência humana adquire em cada um de nós. 
Infelizmente, em educação, na maioria das vezes, a teoria não é entendida assim. Ao 
buscar nas teorias pedagógicas e educacionais e nos métodos e técnicas que delas derivam 
aquilo que não podem fornecer, os educadores, longe de melhorar suas perfomances, ao menos 
no que diz respeito à construção da autonomia dos alunos e à luta pela emancipação humana, 
perdem de vez a chance de oferecer uma contribuição positiva. Nessas circunstâncias, as 
teorias, métodos, técnicas e procedimentos que poderiam servir de bons aliados passam a ter a 
 
 
12 
 
função de tornar os educadores «…surdos ao novo, a essa emergência [sempre imprevisível que 
é a] singularidade do sujeito.»4 
Diante da singularidade humana, fica claro que nem mesmo a posteriori, isso é, nem 
mesmo como aquisição da experiência repetidamente feita, a teoria é capaz de predizer, de 
explicar uma vez por todas o ato educativo, o aluno, seu modo de ser, de aprender, de se auto-
construir. 
A auto-alteração dos indivíduos, que a educação ajuda a provocar e de que deve tornar 
cada aluno consciente, nunca é, em suma, o resultado da aplicação de uma teoria, «produto» de 
um fazer técnico. Mas cabe à educação cuidar para que o aluno tome consciência de sua 
autonomia; de que ele não está, apesar das aparências, inteiramente condicionado pelas 
determinações sociais, biológicas, históricas e educacionais. 
 Se a liberdade está na criação, a emancipação humana está na possibilidade de que o 
indivíduo passa a ser dotado, pela reflexão, de tomar consciência de seu poder de deliberar. As 
deliberações, as decisões que cabem a cada um de nós, em nossa auto-criação, podem se 
tornar, pela educação, pela psicanálise, pela reflexão, conscientes. Usando um exemplo: a 
psicanálise pode, a partir daquilo que chamam «um sintoma», voltar até as condições que 
ocasionaram o trauma. Mas ela jamais explicará porque o indivíduo reagiu ao trauma por 
aquele sintoma, e não por outro. 
Da mesma forma, analisando as condições educacionais colocadas em ação, pode-se até 
avaliar mais ou menos objetivamente o que o aluno aprendeu, mas jamais se poderá prever 
 
4
 ibid, p. 97. 
 
 
13 
 
aquilo que fará, ou explicar aquilo no que se tornou como resultado direto de uma ação 
educativa objetivada. 
No entanto, elucidar aquilo que somos, ou aquilo em que nos tornamos é perceber que 
o que somos não resulta de uma fatalidade, mas sempre, também, de uma escolha, de uma 
deliberação. A elucidação é a tomada de consciência de que o papel de cada um, diante de si 
mesmo e diante da sociedade, nunca é passivo, é a tomada de consciência de seu poder criador. 
Talvez mais ainda do que a psicanálise, a verdadeira função da educação seja a de denunciar a 
suposta fatalidade que se acredita pesar sobre a sociedade e sobre os indivíduos – sobre os 
alunos, sobre a escola, sobre a própria prática. Esta é a missão emancipadora que a educação 
pode e deve assumir.
Diante dela, parafraseando Castoriadis, 
…o professor está preso à exigência constante de um «pensar» e de um 
«fazer» diante do desenrolar de um enigma interminável… que ele deve 
elucidar na realidade concreta, por meio de construções «teóricas», 
sucessivas, sempre fragmentárias, essencialmente incompletas, nunca 
rigorosamente «demonstráveis»…
5
 
Por fim, todas estas reflexões levam a reconsiderar o status que se deve conceder ao campo 
educacional. 
Como conjunto de construções teóricas com pretensões explicativas, a educação dá 
forçosamente lugar a um conhecimento que é sempre, como diz Castoriadis, fragmentário, 
incompleto, provisório. Como prática de atuação, a educação é uma recriação constante dos 
procedimentos, dos métodos, do modo como nos relacionamos com as técnicas pedagógicas e 
instrucionais, mas é também o terreno em que se operam essas e outras deliberações mais 
 
5
 Ibid. p. 94-5. 
 
 
14 
 
importantes, que não podem ser garantidas ou determinadas a priori, legitimadas pela 
autoridade teórica ou técnica. 
Sobre essas decisões, o professor tem que poder prestar contas a seu aluno, aos pais, à 
sociedade. Pois dizer que educar é criar o sentido de educar implica em devolver ao professor a 
sua responsabilidade, sua iniciativa no ato educativo. 
Elucidar o que é e o que se pensa que deve ser a educação é concebê-la filosoficamente. 
A filosofia tem esse papel importante, e ineliminável, em toda educação que se quer 
emancipadora: tal como a teoria, ela não fornece à prática educacional garantias, ela não pode 
justificar nem antecipadamente nem posteriormente as nossas ações, ela não pode se substituir 
à iniciativa que é sempre a do professor; mas ela é o instrumento pelo qual se pode ganhar 
consciência da liberdade, da necessidade de deliberação frente à questão: «o que penso que 
deve ser a educação?» Ela permite tomar consciência e prestar contas daquilo que se faz de si 
mesmo mim e de sua prática e, desta forma, permite participar de modo sempre próprio e 
específico da construção coletiva do sentido da educação. A filosofia é instrumento para 
elucidação dos sentidos que a educação veio adquirindo e adquire em cada contexto social e 
histórico particular, e ela permite identificar todas estas questões como essenciais para a 
prática da educação. 
E, assim, fica claro que a concepção filosófica da educação é uma tarefa de auto-reflexão 
individual e coletiva, e que seu objeto parte e tem como fim a emancipação humana e, 
portanto, a construção de uma sociedade democrática. 
 
15 
 
 
IIMMMMAANNUUEELL KKAANNTT 
 
A educação, portanto, é o maior e o mais difícil problema que pode ser 
proposto aos homens. De fato, os conhecimentos dependem da 
educação e esta, por sua vez, depende daqueles. Por isso, a educação 
não poderia dar um passo à frente a não ser pouco a pouco, e somente 
pode surgir um conceito da arte de educar na medida em que cada 
geração transmite suas experiências e seus conhecimentos à geração 
seguinte, a qual lhes acrescenta algo de seu e os transmite à geração 
que lhe segue. 
KANT, I. Sobre a Pedagogia. Piracicaba: UNIMEP, 1996. p. 20. 
 
Uma vez que as disposições naturais do ser humano não se 
desenvolvem por si mesmas, toda educação é uma arte. A natureza 
não depositou nele nenhum instinto para essa finalidade. A origem 
da arte da educação, assim como o seu progresso, é: ou mecânica, 
ordenada sem plano conforme as circunstâncias, ou raciocinada. A 
arte da educação não é mecânica senão em certas oportunidades, 
em que aprendemos por experiência se uma coisa é prejudicial ou 
útil ao homem. Toda arte desse tipo, a qual fosse puramente 
mecânica, conteria muitos erros e lacunas, pois que não obedeceria a 
plano algum. A arte da educação ou pedagogia deve, portanto, ser 
raciocinada, se ela deve desenvolver a natureza humana de tal modo 
que esta possa conseguir o seu destino. Os pais, os quais já 
receberam uma certa educação, são exemplos pelos quais os filhos se 
regulam. Mas, se estes devem tornar-se melhores, a pedagogia deve 
tornar-se um estudo; de outro modo, nada se poderia dela esperar e 
a educação seria confiada a pessoas não educadas corretamente. É 
preciso colocar a ciência em lugar do mecanicismo, no que tange à 
arte da educação; de outro modo, esta não se tornará jamais um 
esforço coerente; e uma geração poderia destruir tudo o que uma 
outra anterior teria edificado. 
KANT, I. Sobre a Pedagogia. Piracicaba: UNIMEP, 1996. pp. 21-22. 
 
16 
 
 
CCOORRNNEELLIIUUSS CCAASSTTOORRIIAADDIISS 
 
Nossa relação com a história da filosofia cria, por si só, uma questão 
filosófica de primeira grandeza – o que é natural, já que toda reflexão é 
também auto-reflexão, e a reflexão não começa hoje. Dos múltiplos 
aspectos dessa questão, um é particularmente importante aqui. Ruptura do 
fechamento, a reflexão tende, no entanto, demaneira irresistível, a se 
fechar novamente sobre si mesma. Isso é inevitável… já que, de outro 
modo, a reflexão se limitaria a ser um ponto de interrogação indeterminado 
e vazio. Mas a verdade da filosofia é a ruptura do fechamento, 
desestabilização das evidências recebidas, inclusive e sobretudo as 
filosóficas. Ela é esse movimento, mas um movimento que cria o solo sobre 
o qual caminha, e que não é, nem pode ser uma coisa qualquer – ele define, 
delimita, forma e determina. 0 próprio de uma grande filosofa é permitir 
que se vá além de seu próprio solo, e inclusive incitar a isso. Como ela 
tende – e deve tender – ao compromisso com a totalidade do pensável, 
tende a fechar-se sobre si mesma. Mas, se é grande, nela encontraremos, 
ao menos, as evidências de que o movimento do pensamento não pode se 
deter aí e até parte dos meios para prossegui-lo. Tanto uns quanto outros 
tomam a forma de aporias, de antinomias, de francas contradições, de 
nódulos heterogêneos. 
CASTORIADIS, C. Feito e a ser feito; as encruzilhadas do labirinto V. Rio de 
Janeiro: DP&A, 1999. p. 27. 
 
A pedagogia começa na idade zero, e ninguém sabe quando termina. O objetivo da pedagogia – falo, 
evidentemente, de um ponto de vista normativo – é ajudar o recém-nascido, esse hopeful and dreadful 
monster a tornar-se um ser humano. O fim da paidéia é ajudar esse feixe de pulsões e de imaginação a 
tomar-se um anthropos, no sentido indicado mais acima, de um ser autônomo. Podemos também dizer, 
lembrando Aristóteles: um ser capaz de governar e ser governado. 
A pedagogia deve, a todo instante, desenvolver a atividade própria do sujeito, utilizando, por assim 
dizer, essa mesma atividade própria. O objeto da pedagogia não é ensinar matérias específicas, mas 
desenvolver a capacidade de aprender do sujeito – aprender a aprender, aprender a descobrir, aprender 
a inventar. Isso, evidentemente. a pedagogia não pode fazer um ensinar certas matérias – tampouco a 
análise pode progredir sem as interpretações do analista. Mas, assim como essas interpretações, as 
matérias ensinadas devem ser consideradas como degraus ou pontos de apoio, servindo não só para 
tomar possível o ensino de uma quantidade crescente de matérias, mas para desenvolver as 
 
17 
 
capacidades da criança de aprender, descobrir e inventar. A pedagogia deve necessariamente também 
ensinar – desse ponto de vista, devemos condenar os exageros de vários pedagogos modernos. Mas 
dois princípios devem ser firmemente defendidos: – todo processo de educação que não visa a 
desenvolver ao máximo a atividade própria dos alunos é mau; – todo sistema educativo incapaz de 
fornecer uma resposta racional à pergunta dos alunos – por que deveríamos aprender isso?
– é 
defeituoso. 
CASTORIADIS, C. As encruzilhadas do labirinto III: o mundo fragmentado. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 
1992. p. 156-157. 
 
A impossibilidade da psicanálise e da pedagogia consiste em que ambas 
devem apoiar-se numa autonomia que ainda não existe, a fim de ajudar 
a criação da autonomia do sujeito. Isso aparece, do ponto de vista da 
lógica ordinária, a lógica conjuntista-identitária, como uma 
impossibilidade lógica. Entretanto, a impossibilidade parece consistir, 
também, particularmente no caso da pedagogia, na tentativa de fazer 
homens e mulheres autônomos, no quadro de uma sociedade 
heteronímica; e, além disso, no seguinte enigma aparentemente 
insolúvel: ajudar os seres humanos a aceder à autonomia, ao mesmo 
tempo que absorvem e interiorizam as instituições existentes, ou apesar 
disso. 
A solução desse enigma é a tarefa "impossível" da política – tanto mais 
impossível quanto deve, aqui ainda, apoiar-se numa autonomia que 
ainda não existe, a fim de fazer surgir a autonomia. 
Id., p. 158. 
 
A criação do projeto de autonomia, a atividade reflexiva do pensamento e a luta pela criação de 
instituições auto-reflexivas, isto é, democráticas, são resultados e manifestações do fazer humano. Foi a 
atividade humana que gerou a exigência de uma verdade, quebrando o muro das representações da 
tribo, a cada vez instituídas. Foi a atividade humana que criou a exigência de liberdade, de igualdade, de 
justiça, na sua luta contra as instituições estabelecidas. E é o nosso reconhecimento, livre e histórico, da 
validade desse projeto, e a efetividade da sua realização, até aqui parcial, que nos liga a essas exigências 
– de verdade, liberdade, igualdade, justiça – e nos motiva na continuação dessa luta. (Id., p. 258-259) 
Id., p. 258-259. 
 
JJEEAANN--JJAACCQQUUEESS RROOUUSSSSEEAAUU 
 
18 
 
 
Todo animal tem idéias, posto que tem sentidos; chega mesmo a 
combinar suas idéias até certo ponto e o homem, a esse respeito, só se 
diferencia da besta pela intensidade. Alguns filósofos chegaram mesmo a 
afirmar que existe maior diferença entre um homem e outro do que entre 
um certo homem e certa besta. Não é, pois, tanto o entendimento, 
quanto a qualidade de agente livre possuída pelo homem que constitui, 
entre os animais, a distinção específica daquele. A natureza manda em 
todos os animais, e a besta obedece. O homem sofre a mesma influência, 
mas considera-se livre para concordar ou resistir, e é sobretudo na 
consciência dessa liberdade que se manifesta a espiritualidade de sua 
alma, pois a física, de certo modo, explica o mecanismo dos sentidos e a 
formação das idéias, mas no poder de querer, ou antes, de escolher e no 
sentimento desse poder só se encontram atos puramente espirituais que 
de modo algum serão explicados pelas leis da mecânica. 
ROUSSEAU, J. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade 
entre os homens. São Paulo: Abril Cultural, 1978. p.243. [Os Pensadores] 
 
Mas, ainda se as dificuldades que cercam todas essas questões deixassem, por um instante, de causar 
discussão…, haveria uma outra qualidade, muito específica, que os distinguiria e a respeito da qual não 
pode haver contestação – é a faculdade de aperfeiçoar-se, faculdade que, com o auxílio das 
circunstâncias, desenvolve sucessivamente todas as outras e se encontra, entre nós, tanto na espécie 
quanto no indivíduo; o animal, pelo contrário, ao fim de alguns meses, é o que será por toda a vida, e 
sua espécie, no fim de milhares de anos, o que era no primeiro ano desses milhares. Por que só o 
homem é suscetível de se tornar imbecil? Não será porque volta, assim, ao seu estado primitivo e – 
enquanto a besta, que nada adquiriu e também nada tem de bom a perder, fica sempre com seu 
instinto – o homem, tornando a perder, pela velhice ou por outros acidentes, tudo o que sua 
perfectibilidade lhe fizera adquirir, volta a cair, desse modo, mais baixo do que a própria besta? Seria 
triste, para nós, vermo-nos forçados a convir que seja essa faculdade, distintiva e quase ilimitada, a 
fonte de todos os males do homem; que seja ela que, com o tempo, o tira dessa condição original na 
qual passaria dias tranqüilos e inocentes; que seja ela que, fazendo com que através dos séculos 
desabrochem suas luzes e erros, seus vícios e virtudes, o torna com o tempo o tirano de si mesmo e da 
natureza. Seria horrível ter de louvar como um ser benfeitor o primeiro a sugerir aos habitantes das 
margens do Orinoco o uso dessas tabuazinhas que aplicam nas têmporas de seus filhos e que, pelo 
menos, lhes asseguram uma parte de sua imbecilidade e de sua felicidade original. 
Id. 
 
 
19 
 
É fácil de ver, com efeito, que entre as diferenças que distinguem os homens, 
inúmeras, consideradas como naturais, são unicamente obra do hábito e dos 
vários gêneros de vida que os homens adotam em sociedade. Assim, um 
temperamento robusto ou delicado, a força ou a fraqueza, que dele derivam, 
resultam mais freqüentemente da maneira dura ou afeminada pela qual se 
foi educado, do que da constituição primitiva dos corpos. A mesma coisa 
acontece com as forças do espírito; a educação não só estabelece diferença 
entre os espíritos cultos e os que não o são, como também aumenta a que 
existe entre os primeiros na proporção da cultura, pois, quando um gigante e 
um anão andam pelo mesmo caminho, cada passo que um e outro dêem 
trará uma vantagem a mais ao gigante. Ora, fazendo-se uma comparação 
entre a diversidade prodigiosa de educação e de gêneros de vida que reina 
nas várias ordens do estado civil e a simplicidade e uniformidade da vida 
animal e selvagem – na qual todos se alimentam com os mesmos alimentos, 
vivem da mesma maneira e fazem exatamente as mesmas coisas – 
compreender-se-á quanto deve a diferença de homem para homem ser 
menor no estado de natureza do que no estado de sociedade e quanto 
aumenta a desigualdade natural na espécie humana por causa da 
desigualdade de instituição. 
Id., p. 257. 
 
cadernos didáticos/Texto 3.pdf
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tteexxttoo 33 
OO CCOONNHHEECCIIMMEENNTTOO EESSCCOOLLAARR 
ee aa qquueerreellaa ddooss mmeeiiooss ee ddooss ffiinnss ddaa eedduuccaaççããoo 
 
 
No texto anterior, discutiu-se a natureza do conhecimento próprio a uma «teoria da 
educação» – aquele que se constitui para fornecer orientação e lucidez às deliberações 
requeridas pela prática educativa. A interrogação que motiva essas linhas tem ainda por objeto 
o conhecimento, dessa vez entendido como um corpo de saberes que, acredita-se, devem ser 
compartilhados por todos os cidadãos; e que é instituído como tal pela tradição, pelas leis de 
ensino, por dirigentes e técnicos, pelos professores. Assim, no vasto e indeterminável conjunto 
que se poderia chamar de conhecimento humano, o conceito a ser aqui examinado refere-se a 
um seu subconjunto bastante específico – a tal ponto que, por vezes, tende a se isolar 
inteiramente de seu contexto social de produção: o «conhecimento escolar». 
Ora, se as reflexões dos textos 1 e 2 procedem, a análise a ser realizada se voltará, então, 
não para o terreno das determinações objetivas, das regularidades observáveis que 
caracterizam a ciência, para daí tentar deduzir logicamente o sentido e o conteúdo dessa noção, 
mas para o terreno das criações humanas, do qual o conhecimento escolar retira todo o seu 
 ffiilloossooffiiaa ddaa eedduuccaaççããoo 
 
 
significado. Em outras palavras, em razão da natureza própria à educação, o presente exame 
deverá nos guiar até o domínio das razões políticas, e não para o domínio natural (do qual o 
homem participa, sem entretanto, fixar suas

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