Prévia do material em texto
DIREITO ADMINISTRATIVO E TRIBUTÁRIO AULA 5 Prof Ana Paula Maciel CostaCONVERSA INICIAL Como vimos, o Estado passou por algumas crises e transformações por conta das quais as relações sociais e econômicas foram se tornando mais complexas, plurais e reivindicativas, de modo que o Estado mostrou-se extremamente permeável a essas demandas e vem reformulando o aparato estatal e sua concretização por meio de um novo complexo normativo. Nesse sentido, a readequação do direito administrativo, em especial do regime jurídico dos serviços públicos e suas formas de execução, representava um importante passo estratégico. Por isso, vamos aqui desenvolver seu conceito, princípios, classificação, formas de execução e apresentar, de maneira sucinta, o instrumento de viabilização dos serviços públicos, a Lei n. 14.133/2021 (nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos). TEMA 1 - CONCEITO E PRINCÍPIOS DO SERVIÇO PÚBLICO Para começarmos a entender a materialização da atuação do Estado, devemos buscar a localização primordial do "serviço público" na fonte do nosso ordenamento jurídico, que é a Constituição Federal de 1988, em seus arts. 21, 25, 173, 177, 196, 199, 203, 204, 205 e 209. Esses artigos vão tratar da competência dos entes que desenvolverão os serviços, quais serviços serão prestados, como serão prestados, as possibilidades de transferência, serviços essenciais, serviços de interesse público (saúde e educação) prestados pelo Estado juntamente com a iniciativa privada e assim por diante. Enfim, passemos a tratar dos aspectos fundamentais deste tema para que possamos compreender um pouco mais o funcionamento da Administração Pública. 1.1 Conceito Com base nesse arcabouço estrutural, é possível estabelecer um conceito abrangente do termo serviço público como sendo toda e qualquer prestação estatal, desde as atividades essenciais do Estado, como jurisdição, saúde, educação e segurança pública, até atividades econômicas em que haja participação estatal. Encampando esse raciocínio, Lúcia Valle Figueiredo traz o seguinte conceito: 2Serviço público é toda atividade material fornecida pelo Estado, ou por quem esteja a agir no exercício da função administrativa se houver permissão constitucional e legal para isso, com o fim de implementação de deveres consagrados constitucionalmente relacionados à utilidade pública, que deve ser concretizada, sob regime prevalente de Direito Público. (Figueiredo, 2003, p. 78) Como não há propriamente uma definição legal de serviço público, cada doutrinador vai trazer alguma acerca do No entanto, é possível extrair sua essência e conceituá-lo como todo serviço prestado pela Administração, ou por particulares, mediante regras de direito público previamente estabelecidas por ela, visando à preservação do interesse público. A titularidade dos serviços pertence à Administração, repartida entre as quatro esferas de governo (federal, estadual, municipal e distrital), conforme divisão feita pela própria Constituição em seu art. 175: "Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos" (Brasil, 1988). Poder Público, portanto, é quem decidirá se os serviços serão executados diretamente por ele ou se os delegará, por concessão ou permissão mediante processo licitatório, mantendo-se vigilante quanto à fiscalização da execução dos serviços, podendo, inclusive, em caso de necessidade, aplicar as sanções que se mostrarem cabíveis. 1.2 Princípios Além dos princípios gerais que norteiam toda a atividade administrativa, relacionados no caput do art. 37 da Constituição, também se aplicam os princípios específicos elencados no parágrafo 1° do art. 6° da Lei n. 8.987/1995 (Lei de Concessões e Permissões): "Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas" (Brasil, 1995). Detalhamos a seguir tais condições. Continuidade do serviço público. a execução de serviços públicos não pode ser interrompida, ao menos como regra geral, de forma a não gerar prejuízos para os interesses da coletividade. Eficiência. exige execução do serviço com constante aperfeiçoamento, qualidade e atendimento ao maior número de pessoas. Segurança. não deve causar danos aos usuários. 3Atualidade. compreende a modernidade das técnicas, do equipamento e das instalações e sua conservação, bem como a melhoria e a expansão do serviço. Generalidade. é reflexo do princípio da impessoalidade, estabelecendo o acesso de todos os administrados a sua prestação. Mas, para atender ao interesse da coletividade, e com respaldo em lei, é possível fazer distinções entre os usuários, a exemplo da concessão de benefícios no uso de transporte coletivo a integrantes da terceira idade e estudantes, que têm direito à isenção ou ao pagamento de valor diferenciado. Cortesia. envolve um bom atendimento, com urbanidade, respeito e educação, entre outros, valores que possibilitem uma comunicação entre prestadores e a população, que façam melhorar a relação entre os dois e minimizem atritos decorrentes de imprevistos que possam atrapalhar a adequada prestação dos serviços públicos. Modicidade das quando o serviço público exigir contraprestação pecuniária, as tarifas devem ser razoáveis, pois não deve haver, por parte do Poder Público, intuito de lucro; e quando o serviço for prestado mediante concessão e permissão, as tarifas cobradas devem ser módicas, acessíveis ao usuário comum do serviço. TEMA 2 CLASSIFICAÇÃO Considerando-se os traços comuns de gênero e as distinções das espécies que se diversificam, é possível, adotando-se os critérios de essencialidade, adequação, finalidade e destinatários, classificar os serviços públicos. Das inúmeras classificações de serviços públicos propostas pelos administrativistas, elencaremos uma clássica adotada por Hely Lopes Meirelles (2013). 2.1 Serviços públicos propriamente ditos São os que a Administração presta diretamente à comunidade, por reconhecer sua essencialidade e necessidade, visando satisfazer as necessidades gerais e essenciais da sociedade. São privativos do Estado, não permitindo delegação a terceiros, pois eles exigem atos de império e medidas 4compulsórias em relação aos administrados. São exemplos os serviços de defesa nacional, os de polícia e os de preservação da saúde pública. 2.2 Serviços de utilidade pública São os que a Administração, admitindo a conveniência para a coletividade (não essencialidade nem necessidade), presta diretamente ou transfere a prestação para terceiros (concessionários, permissionários ou autorizatários), nas condições regulamentadas e sob seu controle. Exemplos: serviços de transporte coletivo, energia elétrica, telefone. 2.3 Serviços impróprios do Estado Não afetam substancialmente as necessidades da comunidade, mas satisfazem interesses comuns de seus membros e, por isso, a Administração os presta remuneradamente, por seus órgãos ou entidades descentralizadas (autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista, fundações governamentais), ou delega sua prestação a concessionários, permissionários ou autorizatários. Exemplos: educação, saúde. 2.4 Administrativo - (Interno) São os que a Administração executa para atender suas necessidades internas ou preparar outros serviços que serão prestados ao público, tais como os da imprensa oficial e das estações experimentais. 2.5 Serviços uti universi ou gerais São os que a Administração presta sem ter usuários determinados, para atender à coletividade como um todo, com o intuito de satisfazer indiscriminadamente a população. Esses serviços são isto é, não mensuráveis na sua utilização. Exemplos: polícia, iluminação pública, calçamento e outros dessa espécie. 52.6 Serviços uti singuli ou singulares São os serviços de utilização individual, divisível, facultativa e mensurável. Quando implantados, geram direito subjetivo à sua obtenção para os administrados que se encontrem na área de sua prestação ou fornecimento e satisfaçam as exigências regulamentares. Tais serviços podem ser remunerados mediante a cobrança de taxas (regime legal) ou de tarifas (regime contratual). São exemplos os serviços de coleta domiciliar de lixo, de fornecimento domiciliar de água encanada, de energia elétrica, os serviços telefônicos etc. TEMA 3 - FORMAS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS Inicialmente, para entendermos o assunto em questão, é importante recordarmos de dois imperativos da Administração, que são a descentralização e a desconcentração. Descentralização é a distribuição de competências de uma para outra pessoa, física ou jurídica. Há duas pessoas: a entidade central e a descentralizada; a que outorga e a que é outorgada. O serviço transferido ou sua simples execução está fora da Administração Pública - não há hierarquia. Desconcentração é a distribuição de competências dentro da mesma pessoa jurídica - dentro da Administração direta, entre os vários órgãos despersonalizados, sem quebras de hierarquia. Os serviços públicos cuja titularidade pertence à Administração Pública podem ser prestados de duas formas diferentes: centralizada, quando executada pela Administração direta do Estado, ou descentralizada ou indireta, quando será repassada para terceiros, pessoas jurídicas integrantes da estrutura da Administração indireta ou terceiros que com ela não se confundam, integrantes da iniciativa privada, depois de cumpridos os requisitos exigidos pelo legislador. Nesse sentido, quando realizada por terceiros que estão dentro da estrutura da Administração, mas que não se confundem com a Administração direta, surgem as figuras das autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista e, mais recentemente, as agências reguladoras. 6É oportuno registrar que essa descentralização na prestação de serviços públicos pode ser feita sob duas modalidades: por outorga ou por delegação. Outorga. O Estado cria uma entidade e a ela transfere determinado serviço público. Isso implicará a transferência da titularidade e da execução dos serviços, o que só poderá ocorrer para pessoas integrantes da Administração indireta que tenham pessoa jurídica de direito público. Pressupõe, como regra, a edição de lei que institui uma nova pessoa da Administração Pública indireta (entidade) ou autorize sua criação. Essa sistemática traz a ideia de especialização dentro da Administração Pública. É o que se verifica com as autarquias e fundações públicas, e por meio de lei. Delegação. Importará transferência tão somente da execução dos serviços para pessoas jurídicas de direito privado integrantes da Administração indireta e para particulares, sendo suficiente um simples contrato para viabilizá-la. Quando a transferência da execução do serviço ocorre para terceiros, ou seja, para particulares, surgem as figuras dos permissionários, concessionários, autorizatários, parceiros privados nos termos da Lei n. 11.079/2004, e parceiros voluntários, nos termos da Lei n. 13.019/2014. Concessão Outorga Contrato Descentralização Administrativa Permissão de Serviço Público Delegação Ato Unilateral Autorização Lembramos que com a transferência da exploração dos serviços públicos à iniciativa privada operou-se uma "separação" entre operador e regulador, passando-se a necessitar de uma forte regulação estatal para garantir que os serviços prestados obedeçam aos princípios da universalidade da prestação e da continuidade, bem como para assegurar a preservação dos bens vinculados à atividade. Segundo Couto e Silva (2002, p. 73): O Estado mantém, em todas as situações, a titularidade do serviço e se apresenta sempre investido de amplo instrumental normativo e sancionatório, indispensável às atividades regulatórias de competência 7das agências que, como autarquias, integram a Administração Pública [...]. De qualquer maneira, ainda que prestados em regime privado, e situados em ambiente de competição e concorrência, mas num mercado constantemente vigiado pelo Estado, os serviços por este delegado a particulares mediante concessão, permissão e autorização, continuam sendo, em quaisquer hipóteses, serviços públicos, devendo ser assim considerados para todos os efeitos, inclusive, portanto, para o da responsabilidade extracontratual de que trata o § 6° do art. 37 da Constituição Federal. Para melhor visualização da questão, o quadro apresenta as três formas de execução de serviços públicos. ADMINISTRAÇÃO - federal, estadual, municipal e distrital DIRETA INDIRETA PARTICULARES (ou centralizada) (ou descentralizada) por intermédio de por intermédio por intermédio de pessoas que não dos seus Órgãos pessoas jurídicas que integram a integram a Administração Administração (transfere apenas a (transfere titularidade e execução do serviço, execução do serviço) sempre precedida da Ministérios LICITAÇÃO) Autarquias Secretarias Fundações Concessão Sociedades de Economia Permissão Mista Empresas Públicas Autorização TEMA 4 CONTRATOS ADMINISTRATIVOS Longe de esgotarmos o assunto, a principal intenção de abordarmos esse complexo tema aqui é trazer um panorama da instrumentalização do funcionamento da máquina administrativa. Não entraremos nos meandros de seu funcionamento porque, para isso, teríamos que fazer um estudo somente para essa abordagem da licitação e dos contratos administrativos, não sendo esse o escopo da atual discussão. Mas trataremos dos aspectos fundamentais de sua formação e competências para, então, termos uma visão clara e esquemática de sua orquestração dentro da Administração Pública. 84.1 Noções estruturantes Contrato é a segunda etapa do processo de escolha da empresa que prestará um serviço público, assim como a consequência de alguns atos administrativos. A licitação é o primeiro passo no processo de escolha da empresa com a qual a Administração irá firmar um contrato, tanto que a Lei de Licitações e Contratos Administrativos é a mesma, nos termos do art. 175 da Constituição. "Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos" (Brasil, 1988, grifo nosso). Na Lei n. 14.133/2021, as modalidades da tomada de preços e o convite deixam de existir, ao mesmo tempo que se prevê, de forma inédita no direito brasileiro, uma nova modalidade licitatória: o diálogo competitivo. Além disso, a modalidade pregão, prevista na Lei n. 10.520/2002, passa a ser disciplinada pela nova legislação, junto das demais modalidades. As modalidades de licitação estão previstas no art. 28 da nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos. São elas: concorrência, concurso, leilão, pregão, e diálogo competitivo. O conceito de cada uma delas está descrito no art. 6° da referida lei. A tabela a seguir apresenta as principais características de cada modalidade de licitação. Modalidade Conceito Concorrência "modalidade de licitação para a contratação de bens e serviços art. 6°, inciso especiais e de obras e serviços comuns e especiais de XXXVIII engenharia, cujo critério de julgamento poderá ser: a) menor preço; b) melhor técnica ou conteúdo artístico; c) técnica e preço; d) maior retorno econômico; e) maior desconto;" (Brasil, 2021) Concurso "modalidade de licitação para escolha de trabalho técnico, art. 6°, inciso científico ou artístico, cujo critério de julgamento será o de XXXIX melhor técnica ou conteúdo artístico, e para concessão de prêmio ou remuneração ao (Brasil, 2021) 9Leilão "modalidade de licitação para alienação de bens imóveis ou de art. 6°, inciso bens móveis inservíveis ou legalmente apreendidos a quem XL oferecer o maior lance;" (Brasil, 2021) Pregão "modalidade de licitação obrigatória para aquisição de bens e art. 6°, inciso serviços comuns, cujo critério de julgamento poderá ser o de XLI menor preço ou o de maior desconto;" (Brasil, 2021) Diálogo "modalidade de licitação para contratação de obras, serviços e competitivo compras em que a Administração realiza diálogos com art. 6°, inciso licitantes previamente selecionados mediante critérios XLII objetivos, com o intuito de desenvolver uma ou mais alternativas capazes de atender às suas necessidades, devendo os licitantes apresentar proposta final após o encerramento dos diálogos;" (Brasil, 2021) Segundo a nova legislação, a definição da modalidade de licitação deverá ser feita apenas em razão das características de seu objeto, ou seja, daquilo que será, não havendo mais restrições de valores. Outra mudança importante com a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos é que as licitações serão realizadas, preferencialmente, na forma eletrônica, admitindo-se a forma presencial se justificada, devendo a sessão pública ser obrigatoriamente registrada em ata e gravada em áudio e vídeo quando presencial (art. 17, parágrafo As licitações presenciais viram exceção e devem ser justificadas. A Lei n. 14.133/2021) é composta de 194 artigos e trata exaustivamente de: contratos administrativos; cláusulas exorbitantes; prazos; responsabilidade; alteração contratual; extinção do contrato; extinção do contrato - direito do contratado; formas de extinção; nulidades do contrato; infrações e sanções; e 10PNCP Portal Nacional de Contratações Públicas. É importante destacar que a Medida Provisória n. 1.167/2023 alterou a referida lei para possibilitar à Administração optar por licitar ou contratar diretamente de acordo com essa lei ou com a lei anterior (Lei n. 8.666/1993), desde que a opção seja expressamente indicada no edital ou no ato autorizativo da contratação direta e que estes ocorram até 29 de dezembro de 2023. Isso implica dizer que a lei antiga (Lei n. 8.666/1993) ainda terá vigência até final do ano de 2023. Mas, para que não pairem dúvidas quanto a isso, o art. 193 expressamente revoga em 30 de dezembro de 2023 a Lei n. 8.666/1993, a modalidade de pregão (Lei n. 10.520/2002) e algumas regras do Regime Diferenciado de Contratações Públicas. Principais mudanças previstas na Lei n. 14.133/2021 1. Novos princípios, como a segregação de funções e planejamento. 2. Regras de governança voltadas à atuação dos agentes públicos envolvidos no processo, como medidas antinepotismo, obrigação de que os agentes de contratação sejam servidores ou empregados dos quadros permanentes da Administração Pública, emprego da gestão por competências, entre outras. 3. Os tipos de licitação passam a ser chamados de critérios de julgamento, com destaque para o critério do maior retorno econômico. 4. Inserção de mais critérios de sustentabilidade, com enfoque na dimensão social (possibilidade da exigência, à contratada envolvida com o objeto da licitação, de percentual mínimo de contratação de mulheres vítimas de violência doméstica e/ou egressos do sistema prisional). 5. Preocupação em viabilizar as licitações internacionais, definidas como as processadas em território nacional nas quais é admitida a participação de licitantes estrangeiros, com a possibilidade de cotação de preços em moeda estrangeira, ou licitação na qual o objeto contratual pode ou deve ser executado no todo ou em parte em território estrangeiro (art. 6°, inciso XXXV). 6. Mudanças nas regras de publicação e disponibilização de documentos do processo. 117. Incentivos para que o setor privado interessado em contratar com o Poder Público desenvolva ou aprimore programas de integridade em sua estrutura organizacional. 8. Previsão de cláusula contratual definidora de riscos e de responsabilidades entre as partes e caracterizadora do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, denominada matriz de riscos. 9. Alteração dos prazos de duração em vários tipos de contratos. 4.2 Conceito de contrato administrativo O contrato administrativo é o ajuste de vontades realizado entre particulares (pessoas físicas ou pessoas jurídicas, públicas ou privadas) e a Administração Pública para a consecução de fins públicos, segundo o regime jurídico de direito público, com cláusulas específicas exigidas pela Lei n. 14.133/2021. Por isso, tais contratos recebem nome de contratos típicos ou verticais. É a Administração agindo como Poder Público! Desse modo, os contratos administrativos surgem como ajustes de adesão, visto que particulares não podem interferir de maneira alguma quando de sua elaboração. Eles estão descritos no Título III da referida lei que já de início trata de sua formalização: "Art. 89. Os contratos de que trata esta Lei regular-se-ão pelas suas cláusulas e pelos preceitos de direito público, e a eles serão aplicados, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado" (Brasil, 2021.) Lembramos que nem todo ato firmado pela Administração Pública é um ato administrativo, assim como nem todo contrato firmado pela Administração Pública é um contrato administrativo, pois toda vez que a Administração age como se particular fosse, ela atua sem as prerrogativas de Poder Público em contratos privados, ou semipúblicos, a exemplo de quando a Administração contrata um seguro. A expressão contratos da administração abrange todos os contratos celebrados (gênero), em regime de direito público e de direito privado predominantemente, em que há horizontalidade entre as partes. Já a denominação contrato administrativo é reservada para os contratos de direito público celebrados pela Administração (espécie) em que predominam as chamadas cláusulas exorbitantes ou de privilégio, nas quais é conferida uma 12série de prerrogativas à Administração em detrimento do contratado, tendo em vista que o fim último desse tipo de contrato é o interesse público. Em outras palavras, as cláusulas exorbitantes são benefícios que a Administração possui sobre o particular e que se justificam na supremacia do interesse público sobre o privado. São cláusulas que se referem a: alteração unilateral; rescisão unilateral; fiscalização; aplicação de sanções; ocupação provisória de bens, pessoal e serviços; exigências de garantias pela Administração; e restrições à oposição, pelo contratado, da exceção do contrato não cumprido (quando a Administração pode exigir que o contratado cumpra sua parte no contrato sem que ela própria tenha cumprido a dela). 4.3 Características do contrato administrativo Independentemente de sua natureza, os contratos administrativos apresentam uma série de características em comum, que devem ser observadas no momento de contratação com o Poder Público. Listamos a seguir as principais especificidades desses contratos. Observância de finalidade pública: em atenção aos vários princípios indicados no art. 5° da Lei n. 14.133/2021, a contratação deve prezar pelo benefício da coletividade e pela supremacia do interesse público, não devendo privilegiar apenas interesses privados ou puramente econômicos e respeitando a impessoalidade e a moralidade pública em todos os atos decorrentes do contrato. Comutativo: são os contratos de prestações certas e determinadas. Têm prestação e contraprestação já estabelecidas e equivalentes, exigindo-se a cooperação e o alinhamento de atuação entre os contratantes em respeito ao vínculo criado pela relação jurídica contratual. Oneroso: as prestações das partes têm valor e são identificadas economicamente. Ambas as partes experimentam benefícios e deveres. Formal: exige condições específicas previstas em lei para sua validade. Em regra, o contrato administrativo é celebrado na forma escrita, 13conforme art. 90 da Lei n. 14.133/2021. No art. 92, incisos a XIX, estão estabelecidas as cláusulas necessárias em todos os contratos. É possível o contrato verbal com a Administração para pequenas compras ou serviços de pronto pagamento de valor não superior a R$ 10.000,00 (art. 95, parágrafo "É nulo e de nenhum efeito o contrato verbal com a Administração, salvo o de pequenas compras ou prestação de serviços de pronto pagamento, assim entendidas aquelas de valor não superior a R$ 10.000,00 (dez mil reais)." (Brasil, 2021). Para além da exigência básica de que sejam contratos escritos, deve-se também observar as múltiplas disposições previstas em lei com relação ao conteúdo contratual e medidas cabíveis em caso de inadimplemento. Precedidos pela licitação pública: os contratos administrativos são precedidos pela licitação pública, procedimento de contratação no qual o ente estatal elege a melhor opção entre a ampla concorrência. A exigência da licitação é constitucionalmente prevista para as obras, serviços, compras e alienações segundo o art. 37, inciso XXI. TEMA 5 ESPÉCIES DE CONTRATOS ADMINISTRATIVOS A nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, em seu art. 6°, indica as principais modalidades contratuais realizadas pela Administração. 5.1 Contrato de obra pública Visa a execução indireta de obras cuja titularidade pertence ao Estado. No inciso XII de seu art. 6°, a Lei de Licitações e Contratos Administrativos define obra como: toda atividade estabelecida, por força de lei, como privativa das profissões de arquiteto e engenheiro que implica intervenção no meio ambiente por meio de um conjunto harmônico de ações que, agregadas, formam um todo que inova o espaço físico da natureza ou acarreta alteração substancial das características originais de bem imóvel; (Brasil, 2021) Nesse sentido, abre-se a possibilidade para uma série de contratos de empreitada que abrangem desde etapas parcelares do projeto e execução da obra até a contratação integral e complexa de todos os atos e materiais necessários para a plena realização da obra. 5.2 Contrato de prestação de serviço 14Consiste na contratação de particular para a realização de atividade prestada em benefício da própria Administração. Essa modalidade contratual pode ter por objeto: um serviço de natureza comum, isto é, que não necessita de especial qualificação técnica do prestador; ou um serviço de natureza especial, marcado pela necessidade de habilitação adequada de caráter técnico ou intelectual para seu exercício. Nessa última categoria estão compreendidos os serviços indicados pelo inciso XVIII do art. 6° da Lei n. 14.133/2021, entre os quais estão a realização de estudos técnicos, pareceres ou perícias e a restauração de obras de arte ou de bens de valor histórico. Para os serviços de natureza especial, tem-se como inexigível a licitação prévia, na forma do art. 74, inciso III da referida lei. 5.3 Contrato de fornecimento Consiste no acordo em que a Administração adquire bens móveis ou semoventes (que possuem movimento próprio, assim como animais selvagens e domésticos como bovinos, equinos, suínos etc.) indispensáveis para a execução de determinada obra ou serviço. Embora pareça tratar-se de contrato de compra e venda, o contrato de fornecimento se diferencia por ser destinado a fornecimento contínuo, parcelado ou futuro, de bens. Encontra previsão expressa no inciso XV do art. 6° da nova lei, sendo de grande importância na execução cotidiana de serviços públicos. 5.4 Contrato de gestão É o acordo firmado entre a Administração Pública, por intermédio de suas agências executivas, com certos entes privados, como organizações sociais. Tem por objetivo a fixação de metas de desempenho com o intuito de aprimorar a eficiência da atuação desses entes. No parágrafo 8° do art. 37 da Constituição encontra-se a previsão que o distingue dos demais contratos administrativos. § 8° A autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos e entidades da administração direta e indireta poderá ser ampliada mediante contrato, a ser firmado entre seus administradores e o poder público, que tenha por objeto a fixação de metas de desempenho para o órgão ou entidade, cabendo à lei dispor sobre: [...] (Brasil, 1988) A principal diferença é que o contrato de gestão tem caráter predominantemente associativo, isto é, sem interesses contrapostos. É 15diferenciado também por ser realizado, na maior parte das vezes, entre dois ou mais órgãos ou entidades integrantes da própria Administração Pública. A participação de particulares nesse tipo contratual é, desse modo, reduzida. 5.5 Contratos de concessão Os contratos de concessão são aqueles em que o Poder Público transfere ao particular a competência para execução de determinado serviço de interesse público para a coletividade, ou mesmo a concessão e o uso de determinado bem ou de realização de obra pública. Trata-se de uma contratação complexa, com longa duração e investimentos vultosos. A concessão de serviços pode ser realizada de duas formas: concessão simples, regulada pela Lei n. 8.987/1995; ou concessão especial, na modalidade de parceria público-privada (PPP), regulada pela Lei n. 11.079/2004. A distinção das modalidades está no fato de que, na concessão simples, a remuneração do concessionário ocorre pelo pagamento de tarifas pelos usuários do serviço. É o que acontece, por exemplo, em rodovias pedagiadas sob concessão. Já nas PPPs, a remuneração do concessionário se dá por contraprestação direta do Poder Público, seja integralmente (concessão administrativa), seja parcialmente, cumulada com o pagamento de tarifas pelos usuários (concessão patrocinada). 5.6 Contrato de alienação O contrato de alienação é precedido por licitação na modalidade de leilão e terá por objeto bens públicos móveis ou imóveis de natureza dominical ou mesmo bens inservíveis ou apreendidos. Pode consistir em compra e venda, doação ou mesmo permuta. É possível realizá-lo por meio de contratação direta, isto é, sem prévia licitação, nos casos previstos nos incisos I e do art. 76 da Lei n. 14.133/2021, devendo- se atentar para o tipo contratual empregado e o objeto da alienação. NA PRÁTICA 16Você já ouviu falar em contratação pública sustentável? As contratações públicas são instrumentos para a implementação de políticas públicas e devem ser planejadas e executadas observando-se o princípio do desenvolvimento nacional sustentável ao longo de todo o ciclo da contratação. Toda ação do Estado deve ter por base o princípio do desenvolvimento nacional sustentável, o que implica o melhor aproveitamento de recursos, o desenvolvimento de logísticas eficientes e o planejamento de ações que agreguem benefícios sistêmicos à população e ao meio ambiente, inter- relacionando as esferas econômicas, sociais, culturais e ambientais, independentemente do nível de abrangência ou da complexidade da ação. O Decreto n. 10.531/2020 instituiu a Estratégia Federal de Desenvolvimento para o Brasil no período de 2020 a 2031 (EFD 2020-2031), organizando diretrizes e metas em cinco eixos principais: econômico, institucional, infraestrutura, ambiental e social. Utilizando-se de três cenários possíveis para a evolução da economia brasileira, a EFD 2020-2031 pretende catalisar todas as dimensões do desenvolvimento sustentável, concebido como caminho para a prosperidade. A diretriz principal de suas ações e metas, válida para todos os eixos, é a elevação da renda e da qualidade de vida da população brasileira, com redução das desigualdades sociais e regionais, seguida por cinco diretrizes específicas, uma para cada eixo, com forte inter-relação, transversalidade e potencial sinérgico entre elas. Para saber mais, acesse o site: (acesso em: 23 ago. 2023). 17ECONÔMICO alcançar desenvolvimento econômico sustentado com geração de empregos, ganho de produtividade recuperação do equilíbrio fiscal INSTITUCIONAL aprimorar governança, com SOCIAL promover igualdade de oportunidades e acesso a foco melhora serviços entrega garantindo ao do cidadão ambiente efetiva na de de serviços públicos de qualidade DIRETRIZ PRINCIPAL negócios, soberania e promovendo interesses elevar a qualidade nacionais de vida da população brasileira com redução das desigualdades sociais e regionais AMBIENTAL promover conservação uso INFRAESTRUTURA- sustentável dos recursos naturais como um dos aspectos desenvolver infraestrutura fundamentais da qualidade de com ganho de competitividade, vida das conciliando assegurando a sustentabilidade preservação ambietal, com ambiental desenvolvimento econômico e social FINALIZANDO Esta etapa é o ponto nevrálgico do direito administrativo porque representa a exteriorização e a materialização da ação administrativa. Os contratos administrativos são o principal mecanismo utilizado para garantir a cooperação entre a Administração Pública e pessoas ou entidades privadas Contudo, apesar da presença massiva desse instituto na implementação e no exercício das atividades do Estado, os contratos administrativos ainda são um tema muito nebuloso e distante para a maior parte da população e para os profissionais do Direito. Os contratos administrativos são guiados pela persecução do interesse público, ao passo que as relações particulares são marcadas pela autonomia privada. Diante do mandamento da supremacia do interesse público sobre o interesse particular, a dinâmica contratual é radicalmente modificada. Certamente há muito ainda a se compreender sobre o assunto, como no que diz respeito a validade, penalidade, reajuste, repactuação, entre outras questões. No entanto, ao compreender os aspectos fundamentais sobre o contrato administrativo e todo o procedimento que o envolve, certamente você terá condições de desenvolver o estudo. 18REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição (1988). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988. Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 22 jun. 1993. Lei n. 8.987, de 13 de fevereiro de 1995. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 14 fev. 1995. Lei n. 10.520/2002, de 17 de julho de 2002. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 18 jul. 2002. Lei n. 11.079/2004, de 30 de dezembro de 2004. Diário Oficial da União, Poder Legislativo. Brasília, DF, 31 dez. 2004. Lei n. 13.019/2014, de 31 de julho de 2014. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 1° ago. 2014. . Decreto n. 10.531, de 26 de outubro de 2020. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 27 out. 2020. Lei n. 14.133, de 1° de abril de 2021. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 1° abr. 2021. Medida Provisória n. 1.167, de 31 de março de 2023. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 31. mar. 2023. CARVALHO, M. Manual de direito administrativo. 3. ed. Salvador: Juspodvim, 2016. DI PIETRO, M. S. Z. Direito administrativo. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2014. FIGUEIREDO, L. V. Curso de direito administrativo. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. GARCIA, F. A. Licitações e contratos administrativos: casos e polêmicas. São Paulo: Malheiros, 2018. MAZZA, A. Manual de direito administrativo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. MEIRELLES, H. L. Direito administrativo brasileiro. 39. ed. São Paulo: Malheiros, 2013. 19COUTO e SILVA, A. do. Privatização no Brasil e o novo exercício de funções públicas por particulares: serviço público "à brasileira"? Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 230, p. 45-74, 2002. 20