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UNICIDADE SINDICAL VERSUS PLURALIDADE SINDICAL Leandro de Azevedo Bemvenuti Advogado - RS 1. Considerações iniciais; 2. Liberdade sindical e a Convenção 87 da OIT; 3. Conceito de unicidade sindical; 4. Conceito de pluralidade sindical; 5. Unicidade versus pluralidade sob o ponto de vista da categoria profissional; 5.1. Unicidade em relação à pluralidade; 5.2. Pluralidade em relação à unicidade; 6. Considerações finais; 7. Referências bibliográficas; 1 - CONSIDERAÇÕES INICIAIS Em 1948, a Organização Internacional do Trabalho – OIT aprovou a Convenção nº 87, relativa à liberdade sindical e à proteção do direito de sindicalização. Encaminhada ao Congresso em maio de 1949, para a ratificação indispensável a sua vigência no País, a convenção nº 87 da OIT permaneceu 35 anos em tramitação até que em 29 de agosto de 1984 foi inesperadamente aprovada pela Câmara dos Deputados, que obteve êxito na formação de um bloco oposicionista ao Governo que lhe garantiu a maioria da votação. A partir deste momento histórico, a ratificação e posterior vigência no ordenamento interno do País da Convenção nº 87 da OIT dependiam apenas do Senado Federal e posterior sanção do Presidente da República. Cientes deste panorama, diversos movimentos, tanto de trabalhadores quanto de empresários, foram disparados. Apesar do texto da Convenção nº 87 da OIT não ter sido colocado em apreciação pelo Senado, e, portanto, jamais ter ingressado no ordenamento jurídico interno até os dias de hoje, à época esta era uma expectativa do movimento sindical, que a partir deste momento intensificou as discussões sobre os possíveis desdobramentos da convenção na intervencionista legislação sindical da época. Dessas discussões, algumas conclusões restaram unanimidades junto ao movimento sindical, juristas, políticos e opinião pública, contudo, também algumas ferrenhas divergências tornaram-se mais acirradas, sendo a mais relevante e que até hoje suscita posições distintas no seio do próprio movimento sindical é a que diz respeito à forma de organização dos sindicatos, se plural, ou única. Neste cenário histórico em que vivamente discutia-se a convenção nº 87 da OIT e o instituto da liberdade sindical é que se insere o presente texto. Pretende-se através dele apresentar um sucinto panorama das duas concepções de organização sindical, a pluralidade e a unicidade, procurando-se posteriormente fazer um paralelo entre ambas, não deixando de trazer a discussão algumas posições históricas exaradas a época (1984 e anos seguintes), dos principais atores e interessados na discussão, a classe trabalhadora. 2 - LIBERDADE SINDICAL E A CONVENÇÃO 87 DA OIT A convenção n. 87 da OIT sem dúvida alguma propunha um democrático avanço na legislação sindical da época, legislação esta anterior à chamada Constituição Cidadã. Pela ratificação da Convenção propunha-se, em linhas gerais, o livre direito dos sindicatos de elaborar seus estatutos; eleger seus representantes; organizar seus programas de ação e suas atividades, devendo as autoridades públicas se absterem de qualquer intervenção que prejudicasse esse direito; o desatrelamento do Estado, não mais sendo necessário ou exigível a aprovação de sua instituição ou dissolução; estariam livres para filiar-se a organismos internacionais; livres estariam os servidores públicos para formar sindicatos; reconhecido o direito de greve... Contudo, a convenção nº 87 da OIT, se ratificada à época, revogaria por completo o sistema da CLT e em seu lugar os trabalhadores e empregadores poderiam criar diversas organizações sindicais na mesma base territorial, se assim fosse desejado, instituindo no âmbito interno a chamada pluralidade sindical. Tal perspectiva eclodiu contraria manifestação de grande parte da classe trabalhadora frente à possibilidade de adoção por parte da legislação interna do modelo de pluralismo sindical. Entretanto, este mesmo movimento sindical que se mostrou contrário ao modelo do pluralismo sindical, se colocava a favor das várias facetas de liberdade sindical trazidas pela Convenção nº 87 da OIT. O que se presenciava á época eram grandes congressos de trabalhadores endossando propostas de apoio unânime a liberdade e autonomia dos sindicatos, mas ao mesmo tempo defendendo a unicidade sindical. Já em 1946 o 1º Congresso Sindical de Trabalhadores do Estado de São Paulo recomendava o combate à pluralidade “por ser prejudicial aos interesses da classe trabalhadora”.1 Em 1979 o Congresso Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos aprova a seguinte resolução: “Os sindicatos serão organizados em correspondência ao ramo de produção das empresas, garantida a unicidade sindical”.2 Em 1981 tem acontecimento o 1º Congresso Nacional das Classes Trabalhadoras – CONCLAT, na Praia Grande, quando se decidiu: Os sindicatos têm o direito de exercer suas atividades em representação dos trabalhadores, segundo seus estatutos, livremente adotados, sem controle dos poderes públicos ou dos empregadores. Os sindicatos serão organizados em correspondência ao ramo de atividade econômica e na mesma base territorial, decidindo a assembléia dos trabalhadores qualquer dúvida quanto à representação da categoria, garantida a unicidade sindical.3 Em agosto de 1983, em São Bernardo do Campo, o 1º Congresso Nacional da Central Única dos Trabalhadores – CUT firma a seguinte resolução: “O novo sindicalismo se funda no princípio da unicidade sindical, sempre pela base. Esta unidade se dará desde a organização nos locais de trabalho até a Central Sindical”.4 Por sua vez, novamente na Paria Grande e em setembro de 1983, o 2º 1 AROUCA, José Carlos. “A Convenção 87”, em, "Autonomia Sindical: unicidade x pluralidade, imposto sindical, representação sindical”, São Paulo: Centro Pastoral Vergueiro, 1985, p. 18. 2 Obra citada, p. 18. 3 Obra citada, p. 18. 4 Obra citada, p. 19. Congresso Nacional das Classes Trabalhadoras – CONCLAT, também pelo mesmo caminho estabelece: Para levar avante com sucesso a luta dos trabalhadores, está na ordem do dia a construção e defesa do movimento sindical unitário, livre dos prejuízos do partidarismo, do paralelismo, e do pluralismo sindical. É fundamental ratificar o princípio da unicidade sindical como fórmula correta para o desenvolvimento do sindicalismo brasileiro, pois as idéias divergentes contribuirão, uma vez livremente debatidas, dento das entidades, para o seu fortalecimento, impedindo tanto o imobilismo como a fuga para o paralelismo inconseqüente.5 Registre-se por fim o 1º Encontro Nacional de Confederação e Federações de Trabalhadores, realizado em 1984 em Brasília, em que se decidiu: “Direito de livre associação, de liberdade e de autonomia sindical, com plena autonomia financeira, respeitado o princípio da unicidade sindical pelas categorias profissionais”.6 Portanto, o sentimento da classe trabalhadora naquele momento histórico, representado e legitimado pelos vários congressos e encontros nacionais de trabalhadores, era o de adoção dos princípios de liberdade e autonomia sindical traçados pela Convenção n. 87 da OIT, respeitando, por outro lado, o princípio da unicidade sindical. E tal perspectiva não poderia ter ficado mais clara quando da conclusão do 2º Encontro Nacional de Dirigentes Sindicais, que contava com a presença, por exemplo, do atual Presidente da República, Luiz Inácio LULA da Silva, momento em que se firmou a seguinte resolução: “Ratificação da Convenção 87 da OIT preservando a unidade sindical”.7 O principal argumentoutilizado à época, contrário a pluralidade sindical, era o de que os efeitos desta permitiriam a criação de sindicatos ideológicos, desviados da função trabalhista, enfraquecendo pela desunião, o movimento sindical. Exemplo disso estava instaurado na própria divisão à época da cúpula do movimento dos trabalhadores pela constituição de duas centrais sindicais a CUT e o CONLAT. Enquanto estas centrais não 5 Obra citada, p. 19. 6 Obra citada, p. 19. 7 Obra citada, p. 19. superassem suas divergências, nitidamente partidárias, ficaria a certeza de que, para cada grupo de trabalhadores, existiria, pelos menos, dois sindicatos.8 Por outro lado, os que defendiam a idéia do pluralismo, sustentavam que o movimento sindical estaria preocupado apenas com os sindicatos de base, na suposição equivocada de que isto reverteria na divisão de sindicatos. Não estaria o movimento sindical observando o fenômeno sob a perspectiva superior da pirâmide sindical, que permitiria a legitimação das várias centrais sindicais, possibilitando a filiação dos sindicatos por centrais, formando assim uma unidade com força suficiente para negociar em nível nacional. Essa disputa de concepções, hoje renovada diante de projeto que se propõe a alterar a legislação sindical brasileira, deve ser compreendida também sob o ponto de vista conceitual, razão pela qual trazemos a colação rápidos conceitos sobre os institutos da unicidade e da pluralidade sindical nos tópicos a seguir trabalhados. 3 - CONCEITO DE UNICIDADE SINDICAL Entende-se por unicidade sindical o sistema em que há uma única entidade profissional ou econômica representativa de sua base de acordo com a forma de representação adotada, seja por categoria, base territorial, profissão ou empresa. A Constituição Federal de 1988 adotou expressamente em seu normativo texto a unicidade sindical, dispondo no art. 8º inciso II ser “vedada à criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um município”. Segundo WILSON DE SOUZA CAMPOS BATALHA, “unicidade sindical implica a existência de uma única entidade representativa da mesma categoria em 8 Pelo menos dois sindicatos instaurados em pequenas categorias situadas no interior deste continental país, sem dúvida alguma enfraqueceria ainda mais o movimento dos trabalhadores, que sem força e unidade, se entregariam fácil a lógica do capital. determinada base territorial”.9 O professor JOÃO JOSÉ SADY ao tratar sobre o tema da unicidade sindical, argumenta que... [...] apesar de certos malefícios evidentes, apresenta em contra- partida a vantagem de ser um fator aglutinador dos assalariados. A falta de democracia de per si já provoca o atraso na consciência dos trabalhadores e a precariedade das entidades sindicais com baixíssimos índices de sindicalização e muito pouca representatividade, faz crescer a preocupação pela unidade sindical.10 Neste cenário, teoricamente a unicidade imposta pela Lei impediria a pulverização de determinada base/categoria em vários sindicatos, cada um sustentando-se em uma determinada corrente política, ideológica ou religiosa. 4 - CONCEITO DE PLURALIDADE SINDICAL Entende-se por pluralidade sindical o sistema em que se admite em uma mesma base territorial a existência de diversos sindicatos representando legalmente à mesma categoria profissional ou econômica. WILSON DE CAMPOS BATALHA argumenta que a “pluralidade sindical consiste na permissão de várias entidades, na mesma base territorial, exercerem a representação da mesma categoria, disputando-se qual o sindicato mais representativo, ou as condições para uma participação proporcional na representação da categoria”.11 Na pluralidade sindical a representação é definida pela legitimidade da entidade, isto é, a representatividade dos sindicatos é definida pela importância do agrupamento categorial na estrutura da organização sindical 9 BATALHA, Wilson de Souza Campos; BATALHA, Silva Marina Labate. “Sindicatos – Sindicalismo”, 2a ed., São Paulo, LTr Edit., 1994, p. 83. 10 SADY, João José, “Direito Sindical e Luta de Classes”, São Paulo, Instituto Cultural Roberto Morena, 1985, p. 38. 11 BATALHA, Wilson de Souza Campos; BATALHA, Silva Marina Labate, “Sindicatos – Sindicalismo”, 2a ed., São Paulo: LTr, 1994, p. 83. (sindicatos, federações e confederações).12 O sistema de pluralidade sindical permite, teoricamente, a criação de sindicatos sem limites de base territorial previamente estabelecidas, possibilitando assim, a constituição de sindicatos de empresas, ou seja, sindicatos cuja base restringe-se a trabalhadores com contrato de emprego mantidos por determinada empresa. 5 - UNICIDADE VERSUS PLURALIDADE SOB O PONTO DE VISTA DA CATEGORIA PROFISSIONAL O sindicato é uma instituição social espontânea, que reúne as pessoas pelo que apresentam de comum, isto é, pelo exercício da mesma atividade econômica e por interesses profissionais. Distingue-se claramente, por exemplo, de um clube, pois deste alguém se torna sócio a partir da sua opinião pessoal, simpatias, laços afetivos; já o sindicato se organiza com base no interesse do grupo e com o objetivo de resolver problemas de índole coletiva, na defesa de interesses profissionais ou econômicos do conjunto dos trabalhadores. Neste cenário, e por maiores que sejam as divergências da classe trabalhadora entre si, seja por questões políticas, partidárias, filosóficas, sociológicas, econômicas, religiosas etc..., todos os trabalhadores têm entre si algo que lhes coloca em posição de similaridade; todos “alienam” sua força de trabalho ao capital, porque não detém os meios de produção, e, portanto, buscam sempre melhores condições de trabalho e salário. Sob esta perspectiva, é preciso de alguma forma manter este tênue laço que lhes une em torno de uma meta idêntica, a busca de melhores condições de trabalho e salário. A unidade na luta, portanto, é o objetivo a ser alcançado, para que unidos os trabalhadores possam se contrapor em condições não tão desiguais aos interesses do capital. Entretanto, prega-se que este objetivo de unidade pode ser alcançado sob duas formas ou perspectivas de atuação. Sob a forma do pluralismo 12 ARAGÃO, Luiz Fernando Bastos. “Noções essenciais de direito coletivo do trabalho”, São Paulo: LTr, 2000, p.27. defende-se a liberdade de criação dos sindicatos, até que num determinado momento histórico, estes vários e plurais sindicatos irão aos poucos se unirem, na busca deste objetivo que é a unidade do movimento. Por outro lado, a forma da unicidade pressupõe desde o início a imposição por Lei de uma unidade mínima, que corresponde hoje aos limites da área do município em que se insere a entidade sindical. Nesta perspectiva, passaremos a abordar sucintamente alguns aspectos relevantes que podem ser extraídos do confronto destas duas concepções. 5.1 – UNICIDADE EM RELAÇÃO À PLURALIDADE A liberdade sindical absoluta que se impõe também pela construção de livre sindicalização a qualquer sindicato, reduz as possibilidades de defesa da classe trabalhadora, na medida em que seus esforços se vêm diluídos em várias associações profissionais e com trabalhadores não filiadosque, apesar disso, se beneficiam das conquistas dos filiados, sem, contudo, ter de participar do enfrentamento capital-trabalho. Por outro lado, dá maior flexibilidade ao empregador que pode optar pela contratação de trabalhadores não sindicalizados ou sindicalizados a entidades que não se propõe ao enfrentamento com a empresa, ou ainda pior, podem os empregadores num sistema de liberdade ampla e irrestrita, permeada pela pluralidade de sindicatos, constituírem o seu próprio sindicato, o sindicato dos trabalhadores da sua empresa, vinculando à manutenção do emprego de seus empregados à sindicalização destes ao sindicato constituído, com o que poderá inclusive firmar normas coletivas a seu bel prazer. Estas questões são típicas e inerentes ao nosso sistema, primeiro, em razão de questões culturais já enraizadas, e, segundo, em razão do sistema de proteção do emprego de nosso sistema, que inexiste. Não há em nosso ordenamento a proteção do emprego sob a forma da estabilidade, ou ao menos, sob a forma da proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa. Por esta razão é que não se pode tentar fazer relação entre o nosso sistema e a realidade de outros países, que, por exemplo, têm ratificado em seus ordenamentos a convenção nº 158 da OIT que impede a despedida arbitrária. A convivência de vários sindicatos, que no nosso sistema, pela falta de proteção ao emprego, pode ser construída ou incentivada pelas próprias empresas, impede uma eficaz negociação entre capital e trabalho. A idéia, por exemplo, de atribuir ao sindicato mais representativo o comando da negociação coletiva, ao invés de unir, acirrará as disputas, enfraquecendo os trabalhadores. Inegavelmente, todas as correntes se desgastarão, competindo para conseguir o direito de representação, esgotando inutilmente, as forças que precisarão concentrar quando tiverem pela frente o capital. 5.2 - PLURALIDADE EM RELAÇÃO À UNICIDADE Por outro lado, os adeptos da pluralidade entendem que a unicidade sindical mantida por lei implica necessariamente a dependência do sindicato diante do Estado. Isto porque, neste caso, cabe ao Estado, através do Poder Judiciário, designar qual sindicato é o único representante legítimo de uma categoria profissional. Essa dependência do sindicato diante do Estado implica em uma hegemonia burguesa sobre o movimento sindical tomado no seu conjunto, isto porque o Estado burguês seleciona politicamente, através de instrumentos policiais e judiciários, os elementos que podem ascender na estrutura sindical. Assim, concluem que, para que o proletariado possa imprimir ao movimento sindical uma direção conforme com os seus interesses históricos, seria necessário romper com essa dependência diante do Estado burguês, e isto passaria, necessariamente, pela derrubada da unicidade sindical imposta por Lei.13 Outros ainda, entendem que é possível se atingir a unicidade na 13 BOITO JR, Armando; SAES Décio. “Autonomia Sindical”, em, “Autonomia Sindical: unicidade x pluralidade, imposto sindical, representação sindical”, São Paulo: Centro Pastoral Vergueiro, 1985, p. 80-1. pluralidade, sendo requisito necessário a esta construção o fato dela ser feita de baixo para cima, isto é, da base sindical à cúpula central, sem contudo, a imposição pelo Estado através de instrumento normativo. 6 - CONSIDERAÇÕES FINAIS Como já referido anteriormente, esta discussão hoje se renova diante do projeto de Lei encaminhado ao Congresso Nacional que propõe a chamada “reforma sindical”. Todavia, sempre que nos propomos a discutir ou rediscutir a matéria, é preciso ter em conta o ambiente em que se está a discutir, e, por conseguinte, o ambiente em que se pretende inserir esta forma de organização sindical. Sendo o ordenamento brasileiro atual o ambiente em que se insere a discussão hoje em pauta, ambiente este em que inexiste proteção à relação de emprego, ou pelo contrário, onde existe o poder potestativo do empregador de livremente despedir seus empregados, não há que se fazer comparações com experiências oriundas de realidades diferentes, onde ao contrário, vige, por exemplo, como já dito, a convenção nº 158 da OIT. Quando em 1934 foi dada a opção aos trabalhadores pela unicidade ou pluralidade, o movimento sindical optou pela unicidade, porque entendiam à época os trabalhadores, que este seria o melhor caminho para alcançarem à unidade do movimento, frente às condições históricas de precária proteção individual e coletiva dos trabalhadores. Não há razões para pensarmos o contrário de lá para cá. Os níveis de desemprego, influenciados pela chamada Terceira Revolução Industrial, aumentam a cada nova década que se passa. Os poucos empregos que ainda se mantém são precarizados. As bravas conquistas ainda existentes são desregulamentadas. A proteção ao emprego que já é mínima, cada vez torna-se mais tênue, frente à introdução de novas formas de contratação e dispensa. Neste cenário, em que evidentemente o trabalhador não é livre, porque submetido por necessidade de subsistência a uma relação frágil, permeada por um exército de reserva pronto a tomar o seu lugar por um salário mais baixo e talvez uma qualificação mais adequada, porque poderíamos pensar que o sindicato também pudesse ser livre. O Direito do Trabalho parte de seu nascedouro que é a evidente desigualdade entre as partes que compõe a relação de emprego – empregado e empregador. Desta desigualdade o Direito do Trabalho faz nascer o Princípio Protetor, cuja finalidade é desigualar os desiguais a fim de diminuir suas desigualdades, tornando a relação quem sabe um pouco mais equilibrada. E não há outra medida que não seja a intervenção do Estado pela Lei, garantindo o contrato mínimo legal, a tornar possível esta finalidade protetora do Direito do Trabalho. Se dependêssemos única e exclusivamente da liberdade certamente o contrato mínimo legal já teria caído, como até hoje muitos querem através da inversão das fontes – negociado a prevalecer sobre o legislado. Ora, necessitando o Direito Individual do Trabalho desta intervenção Estatal para lhe assegurar aquilo que a pura e simples liberdade não conseguiu, por se tratarem de pólos desiguais na relação, porque imaginar que o Direito Coletivo do Trabalho neste ambiente retratado conseguiria sem o Estado, prevalecer eficazmente. As relações coletivas de trabalho comportam, tal qual as relações individuais de trabalho, uma evidente disparidade entre aqueles que negociam, quer no que tange ao aspecto econômico, com a natural superioridade da empresa, quer no tocante à concentração do poder sobre os meios de produção por parte do empregador. Assim, rompido o equilíbrio natural para a atuação negociada das partes, faz-se mister uma atuação do ordenamento jurídico, ou uma vontade expressada pelo Estado, no sentido de potencializar os sindicatos em sua atuação representativa, dotando-lhes de meios que, se não restabeleçam de per se a igualdade dos mesmos frente ao empresariado, ao menos criem mecanismos que, com o amadurecimento do diálogo social, tenham o condão de proporcionar esse equilíbrio.14 Sobre o tema, VALDÉS DAL-RÉ, citado por ALEXANDRE TEIXEIRA DE 14 BASTOS CUNHA, Alexandre Teixeira de Freitas. “Sindicatos: estrutura e papel na sociedade moderna”, ANAMATRA 1, Ed. Forense, set. 2001. Disponível em: <http://www.amatra1.com.br/artig/art0107.html>. Acesso em: 18 set. 2005. FREITAS, argumenta, in verbis: "[...] garantir o direito a negociar coletivamenteas condições de trabalho, as condições sociais que afetem os interesses da classe menos favorecida sócio-economicamente, requer organizar a autonomia coletiva segundo critérios não somente de liberdade , mas também de possibilidade e iniciativa reais. Em suma, criar os pressupostos para que a negociação coletiva cumpra o compromisso de atualizar a auto-tutela dos interesses do trabalho com o escopo de alcançar-se uma sociedade dotada de maior igualdade. A intervenção legislativa além de cumprir uma função de proteção dos entes sindicais, deve servir de meio para promover a negociação coletiva, para apoiar a atividade sindical e, em última instância, de dispositivo para redistribuir o poder entre os antagonistas sociais".15 Neste cenário, o instituto da liberdade sindical deve ser compreendido não só como uma ausência de proibições ou restrições, mas também como a existência de garantias positivas para seu exercício. Assim o é porque dentre ditas garantias, oponíveis aos empresários por parte dos trabalhadores, podemos citar, resumidamente, a necessidade de uma legislação que assegure, de fato, o livre exercício da atividade sindical, conferindo adequada proteção aos trabalhadores contra atos de discriminação anti-sindical no emprego, criação de mecanismos que coíbam o surgimento de sindicatos profissionais que, apesar de formalmente atenderem ao interesse dos trabalhadores, de fato, são organizados e financiados pelos próprios empresários, visando atender a seus próprios interesses, tipo de prática que se constitui na forma mais detestável de ingerência na liberdade sindical.16 Sob esta lógica, o Princípio Protetor, que encerra a intervenção do Estado para proteger o hipossuficiente na relação de Direito Individual, também não deveria se estender a relação de Direito Coletivo, a fim de proteger a estrutura sindical profissional de suas imperfeições materiais? Não deveria o Estado intervir para desigualar os desiguais a fim de minorar suas desigualdades também nas relações de Direito Coletivo do Trabalho, construindo pela Lei uma proteção à estrutura sindical das categorias profissionais, para que estas, através de uma virtual ou artificial 15 DAL-RÉ, Valdés, apud, obra citada. 16 KAHN-FREUND, Otto, apud, obra citada. unidade melhor estivessem em condições de se contrapor ao poder econômico? Ou deixaríamos tudo a mercê da ampla e total liberdade preconizada pela convenção nº 87 da OIT, aquela fundada e fundamentada no princípio do liberalismo econômico, isto é, as forças do mercado por si só produzirão a harmonia econômica, a prosperidade e a felicidade dos cidadãos. Como anuncia JOÃO JOSÉ SADY, “este suposto admirável mundo novo, todavia, esbarra nos limites do real: os sindicatos não querem e nem precisam de liberdade. Eles querem e precisam sim é de poder”; e complementa... [...] não estamos, portanto, no território da liberdade, mas, no território onde homens se organizam para violentar a liberdade de outros homens que os exploram. O pressuposto básico que temos de assentar, se a idéia é pensar em normas jurídicas que possam ajudar os sindicatos, não é em trazer-lhes liberdade, mas, em assegurar-lhes maior poder para violentar a liberdade dos outros homens (seus opressores). Os sindicatos não precisam de liberdade, precisam de poder.17 A liberdade ampla e irrestrita interessa a parcela de nossos dirigentes sindicais, porque o sindicato único representa na verdade o sindicato fundado antes dos demais. Então, as diversas correntes políticas têm de digladiar-se dentro destas entidades para tentar tomar o controle das mesmas. A corrente política (ou seja, a central sindical) que está de fora, tem muita dificuldade para tomar a entidade daquela que está encastelada no sindicato já existente. Por este motivo defendem a bandeira da liberdade de escolha para os trabalhadores. O resultado prático disso, contudo, é que cada grupo político, partidário, religioso..., possa organizar seu próprio sindicato "único", para justamente no momento em que mais precisam poder para negociar, estão divididos disputando representação. Os trabalhadores se organizam em torno e no interior de sindicatos para construir poder e obter vantagens que se manifestam nos contratos coletivos. Neste cenário, e partindo-se da premissa de que a finalidade da estrutura sindical é promover a unificação do movimento e das lutas por 17 SADY, João José. “Reforma sindical: o que a PEC nº 29/2003 pretende é a manutenção do princípio da unicidade”. Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 79, 20 set. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4279>. Acesso em: 14 set. 2005. melhores condições de trabalho e salário através da unidade/união sindical, porque correr os riscos de levá-la através de um ambiente de pluralidade, quando se pode inclusive cortar caminhos através de uma unidade mínima garantida pela Lei. A organização sindical sob a concepção do pluralismo encerra em si a possibilidade de criação de uma nova estrutura sindical, contudo, esta nova estrutura tanto pode ser a mais democrática e participativa possível, como também pode ser a mais totalitária e impositiva possível. E por isso, e até que não se tenha no nosso ambiente sindical, a mínima proteção ao emprego, e a partir de então a possibilidade de construção de uma liberdade individual do trabalhador, a total liberdade coletiva possivelmente acabaria se enveredando pelos caminhos que a liberdade individual foi conduzida até que o Estado viesse a intervir na relação capital-trabalho através do Direito do Trabalho. A pergunta que fica é como conceber sem prejuízos a classe trabalhadora, uma ampla e total liberdade no âmbito do Direito Coletivo de Trabalho, se esta mesma ampla e total liberdade no âmbito do Direito Individual é rechaçada (tese do negociado sobre o legislado)? A resposta quem sabe, a fim de proporcionar o equilíbrio entre os atores sociais, na negociação coletiva, seja uma vigorosa atuação estatal- legislativa, com o escopo de dotar os entes representativos dos trabalhadores de meios ou mecanismos aptos a conduzirem a vontade efetiva deste grupo ao debate que se trava durante o processo de negociação. Em outras palavras, o Estado deve propiciar mecanismos que possibilitem a real expressão dos objetivos colimados pela classe trabalhadora, ou seja, há necessidade de uma firme intervenção do Estado-legislador, não no sentido de obstruir a liberdade sindical e, conseqüentemente, a autonomia coletiva das partes, mas, ao contrário, como elemento necessário ao exercício autônomo e pleno da representação dos trabalhadores, por parte dos entes legitimados a fazê-lo.18 18 BASTOS CUNHA, Alexandre Teixeira de Freitas. “Sindicatos: estrutura e papel na sociedade moderna”, ANAMATRA 1, Ed. Forense, set. 2001. Disponível em: <http://www.amatra1.com.br/artig/art0107.html>. Acesso em: 18 set. 2005. Não há outra forma de falar-se em diálogo social. Caso contrário, o que se verificará, necessariamente, será a imposição da vontade pelo mais forte, o que não se coaduna com uma sociedade que se pretende, de fato, democrática e de direito, como é o caso da brasileira, segundo afirmado no caput do artigo 1º de nossa Constituição. Ratifique-se a convenção nº 158 da OIT, proteja-se o emprego, e provavelmente depois disso, nenhum trabalhador ou entidade sindical deste país se negará a adotar os princípios da convenção nº 87 da OIT, inclusive no seu aspecto de organização sindical atravésda pluralidade sindical. 7 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARAGÃO, Luiz Fernando Bastos. “Noções essenciais de direito coletivo do trabalho”, São Paulo: LTr, 2000, p.27. AROUCA, José Carlos. “A Convenção 87”, em, "Autonomia Sindical: unicidade x pluralidade, imposto sindical, representação sindical”, São Paulo: Centro Pastoral Vergueiro, 1985, p. 18. BASTOS CUNHA, Alexandre Teixeira de Freitas. “Sindicatos: estrutura e papel na sociedade moderna”, ANAMATRA 1, Ed. Forense, set. 2001. Disponível em: <http://www.amatra1.com.br/artig/art0107.html>. Acesso em: 18 set. 2005. BATALHA, Wilson de Souza Campos; BATALHA, Silva Marina Labate, “Sindicatos – Sindicalismo”, 2a ed., São Paulo: LTr, 1994, p. 83. BOITO JR, Armando; SAES Décio. “Autonomia Sindical”, em, “Autonomia Sindical: unicidade x pluralidade, imposto sindical, representação sindical”, São Paulo: Centro Pastoral Vergueiro, 1985, p. 80-1. SADY, João José, “Direito Sindical e Luta de Classes”, São Paulo, Instituto Cultural Roberto Morena, 1985, p. 38. SADY, João José. “Reforma sindical: o que a PEC nº 29/2003 pretende é a manutenção do princípio da unicidade”. Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 79, 20 set. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4279>. Acesso em: 14 set. 2005.
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