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Metodologia do da pesquisa e redação acadêmica Abril de 2013 Profª. Drª. Ana Maria Ribeiro de Jesus 1 O discurso dissertativo de caráter científico Observe os dois enunciados abaixo: a. A inflação corrói o salário do operário. b. Eu afirmo que a inflação corrói o salário do operário. Qualquer enunciado pressupõe que alguém o tenha produzido, uma vez que nenhuma construção linguística surge sem que alguém a tenha elaborado. Os dois enunciados acima pretendem transmitir o mesmo conteúdo: a inflação corrói o salário do operário. Há, no entanto, uma diferença entre eles. No primeiro, o enunciador (aquele que produz o enunciado) ausentou-se do enunciado não colocando nele nem o eu, que indica aquele que fala, nem um verbo que significa o ato de dizer. No segundo, ao contrário, ao dizer “eu afirmo”, o enunciador inseriu-se no enunciado, explicitando quem é o responsável por sua produção. No primeiro caso, pretende-se criar um efeito de sentido de objetividade, pois se enfatizam as informações de sentido de subjetividade, mostrando que a informação veiculada é o ponto de vista de um indivíduo sobre a realidade. Usa-se um ou outro modo de construir os enunciados em função dos efeitos de sentido que se quer criar. Há textos que são mais convincentes se forem elaborados de maneira a criar efeitos de sentido de objetividade. Outros persuadem melhor se mostrarem um efeito de subjetividade. O discurso dissertativo de caráter científico deve ser elaborado de maneira a criar um efeito de sentido de objetividade, pois pretende dar destaque ao conteúdo das afirmações feitas (ao enunciado) e não à subjetividade de quem as proferiu (ao enunciador). Quer concentrar o debate nesse foco e por isso adota expedientes que, de um lado, procuram neutralizar a presença do enunciador nos enunciados e, de outro, põem em destaque os enunciados, como se eles subsistissem por si mesmos. É claro que se trata de um artifício linguístico, porque sempre, por trás do discurso enunciado, está o enunciador com sua visão de mundo. Para neutralizar a presença do enunciador, isto é, daquele que produz o enunciado, usam-se certos procedimentos lingüísticos: a. Evitam-se os verbos de dizer na primeira pessoa (digo, acho, afirmo, penso, etc) e com isso procura-se eliminar a ideia de que o conteúdo de verdade contido no enunciado seja mera opinião de quem o proferiu, e sugeriu que o fato se impõe por si mesmo. Não se diz, portanto: Eu afirmo que os modelos científicos devem ser julgados pela sua utilidade. b. Quando, eventualmente, se utilizam verbos de dizer, são verbos de indicam certeza e cujo sujeito se dilui sob a forma de um elemento de significação ampla e impessoal, indicando que o enunciado é produto de um saber coletivo, que se denomina ciência. Assim, o enunciador vem generalizado por um nós em vez de eu ou indeterminado, como nos casos que seguem: Temos bases para afirmar que a agricultura constitui uma alternativa promissora para a nossa economia. Ou: Pode-se garantir que a agricultura ... Ou ainda: Constata-se que a agricultura ... c. A exploração do valor conotativo das palavras não é apropriada ao enunciado científico. Nele, os vocábulos devem ser definidos a ter um só significado. Num texto de astronomia, lua significa satélite da Terra e não uma sonora barcarola ou o astro dos loucos e enamorados. d. Como nesse tipo de discurso deve usar-se a língua padrão na sua expressão formal, não se ajusta a ele o uso de gírias ou quaisquer usos lingüísticos distanciados da modalidade culta e formal da língua. Metodologia do da pesquisa e redação acadêmica Abril de 2013 Profª. Drª. Ana Maria Ribeiro de Jesus 2 Além de procurar neutralizar a figura do enunciador, o discurso dissertativo de caráter científico procura destacar o conteúdo de verdade dos enunciados. Esse valor de verdade é criado pela fundamentação de ideias de pela argumentação. Expedientes que servem para fundamentar esse tipo de enunciado e aumentar o poder de persuasão: 1. O Argumento de autoridade Apoia-se uma afirmação no saber notório de uma autoridade reconhecida num certo domínio do conhecimento. É um modo de trazer para o enunciado o peso e a credibilidade da autoridade citada. Exemplo: Conforme afirma Bertrand Russell, não é a posse de bens matérias o que mais seduz os homens, mas o prestígio decorrente dela. Segundo o mesmo autor, na China e no Japão, o saber é mais valorizado que a riqueza exatamente porque, nessas sociedades, confere mais prestígio a quem o possui. Quando de se trata de um trabalho científico cuidadoso, mais formal, como uma tese ou um artigo a ser publicado numa revista especializada, deve-se fazer a citação textualmente, dando todas as indicações bibliográficas. Ao fazer as citações, o enunciador situa seus enunciados na corrente de pensamento que ele considera mais aceitável para explicar certo fenômeno. 2. O apoio na consensualidade Há certos enunciados que não exigem demonstração nem provas porque seu conteúdo de verdade é aceito com válido por consenso, ao menos dentro de um certo espaço sociocultural. Inscrevem-se, nessa espécie, enunciados do tipo: O investimento na Educação é indispensável para o desenvolvimento econômico do um país. Ou: As condições de saúde são mais precárias nos países subdesenvolvidos. 3. A Comprovação pela experiência ou observação O conteúdo de verdade de um enunciado pode ser fundamentado por meio da documentação com dados que comprovem ou confirmem sua validade. Exemplo: O acaso pode dar origem a grandes e importantes descobertas científicas, o que pode ser demonstrado pela descoberta da penicilina por Alexander Flemming, que cultivava bactérias quando por acaso, percebeu que os fungos surgidos no frasco matavam as bactérias que ali estavam. Da pesquisa com esses fungos, ele chegou à penicilina. 4. A Fundamentação lógica O argumento pode basear-se em operações de raciocínio lógico, tais como as implicações de causa e efeito, consequência e causa, condição e ocorrência, etc. Exemplo: Se se admite que a vida humana é o bem mais precioso do homem, não se pode aceitar a pena de morte, uma vez que existe sempre a possibilidade de um erro jurídico e que, no caso, o erro seria irreparável. Exercícios Em suma, numa sociedade que tem horror ao diferente, que submete a diversidade do real à uniformidade da ordem racionalmente científica, que funciona pelo princípio da equivalência abstrata entre seres que não têm denominador comum, a loucura é uma ameaça sempre presente. O que a história da loucura nos revela, pondo em questão toda a cultura ocidental moderna, é que o louco é excluído porque insiste no direito à singularidade e, portanto, à interioridade. E, com efeito, se a loucura é nesse mundo patologia ou anormalidade é porque a coexistência de seres diferenciados se tornou uma impossibilidade. Diante disso, restam ainda muitas questões. Entre elas: poderá o psiquiatra, enquanto profissional médico, Metodologia do da pesquisa e redação acadêmica Abril de 2013 Profª. Drª. Ana Maria Ribeiro de Jesus 3 promover o reencontro da loucura com a cultura que a excluiu? Pode o saber médico encontrar alternativa para a sua prática, no sentido da libertação radical da loucura, fora dos limites circunscritos pela sociedade que o permitiu? De qualquer modo, ainda que um dia nossa interioridade venha a ser resgatada, gostaria de lembrar aqui mais algumas palavras de Marcuse – “Nem mesmo o supremo advento da liberdade poderá redimir aqueles que morrem na dor”. FRAYSE-PEREIRA, J. O que é loucura. São Paulo, Brasiliense, 1982. p.102-4. 1. Como se nota, esse texto discute um tema abstrato egenérico e não um fato concreto e individual. Trata-se, portanto, de um texto dissertativo. Qual é basicamente o seu tema? 2. Levando em conta o esquema argumentativo do texto, tente responder qual a razão básica por que a sociedade exclui o louco. 3. Se a loucura é considerada uma patologia e uma anormalidade, em que consiste a saúde e a normalidade para os padrões da sociedade? 4. O texto faz alusão à “ordem racional-científica”, afirmando que ela se baseia no princípio da “equivalência abstrata”. Em que consiste esse princípio? 5. O texto dissertativo de caráter científico apresenta vários procedimentos específicos de criação de efeitos de sentido, estudados na introdução desta lição. Muitos deles estão presentes no texto que estamos analisando. Assinale a alternativa que contenha um desses procedimentos não presente no fragmento que acabamos de ler. a. Afirmação de verdades genéricas e abstratas. b. Omissão verbos de dizer, que indicam opinião do produtor do texto. c. Esquema argumentativo baseado em relações lógicas entre os enunciados. d. Utilização de citação para reforçar os pontos de vista aí defendidos. e. Comprovação das afirmações gerais por meio de dados concretos da experiência quotidiana. 6. Lendo o texto, podemos concluir que: a. a loucura não é uma patologia nem uma anormalidade, segundo a visão da sociedade ocidental. b. não há sociedades que não considerem a loucura como fato anormal. c. a loucura, na sociedade em que vivemos, é inadmissível porque esse tipo de sociedade não consegue conviver com seres diferenciados. d. a loucura não tem inconveniente algum. e. a história da loucura mostra que os loucos não colocam em risco os indivíduos que com eles convivem. Proposta de redação Procure rever as características de um texto dissertativo de cunho científico e elaborar uma redação desse tipo, procurando expor seus argumentos sobre o seguinte tema: Todo tipo de sociedade, para sobreviver, precisa regular as reações dos indivíduos e exigir que eles cumpram suas leis. Pro outro lado, indivíduos muito submissos são pouco criativos e contribuem pouco para o progresso da sociedade. In: PLATÃO & FIORIN. Para entender o texto. 16. ed. São Paulo: Ática, 2001. p 309 – 317. (adaptado).
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