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Direito Administrativo – Prof. Carlos José Teixeira de Toledo 1. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 1.1. Estado e Administração Pública O Estado pode ser definido como a organização político-jurídica capaz de impor sua vontade a todos os que se situam dentro de um determinado território. E o que seria a Administração Pública? A Administração é uma das facetas da atuação do Estado, que se revela na vida cotidiana daqueles que estão submetidos ao poder estatal. Para entender melhor, vamos analisar as funções do Estado 1.2. Funções estatais As funções estatais podem ser divididas em a) Função legislativa – é a atividade de criação das normas gerais e abstratas a serem seguidas por todos; é desempenhada de forma principal pelo Poder Legislativo. b) Função jurisdicional – é a atividade pela qual se decidem de forma definitiva os litígios referentes à interpretação e aplicação das normas acima mencionadas; é desempenhada de forma principal pelo Poder Judiciário. c) Função administrativa – é a função que nos interessa e que abrange todas as demais atividades desempenhadas pelo Estado; é exercida de forma preponderante pelo Poder Executivo. A função administrativa compreende, portanto, uma variedade enorme de atividades, tais como: tributação, fiscalização e manutenção da ordem pública, prestação de serviços à coletividade, incentivos às atividades consideradas de interesse público, etc. Além disso, também fazem parte dessa função todas as atividades destinadas à manutenção da estrutura estatal, como os cuidados com o patrimônio dos entes públicos, o recrutamento e a disciplina dos agentes estatais, a realização de aquisições e demais contratações que sejam necessárias ao funcionamento da máquina administrativa etc. Acho que já entendemos o que é a função administrativa. Porém, conceituá-la é tarefa dificílima, havendo autores que preferem dizer: é tudo aquilo que não é função legislativa, nem função jurisdicional. Vamos fornecer apenas como suporte para avançarmos em nosso conhecimento, a seguinte definição: Definição: A função administrativa consiste no exercício de poderes, pelo Estado e seus agentes, com a finalidade de: a) satisfazer concretamente os interesses essenciais da coletividade; e b) promover a organização e funcionamento dos órgãos estatais, de molde a possibilitar o exercício de suas atividades. Direito Administrativo – Prof. Carlos José Teixeira de Toledo Atenção! Uma informação importante é que, embora a Constituição faça a separação entre três classes de órgãos, denominados “Poderes” – o Poder Legislativo, o Poder Executivo e o Poder Judiciário – essa divisão não coincide de forma absoluta com a divisão de funções já mencionada. Cada “Poder” exerce de forma principal ou típica a função associada a seu nome; porém, pode praticar atos relacionadas a outra função, de forma secundária ou atípica. O Poder Executivo e o Poder Judiciário participam da função legislativa, por exemplo, por meio da iniciativa de leis, conforme previsto na CF. O Poder Legislativo também exerce funções jurisdicionais, ao julgar os crimes de responsabilidade. (CF, art. 52, I e II). Todos os Poderes exercem a função administrativa, na medida em que necessitam se estruturar para desempenhar suas atividades. O Congresso Nacional quando realiza um concurso para servidores; o Tribunal de Justiça quando realiza uma licitação para compra de computadores; o juiz, quando baixa uma norma para disciplinar o horário dos servidores do cartório – todos são exemplos de exercício de função administrativa por autoridades legislativas e judiciárias. 1.3. Definição de Administração Pública Podemos, portanto definir Administração Pública como o exercício, por agentes estatais, das atividades e tarefas relacionadas à função administrativa (sentido objetivo ou funcional de Administração Pública) Sob um outro ângulo, Administração Pública também significa o conjunto de pessoas jurídicas, órgãos e agentes incumbidos do desempenho da função administrativa (sentido subjetivo ou orgânico de Administração Pública). 1.4. Usos da palavra Administração O vocábulo Administração pode ser usado de forma mais específica, para distinguir diversas situações no âmbito da atuação administrativa. Assim, na linguagem do Direito Administrativo, temos as seguintes expressões: Quanto à esfera governamental: Administração Federal – se refere à atuação ou às pessoas, órgãos e agentes da União Administração Estadual - se refere à atuação ou às pessoas, órgãos e agentes dos Estados-membros Administração Distrital - se refere à atuação ou às pessoas, órgãos e agentes do Distrito Federal Administração Municipal - se refere à atuação ou às pessoas, órgãos e agentes dos Municípios Direito Administrativo – Prof. Carlos José Teixeira de Toledo Quanto à forma como é exercida a função administrativa: Administração centralizada: quando a função administrativa é exercida diretamente pelos entes políticos (ou seja, pela União, Estados, Distrito Federal ou Municípios) Administração descentralizada: quando a função administrativa é exercida por meio da outorga ou delegação de poderes – pode se tratar de uma entidade criada pelo próprio ente político (uma autarquia, por exemplo) ou por um particular (concessionário de serviços públicos, por exemplo). Quanto à forma de organização administrativa: Administração Direta: expressão consagrada na Constituição, para se referir às estruturas administrativas internas dos entes políticos. Administração Indireta: expressão que abrange as pessoas jurídicas criadas pelos entes políticos (autarquias, empresas públicas, etc.) Podemos também tornar mais específica a expressão, ao nos referirmos a uma esfera governamental determinada. Por exemplo, ao nos referirmos à Administração Indireta Federal, estamos querendo alcançar apenas as pessoas jurídicas criadas pela União. Administração autárquica: se refere apenas às entidades referidas como autarquias – que explicaremos mais adiante. Administração fundacional: se refere apenas às entidades referidas como fundações governamentais – que explicaremos mais adiante. Direito Administrativo – Prof. Carlos José Teixeira de Toledo 2. O REGIME JURÍDICO-ADMINISTRATIVO E OS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 2.1. O regime jurídico-administrativo. Em sua concepção contemporânea, a Administração não é um fim em si mesma. Ela é um meio de realizar as necessidades da coletividade. Assim, o poder de que ela dispõe somente pode ser exercido para satisfazer o interesse público. Os poderes ou competências da Administração são, portanto poderes-deveres. Ou seja, são sempre associados ao dever de realizar os interesses maiores da coletividade. Em razão dessa missão da Administração Pública, ela possui um conjunto de princípios e regras destinado a garantir que ela alcançará seus objetivos: é o regime jurídico- administrativo. O regime jurídico-administrativo é um regime diferenciado, feito sob medida para a Administração Pública. Nele, institutos conhecidos no direito comum – isto é, no direito que se aplica a todos os indivíduos – ganham uma nova roupagem. Para entendermos o regime jurídico-administrativo, temos de conhecer dois princípios básicos da atividade administrativa, relacionados à idéia de interesse público: Princípio da indisponibilidade do interesse público, também referido com princípio da finalidade: tal princípio nos diz que o agente público deve sempre cuidar da realização do interesse público, não se desviando desse caminho. Viola esse princípio, por exemplo, o agente público que usa a viatura oficial para viagem de lazer; ou ainda, o agente que desperdiça recursospúblicos com gastos desnecessários e imotivados. Princípio da supremacia do interesse público: serve para justificar a existência de prerrogativas e privilégios da Administração em relação ao particular. Tendo em vista que o interesse da coletividade é mais importante que o interesse dos indivíduos, costuma-se dizer que, quando presente o interesse público, a Administração se coloca numa posição de superioridade em relação ao particular. Esses princípios estão na raiz de uma série de princípios e regras especiais, aplicáveis à Administração, dando ao regime jurídico-administrativo uma feição muito fácil de reconhecer. Esses princípios e regras se caracterizam de duas formas: Restrições – princípios e regras restritivos impedem ou dificultam o agente público de atuar com desatenção ao interesse público. Por exemplo: a necessidade de procedimento licitatório para realizar contratações; a necessidade de autorização da lei orçamentária para realizar despesas. Prerrogativas e privilégios – princípios e regras que dão à Administração um tratamento especial, diferenciado e superior em relação ao particular. Por exemplo: a Direito Administrativo – Prof. Carlos José Teixeira de Toledo possibilidade de desapropriar um bem de um particular; o poder de aplicar sanções àqueles que violam as regras de convivência coletiva. Um esquema pode nos auxiliar a memorizar essas informações: Concluindo: Definição: o regime jurídico-administrativo é o conjunto de princípios e regras que, em razão da supremacia e da indisponibilidade do interesse público almejado pela Administração, confere a ela prerrogativas e privilégios e estabelece restrições especiais, diferenciando-a dos demais sujeitos de direito Atenção! A idéia do regime jurídico-administrativo é a chave de ouro de nossa disciplina, pois por meio dessa idéia podemos compreender a razão de ser de vários institutos do Direito Administrativo. 2.2. Os princípios do Direito Administrativo É inegável a importância do estudo e da compreensão dos princípios em toda e qualquer área do Direito. Isso porque o Direito não se resume às regras, ou seja, aquela espécie de norma jurídica pela qual se pode deduzir de maneira relativamente segura, a prescrição de um comportamento. Atenção! Os princípios também têm força normativa. Embora tenham um maior grau de abstração do que as regras, eles são mais permanentes que elas e dão consistência e harmonia ao sistema jurídico. Direito Administrativo – Prof. Carlos José Teixeira de Toledo Do ponto de vista prático, os princípios nos dão pistas, indícios, sobre o conteúdo provável das normas e nos ajudam também a interpretá-las, de maneira que elas sejam coerentes entre si. No Direito Administrativo, isso é ainda mais importante, pois não há uma codificação de normas administrativas. As normas do Direito Administrativo estão na própria Constituição, em leis nacionais e também em leis de cada um dos entes da Federação – União, Estados, Distrito Federal e Municípios – pois todos têm competência para legislar sobre suas atividades administrativas. Além disso, existem também as normas infralegais: as resoluções, regulamentos, portarias, produzidas por cada uma dessas Administrações. A harmonização na interpretação e aplicação dessas centenas de normas se faz por meio do estudo e da compreensão dos princípios. Alguns dos princípios que estudaremos são explicitamente mencionados na Constituição Federal, especialmente em seu art. 37. Outros foram positivados em leis infraconstitucionais. E há também aqueles que, embora não constem explicitamente de algum texto normativo, são estudados e utilizados na doutrina e na jurisprudência administrativista. Os princípios mais importantes são os que constam do caput do art. 37 da CF. Eles formam um anagrama que permite nossa melhor fixação: L egalidade I mpessoalidade M oralidade P ublicidade E iciência 2.2.1. Princípio da legalidade O princípio da legalidade é um princípio geral que se aplica a todos os ramos do Direito, mas que tem um tratamento especial no Direito Administrativo. Ele está consagrado, de modo genérico, no art. 5º da CF/88, aquele que relaciona os Direitos Fundamentais Individuais e Coletivos: “Art. 5º... II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Ele estabelece, portanto, uma limitação para qualquer ação que vise restringir a liberdade dos cidadãos, mesmo que tal ação seja realizada pelo próprio Estado. O princípio da legalidade é a coluna fundamental do chamado Estado de Direito, ou seja, a idéia de que o poder só atua legitimamente quanto autorizado pela norma jurídica produzida pelo órgão legislativo competente. Direito Administrativo – Prof. Carlos José Teixeira de Toledo Para a Administração, ele está previsto no art. 37, caput da CF, que também faz referência a outros princípios. Para o cidadão, a legalidade representa uma garantia de sua liberdade. No Direito Administrativo, ao contrário, ganha uma feição de limitação para a Administração – motivo pelo qual acaba ganhando um apelido: legalidade estrita. Nesta linha, costuma-se dizer que a Administração não apenas deve evitar agir “contra legem” (contrariamente à lei), “ultra legem” (além do que a lei estabelece), mas somente pode agir “secundum legem”, isto é, segundo a lei. A Administração somente pode desenvolver a atividade que a lei lhe autorizar, especialmente quando essa atividade interferir na esfera de liberdade e nos direitos dos indivíduos. Saliente-se que, nesse contexto, estamos sempre nos referindo à lei em sentido formal, ou seja, aquela que é produzida por meio do processo legislativo, disciplinado pela Constituição. O conceito de lei em sentido formal não abrange normas produzidas por órgãos administrativos, no exercício do chamado poder normativo – que será explicado no capítulo seguinte. 2.2.2. Princípio da Impessoalidade O princípio da impessoalidade afirma que a coisa pública – a chamada “res publica” – não deve ser apropriada ou confundida com os interesses dos agentes que transitoriamente exercem função pública. Há dois significados diferentes para esse princípio, sendo que ambos são válidos e se completam: A impossibilidade de confundir a pessoa jurídica estatal e a pessoa do administrador, promovendo o chamado “culto à pessoa” ou “personalismo” na Administração. Nesse sentido, a CF/88 tem norma expressa, condenando a promoção pessoal das autoridades e servidores públicos (art. 37, § 1º). O dever de atuação imparcial do administrador público, que não pode estabelecer diferenças injustificáveis entre os cidadãos, seja para favorecer, seja para prejudicar. Trata-se, por tanto, de uma decorrência de um princípio mais amplo, o princípio da isonomia, consagrado no art. 5º, caput e inciso I da CF/88. 2.2.3. Princípio da moralidade administrativa Direito Administrativo – Prof. Carlos José Teixeira de Toledo Toda atuação administrativa, além de ser legal, deve ser moral. Essa afirmação é necessária porque, muitas vezes, em um ato sob a aparência de legalidade, se esconde uma intenção que nada tem a ver com a realização do interesse público. Por essa razão a doutrina e a jurisprudência administrativista acabaram por consagrar a idéia de moralidade administrativa como um algo a mais que complementa o princípio da legalidade, de maneira a garantir que a atuação da Administração não se desvie de seu objetivo maior: a satisfação do interesse público. A moralidadeadministrativa está relacionada aos conceitos de atuação ética, honestidade, boa-fé, lealdade e probidade no trato da coisa pública. Tal princípio tem sido muito importante para o controle dos atos da Administração pelo Poder Judiciário, especialmente aqueles que são dotados de discricionariedade – cujo conceito abordaremos no capítulo seguinte. A Constituição também determina a punição dos agentes públicos pelos atos de improbidade administrativa, expressão que geralmente é associada à idéia de mau uso dos recursos públicos (vide art. 37, § 4º da CF e Lei nº 8.429/92). O princípio da moralidade – bem como o correlato princípio da impessoalidade – foram os fundamentos utilizados pelo Supremo Tribunal Federal para a edição da Súmula Vinculante nº 13, que proibiu a prática do “nepotismo” na Administração Pública, assim redigida: A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal. 2.2.4. Princípio da publicidade Por cuidar dos interesses da coletividade, o administrador público deve atuar com transparência. Essa é a expressão que melhor traduz o que é o princípio da publicidade. Na Administração Pública, a publicidade é a regra. Somente pode haver atos e atividades secretas em situações previstas na própria Constituição, como o resguardo da privacidade do cidadão (art. 5º, X) – por exemplo, no sigilo das informações fornecidas ao Fisco – e em questões relacionadas à segurança da sociedade e do Estado (art. 5º, XXXIII). Por essa razão, todo cidadão têm o direito de conhecer as informações que a Administração possua a seu respeito, bem como aquelas referentes ao bem-estar da coletividade (art. 5º XXXIII e XXXIV). A recusa em prestar essas informações pode ser objeto de uma ação judicial específica – o habeas data, também previsto no art. 5º, em seu inciso LXII. Direito Administrativo – Prof. Carlos José Teixeira de Toledo Recentemente, tivemos a promulgação de uma lei que busca dar maior efetividade a essa ideia de transparência – trata-se da Lei nº 12.527/2011, conhecida como Lei de Acesso às Informações Públicas. 2.2.5. Princípio da eficiência Esse princípio foi inserido no texto constitucional pela EC 19/98 (conhecida como Emenda da Reforma Administrativa). Ele determina que a Administração atue de maneira adequada, com economia de meios e com a agilidade necessária, de modo a atender de forma efetiva os interesses da coletividade. A lentidão, a omissão, o desperdício de recursos públicos, a falta de planejamento, são atitudes que ofendem a esse princípio. No plano mais prático, esse princípio está relacionado a outras mudanças introduzidas na CF/88 pela Reforma Administrativa. São elas: a criação do contrato de gestão e das Agências estatais (CF, art. 37, § 8º) a perda de estabilidade pelo mau desempenho do agente público (CF, art. 41, § 1º, III) o controle social da Administração Pública (art. 37, § 3º) a criação de escolas de formação e aperfeiçoamento de agentes públicos (art. 39, § 2º). a aplicação de recursos em programas de produtividade e qualidade no serviço público (art. 39, § 7) o limite de gastos com pessoal, como forma de atuação fiscal responsável (art. 169). Ele também tem sido invocado para justificar a criação de novas figuras jurídicas, que buscam dar mais agilidade e economia à Administração. Duas figuras relativamente recentes exemplificam essa tendência: a licitação por pregão e as parcerias-público-privadas (PPPs). 2.2.6. Princípio da autotutela Por esse princípio, a Administração pode corrigir e rever os seus próprios atos, para adequá- los à legalidade ou para que eles melhor atendam ao interesse público. Assim, a anulação ou revogação de um ato da Administração não depende de uma decisão judicial. Está entre os poderes da Administração, o poder de zelar pela regularidade jurídica e pela adequação de seus atos ao interesse da coletividade. Nesse sentido, é muito citada a Súmula nº 473 do Supremo Tribunal Federal: A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial. Direito Administrativo – Prof. Carlos José Teixeira de Toledo 2.2.7. Princípio da presunção de legalidade e veracidade dos atos administrativos Os atos praticados pela Administração têm “fé pública”, ou seja, há uma presunção de que a atuação administrativa é sempre legal e sempre condizente com a verdade dos fatos. Trata-se de uma presunção relativa (presunção juris tantum). Ou seja, o cidadão pode desfazer o ato ilegal ou corrigir uma afirmação falsa realizada pela Administração. Porém, cabe a ele o ônus de provar que a Administração se equivocou ou produziu ato desconforme à lei. 2.2.8. Princípios da razoabilidade e proporcionalidade O princípio da razoabilidade nos diz que a atuação administrativa deve estar baseada no bom- senso, na prudência, na coerência ao espírito e à finalidade da lei. Semelhante à razoabilidade, o princípio da proporcionalidade se refere à adequação entre meios e fins na atividade administrativa. Alguns exemplos de ofensa a esse princípio: a realização de obra dispendiosa, desproporcional ao benefício que trará à comunidade; ou a aplicação de pena de demissão de um servidor por uma falta corriqueira, que poderia ser apenada apenas com uma advertência. Esses princípios serão especialmente importantes na condução do processo administrativo, sendo que a Lei 9.784/99 (Lei Federal de Processos Administrativos) reconheceu expressamente a existência desses princípios, em seu art. 2º. 2.2.9. Princípio da motivação Esse princípio complementa o princípio da publicidade, na medida em que exige que o agente público, ao praticar o ato, exteriorize os motivos de sua decisão. A motivação do ato permite seu melhor controle, evitando que se pratiquem atos por motivos ilegais ou imorais. Por essa razão a Lei 9.784/99 (Lei Federal de Procedimentos Administrativos), em seu art. 50, relacionou uma série de atos administrativos, cuja motivação é obrigatória. Nesses casos, a falta da motivação levará à nulidade do ato. 2.2.10. Princípio da continuidade O princípio da continuidade nos diz que as atividades da administração não podem ser interrompidas, devendo atender as necessidades da coletividade, enquanto essas existirem e com a urgência que a situação requeira. Esse princípio está na base de algumas regras importantes do Direito Administrativo, como: a maior limitação do direito de greve dos servidores públicos (art. 37, VII da CF); Direito Administrativo – Prof. Carlos José Teixeira de Toledo as restrições à paralisação da execução de contratos firmados com a Administração e o dever de tolerar, durante certo tempo, a inadimplência do ente administrativo (Lei 8.666/93 – Lei de Licitações, art. 78, incisos V, XIV e XV); o poder que a Administração tem de intervir nos seus contratados para garantir a continuidade das atividades e serviços públicos (Lei 8.666/93 – Lei de Licitações, art. 58, V; Lei 8.987/95 – Lei de Serviços Públicos, art. 32); a impossibilidade de penhora ou qualquer outra constriçãodos bens que estejam sendo utilizados na prestação dos serviços públicos. QUESTÕES DE PROVAS ANTERIORES DA OAB: 1. Assinale a opção correta com relação aos princípios que regem a administração pública: a) Não ofende o princípio da moralidade administrativa a nomeação de servidora pública do Poder Executivo para cargo em comissão em tribunal de justiça no qual o vice-presidente seja parente da nomeada. b) A administração pública pode, sob a invocação do princípio da isonomia, estender benefício ilegalmente concedido a um grupo de servidores a outro grupo que esteja em situação idêntica. c) Ato administrativo não pode restringir, em razão da idade do candidato, inscrição em concurso para cargo público. d) O Poder Judiciário pode dispensar a realização de exame psicotécnico em concurso para investidura em cargo público, por ofensa ao princípio da razoabilidade (OAB/SP – Exame 136) 2. Acerca dos princípios de direito administrativo, assinale a opção incorreta. a) Tanto a administração direta quanto a indireta se submetem aos princípios constitucionais da administração pública. b) O rol dos princípios administrativos, estabelecido originariamente na CF, foi ampliado para contemplar a inserção do princípio da eficiência. c) O princípio da legalidade, por seu conteúdo generalizante, atinge, da mesma forma e na mesma extensão, os particulares e a administração pública. d) Embora vigente o princípio da publicidade para os atos administrativos, o sigilo é aplicável em casos em que este seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. (OAB/SP – Exame 137) 3. De acordo com o Art. 2º, inciso XIII, da Lei n. 9.784/98, a Administração deve buscar a interpretação da norma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada a aplicação retroativa da nova interpretação. Assinale a alternativa que indica o princípio consagrado por esse dispositivo, em sua parte final. Direito Administrativo – Prof. Carlos José Teixeira de Toledo a) Legalidade. b) Eficiência. c) Moralidade. d) Segurança das relações jurídicas. (OAB 2012/3) Direito Administrativo – Prof. Carlos José Teixeira de Toledo 3. PODERES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA É comum que na linguagem jurídica haja referência aos “poderes da Administração Pública”. Na verdade, o poder do Estado é uno e baseado na Constituição. Porém, há diversas manifestações do poder estatal e, quando ocorrem no exercício da atividade administrativa, acabam ganhando o nome de “poderes da Administração”. Vejamos algumas dessas manifestações: 3.1. Poder normativo É o poder conferido a autoridades administrativas de editar normas de caráter derivado, que complementem ou explicitem os comandos da lei em sentido formal. Essa atribuição é feita pela Constituição ou pela própria lei, tendo em vista a impossibilidade de que as normas editadas pelo Poder Legislativo sejam capazes de prever e disciplinar todas as situações que necessitem de algum regramento pelo Poder Público. Uma forma especial de poder normativo é o poder regulamentar que a Constituição Federal atribui ao Chefe do Poder Executivo (art. 84, IV), para que ele edite regulamentos para a “fiel execução” das leis. Esses regulamentos são editados na forma de Decretos e geralmente a própria lei estabelece a necessidade de sua regulamentação pelo Executivo, visto que nem toda a lei depende de regulamentação para produzir efeitos. Tanto os regulamentos editados pelo Executivo como as demais normas – resoluções, portarias, deliberações – produzidas por outras autoridades administrativas estão sujeitas a determinados requisitos de produção: necessidade de competência legal do emissor da norma validade condicionada às normas que lhe são superiores (análise de validade que deve ser feito inclusive perante a lei em sentido formal e perante a própria Constituição) possibilidade de controle pelo Poder Judiciário respeito aos princípios da moralidade, proporcionalidade e razoabilidade no exercício da atividade normativa Atenção! Um aspecto controverso do tema é a existência de regulamentos autônomos no nosso ordenamento. Esse tipo de regulamento dispensa a existência prévia de lei para atuação normativa do Chefe do Executivo e existe é figura comum em alguns ordenamentos jurídicos, em que o princípio da legalidade estrita não é interpretado da mesma forma que no Direito Brasileiro. Nossa Constituição prevê a possibilidade de disciplina de matéria diretamente por decreto apenas nas hipóteses contidas no art. 84, IV, alíneas a e b, introduzidos pela EC 32/2001: a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos; b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos. Direito Administrativo – Prof. Carlos José Teixeira de Toledo 3.2. Poder discricionário A chamada discricionariedade não é propriamente um poder. Trata-se de uma característica presente em determinados atos, cuja produção pressupõe certa liberdade do agente público, na escolha de meios de praticá-lo, de maneira a atingir de forma mais adequada e eficiente o interesse público. Em razão dessa característica, consagrou-se a classificação que distingue os atos administrativos em dois tipos: os atos vinculados e os atos discricionários. Há vinculação quando a lei já define antecipadamente a decisão a ser tomada no caso concreto, sendo que o agente administrativo apenas aplica a norma, numa atividade meramente mecânica. Um exemplo de ato vinculado é aplicação de uma multa de trânsito, pois todos os elementos necessários para a realização do ato sancionatório já estão previstos no Código Brasileiro de Trânsito – a conduta infracional, o valor da multa, o procedimento para aplicá-la, etc. Observe que nesses casos se os agentes deixarem de cumprir exatamente aquilo que a lei determina, o ato será inválido. Quando há discricionariedade, ao contrário, a lei deixa ao agente uma margem de escolha, para que ele adote a solução mais adequada ao interesse público. Essa margem de escolha costuma ser denominada de mérito do ato, e que compreende as razões de conveniência e oportunidade que justificam a decisão adotada. Um exemplo bem claro de discricionariedade é a escolha de uma pessoa para assumir um cargo de confiança – Ministro de Estado, por exemplo. Somente o Presidente da República é que pode avaliar quem é a pessoa mais indicada para assumir tal cargo. Falaremos um pouco mais do assunto, quando estudarmos o controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. 3.3. Poder hierárquico A hierarquia é uma exigência prática para o funcionamento de qualquer estrutura administrativa. Implica na existência de vários níveis de órgãos: órgãos de comando, de assessoramento, de execução, todos devendo trabalhar de forma coordenada, sendo que uns são subalternos a outros. Assim, o superior exerce o poder hierárquico sobre seu subordinado, que por sua vez tem o dever de obediência a seu superior. Cabe ressaltar que esse dever não é superior à idéia de legalidade, não sendo o subordinado obrigado a obedecer a ordens manifestamente ilegais de seus superiores. Além de comandar, fiscalizar e corrigir os atos do subordinado, o poder hierárquico também pressupõe o poder de delegar e avocar atribuições. Sobre o assunto, sugerimos a leitura da Direito Administrativo – Prof. Carlos José Teixeira de Toledo Lei Federal de Procedimentos Administrativos – Lei 9.784/99, em seus artigos 11 a 15, que tratam desses institutos de forma bastante clara. A insubordinação de um agente público ao seu superior é falta disciplinar que, dependendo da gravidade, pode levar à demissão doservidor – vide, nesse sentido, o art. 132 da Lei nº 8.112/90 (Regime Jurídico dos Servidores Públicos da União). 3.4. Poder disciplinar É o poder de apurar faltas e impor sanções àquelas pessoas que possuem um vínculo especial com a Administração, em razão da atividade administrativa: servidores públicos, contratados, concessionários, alunos de escolas públicas, crianças e adolescentes sob tutela estatal, etc. Como qualquer atividade sancionatória, o poder disciplinar está sujeito a regras de exercício e especialmente, à observância dos princípios da ampla defesa e do contraditório, garantias constitucionais do acusado (art. 5º, LV da CF) Em razão disso, não existe mais a possibilidade de aplicação imediata de sanções, conforme se praticou antes da CF/88, na chamada prática processual da “verdade sabida” (ou seja, constatada diretamente pelo aplicador da sanção e sem oportunidade de defesa ou contraprova pelo acusado). A atuação disciplinar também está sujeita aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, já mencionados. 3.5. Poder de polícia administrativa É o nome dado à atuação das autoridades administrativas no sentido de limitar a atividade dos particulares, visando à manutenção da ordem pública e o bem estar coletivo. Devemos distinguir a polícia administrativa, que incide sobre bens, direitos e atividades, da atividade de polícia judiciária, que é empregada para a persecução dos ilícitos criminais e incide sobre as pessoas. A finalidade da polícia administrativa é evitar os danos decorrentes do exercício abusivo dos direitos pelos particulares, visto que os direitos e faculdades estabelecidos de forma abstrata no ordenamento devem ser harmonizados em sua fruição concreta pelos indivíduos. Assim, temos direito de escutar música em nosso carro; porém foge do razoável que ouçamos música em altíssimo volume, com todas as portas do veículo abertas, obrigando toda a vizinhança a permanecer acordada. 3.5.1. Obrigações decorrentes da polícia administrativa Por meio da polícia administrativa, a Administração Pública impõe diversos tipos de obrigação: obrigação de não-fazer – p. ex. a proibição de fumar em determinados ambientes. Direito Administrativo – Prof. Carlos José Teixeira de Toledo obrigação de fazer – p. ex. a obrigatoriedade da instalação de equipamentos de segurança nas edificações. obrigação de deixar-fazer (ou suportar), também denominadas sujeições – p. ex. o dever de permitir o abate de animais contaminados por uma epidemia. Convém reiterar que a atuação da autoridade administrativa não tem o condão de criar concretamente, para o particular, obrigações que não estejam abstratamente previstas em lei, sob pena de ofender o princípio da legalidade, já referido. 3.5.2. Medidas de polícia administrativa Uma vez que os particulares descumpram as ordens emanadas pela Administração Pública, surgem medidas destinadas a reparar a ordem jurídica lesada. São elas: Medidas coativas ou cautelares: são providências imediatas adotadas pela autoridade pública, usando de força, se necessário, para fazer cessar a conduta irregular. P. ex. a apreensão de equipamentos destinados à caça ou à pesca ilegal; o embargo de uma obra irregular, etc. Sanções: são penalidades aplicadas ao infrator, de maneira a desestimular condutas danosas à coletividade. P. ex.: multa dos infratores de trânsito; cassação da licença para praticar determinada atividade; perda de bens utilizados para práticas ilegais, etc. Para que sejam impostas, as sanções devem estar expressamente previstas em lei, que deve conter em linhas gerais os critérios e o procedimento da punição. Imprescindível que antes da aplicação da sanção seja dado ao acusado o direito de ampla defesa e que o procedimento sancionatório respeite o princípio do contraditório. 3.5.3. Atributos da polícia administrativa São citados como atributos da polícia administrativa: Discricionariedade: é comum, que ao disciplinar o exercício das atividades de polícia administrativa, a lei conceda ao agente público certa margem de escolha para que ele, avaliando a situação concreta, adote a providência mais adequada –por exemplo, confiando ao agente a gradação da multa a ser aplicada, em vista da gravidade da infração. Ressalte-se que a discricionariedade não é a regra absoluta, pois a lei também pode definir a conduta que espera do agente público, sem dar margem a escolhas por parte deste. Coercibilidade: o particular é obrigado a obedecer aos comandos dados pela Administração no exercício da polícia administrativa, sob pena de sofrer responsabilização penal pela resistência ao exercício dessa autoridade. Direito Administrativo – Prof. Carlos José Teixeira de Toledo Auto-executoriedade: é a possibilidade que a Administração tem de realizar concretamente sua vontade, mesmo com a oposição do particular e sem a necessidade de intervenção da autoridade judicial. Exemplo: a apreensão de alimentos impróprios para consumo; a interdição de estabelecimentos destinados a práticas ilícitas, etc. 3.5.4. Princípios condutores da atividade de polícia administrativa Ao exercer o poder de polícia, a Administração deve observar: tipicidade: embora haja autores que afirmem não existir tipicidade na atividade sancionatória administrativa – de maneira a diferenciá-la das sanções do Direito Penal – não há dúvida de que a lei deve prever, de maneira minimamente previsível, qual a conduta que pode ser considerada como infração e quais as medidas coativas e sanções aplicáveis no exercício do poder de polícia. Isso é decorrência do princípio da legalidade estrita. necessidade e eficácia: a adoção de uma medida de polícia administrativa deve ser justificada pela necessidade de se evitar um dano real à coletividade e devem ser empregados os meios mais eficazes e que menor sacrifício causem aos indivíduos. proporcionalidade e razoabilidade: a Administração deve se pautar pelo bom senso e pela moderação ao restringir a liberdade de atuação dos particulares. O uso desproporcional das medidas de polícia pode configurar o chamado abuso de poder por parte da autoridade pública. 3.5.5. Licença e autorização de atividade Dentre as práticas mais comuns da polícia administrativa está a emissão de atos destinados a regular de maneira prévia o exercício de atividades pelos particulares. São eles: Autorização de atividade: é o ato unilateral, discricionário e precário por meio do qual a Administração concede ao particular a possibilidade de exercer determinada atividade. Geralmente a atividade em questão pode resultar em algum incômodo ou perigo para a coletividade e, por essa razão, a lei atribui à autoridade pública a avaliação das circunstâncias, decidindo sobre a conveniência e oportunidade para deferir o seu exercício. O ato é precário – isto é, pode a qualquer tempo ser revogado – pelas mesmas razões. Por exemplo: a autorização para porte de armamento. Licença: é o ato unilateral e vinculado pelo qual a Administração faculta àquele que preencha os requisitos legais o exercício de uma atividade. Aqui, o ato é vinculado, ou seja, todo aquele que preencher os requisitos da lei tem o direito a emissão da licença pela Administração, que não poderá recusá-la. Por exemplo: a licença para Direito Administrativo – Prof. Carlos José Teixeira de Toledo conduzir veículo, uma vez que o particular tenha cumprido os requisitos, passando pelos exames previstos em lei. QUESTÕES DE PROVAS ANTERIORES DA OAB: 1. No que se refere aos poderes dos administradores públicos, assinale a opção correta. a) O poder de polícia somente pode ser exercido de maneira discricionária. b) O poderdisciplinar caracteriza-se pela discricionariedade, podendo a administração escolher entre punir e não punir a falta praticada pelo servidor. c) Uma autarquia ou uma empresa pública estadual está ligada a um estado-membro por uma relação de subordinação decorrente da hierarquia. d) No exercício do poder regulamentar, a administração não pode criar direitos, obrigações, proibições, medidas punitivas, devendo limitar-se a estabelecer normas sobre a forma como a lei vai ser cumprida. (OAB – Nacional – Prova 2008/2) 2. Assinale a opção correta quanto aos poderes e deveres dos administradores públicos. a) O poder regulamentar é exercido apenas por meio de decreto. b) O poder de delegação e o de avocação decorre do poder hierárquico. c) A possibilidade de o chefe do Poder Executivo emitir decretos regulamentares com vistas a regular uma lei penal deriva do poder de polícia. d) O poder discricionário não comporta nenhuma possibilidade de controle por parte do Poder Judiciário. (OAB - Nacional – Prova 2006/3) 3. A doutrina costuma afirmar que certas prerrogativas postas à Administração encerram verdadeiros poderes, que são irrenunciáveis e devem ser exercidos sempre que o interesse público clamar. Por tal razão são chamados poder-dever. A esse respeito é correto afirmar que: a) o poder regulamentar é amplo, e permite, sem controvérsias, a edição de regulamentos autônomos e executórios. b) o poder hierárquico é inerente à ideia de verticalização administrativa, e revela as possibilidades de controlar atividades, delegar competência, avocar competências delegáveis e invalidar atos, dentre outros. c) o poder disciplinar importa à administração o dever de apurar infrações e aplicar penalidades, mesmo não havendo legislação prévia. Direito Administrativo – Prof. Carlos José Teixeira de Toledo d) o poder de polícia se coloca discricionário, conferindo ao administrador ilimitada margem de opções quanto à sanção a ser, eventualmente, aplicada. (OAB – Nacional – Prova 2010/2) 4. O poder de polícia, conferindo a possibilidade de o Estado limitar o exercício da liberdade ou das faculdades de proprietário, em prol do interesse público a) gera a possibilidade de cobrança, como contrapartida, de preço público. b) se instrumentaliza sempre por meio de alvará de autorização. c) afasta a razoabilidade, para atingir os seus objetivos maiores, em prol da predominância do interesse público. d) deve ser exercido nos limites da lei, gerando a possibilidade de cobrança de taxa. (OAB – Nacional – Prova 2010/2) 5. José da Silva é o chefe do Departamento de Pessoal de uma Secretaria de Estado. Recentemente, José da Silva avocou a análise de determinada matéria, constante de processo administrativo inicialmente distribuído a João de Souza, seu subordinado, ao perceber que a questão era por demais complexa e não vinha sendo tratada com prioridade por aquele servidor. Ao assim agir, José da Silva fez uso a) do poder hierárquico. b) do poder disciplinar. c) do poder discricionário. d) da teoria dos motivos determinantes. (OAB – Nacional - Prova 2014/1) Direito Administrativo – Prof. Carlos José Teixeira de Toledo 4. ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Conforme já mencionamos no Capítulo 1, temos uma definição de Administração Pública em sentido subjetivo, qual seja, o conjunto de pessoas jurídicas, órgãos e agentes incumbidos do desempenho da função administrativa. Neste capítulo, vamos estudar um pouco mais quem é o “sujeito” Administração Pública. 4.1. Pessoas políticas e pessoas administrativas. Embora o poder estatal seja uno, conforme já dissemos, a evolução do Estado moderno propiciou a divisão vertical e horizontal da estrutura estatal em diversas entidades. Assim, nós temos as pessoas políticas, também conhecidas como entes políticos ou entidades políticas. A própria Constituição Federal é quem reconhece a existência dessas pessoas jurídicas e atribui a elas competências legislativas e administrativas, caracterizando assim a sua autonomia política, no espírito do chamado sistema federativo. Também há uma divisão horizontal da atividade estatal, por meio da criação das pessoas, entes ou entidades administrativas, ou seja, pessoas jurídicas cuja criação é decorrência de lei editada pelo ente político respectivo, para desempenhar alguma atividade que seja de competência deste. Vamos falar um pouco mais delas a seguir, ao tratar da chamada Administração Indireta. 4.2. Personalidade jurídica das entidades da Administração Toda a entidade acima mencionada tem personalidade jurídica, isto é, o ordenamento jurídico reconhece a elas a capacidade de serem sujeitos de direitos e obrigações. Nosso sistema jurídico diferencia as pessoas jurídicas em dois grupos, conforme o regime jurídico a elas aplicável: pessoas jurídicas de direito privado e pessoas jurídicas de direito público (art. 40 do Código Civil). Estas últimas, por sua vez, são diferenciadas entre pessoas jurídicas de direito público interno (União, Estados, Distrito Federal, Territórios, Municípios, autarquias e entidades criadas por lei com essa natureza) e pessoas jurídicas de direito público externo (os Estados estrangeiros e todas as pessoas que forem regidas pelo direito internacional público). As pessoas jurídicas de direito público são aquelas que têm feição tipicamente estatal. No caso daquelas mencionadas como pessoas jurídicas de direito público interno, elas são regidas de forma integral pelo chamado regime jurídico-administrativo, já mencionado anteriormente. Embora possa parecer estranho, o Poder Público pode criar pessoas jurídicas de direito privado. É que por vezes é conveniente ou até mesmo obrigatório que pessoas administrativas Direito Administrativo – Prof. Carlos José Teixeira de Toledo sejam criadas com regime jurídico semelhante ao aplicável aos particulares. A nossa Constituição Federal, por exemplo, ao tratar do desempenho de atividade econômica pelo Estado, obriga que seja feito por meio de pessoas sujeitas “ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários” (art. 173, § 1º, II). Por essa razão, entidades como a Caixa Econômica Federal e a Petrobrás, embora sejam estatais são pessoas jurídicas de direito privado. Para as entidades estatais com personalidade de direito privado não se aplicam todas as regras do regime jurídico-administrativo, justamente por terem um regime equiparado ao dos particulares. Em geral, permanecem para elas apenas algumas das restrições – como a necessidade de realizar concurso público, a fiscalização do uso dos recursos, a necessidade de licitar. 4.3. Desconcentração e descentralização Para realizar suas tarefas, a Administração Pública adota técnicas de atribuição de competência denominadas como desconcentração e descentralização: Desconcentração: atribuição de competência a órgãos internos da entidade. Descentralização: atribuição de competência a outras pessoas, distintas do ente político. Pode ser a atribuição a uma pessoa administrativa ou a um particular que atua em colaboração com a Administração. 4.4. Desconcentração - os órgãos públicos Chamamos de órgão a unidade de atuação integrante de determinada entidade. Ou seja, ele é uma estrutura interna¸ que reúne atribuições e agentes públicos responsáveis por desempenhá-las. Através de seus órgãos, a pessoa jurídica administrativa expressa sua vontade, no que a doutrina cunhou de relação de imputação. Ou seja, os agentes públicos que atuam no órgão manifestam a vontade deste, que é considerada a vontade do próprio Estado. É importante lembrar queos órgãos não têm personalidade jurídica própria, pois são apenas uma parcela da pessoa jurídica a qual pertencem. Assim, os atos praticados pelo agente de determinado órgão geram direitos e obrigações para a própria entidade a qual o órgão pertença, sendo que, como regra geral, esta é que será legitimada para estar em juízo em eventual controvérsia que envolva tal relação jurídica. São órgãos públicos, por exemplo, os Ministérios no âmbito do Executivo Federal e as Secretarias no âmbito do Executivo Estadual e Municipal, bem como suas divisões internas (departamentos, diretorias, etc.). O Poder Legislativo e o Poder Judiciário também são órgãos, com status e garantias especiais atribuídas pela Constituição, para preservação de sua independência em relação ao Executivo. Internamente também são divididos em órgãos (comissões, câmaras, juizados, etc.). Direito Administrativo – Prof. Carlos José Teixeira de Toledo 4.5. Descentralização A descentralização, ou seja, a atribuição de competência a outras pessoas, distintas da pessoa política que detém originariamente a competência, pode se dar pelas seguintes formas: Descentralização territorial: atribuição de competência genérica a uma pessoa jurídica de direito público (autarquia territorial) – em nosso país não temos atualmente exemplos concretos desse tipo de descentralização. Descentralização por serviços: atribuição de competência especializada, por lei, a uma pessoa administrativa (isto é, criada pela própria Administração). Fala-se aqui em outorga da atividade, para diferenciá-la da delegação, mencionada abaixo. Por exemplo, a Empresa de Correios e Telégrafos é uma empresa pública criada pela União para, sob regime descentralizado, desempenhar o serviço postal. Descentralização por colaboração: atribuição de uma competência especializada a um particular, que atua sob supervisão da Administração. Essa delegação da atividade pode se dar por lei, por meio de um ato ou de um contrato administrativo. Por exemplo, as empresas telefônicas que hoje operam em nosso país são pessoas jurídicas constituídas por particulares e que, sob a fiscalização da Anatel, prestam o serviço público de telecomunicação. QUESTÕES DE PROVAS ANTERIORES DA OAB 1. (...) compartimento na estrutura estatal a que são cometidas funções determinadas, sendo integrado por agentes que, quando as executam, manifestam a própria vontade do Estado. (José dos Santos Carvalho Filho. Manual de direito administrativo. 19.ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 13). O trecho acima se refere ao conceito de a) agente público. b) função pública. c) órgão público. d) pessoa de direito público. (OAB – Nacional – Prova 2008/2) Direito Administrativo – Prof. Carlos José Teixeira de Toledo 2. A estruturação da Administração traz a presença, necessária, de centros de competências denominados Órgãos Públicos ou, simplesmente, Órgãos. Quanto a estes, é correto afirmar que a) possuem personalidade jurídica própria, respondendo diretamente por seus atos. b) suas atuações são imputadas às pessoas jurídicas a que pertencem. c) não possuem cargos, apenas funções, e estas são criadas por atos normativos do ocupante do respectivo órgão. d) não possuem cargos nem funções. (OAB – Nacional – Prova 2011/2) Direito Administrativo – Prof. Carlos José Teixeira de Toledo 5. ATOS ADMINISTRATIVOS 5.1. Definição de ato administrativo Os atos administrativos são um dos principais temas da disciplina. Para entendê-los, vamos trabalhar com a seguinte definição: Definição: O ato administrativo é um ato jurídico produzido com poderes estatais, no exercício da função administrativa, sob regime jurídico-administrativo. Logo, por essa definição não são atos administrativos: atividades materiais, que não são atos jurídicos, ou seja, não buscam produzir uma declaração com efeitos jurídicos: ex.: a varrição de uma rua, o atendimento médico em um hospital público, etc. atividades não produzidas com poderes estatais: somente os agentes públicos e os particulares que atuem sob delegação estatal praticam atos administrativos. atividades não exercidas sob a função administrativa: atos produzidos no exercício de outras funções não são atos administrativos. Por exemplo, os atos jurisdicionais (sentenças, acórdãos, despachos) e os atos legislativos (votações, moções, leis). atividades que não são produzidas sob regime de direito administrativo: atos produzidos sob as regras do direito privado não são atos administrativos. P. ex.: a abertura de conta em um banco, ainda que seja estatal. 5.2. Perfeição, validade e eficácia do ato administrativo São qualidades do ato jurídico – e também do ato administrativo – que devem ser analisadas pelo profissional do Direito para compreensão da situação jurídica existente. Perfeição: ao contrário do significado comum, não significa ausência de defeitos. Perfeição na linguagem jurídica tem um sentido de algo que está completo. Ato perfeito é o que já completou todas as fases de sua produção. Essa qualidade também é mencionada como existência do ato. Ato imperfeito e ato inexistente são sinônimos. Validade: é a produção do ato sem a ocorrência de vícios. Ato válido é o ato cujo conteúdo e procedimento de formação estão conformes ao ordenamento jurídico. O exame da validade se faz através da análise dos elementos do ato – vide abaixo. Eficácia: é a aptidão para produzir os efeitos que se esperam dele. Isso não tem a ver com a validade do ato, mas sim com a existência de determinados fatos ou atos capazes de impedir ou de propiciar a produção desses efeitos. A eficácia se verifica Direito Administrativo – Prof. Carlos José Teixeira de Toledo sempre no tempo: um ato pode ser eficaz agora e perder sua eficácia num momento posterior em razão do advento de um termo (evento futuro e certo) ou de uma condição (evento futuro e incerto). E vice-versa. Consequências dessas qualidades: O ato imperfeito é inexistente. Portanto, ele não pode ser analisado quanto à sua validade e não produz efeitos jurídicos. O ato perfeito pode ser válido ou inválido. O ato pode ser válido e não produzir efeitos, em razão da existência de um termo ou condição que impeçam a produção desses efeitos. Um ato inválido, por sua vez, não deveria ser capaz de produzir efeitos jurídicos. Porém, em nome do princípio da boa-fé ou da confiança e do princípio da segurança jurídica, às vezes são mantidos os efeitos de um ato administrativo, ainda que viciado. Estudaremos isso adiante. 5.3. Elementos ou requisitos de validade do ato administrativo. A análise jurídica do ato jurídico implica na separação dele em elementos logicamente distintos – alguns autores preferem se referir a eles como “requisitos de validade”. Utilizaremos a divisão mais conhecida, em cinco elementos, quais sejam: 1. Sujeito 2. Objeto 3. Forma 4. Motivo 5. Finalidade Sujeito ou agente: é a pessoa investida dos poderes legais para a prática do ato administrativo. Se ele não tiver a competência – ou seja, a atribuição por lei, ato ou contrato – o ato por ele praticado não é válido. Para a verificação dos poderes atribuídos ao agente, devem ser analisados os seguintes aspectos: aspecto material: o ato só pode ser praticado se estiver no rol de matérias atribuídos àquele agente. aspecto territorial: deve o agente praticar atos dentro do âmbito espacial definido na lei ou ato de atribuição de poderes. aspecto temporal: o ato deve ter sido produzido durante o tempo em que vigorava a competência do agente. Direito Administrativo – Prof.Carlos José Teixeira de Toledo Os possíveis vícios relacionados ao elemento sujeito são os seguintes: A) Incapacidade: o Código Civil regula a capacidade dos sujeitos para a prática dos atos jurídicos. Porém a incapacidade civil nem sempre viciará o ato administrativo. Haverá vício apenas quando para a prática de tal ato for imprescindível o usa da capacidade volitiva pelo agente. Também pode ocorrer a incapacidade do agente para a prática de determinados atos, em razão de sua suspeição ou impedimento – vide a propósito: artigos 18 a 20 da Lei 9.784/99 (Lei Federal de Procedimentos Administrativos). B) Incompetência: situações em que faltam os poderes para a prática do ato. São referidas pela doutrina como: Usurpação de poder: é a situação do agente sem titulação legal, isto é, que não se encontra investido em funções públicas e que pratica o ato como se tivesse tal investidura. Trata-se de conduta criminalmente tipificada. Funcionário de fato: situação em que há uma irregularidade na investidura do agente, mas este exerce as atribuições com aparente legalidade. Excesso de poder: situação em que o agente, embora tenha a titulação legal para a prática de atos administrativos, extrapola os poderes que a lei lhe confere, invadindo a competência de outra autoridade ou praticando atos não previstos na lei. Pode configurar conduta criminalmente tipificada como crime de abuso de autoridade (Lei nº 4.898/65). Objeto ou conteúdo: é aquilo que o ato declara ou prescreve, aquilo que nos permite reconhecê-lo como um ato típico. Assim, o objeto de um ato de demissão do servidor é o rompimento do vínculo de trabalho que o unia à Administração. O objeto da desapropriação é a transferência forçada da propriedade para o ente expropriante. Tal como no Direito Privado, o objeto do ato administrativo deve ser lícito, certo, moral e possível. Vamos entender: Licitude: para o Direito Administrativo só são lícitos os objetos que sejam juridicamente autorizados (legalidade estrita). Um objeto ilícito, por exemplo, seria a aplicação da pena de confisco pelo não pagamento de um tributo. Certeza: está relacionada com o princípio da segurança jurídica que nos diz que não deve pairar dúvida sobre o sentido das prescrições contidas no ato administrativo. Um exemplo verídico e espantoso: publicação de um ato autorizando uma licença a um servidor cujo nome a autoridade desconhecia, pois estava ilegível. Direito Administrativo – Prof. Carlos José Teixeira de Toledo Moralidade: vide o que já dissemos, ao tratar dos princípios da Administração Pública. Exemplo verídico sobre a imoralidade de um objeto: candidato a prefeito, que celebrou negócio registrado em cartório com o presidente da Câmara Municipal, visando à nomeação de apadrinhados em troca do apoio eleitoral. Possibilidade: é pressuposto lógico para a existência do ato. Ela abrange a possibilidade material e a possibilidade jurídica. Possibilidade material significa possibilidade de esse objeto ser realizável de fato. A possibilidade jurídica significa que este objeto pode ser realizado, do ponto de vista da lógica que existe nas relações jurídicas. Um impossível material: a revogação, por decreto, da lei da gravidade. Um impossível jurídico: apreender uma pessoa, com base no poder de polícia. Forma: esse elemento abrange: a exteriorização do ato administrativo. as formalidades e também o procedimento a ser seguido na produção desse ato. A forma mais comum de exteriorizar os atos administrativos é a forma escrita, pela segurança e publicidade que confere aos atos. Mas também são praticados atos por outras formas, como a gestual (sinais do guarda de trânsito), visuais (sinais de trânsito), eletrônica, etc. A não observância da forma prescrita pode levar à anulação do ato por vício formal. Porém, é importante observar que a forma é instrumental, ou seja, ela é um meio para que o ato seja conhecido pelos seus destinatários e atinja suas finalidades. Por essa razão, embora o vício formal possa levar à nulidade do ato, muitas vezes será possível a correção desse vício e a consequente manutenção dos efeitos do ato (convalidação). Diz-se, por isso, que a Administração deve atuar, na maior parte das vezes, com formalismo moderado. Motivo: esse elemento tem dois aspectos: motivo de fato - é o acontecimento que desencadeia a ação administrativa motivo de direito – é o comando normativo previsto para a edição daquele ato. A ocorrência de um motivo falso ou equivocado pode levar à nulidade do ato. Não confundir o motivo com a motivação, que é a explicação dos motivos do ato. A falta de motivação pode ser um vício formal que leva à nulidade do ato, quando a lei a exige – vide art. 50 da Lei 9.784/99 (Lei Federal de Procedimentos Administrativos). A importância da motivação se revela também pela adoção unânime pela doutrina e pela jurisprudência da denominada teoria dos motivos determinantes, pela qual o agente público, ao expor os motivos adotados para a prática do ato, vincula o ato àqueles motivos. Se esses Direito Administrativo – Prof. Carlos José Teixeira de Toledo se revelarem falsos ou equivocados, será possível a anulação do ato, mesmo se a lei não exigia a motivação como requisito formal desse ato. Finalidade É o resultado desejado com a prática do ato, necessariamente voltado à realização de um interesse público consagrado no ordenamento O não atendimento a esse requisito gera o vício conhecido como desvio de finalidade ou desvio de poder, que se caracterizam quando o agente busca um fim que colide com o interesse público ou que não é próprio daquele ato. Portanto, são praticados com desvio de finalidades atos que buscam atender a outros interesses que não os da coletividade – por exemplo, a punição de um servidor público por motivo de inimizade do superior – ou praticados fora dos objetivos almejados pela lei para aquele ato – por exemplo, a aplicação de sanções de trânsito com finalidade arrecadatória. 5.4. Atributos dos atos administrativos Os atributos ou qualidades que a doutrina costuma atribuir aos atos administrativos são: Presunção de legitimidade – já tivemos oportunidade de mencionar, como um princípio da Administração Pública (cap. 2) Imperatividade: é uma característica dos atos em que a Administração exerce suas prerrogativas, impondo obrigações unilateralmente aos administrados, criando situações jurídicas independentemente da vontade destes. É o que a doutrina chama de “poder extroverso” da Administração. É importante observar que nem todos os atos administrativos possuem essa característica. Auto-executoriedade: é o poder de constranger diretamente o particular ao cumprimento de uma obrigação ou executá-la diretamente, de maneira forçada, sem a intervenção do Poder Judiciário. É um atributo excepcional, admitido somente nas situações em que o interesse público não pode ficar à espera da propositura e apreciação de uma demanda judicial e depende de autorização implícita ou explícita da lei. Além disso, a auto-executoriedade deve ser sempre aplicada na medida certa para evitar aquele perigo ou aquela lesão ao interesse público, respeitando-se o princípio da proporcionalidade. Exemplos de uso permitido da auto-executoriedade comuns no nosso direito positivo: suspensão de atividade ou interdição de estabelecimento empresarial que atua de forma irregular; remoção ou destruição de coisas em situação irregular, ou que estejam oferecendo risco à segurança das pessoas; Direito Administrativo – Prof. Carlos José Teixeira de Toledo apreensão de bens e equipamentos utilizados em infração às normas administrativasde segurança e salubridade; arrombamento de residência, para prestar socorro, entre outras medidas de caráter urgente e impositivo. 5.5. Classificação dos atos administrativos Vejamos agora algumas classificações utilizadas no Direito Administrativo: Atos gerais e atos individuais Essa distinção se baseia na distinção entre destinatários determinados ou indeterminados do ato administrativo. Atos gerais são aqueles que não têm um destinatário certo: destinam-se a todos os que se enquadram na situação nele definida. Ex.: edital de concurso. Atos individuais são aqueles que têm destinatário certo, definido. Ex. a nomeação de um agente público. Atos internos e atos externos Essa classificação tem por critério a repercussão dos atos. Ato interno é aquele que somente produz efeitos no âmbito interno da Administração. Por exemplo, circulares e portarias internas, ordens de serviços, relações de remessa, etc. Ato externo é aquele que produz efeitos em relação a terceiros. Por essa razão, se costuma dizer que ele deve ser obrigatoriamente publicado, visto que os interessados têm direito a conhecer o conteúdo de um ato da Administração que vá atingir seus interesses. Atos simples e atos complexos Essa classificação é baseada no critério do número de vontades que participam para edição de um ato administrativo. Ato simples é aquele que depende apenas da vontade de um órgão para produzir seus efeitos. Ex.: a nomeação de um Ministro pelo Presidente da República. Dentro dos atos simples, há autores fazem a distinção entre: a) atos singulares: aqueles que são produzidos por um só agente; b) atos colegiais: aqueles que são produzidos por vários agentes reunidos em um colegiado. Ato complexo é aquele que depende da vontade de mais de um órgão, ente ou Poder. Ex.: a nomeação dos Ministros do Supremo Tribunal, pois depende da vontade de dois Poderes: o Presidente da República escolhe, mas o Legislativo, no caso, o Senado, deve aprovar essa escolha. Direito Administrativo – Prof. Carlos José Teixeira de Toledo Atos vinculados e atos discricionários Essa é a classificação que distingue os atos administrativos conforme a liberdade, a margem de escolha do agente ao praticá-los. Por esse critério, há dois tipos: os atos vinculados e os atos discricionários. Já tratamos dessa distinção no cap. 3, item 3.2. 5.6. Extinção do ato administrativo. Com a extinção, cessam os efeitos do ato administrativo e ele deixa de existir no mundo jurídico. Essa extinção pode se dar pela ocorrência de fatos jurídicos, como o implemento de condição resolutiva ou de termo final, ou pelo desaparecimento do objeto da relação jurídica. Mais interessantes são os casos em que a extinção é realizada por um ato de desfazimento da própria Administração, retirando-o do mundo jurídico. Esses atos de desfazimento são exercidos com base no poder de autotutela da Administração e são os seguintes: anulação ou invalidação: é o desfazimento do ato, motivado pela constatação de que ele foi produzido em desconformidade com a ordem jurídica (ou seja, contém um vício em um de seus elementos). Geralmente, a anulação do ato é feita de forma retroativa (ex tunc), desfazendo também todos os seus efeitos, ressalvadas situações já consumadas e irreversíveis ou que a lei proteja, em homenagem ao princípio da segurança jurídica (por exemplo, a impossibilidade de repetição de verbas de natureza alimentar, recebidas de boa-fé). A anulação pode ser realizada de ofício pela Administração, visto que decorre do dever de zelar pela legalidade. Todavia, quando a anulação afetar direitos de terceiro, é necessário que este seja ouvido, em observância das garantias constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório – vide art. 5º, incisos LIV e LV da CF/88. Porém, nem todo vício do ato administrativo leva à anulação, pois pode haver a possibilidade de convalidação do ato, que adiante estudaremos. Revogação: é o desfazimento do ato administrativo, com a finalidade de realizar uma nova escolha, mais adequada ao interesse público, substituindo o ato por outro mais apropriado ou simplesmente fazendo cessar os seus efeitos em definitivo. Portanto, o ato de revogação é um ato discricionário. Justamente por isso apenas a autoridade administrativa competente pode revogar, não sendo permitido ao Poder Judiciário promover esse desfazimento. Ao Poder Judiciário cabe, quando provocado, invalidar o ato que apresente vício, não podendo, no exercício de função jurisdicional, revogar atos de competência da autoridade administrativa. A revogação produz efeitos não retroativos (ex nunc), pois não há justificativa para desfazer efeitos válidos já produzidos pelo ato a ser revogado. Se o ato que se deseja desfazer possui algum vício, a Administração não pode revogá-lo: deverá, sim, anulá-lo. Direito Administrativo – Prof. Carlos José Teixeira de Toledo Vamos agora observar o seguinte esquema, que compara anulação e revogação, de maneira a gravarmos bem suas diferenças: ANULAÇÃO REVOGAÇÃO Causa: vício do ato Causa: realização de nova escolha, mais adequada ao interesse público É ato vinculado: há dever de invalidar É ato discricionário: há escolha em revogar É possível a invalidação judicial É impossível a revogação judicial Opera efeitos retroativos (ex tunc) Opera efeitos não retroativos (ex nunc) Cassação: difere tanto da invalidação quanto da revogação, pois ela é causada por uma atitude do próprio administrado. É uma sanção aplicada ao administrado, beneficiado por um ato administrativo, em razão do descumprimento de deveres jurídicos a ele impostos como condição para o gozo desses benefícios. Ex.: a cassação da habilitação para dirigir, em razão do excesso de infrações cometidas pelo condutor. A liberdade em praticar o ato de cassação (se ele é vinculado ou discricionário) e seus efeitos (retroativos ou não) depende do que dispuser a lei que o regula. Caducidade: A caducidade configura modalidade de extinção em que ocorre a retirada do ato por ter sobrevindo norma jurídica que tornou inadmissível situação antes permitida pelo direito e outorgada pelo ato precedente. Por exemplo, ocorre a caducidade de termo de permissão para realizar comércio ambulante em dado logradouro, quando sobrevém legislação que torna essa atividade proibida naquele local. Atenção, pois conforme o conceito, a palavra caducidade tem outros e diferentes significados. Pode ser sinônimo de a) decadência, quando tratamos da perda do direito, pelo seu não exercício durante certo tempo; ou b) retomada do serviço concedido, em razão de inadimplemento do concessionário, na concessão de serviço público – vide cap. 11. 5.7. Convalidação do ato administrativo A convalidação é o ato que, corrigindo os vícios de ato anterior, permite a sua manutenção na ordem jurídica. Tal como a anulação, a convalidação também é uma manifestação do poder de autotutela da Administração e também atua com efeitos retroativos. Para que possa ocorrer a convalidação, é necessário que o vício do ato a ser convalidado seja sanável. Consideram-se sanáveis, em tese, os vícios relativos aos elementos sujeito (competência) e forma. Porém somente a análise do caso concreto é que permitirá verificar se o vício em questão é sujeito à correção. No que tange aos defeitos relativos à competência do sujeito, eles podem ser sanados, desde que o ato possa ser ratificado, isto é, confirmado pelo órgão competente para a produção do Direito Administrativo – Prof. Carlos José Teixeira de Toledo ato. O exemplo mais conhecido é o da prática de atos por funcionário de fato, que desde que não haja outros vícios, podem ser ratificados pela autoridadecompetente. Também podem ser ratificados os atos praticados indevidamente pelo subordinado, mas que possam ser confirmados pelo superior hierárquico, a quem caberia praticá-lo. Quanto à forma, se o vício formal não afetar a própria existência do ato e tampouco interferir na certeza e na segurança jurídica em relação ao seu conteúdo ou nas garantias dos administrados, não há vantagem em promover a invalidação desse ato. Por último, é importante notar que a Lei nº 9.784/99 (Lei Federal de Procedimentos Administrativos – art. 55) estabelece como condição da convalidação a inexistência de lesão ao interesse público e a não ocorrência de prejuízos a terceiros. Portanto, se ocorrerem tais circunstâncias, a Administração estará impedida de convalidar o ato, devendo, portanto, anulá-lo. 5.8. Controle jurisdicional do ato administrativo Em nosso sistema constitucional, vigora o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, pelo qual toda lesão ou ameaça a direito está sujeita a controle pelo Judiciário – art. 5º, inciso XXXV da CF/88. Com relação aos atos vinculados, isto é, aqueles produzidos como mera aplicação de um comando legal, esse controle é pleno, ilimitado. Já com relação ao ato em que haja um aspecto discricionário, onde a lei permitiu ao agente público realizar uma escolha, se costuma dizer que a decisão judicial não poderá questionar o mérito do ato. Ou seja, a autoridade jurisdicional não poderá analisar a conveniência e/ou oportunidade da prática do ato, visto que essa competência pertence à autoridade administrativa. Isso não quer dizer que o uso da discricionariedade estará fora de controle. Caberá ao Poder Judiciário verificar se o agente público respeitou os limites impostos pela lei, aplicando-a corretamente em vista a situação concreta. Para isso, o ato será analisado sob a luz dos princípios da moralidade, da razoabilidade e da proporcionalidade, dentre outros já explicados no capítulo 2. Além disso, o julgador poderá constatar o desvio de finalidade, apurando se o agente buscou alcançar outros interesses que não ou interesse público. Poderá ainda se utilizar da teoria dos motivos determinantes, já explicada. Direito Administrativo – Prof. Carlos José Teixeira de Toledo QUESTÕES DE PROVAS ANTERIORES DA OAB 1. Com relação aos diversos aspectos que regem os atos administrativos, assinale a opção correta. a) Segundo a teoria dos motivos determinantes do ato administrativo, o motivo do ato deve sempre guardar compatibilidade com a situação de fato que gerou a manifestação de vontade, pois, se o interessado comprovar que inexiste a realidade fática mencionada no ato como determinante da vontade, estará ele irremediavelmente inquinado de vício de legalidade. b) Motivo e motivação do ato administrativo são conceitos equivalentes no direito administrativo. c) Nos atos administrativos discricionários, todos os requisitos são vinculados. d) A presunção de legitimidade dos atos administrativos é uma presunção jure et de jure, ou seja, uma presunção absoluta. (OAB – São Paulo – Prova 135) 2. Acerca da competência revogatória da administração pública, assinale a opção correta. a) Ao Poder Judiciário não se reconhece competência para revogar atos administrativos. b) O exercício da competência revogatória é decorrência do princípio da publicidade dos atos administrativos. c) Na ausência de dispositivo legal que regule a matéria, no exercício das funções administrativas, a competência para revogar um ato administrativo é sempre da autoridade que o tenha praticado. d) A competência revogatória pode ser exercida mesmo após a consumação e o exaurimento dos efeitos do ato administrativo praticado. (OAB – São Paulo – Prova 136) 3. Não configura, segundo a doutrina dominante, elemento ou requisito do ato administrativo: a) a forma. b) o objeto. c) a finalidade. d) a discricionariedade. (OAB – São Paulo – Prova 136) 4. Maria, servidora pública aposentada há 15 anos, teve suspenso o pagamento de seus proventos por decisão da administração pública, que não a notificou previamente para se defender. A servidora, por meio de seu advogado, requereu, administrativamente, o pagamento de seus proventos, tendo em vista a ilegalidade da suspensão, ante a evidente Direito Administrativo – Prof. Carlos José Teixeira de Toledo ausência de contraditório e ampla defesa. A administração pública negou o pedido e manteve a suspensão do pagamento da aposentadoria de Maria, que, então, ajuizou uma ação com pedido liminar perante o Poder Judiciário, pleiteando a anulação do ato administrativo e o restabelecimento do seu direito. No Poder Judiciário, a liminar requerida pela servidora foi negada, e o processo judicial teve seguimento normal. Antes que o processo judicial chegasse a seu término, e antes mesmo de proferida a sentença final, a administração anulou o ato administrativo que suspendera o pagamento dos proventos a Maria, restabelecendo-o. Com base nessa situação hipotética, assinale a opção correta. a) O ato de anulação praticado pela administração pública foi inadequado, pois cabível seria a revogação do ato de suspensão dos proventos de Maria. b) A possibilidade de apreciação judicial do ato denota a perda do poder de autotutela da administração pública. c) A conduta da administração pública não afronta o princípio da separação dos poderes, pois, mesmo diante da não-concessão da liminar — o que trazia à administração pública uma situação processual favorável —, é possível a ela rever seus próprios atos quando eivados de vícios, ainda que estejam sendo discutidos judicialmente. d) Ainda que houvesse decisão, transitada em julgado, declarando a legalidade do ato de suspensão do pagamento dos proventos de Maria, poderia a administração pública, de acordo com o princípio da independência das instâncias, anular ou revogar o ato administrativo que (OAB – São Paulo – Prova 137) 5. Assinale a opção incorreta no que se refere à revogação de atos administrativos. a) Os atos que geram direitos adquiridos não podem ser revogados. b) Os atos discricionários são, via de regra, suscetíveis de revogação. c) Os atos que exauriram seus efeitos podem ser revogados, desde que motivadamente. d) Ao Poder Judiciário é vedado revogar atos administrativos emanados do Poder Executivo. (OAB – Nacional – Prova 2008/2) 6. Acerca das modalidades de extinção dos atos administrativos, assinale a alternativa correta. a) A renúncia configura modalidade de extinção por meio da qual são extintos os efeitos do ato por motivo de interesse público. b) A cassação configura modalidade de extinção em que a retirada do ato decorre de razões de oportunidade e conveniência. c) A revogação configura modalidade de extinção que ocorre quando a retirada do ato se dá por ter sido praticado em contrariedade com a lei. d) A caducidade configura modalidade de extinção em que ocorre a retirada do ato por ter sobrevindo norma jurídica que tornou inadmissível situação antes permitida pelo direito e outorgada pelo ato precedente. (Prova OAB Nacional – 2012) Direito Administrativo – Prof. Carlos José Teixeira de Toledo 7. Atendendo a uma série de denúncias feitas por particulares, a Delegacia de Defesa do Consumidor (DECON) deflagra uma operação, visando a apurar as condições dos alimentos fornecidos em restaurantes da região central da capital. Logo na primeira inspeção, os fiscais constataram que o estoque de um restaurante tinha produtos com a validade vencida. Na inspeção das instalações da cozinha, apuraram que o espaço não tinha condições sanitárias mínimas para o manejo de alimentos
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