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Introducão Aos Estudos Literários II Leskov Um Caso Literário

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
LESKOV: UM CASO LITERÁRIO
		 			MARCELO TAVARES
SÃO PAULO
2012
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
LESKOV: UM CASO LITERÁRIO
		 			Trabalho apresentado na disciplina Introdução aos Estudos Literários II, sob a orientação do Prof. Dr. Marcelo Pen Parreira
SÃO PAULO
2012
Aqui exporemos nossas afirmações acerca do conto “Kótin, o provedor e Platonida”, de Nikolai Leskov, de 1867.
Para Julio Cortázar, o conto associa-se a ideia de síntese, entre limites físicos e acontecimentos marcantes. O argentino lembra que “o contista sabe que não pode proceder acumulativamente, que não tem o tempo por aliado” (1974, p. 151).
O próprio narrador eslavo busca medir a medida do tempo de sua narrativa, afirmando que “a história não é longa”, nos primeiros parágrafos. A ação mais importante do texto ocorre num sítio em que
o velho Déiev construiu uma casa de madeira num ‘retiro’, bem no limite da cidade. Hoje ninguém mora nela, e a casa encontra-se solitária, sombria e desacolhedora. Aliás, essa construção cinza de dois andares, com duas fileiras de janelinhas, era exatamente assim também naqueles dias, quando nela ainda morava gente viva, e em suas janelas brilhavam luzinhas tremeluzentes de lamparinas sempre acesas. (...) Os portões da casa de Déiev fechavam-se às suas costas somente depois da morte. Houve apenas duas exceções: cinquenta anos antes, na noite mais tempestuosa, tenebrosa e misantrópica, a terrível casa de Déiev expeliu uma jovem ao desabrigo.
A casa como que cuspiu essa criança, em meio ao sono, e depois bateu de novo as pálpebras zangadas até o próximo caso.
Esse trecho deixa um clima de tensão, o qual obviamente só fica claro ao fim. As expulsões são de Aksínia Matviêievna e de Platonida Andrêievna. A primeira é o nascer do sol e a segunda é o seu esconder. Outrossim, fica claro que o narrador está há cinquenta anos do primeiro desabrigo. A intensidade percorre o texto todo. Busca-se construir um mistério de enredo.
Aksínia é expelida por engravidar de seu amor; Platonida por não aceitar ser penetrada por seu sogro, Markel Semiónitch. De certo modo, o ato sexual é a fonte do incômodo narrado.
Leskov utiliza-se de eufemismo para retratar a morte de personagens, com exemplo em:
“ele [Iona Pizónski, amante de Aksínia] próprio errou o passo, quando, no outono, enquanto cortava galhos secos num barranco íngreme sobre o rio Turitsa, voou de cabeça para baixo e, só, completamente só, entregou a alma alegre ao Deus único. (p. 10, grifo nosso) 
A questão da formação da identidade do indivíduo aparece para Konstantin Pizónski – filho de Aksínia, chamada por ela de Makrina – em: “despida do pseudônimo feminino, não conseguia de jeito nenhum se acostumar com a ideia de que era menino”. Neste trecho é levantada também, de forma interessante, a identidade de gênero. Pizónski filho, em certos momentos mostra a sensibilidade duma mãe, em virtude de sua passagem pelo convento, onde foi educada como menina.
Zygmunt Bauman confirma que a ideia de identidade surge na modernidade, quando a vida em comunidade começa a ruir, um pensamento presente nos textos de Walter Benjamin.
Para mostrar a dureza da vida de Pizónski filho, Leskov assevera: “a parca renda diária mal dava para o sustento mais miserável” (p. 12). Utiliza logo depois a ironia: “e não se sabe até quando se prolongaria essa vida doce e poética da nossa Makrina” (p. 13).
O narrador, muita vez, dialoga com o leitor, expressando o que pensa duma norma moral: “costuma-se pensar que, em situações assim, o homem encontra-se a um passo de praticar o mal, mas isso não acompanha a todos” (p. 15). Vale lembrar as palavras de Foster (2005, p. 100): “a especificidade do romance é que o escritor pode falar sobre seus personagens tanto quanto através deles (...). Ele tem acesso às meditações, de onde pode descer até mais fundo para espiar o subsconsciente”. Esse efeito o leitor percebe ao lembrar-se de que o narrador é testemunha, mesmo num certo limite, do fato. É o ponto de vista que está em jogo.
Por vezes, Leskov consegue descrever minuciosamente:
E era realmente difícil olhar Pizónski sem rir: a cabeça calva e, ainda por cima, torneada à moda dos soldados, o nariz curvo, os olhos redondos de passarinho, os lábios azulados e um longo casaco de nanquim, comprado na cidade onde tivera fim a sua carreira militar: tudo isso, em conjunto, conferia à figura a aparência mais cômica e abestalhada (p. 14)
Não obstante, ele próprio distancia-se, negando sua onisciência: “caminhou, caminhou [Pizónski filho], não se sabe pouco, não se sabe muito, e na tarde seguinte chegou ao povoado onde esperava encontrar a parenta” (p. 15). Num texto argumentativo, isso causaria uma perda de credibilidade.
Ian Watt traz um pouco disso ao discorrer acerca da caracterização detalhada do ambiente e da atenção para um indivíduo particular. A questão da identidade individual é tão forte no texto moderno, que até os nomes próprios dos personagens expressam alguma particularidade no contexto da vida real contemporânea. O tempo é visto a partir de então como uma dimensão que molda o pensamento individual e coletivo. O espaço e o local precisam ser individualizados. A experiência pretérita é vista como causa do momento presente, onde os personagens se desenvolvem ao decorrer temporal. A escrita em prosa busca dar uma impressão mais próxima da realidade, facilitar a compreensão ao leitor, mesmo que seja necessário fazer uso de repetições. Para nós, essas observações cabem ao texto de Leskov.
Os dois personagens mais expressivos, Pizónski filho e Platonida encontram na religião um remédio da alma sofrida pela realidade bruta. Pizónski filho dirige-se a sua avó Fevrónia Rokhovna, citando um trecho da Bíblia: “– Então Deus mandou-lhe um corvo – disse Pizónski, animando-se – e ordenou à ave que alimentasse o seu servo, e ela o alimentou. Repare bem: uma ave o alimentou, vovó! Uma ave!” (grifo do autor, p. 32).
Em outra passagem Leskov prossegue: “uh-uh! Quão rico e feliz estava Pizónski agora, e que exemplo edificante ele podia dar ao grande número de pessoas que resolvem complexos tratados sobre a felicidade” (grifo nosso, p. 33). Lembra Auerbach que a Escritura Sagrada tenta ser universal e atemporal, onde as ações dos personagens devem servir como exemplos.
A sociedade em que se encontram está dominada por seres que agem de forma autoritária: professores, maridos e até esposas.
Ocorre no decorrer do texto uma busca por um sentido da vida, e para tal há personagens que estão em constante deslocamento. Pizónski filho percorre vários locais. Ao descobrir que seu talento individual poderia servir à coletividade, a vida dele ganha outra dinâmica, mudando até sua posição social. Platonida, na parte final, pensativa e apreensiva, perambula pela casa, até ver-se obrigada a fugir.
Para Benjamin, no romance, a memória do romancista dilui-se em fatos diversos, que não possuem necessariamente uma origem comum. O sentido e a vida estão dissociados no romance e é na confluência desses dois termos que o romance se desenvolve. A confecção e o consumo do romance ocorrem de formas solitárias.
Leskov, no fim, traz a nós o surgimento de crenças populares e tradicionais, com um ar místico:
Posteriormente disseram, e acreditavam piamente nisso, que Platonida Andrêievna não tinha fugido para longe, mas estava escondida com os ermitões, e que a ‘profetisa’ stáritsa Ioil, surgida depois nessa ermida, era ela própria. ‘Chorava fogo’ e estava cega, andava às apalpadelas, com uma varinha, e nas órbitas de seus olhos tinham sido inseridos ‘iconezinhos’ (grifo do autor, p. 57)
	Walter Benjamin caracteriza que os últimos tempos da época moderna fez com que a narração tradicional e segura através das trocas de experiências se perdesse. Para ele, osmelhores escritores eram os que mais se aproximavam da oralidade. Na relação de trabalho não moderna, o mestre e os aprendizes construíam juntos seu labor. Os viajantes sempre foram também grandes narradores. Para ele é o caso de Leskov, que dialoga com essa tradição que foi sendo perdida.
	Concordamos com Foster (2005, p. 108) ao dizer que “praticamente todos os romances enfraquecem no final”. É o que acontece aqui, mas não é culpa de Leskov, afinal, o enredo precisa dum fim. A dinâmica do enredo está associada à sequência disposta no tempo. O fim do conto significa a morte dos personagens para o leitor.
Adorno acalenta-nos com sua sabedoria ao dizer que no romance tradicional, o narrador buscava um ponto de vista fixo, onde ele acreditava ser imparcial; hoje, ele se posiciona como uma câmera de cinema, podendo se posicionar no lugar que mais lhe interessa. O escritor atual admite sua impotência diante do mundo, onde valores tradicionais, como a vida em comunidade, são postos de lado. A questão do sentido foi sentida. A arte contemporânea é ambígua, expressando a modernidade anterior e a atual. Para nós, a narração cinematográfica é apresentada no conto de Leskov, onde personagens ganham e perdem importância. Para nós, chamou-nos a atenção a seção IX, a qual apresenta o diálogo extenso entre Platonida, até então sem grande importância, e o irmão de seu marido, Avenir. 
Para Watt, a junção da realidade cotidiana, trazendo uma problematização nas classes ditas inferiores, com estilo considerado sério num contexto histórico, tornou-se elevado. No texto de Leskov não estamos tratando de classes aristocráticas, como nos textos clássicos, mas sim de personagens populares, muita vez, rudes e sem grande letramento.
Entendemos que esse conto concentra o mundo imaginativo das ações predominantemente no Espaço, onde “a ação é um padrão estático, continuamente redistribuído e reembaralhado no Espaço”, segundo Muir (1975, 36). Obviamente, há uma sequência cronológica, mas não percebemos o tempo extinguir-se.
Nesse conto alongado, tudo que é expelido é importante: as descrições, o visor psicológico sobre as personagens, as reflexões do autor. O recorte tem uma tessitura que impede de que nos desliguemos. A fase de transição é muito tênue e inesperada, onde o foco passa de Pizónski filho para Platonida. Os personagens parecem que estão sempre, ou quase sempre, solitários. Leskov condensa formas romanescas com as do conto, buscando também tirar uma fotografia da Rússia de sua época, mas capaz de atingir a todos nós. 
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Referências
ADORNO, Theodor W. Posição do narrador no romance contemporâneo. In: ______. Notas de literatura I. Duas Cidades, 2003, p.55-63.
AUERBACH, Erich. A cicatriz de Ulisses. In: ______. Mimesis. São Paulo: Perspectiva, 2001, p. 1-20.
______. Na mansão de La Mole. In: ______. Mimesis. São Paulo: Perspectiva, 2001, p. 405-441.
BENJAMIN, Walter. O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In:______. Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 2008, p. 197-221.
CORTÁZAR, Julio. Alguns aspectos do conto. In:______. Valise de Cronópio. São Paulo: Perspectiva, 1974, p. 147-163.
FOSTER, E. M. O enredo. In: Aspectos do romance. Editora Globo, 2005, p. 99-115.
LESKOV, Nikolai. A fraude e outras histórias. São Paulo: Editora 34, 2012, p. 7-58.
MUIR, Edwin. Tempo e espaço. In: A estrutura do romance. Porto Alegre: Globo, 1975, p. 35-50.
SCHOLES, Robert; KELLOGG, Robert. O enredo na narrativa. In: A natureza da narrativa. Editora McGraw-Hill, 1974, p. 145-167.
______. O ponto de vista na narrativa. In: A natureza da narrativa. Editora McGraw-Hill, 1974, p. 169-198.
WATT, Ian. O realismo e a forma romance. In:______. A ascensão do romance. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 11-33.
______. “Robinson Crusoe”, o individualismo e o romance. In:______. A ascensão do romance. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 55-83.

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