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UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS COORDENAÇÃO DO CURSO DE HISTÓRIA Fábio Gonçalves de Almeida O Território Federal de Roraima e o planejamento estratégico do II PND: o Polororaima como ação do Estado brasileiro (1975-1979) BOA VISTA 2013 FÁBIO GONÇALVES DE ALMEIDA O Território Federal de Roraima e o planejamento estratégico do II PND: o Polororaima como ação do Estado brasileiro (1975-1979) BOA VISTA 2013 Monografia apresentada como pré- requisito para conclusão do curso de bacharelado e licenciatura em História, pela Universidade Federal de Roraima. Orientador: Dr. Nelvio Paulo Dutra Santos FÁBIO GONÇALVES DE ALMEIDA O Território Federal de Roraima e o planejamento estratégico do II PND: o Polororaima como ação do Estado brasileiro (1975-1979) Monografia apresentada como pré-requisito para conclusão do curso de bacharelado e licenciatura em História, pela Universidade Federal de Roraima, defendida em 28 de novembro de 2013 e avaliada pela seguinte banca examinadora. _______________________ Dr. Nélvio Paulo Dutra Santos Professor do curso de História ______________________________________ Dr. Roberto Ramos Santos Professor do curso de Ciências Sociais _____________________________________ Dr. Maria das Graças Santos Dias Professora do curso de História RESUMO Esse trabalho tem por objetivo propiciar um olhar sobre as ações formuladas para o Território Federal de Roraima durante a vigência do II Plano Nacional de Desenvolvimento. O período estudado compreende os anos de 1975 a 1979, momento de planejamento à Amazônia Legal de um modelo de desenvolvimento que propunha uma nova forma de ocupação da região, conforme se definia no seio gestor do pensamento geopolítico, comandado pelos militares. O isolamento, a falta de efetividade econômica e o caráter estratégico desta região, quanto à “segurança nacional” fundamenta o governo de Ernesto Geisel (1974-1979), a aprovação de um planejamento estratégico ao território de Roraima. Uma intervenção concreta do Estado brasileiro, através do POLORORAIMA, programa que integrava o território aos 15 polos de desenvolvimento criados com o segundo plano de desenvolvimento, do governo militar. Inicialmente pensa-se a consolidação de um polo agromineral, posteriormente transformado em um polo agropecuário, consiste o planejamento num elenco de ações, socioeconômica, que preveem a instalação de empresas, mas principalmente a consolidação de uma área de contenção. Neste TCC conheceremos quais as ações planejadas e sua integração no projeto de desenvolvimento do país. Palavras chaves: Planos de desenvolvimento; geopolítica; Território Federal de Roraima. ABSTRACT This work aims to provide a glimpse into the actions formulated for the Federal Territory of Roraima for the duration of the Second National Development Plan. The study period covers the years 1975-1979, when planning the Legal Amazon of a development model that proposed a new form of occupation of the region, as defined within the manager's geopolitical thinking, controlled by the military. Isolation, lack of economic effectiveness and strategic importance of this region as the "national security" grounds the government of Ernesto Geisel (1974-1979), the adoption of a strategic plan to the territory of Roraima. A concrete intervention of the Brazilian State, through POLORORAIMA program, which included the territory of the 15 development areas created with the second development plan, the military government. Initially thought to be the consolidation of a agromineral pole, later transformed into an agricultural hub, is planning a set of actions, socio-economic, which provide for the installation of companies, but mainly the consolidation of a containment area. In this CBT will know which planned actions and their integration in project development. Key words: Development Plans; geopolitical; Federal Territory of Roraima. LISTA DE MAPAS MAPA 1 – Rede rodoviária principal, existente e projetada na Pan-amazônia........................19 MAPA 2 – Áreas interiores de intercâmbio fronteiriço............................................................20 MAPA 3 – Definição do território brasileiro em 1759.............................................................22 MAPA 4 – Pólos de desenvolvimento idealizados para a Amazônia.......................................34 MAPA 5 – Política nacional de desenvolvimento do II PND...................................................35 MAPA 6 – Organização do espaço regional da Amazônia Legal.............................................41 MAPA 7 – Localização das colônias agrícolas Coronel Mota, Fernando Costa e Braz de Aguiar........................................................................................................................................45 MAPA 8 – Localização da produção pecuária em 1970...........................................................46 MAPA 9 – Identificação da extração de minérios em Roraima (1970)....................................47 MAPA 10 – Ocupação territorial do Território Federal de Roraima........................................54 Mapa 11 – Malha viária e equipamentos públicos existentes e projetados para Roraima.....................................................................................................................................62 LISTA DE TABELAS TABELA 1 – Metas e indicadores previstos no II PND...........................................................29 TABELA 2 – Evolução demográfica do ecúmeno roraimense.................................................44 TABELA 3 – Área plantada, quantidade produzida e valor da produção das principais culturas exploradas nas colônias agrícolas do Território Federal de Roraima em 1974...........................................................................................................................................46 TABELA 4 – Produção de peixe em Roraima (1971-1974).....................................................48 TABELA 5 – Previsão orçamentária do POLORORAIMA (1975-1979)................................56 LISTA DE ABREVIATURAS TFR – Território Federal de Roraima II PND – II Plano Nacional de Desenvolvimento II PDA – II Plano de Desenvolvimento da Amazônia – II PDA DSN – Doutrina de Segurança Nacional ESG – ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA FIDAM – Fundo para Investimentos Privados no Desenvolvimento da Amazônia IBAD – Instituto Brasileiro de Ação Democrática INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma agrária IPES – Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais SUDAM – Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia PIN – Programa de Integração Nacional JBV – Jornal Boa Vista IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IPEA – Instituto dePesquisa Econômica Aplicada PIB – Produto Interno Bruto SUFRAMA – Superintendência da Zona Franca de Manaus T.I. – Terra Indígena UFSM – Universidade Federal de Santa Maria SUMÁRIO Introdução....................................................................................................................10 1. Auscultando a geopolítica brasileira ....................................................................... 14 1.1 O desenvolvimento teórico do pensamento geopolítico brasileiro.............................. 14 1.2 A Amazônia brasileira ................................................................................................. 21 2. O Estado brasileiro como indutor do desenvolvimento...........................................26 2.1 O II Plano Nacional de Desenvolvimento II PND....................................................... 26 2.2 O POLAMAZÔNIA e o II Plano de Desenvolvimento da Amazônia (II PDA)..............................................................................................................................35 3. Programa de ação de Governo para o Território Federal de Roraima – POLORORAIMA.......................................................................................................43 3.1 O Território Federal de Roraima.................................................................................. 43 3.2 Objetivos e diretrizes do POLORORAIMA.................................................................51 3.3 Programação de políticas públicas do POLORORAIMA............................................ 55 3.3.1 Agropecuária, Abastecimento e Colonização.............................................................. 56 3.3.2 Madeira e Mineração................................................................................................... 58 3.3.3 Recursos humanos e Urbanização............................................................................... 59 3.3.4 Serviços básicos........................................................................................................... 61 3.3.5 Energia......................................................................................................................... 63 3.3.6 Industria e Comércio.................................................................................................... 63 4. Conclusão.................................................................................................................... 65 Referências bibliográficas......................................................................................... 68 10 Introdução Vivemos em um Estado 1 nacional, detentor de amplos poderes de coerção e imposição. Organizado essencialmente pela democracia representativa que permite a delegação de poderes, pelos cidadãos, ao desenvolvimento de ações de Estado. Ações políticas que determinam certa estruturação social de desenvolvimento humano e econômico, fatores essenciais ao convívio em sociedade. Desta forma é impossível conceber a ideia de que as políticas públicas desenvolvidas pelo Estado não têm demonstração histórica. Pois, estas possuem identidade de classe e impelem mudanças na vida dos seres humanos, transformando o estado social 2 . Apresento desta forma a observação de um planejamento estratégico realizado, pelo Estado brasileiro, em uma unidade administrativa, durante um período de segregação da democracia. Na pesquisa olhou-se para um processo histórico de efetiva busca de reorganização do espaço amazônico, especialmente as projeções de integração e desenvolvimento idealizadas ao Território Federal de Roraima (TFR). Desta forma o processo econômico é importante para compreensão das orientações adotadas, pelo Estado Nacional, em meados da década de 1970. Vivemos em uma estrutura hegemonizada pelo liberalismo, onde o Estado é administrado por representantes deste segmento, apesar das composições heterodoxas permeáveis pelo desenvolvimento da democracia burguesa, assumindo este Estado parâmetros de organização socioeconômica que produzem acontecimentos concretos na vida do homem. Portanto devem-se observar os fatos econômicos como: A pesquisa realizada insere-se num determinado contexto espacial, ainda premente na vida política brasileira, a busca de desenvolvimento, segundo Caio Prado (1982, p. 193) “[...] condição precípua para assegurar ao país e à generalidade de seu povo o conforto e bem-estar 1 Para Rémond (1996, p. 20) o poder do Estado representa o grau supremo da organização política, nas sociedades contemporâneas. 2 Para Aróstegui (2006, 322) compreende-se estado social como a “... configuração das estruturas e forças sociais, as relações sociais, as instituições e, finalmente, os subsistemas que compõem uma determinada sociedade, em um, momento cronológico preciso”. “[...] essencialmente dinâmicos, e as situações em que se configuram e onde vamos analisa-los representam sempre o termo de um processo, um momento apenas, em si insignificante e privilegiado unicamente por ser o último de uma série anterior onde se gerou e onde adquire a individualidade e particularidade que o caracterizam.”, (CAIO PRADO, 1982, p.179). 11 material e moral que a civilização e cultura modernas são capazes de proporcionar.”. Assim, o principal objeto de estudo consiste em um plano de ações fundamentadas, pelo estado brasileiro, ao Território Federal de Roraima, constituindo-se desta forma em um tema à observação histórica, tendo em vista que as metas apresentadas imputam diretamente em acontecimentos 3 , importantes a serem conhecidos. A pesquisa desenvolvida insere-se em um determinado lapso temporal iniciado em meados da década de 1970, período de desenvolvimento do II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) 4 . Nosso objetivo é observar como essa ação do Estado brasileiro foi idealizada para o Território Federal de Roraima, procurando conhecer as metas existentes no planejamento realizado. O recorte temporal concentra-se no período de 1975 a 1979. Quando da vigência do II PND, encontrando-se o governo do Território Federal de Roraima, sob o comando do Coronel aviador Fernando Ramos Pereira. Sendo o período marcado não só pela repressão aos movimentos oposicionistas, mais também por uma proposta de desenvolvimento econômico e social, apresentada através de planos de desenvolvimentos que figuram nos governos militares entre os anos de 1969 a 1985. A ditadura militar instaurada em 1964 trouxe ao centro do poder brasileiro uma estrutura centralizadora e autoritária. Os 21 anos, de ditadura, impulsionaram o processo de integração nacional, com o Estado brasileiro pensando não só o desenvolvimento econômico, mas, a inserção de políticas sociais e de ocupação dos vazios demográficos existentes na nação. O desenvolvimento teórico deste pensamento encontra-se na Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento, construída pela Escola Superior de Guerra (ESG). O ano de 1974 é identificado como o início da distensão, ou seja, abertura política, do Estado autoritário imposto 10 anos antes. Esse ano é marcado pelo envio ao Congresso Nacional, do II PND. Esse documento marca uma nova visão de ocupação da Amazônia, através da constituição do POLAMAZÔNIA, como fundamento essencial a soberania do país, e, inserção econômica da região, na economia nacional. Inserida nesta proposta encontramos o POLORORAIMA, um programa de ações voltadas ao desenvolvimento socioeconômico do Território Federal de Roraima.3 Compreende-se acontecimento como aquilo “... que tem efeito, por mais breve que seja o tempo, de suspender, ou ao menos de interromper o normal.” (NÍSBET Apud ARÓSTEGUI, 2006, 334). Residindo sua análise através dos movimentos dos estados sociais, que conforme Aróstegui, “... tem dois sentidos diferentes, o primeiro assimilável à noção de „vida cotidiana‟, o segundo a de „mudança social‟.” (ARÓSTEGUI, 2006, 335). 4 A partir de 1969, o Estado autoritário inicia um novo processo de organização socioeconômica da nação. Surgem os PND que fundamentam o desenvolvimento econômico e social desejado pelas estruturas centrais do governo federal, em muitos momentos rompendo com a aliança civil liberalizante que apoiou o golpe militar. 12 Segundo Becker (Apud SANTOS 2004), a Amazônia era considerada prioridade máxima aos governos militares, onde se buscava, “[...] promover o „equilíbrio geopolítico‟ interno e externo, oferecendo uma solução completa para os problemas de tensão social na periferia e para o crescimento no Centro, como também servindo para incrementar a predominância do Brasil na América do Sul”, (BECKER Apud SANTOS, 2004, p. 78). Esse pensamento geopolítico, a partir do período democrático estabelecido em 1946, se concentra, conforme Santos, na “... idéia da Amazônia como uma região que deveria ser “integrada” na sociedade nacional, oriunda do Estado Novo (1937-1945), permaneceu permeada pelo pensamento desenvolvido na Escola Superior de Guerra – voltado, principalmente para a segurança nacional.” (SANTOS, 2004, p. 97). No primeiro capítulo dedico um olhar sobre o pensamento geopolítico brasileiro, seus principais interlocutores, bem como seus fundamentos teóricos para o desenvolvimento brasileiro e a manutenção da soberania nacional. Este capítulo também permite uma observação sobre como se desenvolve o processo de ocupação da Amazônia. Importante na compreensão do contexto da pesquisa entender o caráter político das ondas migratórias, sempre relacionadas com ações diretas do Estado. Entre os anos de 1974 a 1979 muda-se o pensamento de ocupação da Amazônia, e o II PND com o estabelecimento dos pólos de desenvolvimento busca inserir na região um processo de produção integrado, abrindo a região ao estabelecimento de grandes e médias empresas nacionais e internacionais para exploração de minérios, criação de gado e desenvolvimento da agricultura, através da expansão da fronteira agrícola. Essa visão exógena do desenvolvimento socioeconômico do ecúmeno amazônico sustenta-se na própria compreensão, expressa no II PND, do papel natural do Brasil como exportador de matérias primas. O segundo capítulo trata de como se delineou o II PND, com suas estratégias, suas metas e possibilidades lançadas na busca de transformação econômica e social da nação. O contexto socioeconômico e as pretensões de transformar o Brasil numa potência econômica mundial são essenciais a fim de compreendermos como se pensa a inserção, do Roraima, no contexto de produção e desenvolvimento econômico do país. Esse desenvolvimento é coordenado pela Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), através do II Plano de Desenvolvimento da Amazônia (II PDA), neste capítulo poderemos conhecer como se estabelece os objetivos, delineados pelas propostas de integração da região amazônica ao processo de produção nacional e aumento da riqueza do país. Somado a necessidade de crescimento econômico frente à crise mundial, idealiza-se 13 também investimento em um arco de “proteção” ao território nacional, principalmente através do estabelecimento de zonas de contenção. Uma dessas cidades selecionadas será Boa Vista, capital do então Território Federal de Roraima. O planejamento coordenado pela SUDAM é idealizado a partir dos 15 pólos de desenvolvimento propostos no II PND. O modelo de irradiação desenvolvimentista fica estabelecido no POLAMAZÔNIA, aprovado pelo congresso nacional no ano de 1974, prevendo a consolidação de áreas destinadas à exploração empresarial de minérios, da agropecuária, da agrícola e da produção de madeira. Já o terceiro capítulo nos permitirá entender melhor como se estruturava o Território Federal de Roraima, os limites socioeconômicos e a forma de organização do espaço territorial, da região. Este olhar permite entender melhor as ações previstas, para o POLORORAIMA, no ano de 1975. Este capítulo também tratará de como o Estado brasileiro pensa a integração do ecúmeno roraimense ao processo de produção nacional. O POLORORAIMA, idealizado, no II PND, como um pólo agromineral, é apresentado já na formulação de suas diretrizes, metas e ações, com um amplo enfoque no desenvolvimento agropecuário. Temas como infraestrutura básica, ocupação do território, energia, saneamento, recursos humanos também serão tratados no desenvolvimento deste capítulo. Não procuro neste TCC debater ou analisar as ações propostas, no II PND, a serem desenvolvidas no Território Federal de Roraima. Nosso enfoque consiste na observação e apresentação do planejamento idealizado. Apresentando as metas, ações e objetivos, bem como sua correlação com o pensamento geopolítico de desenvolvimento e segurança nacional. 14 1. Auscultando a Geopolítica brasileira Neste capítulo observaremos como se desenvolve o pensamento geopolítico brasileiro e os conceitos de segurança nacional e desenvolvimento socioeconômico que fundamentaram as teorias apresentadas no decorrer do século XX. A geopolítica possui uma ampla importância no processo de organização do Estado- nação tendo ampla capilaridade no governo, principalmente após a constituição do Estado Novo (1937-1945) e durante os 21 anos de ditadura (1964-1985). Portanto essa compreensão teórica é importante para observar melhor o desenvolvimento do principal foco da pesquisa que é o POLORORAIMA. Ainda neste capítulo estaremos buscando entender como dar-se o processo de ocupação da Amazônia, durante o processo histórico de sua conquista pelos portugueses e seu desenvolvimento pelos brasileiros, principalmente a partir de meados do século XX. 1.1 O desenvolvimento teórico do pensamento geopolítico brasileiro Conforme Costa (2010), os estudos geopolíticos até meados da década de 1980, no Brasil, tiveram a hegemonia do pensamento militar, através de suas instituições – sofrendo diretamente influencia dos conceitos estabelecidos pelos geopolíticos europeus e americanos – privilegiando a necessidade da unidade nacional, do domínio integral do território e na consolidação de ações antirrepublicanas, antidemocráticas e antifederativas. Essas últimas influências, conforme Vesentini (1987 apud SANTOS 2004, p.103), o pensamento geopolítico nacional herdou de influencias da elite intelectual do Império, desta forma compreende-se principalmente o caráter antidemocrático que fundamenta grande parte da história republicana no país. A partir dos anos 1930, a geopolítica constitui-se numa área de influência, para o Estado, através da ascensão de representantes das forças armadas a postos chaves da superestrutura estatal. Os quais fortalecem seu papel com o golpe do Estado Novo (1937), procedido por Getúlio Vargas, adquirindo prestígio e extravasando os círculos militares. Constituindo-se não apenas como uma corrente de pensamento da estratégia de defesa da nação, mas, desenvolvendo reflexões sobre os aspectos gerais e territoriais do desenvolvimento nacional, pautando-se na busca do domínio interno do território, através do 15 desenvolvimento de políticas territoriais, conforme apresenta Ratzel 5 . Essa busca se fortaleceráquando da tomada do poder pelos militares em 1964. Observando a perspectiva global do Brasil, com dimensões continentais, Costa, apresenta uma tese importante à compreensão do envolvimento das pessoas com as teses geopolíticas “[...] o pensamento conservador brasileiro, desde o período colonial, passando pelo Império e, de certo modo, até os dias atuais sempre tendeu a expressar um conceito de nação articulado ao de território, de tal maneira que, frequentemente, a ideia de unidade nacional confunde-se com a integridade territorial.” (Costa, 2010, p.185). Identificando desta forma o território como meio de identificação nacional, podemos aqui observar uma forte influencia de Ratzel. Na década de 1920 e 1930, surgem às sistematizações geopolíticas de Everardo Backheuser. Para ele, a extensão territorial de um Estado, só é vantajosa economicamente e politicamente quando associada à ocupação e povoamento adequados. Apresenta também a necessidade de estabelecimento no país da centralização do poder político, bem como, a localização do poder central é importante para o estabelecimento de relações de coerção eficazes no todo territorial. Essa preocupação apresentada por Backheuser expressa sua busca de garantir a extensão do território brasileiro, identificado com vazios a oeste da costa litorânea, onde se processa o desenvolvimento do país. Outro geopolítico, que desenvolverá seus estudos na década de 1930, é o general Mário Travassos, dedicando suas sistematizações especialmente a projeção da nação no continente sul-americano, definindo diretrizes nacionais, que conforme o autor, levaria o país a torna-se a principal potencia da América do Sul. É o primeiro pensador da geopolítica brasileira a elaborar uma proposta de ocupação da Amazônia. Seu intuito era contrapor a ascensão da Argentina – que havia chegado através de uma ferrovia a La Paz, capital da Bolívia. Sua proposta era a plena utilização das potencialidades fluviais, da Amazônia, para integrar a Bolívia a costa do Atlântico. Segundo Santos (2004), Travassos desenvolveu sistematizações sobre dois grandes pólos estratégicos à America Latina: o maciço boliviano de Charcas e o “mar fechado do 5 Conforme Costa (2010, p. 38), o Estado, na ótica de Ratzel, pode desenvolver políticas gerais e territoriais. No primeiro caso o território é tomado a priori, constituindo-se numa base, onde serão desenvolvidas ações. Já as políticas territoriais consistem na apreensão do território como elemento fundamental, exigindo do Estado e do povo relações de domínio, sendo as ações necessariamente desenvolvidas com políticas não territoriais como: as políticas econômicas e culturais, sem as quais a política territorial tornar-se-á unicamente política de expansão. 16 Caribe”. A primeira definição, difundida posteriormente pela geopolítica brasileira apresenta, com base na “heartland de Macklinder”, a necessidade do domínio terrestre da região, a fim de garantir o pleno controle das bacias do Prata e da Amazônia, constituindo-se como ponto essencial a política expansionista defendida por Travassos. No decorrer da década de 40 e 50 surgem vários pensadores geopolíticos que fundamentam suas sistematizações em torno da consolidação da unidade do território nacional. O Brigadeiro Lysias A. Rodrigues estabelece, em suas análises, a importância da unidade nacional, como tema estratégico para o país, principalmente em relação à fronteira norte, a qual possui limites fronteiriços naturais com terras da Inglaterra, França e Holanda, “países comprovadamente expansionistas”. Defende a centralização do poder político na unidade nacional, retirando dos Estados autonomias que possam combater as diretrizes da nação, bem como, programas de governo para ocupação do território integralmente, através de políticas territoriais que garantam a permanência do imigrante nas regiões isoladas do país. A partir do final da década de 1940, o pensamento geopolítico, do Estado Maior das Forças Armadas, inaugura a fase de consolidação de uma doutrina militar, com a criação da Escola Superior de Guerra (ESG) 6 , essa estrutura orgânica irá ser responsável pelo delineamento da Doutrina de Segurança Nacional (DSN), que terá no general Golbery do Couto e Silva seu maior expressivo teórico. A teorização da ESG extrapola os círculos militares, abrangendo em suas turmas de formação representantes civis em virtude da adoção de uma interpretação de segurança nacional, alinhada a políticas de desenvolvimento. Para Furniel (1993), a DSN apresenta um conjunto de medidas que definem: 1º) a Segurança Nacional como um certo grau de garantia na consecução da manutenção dos objetivos vitais da Nação; 2º) esse “certo grau de garantia” é variável, não tem um valor absoluto e é relativa, também, a segurança de outros Países; 3º) as ações que o Estado empreende para assegurar a consecução ou manutenção dos objetivos nacionais abrangem todos os campos de atividade do Estado: o político, o econômico, o psicossocial e o militar; 4º) a segurança deve realizar-se em face de quaisquer antagonismos e das pressões que deles se originam, mesmo aquelas que possam conduzir à guerra. Portanto desde a criação da escola solidifica-se o binômio Segurança e Desenvolvimento. Segundo Alves (1989), o desenvolvimento proposto consolida-se pela efetivação de uma política econômica de industrialização e organização da infraestrutura do país, com doses de intervencionismo do Estado na economia da nação, fundamentando-se principalmente com 6 É constituída através do decreto presidencial, assinado por Eurico Gaspar Dutra, em 20/08/1949. Sua constituição extrapola o âmbito militar, contemplando civis em seus cursos de formação geopolítica. 17 abertura e benefícios do mercado brasileiro aos produtos, ao capital e aos oligopólios e/ou monopólios estrangeiros. Para, Souza e Vieira (2009, p.67), “[...] a Doutrina de Segurança Nacional: foi um instrumento importante para perpetuação das estruturas de Estado destinadas a facilitar o desenvolvimento capitalista associado 7 e dependente [...] que combina elementos da economia Keynesiana ao capitalismo de Estado”. Importante para entendermos o processo de ocupação e desenvolvimento da Amazônia, principalmente em Roraima, é conhecermos as sistematizações feitas por Golbery. Segundo Costa (2010), o General tinha a questão nacional como enfoque principal do seu trabalho, estando-a diretamente relacionada a um Estado forte, centralizador e realizador das “aspirações nacionais”, as quais se pautavam no programa “desenvolvimentista”, apresentado pela ESG, e, posteriormente trabalhado em outros organismos, constituído pelo Estado em articulação com a elite política liberal brasileira, como o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) 8 e o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) 9 . O pensamento propalado é de que o Estado deve centralizar o poder político, em torno do desenvolvimento da nação: O golpe de 1964 permitirá aos militares o desenvolvimento deste projeto, conforme Costa, centrado no pensamento desenvolvido por Golbery, pautando-se numa sociedade democrático-cristã, onde “O Brasil possuía uma posição estratégica na defesa do Novo Mundo” (Costa, 2010, p.200), conforme Spykman10 havia estabelecido na aliança entre as Américas, sob a liderança militar e política dos norte-americanos. Para Golbery, o território brasileiro constituía-se de um imenso espaço desigualmente ocupado, sem um programa de integração que permitisse uma articulação entre “(...) o núcleo central compostopor Rio de Janeiro – São Paulo – Belo Horizonte com as três penínsulas Nordeste, Centro-Oeste e Sul, além de uma enorme „Ilha‟” (Costa, 2010, p.202). 7 O capitalismo associado se constitui numa aliança entre o Estado, a burguesia nacional e as empresas multinacionais (Furniel, 1993, p.44). 8 Fundado em 02 de fevereiro de 1962. 9 Fundado em maio de 1959 é extinto por decisão judicial em 20 de dezembro de 1963. 10 N. Spykman é norte-americano, professor da universidade de Yale e diretor do instituto de estudos internacionais. Elabora sistematizações geopolíticas sobre a predominância americana no mundo, suas formulações surgem no período da guerra fria. Resulta daí haver o conceito de Segurança Nacional, entendido – é claro – na sua mais ampla e ativa acepção permeando aos poucos o domínio todo da política estatal, condicionando quando não promovendo ou determinando todo e qualquer planejamento, seja da ordem econômica, seja de natureza social ou política, para não falar dos planos propriamente militares, tanto de guerra como de paz. (Couto e Silva, 1981 apud Costa, 2010, p.34) 18 No desenvolvimento desta integração apresenta três fases sucessivas. A primeira destinava-se a integração do Nordeste e do Sul do país ao núcleo central, a segunda o avanço em torno do noroeste do país, transformando a plataforma central, numa base de integração do território. Por último a que nos detém maior interesse, em virtude do trabalho desenvolvido, apresenta a necessidade de ocupação civilizatória da “hileia amazônica” partindo do centro- oeste, em articulação com a ocupação Leste-Oeste. Tendo como referência o eixo do rio Amazonas. Na década de 1970 surge um discurso triunfalista, baseado na ideia do Brasil - Potência, sendo o seu maior representante o General Meira Mattos. Segundo Santos (2004), Meira Matos defende que a consolidação da nação dar-se-á através da conquista da Amazônia, possibilitando o desenvolvimento, a ocupação do território e a proeminência do Brasil - Potência, principalmente através de um amplo programa de construção de estradas, articuladas com o potencial hidroviário da região (ver mapa 1). O General Meira Mattos, em sua obra Uma Geopolítica 11 Pan-Amazônica (1980), aponta que seu pensamento desenvolve-se a partir da compreensão de que as “[...] condições do meio físico condicionam o tipo de sociedade e suas aspirações [...]” 12. A submissão biológica ao coletivo social apresenta-se como uma das proposições do determinismo instaurado nas sistematizações geopolíticas, baseadas em grande parte na superioridade de uma raça ou de um povo. Meira Mattos (1980), defende que as forças imanentes da continentalidade, expressa através da integração entre Brasil, Peru, Venezuela e Bolívia, propiciará soluções para o desenvolvimento econômico e social da hiléia amazônica e do país através da integração do interior com a costa, transformando o Brasil na potência mundial, a qual era seu destino. Para sustentar sua sistematização utiliza como exemplo os Estados Unidos da América e a União Soviética que desenvolveram o pleno domínio de sua massa continental, transformando-se ambas as nações em potências econômicas, políticas e militares. A fim de efetivar o desenvolvimento econômico e social almejado estes países idealizaram que: 11 Conforme Meira Mattos o conceito de geopolítica consiste em ser a política aplicada aos espaços geográficos. Notemos aqui uma influência de Haushofer (1869-1946) que defendia em suas formulações a necessidade de aplicabilidade de seus conceitos geopolíticos. Meira Mattos, 1975, p.160. 12 Essa aspiração além de fundamenta-se no pensamento de Ratzel é amparada, por Meira Mattos nas sistematizações apresentadas pelo historiador Arnold Toynbee. A potencialidade tecnológica e econômica destes países define-se na [...] conquista de seu próprio território, de integrar suas porções marítima e continental, mostra-nos a importância de uma estratégia de transportes terrestres e de povoamento, capaz de materializar no chão geográfico, a vontade política do Estado. (MATTOS, 1980, p.165). 19 Mapa 1: Rede Rodoviária principal, existente e projetada na Pan-Amazônia Fonte: MATTOS, 1980, p. 127 A busca de integração da fronteira econômica com a fronteira política necessitava, conforme Meira Mattos (1980), da superação de dificuldades existentes, e que se baseiam: na necessidade da cooperação entre nações, para o pleno domínio da massa continental, situação encaminhada com a assinatura do Tratado de Cooperação Amazônica 13 ; a ampla extensão da área a ser integrada; as condições impostas pela natureza; e a dificuldade de povoamento. Para suprir esses empecilhos, Meira Mattos, apresenta o sistema de pólos de desenvolvimento para garantir o completo domínio da continentalidade. Definindo as áreas interiores de intercâmbio fronteiriço, dividida em três áreas pólos (ver mapa 2) que são: 13 O Tratado de Cooperação Amazônica foi assinado em 1978 20 Mapa 2: Áreas interiores de intercâmbio fronteiriço Fonte: MATTOS, 1980, p. 154 1) Rios Negro e Branco. Aqui encontramos a proposta de duas subáreas, a primeira no Rio Branco definida pelo triângulo Boa Vista (Brasil), Santa Helena do Uairén (Venezuela) e Lethen (Guiana), sendo necessária a ligação com Georgetown, considerada precária, frente à recém-aberta BR 174 que possibilitava a interligação de Caracas-Manaus. A segunda localiza-se no alto Rio Negro, tendo como base das políticas de desenvolvimento e ocupação as localidades de São Gabriel da Cachoeira e Cucuí (Brasil) e Barcelos e Mitu (Colômbia). A ligação destas subáreas seria efetivada pela Perimetral Norte e as vias longitudinais. 2) Rio Solimões que se constituirá na interligação de três nações a partir das localidades de Tefé, São Paulo de Olivença, Tabatinga, Bejamim Constant (Brasil), Letícia (Colômbia) e Ramón Castilla e Iquitos (Peru). A rodovia Mitu-Tabatinga-Cruzeiro do Sul articulará a primeira com a segunda área pólo. 3) Consistem na articulação dos sistemas fluviais dos rios Madeira e Purus, tendo como suporte as localidades de Porto Velho, Guajará-Mirim e Rio Branco (Brasil), Guyará- Mérim, Riberalta e Cobija (Bolívia). A rodovia Humaitá-Rio Branco interligará essa área pólo a uma grande massa interior. Essa terceira área pólo consiste na busca de 1 2 3 21 domínio econômico e político do divisor das bacias hidrográficas do Prata e Amazonas, fomentada nas sistematizações do General Travassos e aprofundada por Couto e Silva. Essa área pólo já possuía uma ligação rodoviária com a plataforma central definida por Couto e Silva. Segundo Meira Mattos (1980, p.174), essas três frentes articuladas “(...) produzirão irradiações de desenvolvimento econômico e social que difundiriam energia renovadora em círculos concêntricos crescentes, cujo poder e velocidade de difusão variariam conforme a força do dínamo gerador.”. Desta forma garantir-se-ia a preservação do meio ambiente e o respeito às reservas indígenas, pois o processo de desenvolvimento giraria em torno de pólos “bem distribuídos”, ligados por sistemas viários que garantiriam “(...) um verdadeiro centro de progresso social e econômico (...)” (Meira Mattos, 1980, p.174). Até aqui podemos observar como se constrói o pensamento geopolítico brasileiro, o mesmo encontrará espaço concreto ao pleno desenvolvimento de suas sistematizações em dois períodos históricosda República Brasileira: o Estado Novo e o governo Militar. Ambas as estruturas autoritárias que chegam ao centro do poder da República e desenvolvem ações voltadas ao “progresso econômico” do país. Uma das principais definições geopolíticas foi à aprovação da Amazônia Legal 14 , estabelecendo, conforme Meira Mattos, uma clareza para o processo de ocupação e desenvolvimento socioeconômico, principalmente pela capacidade de formulação de políticas públicas e garantia de incentivos. 1.2 A Amazônia brasileira Historicamente o território amazônico constituiu-se como um amplo espaço para o desenvolvimento da empresa colonial portuguesa. Aproveitando-se do interesse espanhol na exploração de ouro e da prata, nas minas existentes no que se definiu como América espanhola, bem como da unificação das coroas 15 , integrando Portugal a União Ibérica. Estes dois pontos possibilitam um processo de ocupação pacífica do “grande rio”, por portugueses. Essa presença portuguesa permitiu o alargamento das fronteiras do reinado lusitano após o fim da União Ibérica, definindo as novas fronteiras dos empreendimentos coloniais do 14 A Amazônia Legal prevista no artigo 199 da Constituição de 1946 é regulamentada pela Lei 1.806 de 1953 que constitui o território segundo critérios político, fisiógrafo e geográfico envolvendo os Estados do Pará e Amazonas, o norte do paralelo 16° do Estado de Mato Grosso, norte do paralelo 13° do Estado de Goiás, oeste do meridiano 44° do estado do Maranhão e os Territórios Federais de Guaporé, Rio Branco e Acre. 15 No ano de 1580 os Reinos de Portugal e Espanha são unificados sob a orientação política do Império Espanhol. O domínio político Espanhol sobre os portugueses durará até o ano de 1640. 22 Maranhão e Grão Pará e do Brasil 16 . A assinatura do Tratado de Madri 17 (1750) (ver mapa 3), posteriormente alterado pelo Tratado de Santo Idelfonso (1777), estabelece um novo marco de divisão das terras, ao sul do “Novo Mundo”, com Portugal assumindo a gestão do território que se constituem nos marcos territoriais da atual 18 República Federativa do Brasil. Mapa 3: Definição do território brasileiro em 1759, após assinatura do Tratado de Madri. Fonte: arquivo geral de Simancas, acessado em 23/02/2012. 16 Até o ano de 1822 Portugal administrou duas colônias na América do Sul a Maranhão e Grão Pará e do Brasil que apesar de manterem relações entre si possuíam estruturas diferentes subordinadas à coroa lusitana. 17 O estabelecimento do critério de “Uti possidetis” permitiu a definição do novo marco territorial entre Espanha e Portugal. Garantindo a Portugal a posse da terra a onde já estivessem estabelecido colonos Portugueses. 18 Excluídas as questões fronteiriças com a Inglaterra, França e Bolívia que seriam resolvidas posteriormente ao Tratado de Santo Idelfonso através dos tratados estabelecidos pela arbitragem do Rei Vitório Emanuel III (1904) do Presidente da Confederação Suíça (1900), pelo Tratado de Petrópolis (1903), respectivamente. 23 O estabelecimento do marco legal permitia a Portugal a continuidade do processo de colonização das margens do “grande Rio” e seus afluentes. A geógrafa Bertha Becker19 (2001) apresenta três níveis conceituais para a compreensão do processo de ocupação da Amazônia. O primeiro nível se caracteriza pelo padrão econômico 20 , pautado na exportação de produtos ao mercado internacional 21 . Conforme Becker a esse padrão de ocupação da Amazônia associa-se “[...] duas características básicas [...]” (Becker, 2001, p.135). A primeira consiste em intervenções econômicas organizadas por iniciativas externas ao espaço amazônico e a segunda a importância geopolítica da região. Esse padrão econômico é observado, por Becker, através de “(...) surtos devassadores ligados à valorização momentânea de produtos no mercado internacional, seguidos de longos períodos de estagnação.” (Becker, 2001, p.135). O segundo nível conceitual, o político-ideológico, baseia-se na distinção entre os processos de ocupação, pautados pela autora como modelos exógenos e endógenos. O primeiro pauta-se na defesa da soberania e na relação com a metrópole para a organização do espaço-territorial, baseado numa postura centralizadora do desenvolvimento local. O segundo modelo consiste na busca de uma organização local, pautando-se na autonomia e no desenvolvimento local. Interessa-nos esse último padrão de ocupação, tendo em vista que se baseia no processo de integração nacional, após o golpe de 1964, amparado nos princípios geopolíticos que defendiam uma ampla política de integração da Amazônia legal, ao ecúmeno nacional e ao processo de produção capitalista, desenvolvido no Brasil, a partir da década de 1950 22 . 19 Publica o artigo “Revisão das políticas de ocupação da Amazônia: é possível identificar modelos para projetar cenários?”. Onde rediscute as políticas de ocupação e o caráter geopolítico dado a região pelo Estado brasileiro, através de intervenções que permitiram a posse do território. 20 Becker, 2001, p.135. “Tal dominância se vincula ao fato da ocupação do que é hoje a Amazônia, o Brasil e toda a América Latina, constituir um episódio do amplo processo de expansão marítima das empresas comerciais européias, formando-se como as mais antigas periferias da economia-mundo capitalista. Em outras palavras, forjaram-se no paradigma sociedade-natureza denominado “economia de fronteira”, em que o progresso é entendido como crescimento econômico e prosperidade infinitos, baseados na exploração de recursos naturais percebidos como igualmente infinitos”. 21 Podemos aqui identificar dois grandes ciclos estabelecidos na Amazônia. O primeiro dar-se no período colonial, com a garantia das “Drogas do Sertão”, amplamente consumidas na Europa. O segundo coincidirá com a segunda revolução industrial, quando a Amazônia torna-se a maior exportadora de borracha para os centros industriais da Europa e dos EUA, englobando um período que vai de meados do século XIX até o primeiro quartel do século XX. 22 A partir de 1950 desenvolve-se no país, durante o governo de Getúlio Vargas, o processo de organização da infraestrutura de energia e aço para dar suporte ao incremento de substituição das importações que se materializou no Brasil desde a década de 1930, sendo incrementada principalmente a partir do governo de Jucelino Kubitschek. 24 Podemos observar anteriormente que o pensamento geopolítico brasileiro adotou medidas visando o desenvolvimento do país. A ocupação da Amazônia, conforme Becker, respondia a interesses específicos dos militares, respondendo as questões de âmbito nacional como: as tensões oriundas da modernização da agricultura e da consolidação dos latifúndios como forma de organização da exploração econômica da terra, buscando evitar o desenvolvimento de focos revolucionários. No âmbito internacional os militares fundamentavam as ações à Amazônia com intuito de manter seu poder político sobre a região, ameaçado pelo direcionamento de ocupação, dos países fronteiriços de suas Amazônias e pelo desejo de exploração dos países industrializados. O terceiro nível consiste no padrão das relações externas estruturadas no desenvolvimento exógeno de redes de comunicação, as quais garantem o processo de produção econômica (extração de recursos naturais) à exportação, em contraponto ao modelo endógeno que se pauta em áreas extensas voltadas a produção de produtos naturais locais. Conforme Becker essesmodelos se complementam: Importante salientar as observações de Furniel (1993), onde podemos acrescentar as aspirações de fortalecimento do desenvolvimento capitalista do país, através da exploração econômica da Amazônia, principalmente na possibilidade de exploração dos recursos minerais existentes na região 23 e desenvolvimento agropecuário. O II plano de desenvolvimento apresentado (1974) iria fundamentar uma política de Estado, visando garantir a definitiva ocupação da região amazônica, pautando suas ações numa ampla política de infraestrutura, incentivos fiscais e subsídios a empresas nacionais e multinacionais. Para subsidiar a nova estrutura de organização da região, o Governo brasileiro, adota um elenco de medidas a fim de fortalecer a presença do Estado na Amazônia brasileira. O ano de 1966 é marcado pela ação direta da burocracia estatal no arcabouço necessário ao financiamento da integração econômica da região. A criação da Superintendência de 23 Conforme Oliveira (1989) 74% das descobertas mineralógicas da Amazônia ocorre entre os anos de 1966 a 1980, principalmente através de parceria firmada entre o governo militar e o governo norte-americano. O último disponibilizou sua força área (USAF) para realizar levantamentos aerofotogramáticos do país entre 1967 e 1970. Certamente redes e áreas sempre se combinam. Dois critérios, contudo, permitem associar tais geometrias respectivamente aos modelos exógeno e endógeno: o privilégio dado à exportação versus o desenvolvimento local, e a predominância de sua utilização. (Becker, 2001, p.136) 25 Desenvolvimento da Amazônia, SUDAM, e, a transformação do Banco da Borracha S/A em Banco da Amazônia S/A (Lei 5.173) e a criação do Fundo para Investimentos Privados no Desenvolvimento da Amazônia, FIDAM (Lei 5.122). Essa estrutura financeira visava fomentar o desenvolvimento das ocupações empresariais na Amazônia brasileira, principalmente ao longo das rodovias federais abertas e projetadas. Outro passo importante para o cumprimento dos objetivos, propostos pelos militares, no processo de ocupação da Amazônia é a definição do Programa de Integração Nacional – PIN – publicado pelo Decreto-Lei24 1.106, de 16/06/1970, tem como principal objetivo a integração física da nação, através da construção de rodovias que permitiriam: 1º articular a Amazônia e o Nordeste às regiões do Centro-Oeste, Centro-Sul e Sul; 2º interiorização da prosperidade e do progresso 25 ; 3º Criar condições para a ocupação metódica da Amazônia, de forma racional e planejada; 4º melhoramento de áreas para absorver o excesso populacional, principalmente do Nordeste. Outros três instrumentos legais consolidados pelo governo militar são: o Código de Mineração, estabelecido pelo Decreto-Lei 227, de 28/02/1967, e, alterado pelo Decreto-Lei 318/1967 que estabeleceu a responsabilidade da União administrar os recursos minerais, a indústria de produção mineral e distribuição, o comércio e o consumo de produtos minerais; o INCRA, criado pelo Decreto-Lei 1.100 de 09/07/1970, centralizando neste órgão as ações desenvolvidas pelas autarquias Instituto Brasileiro de Reforma Agrária, Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário e o grupo Executivo de Reforma Agrária; e, o Estatuto da Terra criado pela lei 4.504, de 30/11/1964 que regulamenta o uso da terra no país e disciplina a prioridade a posse privada, bem como, fundamenta a ação do governo em torno do que se estabelece no artigo 14 que define ao poder público facilitar e prestigiar a criação e expansão de empresas rurais de pessoas físicas e jurídicas. Podemos então concluir que o processo de ocupação da Amazônia idealizado pelos militares, após o golpe, sustenta-se em três objetivos específicos: 1º servir de válvula de escape aos conflitos de terras estabelecidos no Nordeste, Sudeste e Sul do país; 2º ocupar o grande “vazio demográfico” do ecúmeno nacional; 3º permitir a estruturação do processo de exploração e escoamento dos recursos amazônicos. 24 O Decreto-Lei consiste numa saída administrativa aprovada na constituição que permite a definição de políticas pelo executivo sem necessitar aprovação do plenário do congresso nacional, instituída na constituição de 1967. 25 Devemos perceber que esta noção de progresso é enaltecida em virtude do amplo crescimento econômico conquistado pelo país após entrada em vigor do I Plano Nacional de Desenvolvimento, baseado na substituição de importações através da consolidação da abertura do mercado nacional a empresas e industrias multinacionais, esse período historicamente ficou conhecido como “milagre brasileiro”. 26 2. O Estado brasileiro como Indutor do Desenvolvimento O governo federal no intuito de romper com a baixa densidade demográfica da região, bem como inserir a região amazônica no processo de desenvolvimento que o país vivenciou durante a vigência do I PND, lança um novo programa quinquenal, denominado II PND. Antes de estudarmos detalhadamente as metas elencadas para o TFR é necessário conhecermos como se pensou a inserção da Amazônia ao crescimento econômico brasileiro. Desde a chegada dos portugueses a foz do Amazonas que a região sofre com ações de desenvolvimento econômico e social, as intervenções sempre pautadas na garantia de posse do território e na ocupação do solo com pessoas. O desenvolvimento republicano e a busca de superação dos desequilíbrios regionais possibilitou uma política mais definida, à Amazônia, no decorrer do século XX. Inicialmente com os Planos de Desenvolvimento da Amazônia (PDA), porém estes desarticulados das políticas públicas idealizadas as outras regiões brasileiras, principalmente as direcionadas ao núcleo central do capital brasileiro. O II PND apresenta a sociedade brasileira e aos poderes públicos um conjunto de ações que permeiam o desenvolvimento econômico e social do país, porém, um de seus pilares consiste na busca da integração econômica das regiões brasileiras, assumindo a Amazônia, um papel especialmente destinado ao fomento de matérias primas aos centros produtores do capital nacional e internacional. Portanto como veremos a ocupação continuará sendo necessária à garantia da soberania nacional sobre o território, mas, a lógica de disponibilidade de terras sofre uma transformação profunda, o cidadão perde lugar para a empresa em nome do Brasil Potência. A SUDAM apresenta no ano de 1976 o Programa de Ação do Governo para a Amazônia, mais conhecido como II Plano de Desenvolvimento da Amazônia – II PDA, onde a proposta de inserção segue a lógica de desenvolvimento preconizado no II PND, porém ultrapassa o método da criação dos polos de desenvolvimento. Neste capítulo conheceremos um pouco como se fundamenta a ação da autarquia frente às ações programadas pelo governo do país. 2.1 O II Plano Nacional de Desenvolvimento – II PND Em 10 de setembro de 1974, o Presidente da República, Gal. Ernesto Geisel, anuncia ao seu corpo administrativo de Ministros de Estado os objetivos do II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), estabelecido para definir a política econômica e social a ser 27 consolidada entre os anos de 1974 e 1979. Em 6 de dezembro de 1974 é publicada, no diário oficial da República, a Lei nº 6.151, de 4 de dezembro de 1974, sancionada pelo Presidente da República, após aprovação do congresso nacional. Em sua apresentação a sociedade e encaminhamento da proposta ao congresso, em 10 de setembro de 1974, Ernesto Geisel, esclarece as dificuldades de âmbito externo e interno enfrentadaspelo país. Segundo seu pronunciamento os principais problemas a serem enfrentados, pelo país, são: a) a crise do sistema monetário internacional; b) a crise de energia e matérias-primas essenciais; c) a inflação epidêmica; d) crise do comércio exterior; e) crise da balança de pagamentos; f) crise de confiança na estabilidade; g) a inquietação social. O quadro econômico, relatado pelo Presidente da República, esclarece a imensa crise do sistema capitalista no período, oriunda da crise do petróleo, que desregulamentou a estrutura do sistema, apesar de ser uma crise setorial, não estrutural como a que vivemos a partir de 2008. Para os fomentadores da ideia “Brasil Potência”, fundamentada na assertiva de Meira Mattos e Golbery, o presidente Gal. Geisel afirma que: Desta forma era necessário um amplo esforço nacional do Estado e das empresas e associações privadas, mas, principalmente da população brasileira. Segundo Silva (1983) o milagre 26 começa, entretanto, a mostrar sua fraqueza ao longo do governo. A crise do petróleo e a pobreza, “... acentuam o descontentamento com o regime, alvo de profundas críticas, acusado, em particular, de ter acentuado as desigualdades regionais e sociais, com brutal concentração de renda junto aos mais ricos.”, (Silva, p. 330). Portanto é necessário que esse povo cumpra seu papel neste momento histórico, conforme apresentou o Presidente da República em seu discurso: 26 O Milagre Econômico é o período histórico de amplo crescimento da economia brasileira (1971 a 1973) onde o Brasil cresceu a uma média de 9% o seu PIB, baseada a uma política de substituição de importações de bens não duráveis, pautado na abertura do mercado a grandes empresas e conglomerados internacionais. Cumpre, pois, aos responsáveis, em todos os escalões de chefia ao longo do multiforme processo de desenvolvimento nacional, compensar os pecados imanente a um planejamento tal, inserido como se vê num clima todo de incertezas, pela ação pronta e ágil, sábia no aproveitamento de oportunidades novas que se ofereçam, e capaz de atingir, a despeito dos obstáculos imprevistos que não deixarão de ocorrer, os objetivos prefixados para a marcha ininterrupta do País aos destinos que almejamos. (Ernesto Geisel, Brasília, 10/09/1974) [...] e, mais do que isso, à incansável e provada tenacidade de nosso povo tão sofrido, mas que não se deixará abater pelo espectro de dificuldades acrescidas, as quais temos razões para crer sejam transitórias e certamente superáveis. (Ernesto Geisel, Brasília, 10/09/1974). 28 No desenvolvimento das ações de crescimento econômico previstas, no II PND, o governo brasileiro destaca o caráter liberal e “entreguista” orientador da política econômica, durante a ditadura militar, pautando a solidariedade do povo às empresas internacionais “... oferecemos à cooperação internacional 27 – a capitais, tecnologia, trabalho qualificado – porto seguro e acolhedor na incerteza na hora presente.”, (Ernesto Geisel, Brasília, 10/09/1974). Em seu discurso, Ernesto Geisel, apresenta a necessidade de manter o crescimento da produção doméstica pautando esta ação principalmente nos desestímulos econômicos, principalmente o fim de subsídios à indústria nacional, ampliando o parque industrial brasileiro a produção de não-ferrosos, fertilizantes, novas fontes de energia e bens de capital. O disciplinamento da balança comercial com novas frentes de exportação e ajuste na pauta de importações é apresentado como essencial para garantir um adequado escalonamento da dívida externa e aumento das reservas monetárias. A ocupação dos espaços vazios, amplamente preconizados pela geopolítica brasileira, é apresentada como uma das tarefas mais fascinantes. Os 10 anos de golpe proporcionaram “Caminhos físicos, na trama de uma infraestrutura ampliada e vitalizada...” (Ernesto Geisel, Brasília, 10/09/1974), ao sertão nordestino, a hileia amazônica e a vastidão do planalto central. Permitindo uma ação integrada através da associação do Estado, empresas e trabalhadores para impulsionar novos programas e projetos “... os quais transformarão, econômica e socialmente, áreas antes marginalizadas e estagnadas e darão densidade econômica a vazios de homens e riquezas, sem os perigos da depredação do valioso patrimônio de nossos recursos naturais”, (Ernesto Geisel, Brasília, 10/09/1974). O II PND está dividido em 4 partes: 1ª Desenvolvimento e Grandeza: O Brasil como Potência Emergente; 2ª Grandes temas de hoje e amanhã; 3ª Perspectivas: O Brasil no fim da década; e 4ª Ação para o desenvolvimento. O Plano possui um total de 15 capítulos que definem as ações e prioridades do governo para o quinquênio: A inovação tecnológica da produção industrial e agropecuária; o desenvolvimento urbano – principalmente das regiões metropolitanas; a distribuição de renda; a geração de empregos e a melhoria dos indíces nacionais de educação, saúde, habitação, trabalho, treinamento profissional, previdência e assistência social; e a inserção da Amazônia no processo de produção nacional são temas abordados no planejamento. 27 Conforme Olivira (1989) a cooperação proposta pelo governo ficou marcada pelos grandes incentivos fiscais e financeiros dispensados pelo governo brasileiro aos empreendimentos internacionais, principalmente em relação aos programas de desenvolvimento da Amazônia brasileira conforme veremos adiante. 29 Vários economistas ao analisarem as propostas apresentaram criticas em virtude da inviabilidade de cumprimento dos objetivos econômicos propostos, principalmente no que se refere ao crescimento do PIB a 10% ao ano. Para Lessa (1981) o II PND era impossível de ser implementado, em função do seu gigantismo e da crise econômica mundial, uma vez que se tratava de Nação-Potência, não apoiado pelas bases do regime militar. Já Sandroni (2000) identifica que o Plano conquistou significativos avanços na geração de bens de capital, de energia, prospecção de petróleo e produção de álcool, mas o alcance dos objetivos estaria muito aquém do que foi traçado para o aumento do PIB, da renda per capta, das exportações e do mercado consumidor, conforme a tabela 1 que apresentam alguns indicadores econômicos para o período. Tabela 1: Metas e Indicadores previstos no II PND Magnitudes Globais Previsão 1974 Indicador 1979 Aumento no período Produto interno Bruto (em bilhões de CR$) 785 1.264 61% População (em milhões) 104,2 119,7 15% PIB per Capita (em milhares de CR$ de 1975) 7,5 10,5 40% PIB (US$ bilhões 1973) 78 125 61% PIB per Capita (US$ de 1973) 748 1.044 40% Investimento bruto fixo (em de bilhões de CR$ de 1975) 196 316 61% Consumo Pessoal (Em bilhões de CR$ de 1975) 546 847 55% Produto Industrial (Em bilhões de CR$ de 1975) 212 374 76% Produto da indústria de transformação (em bilhões de CR$ de 1975) 154 274 78% Produto agrícola (em bilhões de CR$ de 1975) 93 130 40% População economicamente ativa (em milhões) 32,9 38 16% Emprego industrial (em milhões) 6,1 8,1 33% Emprego na indústria de transformação (em milhões) 3,3 4,2 27% Exportação de mercadorias (em bilhões de US$) 8 20 150% Fonte: Brasil, 1974, p. 32 Apesar de não ser interesse o desenvolvimento da análise sobre o desempenho econômico do II PND, vejo como essencial a apresentação da tabela acima a fim de compreendermos as metas econômicas apresentadas na proposta. Pode-se observar o caráter ousado em muitas áreas, aexemplo do crescimento da produção industrial girando na casa de 30 70%, mesmo diante das políticas protecionistas e da falta de crédito no sistema monetário internacional, em virtude da ampla crise do capital. O capítulo 3º, do Plano, ao apresentar sua estratégia de industrialização e fortalecimento da agropecuária, apresenta que se espera a taxa de crescimento, da indústria, a 12% ao ano, na busca de definição do perfil industrial do Brasil, propõe-se: expansão pela utilização da capacidade subutilizada, ampliação de fábricas, nova fase de substituição de importações, priorizando o setor de insumos básicos “[...] para corrigir desbalanceamentos na estrutura industrial e para poupar divisas.”, (Brasil, 1974, p. 37). O modelo brasileiro de capitalismo industrial proposto pelos militares preconizava o amplo fortalecimento do setor privado, garantindo uma participação da empresa nacional, a qual não teria, porém as políticas de incentivos financeiros adotados até o II PND, desta forma viabilizavam-se: Essa participação das empresas nacionais seria preconizada através de fusões e incorporações de vários setores, buscando construir oligopólios e trustes que pudessem disputar o mercado com as empresas multinacionais que possuíam acesso livre ao país, desde o governo de Vargas (1951-1954), incrementado a partir do governo de Jucelino (1955-1960), e por fim consolidada, a abertura do mercado, no governo militar. Os grupos de insumos básicos fomentadores de investimento está principalmente no fortalecimento da extração mineral, conforme o plano de desenvolvimento, os objetivos nacionais preveem o desenvolvimento dos setores de: produtos siderúrgicos e suas matérias- primas; Metais não-ferrosos e suas matérias-primas; produtos petroquímicos e suas matérias- primas; fertilizantes e suas matérias-primas; papel e celulose; matérias-primas para indústria farmacêutica; e cimento, enxofre, outros minerais não-metalícos. Em relação a Amazônia, o II PND, apresenta a necessidade de fortalecimento da Zona- Franca de Manaus, como pólo central de desenvolvimento, aliado a busca de integração do processo de produção industrial a agropecuária e a exploração mineral, como oportunidades de integração da Amazônia brasileira ao processo de desenvolvimento do País. A estratégia agropecuária prevê a ampliação do setor, buscando “[...] efetivar a vocação do Brasil como supridor mundial de alimentos, matérias-primas agrícolas e produtos [...] o desenvolvimento da indústria através do setor privado, e, de outro lado, assegurar à empresa nacional papel importante na estrutura industrial moderna e poderosa que se deseja consolidar, no País. (Brasil, 1974, p. 37). 31 agrícolas industrializados.” (Brasil, 1974, p. 41). Essa visão incluía diretamente a expansão da fronteira agrícola, em um primeiro momento estruturada para ocupação do centro-oeste, porém, a Amazônia não escapou destas incursões produtivas “[...] tendo em vista que o gigantesco sistema viário já construído colocou à disposição do setor imensas áreas no centro- oeste e na Amazônia.”, (Brasil, 1974, p. 42). Um dos objetivos era impedir que esse incremento de terras caminhasse para uma agricultura de subsistência, não possuindo o caráter empresarial desejado. Aqui se fundamenta uma das mudanças no processo de ocupação da Amazônia, já mencionado anteriormente. Busca-se o desenvolvimento da agricultura empresarial, em detrimento da colonização das terras com pequenos posseiros, em pequenas parcelas de terra. O latifúndio que era uma realidade dura aos trabalhadores do campo, no nordeste e centro-sul iria começar a estruturar-se na região a ser ocupada pelo capital. Poderemos observar, ao conhecermos as metas propostas no governo de Ramos Pereira, no POLORORAIMA, que esse modelo é idealizado no desenvolvimento agropecuário do Território Federal de Roraima A proposta de desenvolvimento apresentada, no II PND, é contra estatização, definindo um modelo econômico de mercado “[...] a fim de que haja estabilidade e eficiência do sistema.”, (Brasil, 1974, p. 48). Importante entender esse modelo para mensurar como se desenvolve o processo de ocupação da Amazônia com os pólos de desenvolvimento. Apresenta que os setores de infra-estrutura (energia, transporte e comunicações) são atribuições do Estado, devendo o setor privado atuar através de concessões complementarmente. Bem como as áreas de desenvolvimento social (educação, saúde, previdência social) devem desenvolver-se em ação conjugada com a iniciativa privada. A habitação constitui-se como uma ação executiva do setor privado geralmente. Já o processo de produção a indústria, a agropecuária, o comércio, o sistema financeiro são campos exclusivamente do setor privado, onde o Estado assume o papel de subsidiá-lo: O capítulo 5, do Plano, nos interessa em virtude do objeto de estudo desta pesquisa, o qual estabelece a integração nacional e a ocupação do universo brasileiro. Duas preocupações fundamentam o processo de integração nacional: 1º o melhor equilíbrio econômico-político entre as diferentes regiões, seja dentro do centro-sul ou das outras macrorregiões em relação [...] não apenas o Governo confia seu desenvolvimento à iniciativa privada, como procura provê-la das condições para um desempenho satisfatório, através de incentivos fiscais, financeiros, política de preços e outros estímulos. (Brasil, 1974, p. 49). 32 ao centro-sul 28 ; e, 2º A colocação geopolítica da interação entre utilização econômica do grande espaço brasileiro, realização da vocação do Brasil de supridor de produtos agrícolas e política de população. Pode-se perceber a noção clara da divisão internacional do capital, onde países em desenvolvimento possuem o papel tático de fomentador de insumos ao desenvolvimento industrial dos grandes centros, seja internamente ou em relações a outras nações, tendo a política demográfica um papel significativo neste processo. A política demográfica estabelecida, no II PND, busca responder a questões, de caráter estratégicos, seja no âmbito do planejamento e processos de desenvolvimento sócio- econômico quanto de segurança. A necessidade de uma política de ocupação demográfica, do planalto central e da Amazônia, se expressa claramente sob a ótica da sustentação do modelo econômico “ [...] pode representar significativa contribuição do Brasil à redução da escassez mundial de alimentos, minerais e outras matérias-primas [...]” (Brasil, 1974 pág. 58). A estratégia de integração nacional expressa a busca de uma noção de conjunto, no intuito de reforçar as relações das demais macrorregiões com o centro-sul industrializado “ [...] do ponto de vista principalmente do fluxo de mercadorias, num sentido e no outro, e do fluxo de capitais e tecnologia, do centro-sul para as outras áreas.” (Brasil, 1974 pág. 60). Esse processo caracteriza-se por duas premissas: 1º Início da contribuição significativa das novas áreas ao crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), principalmente em agricultura, pecuária e mineração e 2º integração efetiva entre as regiões, tendo como principal suporte a infraestrutura de transporte e de comunicações. Quatro pontos se caracterizam como essenciais, ao governo, para execução de sua meta de integração das regiões nordeste, norte e centro-oeste ao complexo produtivo do centro-sul: 1º efetivação de programa de investimento, prevendo a aplicação de Cr$ 165 bilhões em 4 anos; 2º Utilização do enfoque de áreas integradas caracterizadas pelos pólos de desenvolvimento, tendo como fundamento de sua identificação “[...] à base dos recursos agrícolas, pecuários, florestais,minerais e etc, a serem aproveitados.” (Brasil, pág. 60). Aqui encontramos a definição da inserção econômica da Amazônia no desenvolvimento capitalista brasileiro alicerçado em pólos agropecuários e agrominerais. Essa política visava “[...] permitir uma ação concentrada do Governo e do setor privado [...]”(Brasil, pág. 60), visando o desenvolvimento de uma economia de escala. A terceira premissa apresenta o desenvolvimento de uma política de colonização e desenvolvimento agropecuário orientado, mesclando as áreas de ocupação com projetos que 28 Notemos aqui o conceito de núcleo central formulado por Golbery. 33 contemplasse pequenos produtores com iniciativas de fomento a empresas rurais e de colonização, Oliveira (1989) apresenta os conflitos de terra que essa política ocasionou, permanecendo sem solução até nossos dias. Ao fundamentar sua estratégia de execução, o governo, explicita que o fomento a colonos e pequenos produtores terá prioridade no nordeste, limitado a algumas áreas da Amazônia e centro-oeste, ou seja, o processo de distribuição do acesso a terra será através de empreendimentos empresariais, principalmente voltados a criação de gado e extração mineral, conforme apresenta Oliveira (1989). A última diretriz estabelece a preocupação com a preservação dos recursos naturais, principalmente da Amazônia, tendo como principal estratégia o desenvolvimento da pesquisa que deveria fomentar as intervenções econômicas na região. Parece-me que este ponto surge apenas para justificar a ação exploratória na região, pois é apresentado em apenas três linhas, deixando o governo de definir como agiria para evitar a devastação dos recursos naturais, observada pelos processos de pecuária e mineração que imporiam diversos crimes ambientais, hoje aumentados em virtude da contínua busca de expansão da fronteira agrícola em direção a Amazônia, não mais para criação de gado, e sim, para plantação de grãos, especificamente soja. O II PND apresenta sua estratégia de ocupação produtiva da Amazônia, vinculada ao processo de ocupação do centro-oeste, identificando que a Amazônia “[...] constitui um desafio agrícola de proporções gigantescas.” (Brasil, pág. 65). A base de ocupação é apresentada ao longo dos eixos naturais de penetração e das rodovias recentemente abertas e das referidas áreas integradas possibilitaria o desenvolvimento de três programas: 1º Aproveitamento Integrado de Vales; 2º Setoriais de Base Empresarial e 3º Colonização ao Longo dos Novos Eixos Viários. A integração econômica proposta através dos subsídios e financiamentos do Estado brasileiro propõe o desenvolvimento da pecuária de corte, extração e industrialização da madeira, mineração e indústrias eletrolíticas, lavouras selecionadas de caráter comercial, pesca empresarial e turismo. Sendo definidos três campos de atuação: 1º o programa de pólos agrominerais e agropecuários (POLAMAZÔNIA); 2º Complexo Minero-metalúrgico da Amazônia Oriental e 3º a Política de desenvolvimento de Recursos Florestais e Uso Racional dos solos da Amazônia. O Plano atendendo as diretrizes previstas no POLAMAZÔNIA 29 prevê a implantação na região de 7 pólos agropecuários sendo: 1 nos Estados Amazonas, Acre, Maranhão e Pará, 2 29 Criado através do Decreto 74.607, de 25 de setembro de 1974, contava com um orçamento de Cr$ 4 bilhões. 34 no norte do Mato Grosso e 1 que engloba os limites norte do antigo Estado de Goáis 30 e Maranhão. Também descreve o desenvolvimento de 6 pólos agrominerais 1 nos Estados e Territórios de Mato Grosso, Rondônia, Roraima, Pará e Amapá, o Pólo de Carajás-Itaqui engloba a região limitrofe dos Estados do Pará e antigo Goiás. Toda essa infra-estrutura estaria ligada a três grandes pólos urbanos São Luís, Belém e Manaus. Mapa 4: Pólos de desenvolvimento idealizados para a Amazônia Fonte: Brasil, 1974, pag. 67 Podemos identificar que ao Território Federal de Roraima foi definido um pólo agromineral, conhecido como POLORORAIMA, apesar de vermos mais a frente que a programação do POLAMAZÔNIA e do II Plano de Desenvolvimento Amazônico, projetam um pólo agropecuário, ao território. Mas, o II PND também apresenta em sua política de urbanização, expressa no capítulo IX a necessidade de dinamização não apenas dos pólos urbanos previstos, mas também das cidades de Cuiabá, Campo Grande, Corumbá, Dourados, Macapá, Rio Branco e Boa Vista, conforme mapa 5. Estrategicamente cidades localizadas em 30 A região hoje pertence ao Estado de Tocantins. 35 zonas fronteiriças, importantes à manutenção da unidade nacional e controle de intervenções externas, conforme preconizava a doutrina de segurança nacional. Os principais programas dessa dinamização se constituem em políticas de infraestrutura baseadas em disponibilidade de serviços de saneamento e habitação. Ações que fomentam diretamente o processo de movimentação de pessoas dentro do território nacional. Mapa 5: Política nacional de desenvolvimento do II PND Fonte: Brasil, 1974, pag. 91 2.2 O POLAMAZÔNIA e o II Plano de Desenvolvimento da Amazônia – II PDA A Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia – SUDAM apresenta em 1976, a segunda proposta de organização econômica do espaço amazônico, o documento está dividido em 7 capítulos, sendo estes: o meio geográfico; caracterização socioeconômica; ações recentes do governo para a Amazônia; potencialidades regionais e suas condições de Núcleos de apoio ao processo de ocupação Regiões metropolitanas Áreas de programas especiais Área de controle Área de dinamização Área de contenção Eixos viários de penetração Regiões de turismo Área de disciplina e dinamização 36 aproveitamento; objetivos, estratégias e instrumentos do II PDA; organização racional do espaço; e ação programada do governo federal para a Amazônia. A política de desenvolvimento da Amazônia em consonância com as metas propostas no II PND previa manter as altas taxas de crescimento do PIB, principalmente através: a) da geração de divisas, resultantes da exportação; b) economia de divisas pela produção de insumos básicos à região centro-sul; c) liberação de produtos exportáveis, comprometida pela demanda interna. Note-se que o plano exacerba a importância econômica da região amazônica frente à crise mundial e o objetivo de transforma-se, o País, em uma potencia econômica. Os objetivos, apresentados abaixo, elencados pela SUDAM, à Amazônia, expressam claramente o papel que a região teria na formação da riqueza nacional, principalmente através da integração das regiões com os produtos extraídos da Amazônia servindo ao desenvolvimento industrial do centro-sul: a) Objetivo central Crescimento do produto e distribuição mais equitativa da renda, no contexto nacional de redução das desigualdades inter-regionais; b) Objetivos derivados Acelerar o crescimento regional com base no aproveitamento das vantagens comparativas de setores ou produtos selecionados; Intensificar a integração da Amazônia na economia do país por meio da elevação do volume de trocas inter-regionais; Contribuir substancialmente para o aumento da receita cambial líquida do país; Elevar o nível de renda da população, através da expansão do emprego produtivo, do aumento da produtividade e do poder de compra dos efetivos residentes na região; Promover a ocupação territorial e a elevação
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