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Sumário Evolução Histórica do Direito do Consumidor Autores: Flávio Barbosa Quinaud Pedron e Viviane Machado Caffarate..........4 Proteção constitucional do consumidor Autor: Cristian de Sales Von Rondow...............................................................15 Princípios nucleares do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor e sua extensão como princípio constitucional Autor: Henrique Alves Pinto..............................................................................26 O princípio da vulnerabilidade e a defesa do consumidor no direito brasileiro: origem e conseqüências nas regras regulamentadoras dos contratos e da publicidade Autores: Alírio Maciel Lima de Brito e Haroldo Augusto da Silva Teixeira Duarte..........................................................................................................................57 O princípio da boa-fé no Código de Defesa do Consumidor Autor: Francisco José Soller de Mattos..............................................................74 A relação jurídica de consumo: conceito e interpretação Autor: Marcelo Azevedo Chamone....................................................................76 Pessoa jurídica consumidora Autor: Alex Sandro Ribeiro..............................................................................105 Aspectos da responsabilidade civil no Código de Defesa do Consumidor e excludentes Autoras: Michele Oliveira Teixeira e Simone Stabel Daudt............................109 Vícios no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor: diferenças Autor: Ricardo Canguçu Barroso de Queiroz...................................................127 2 A responsabilidade civil do fornecedor por vícios dos produtos no Código de Defesa do Consumidor Autor: Fabrício Castagna Lunardi....................................................................129 A prescrição e a decadência no Código de Defesa do Consumidor Autor: Osmir Antonio Globekner.....................................................................145 Desconsideração da pessoa jurídica no Código de Defesa do Consumidor Autor: Osmir Antonio Globekner.....................................................................157 Princípios gerais da publicidade no Código de Proteção e Defesa do Consumidor Autor: João Bosco Pastor Gonçalves................................................................175 As cláusulas abusivas à luz da doutrina e da jurisprudência Autores: Carlos Cavalcante e Karla Karênina Andrade...................................184 Inversão do ônus da prova no CDC e no CPC Autor: Ranieri Eich...........................................................................................206 Alguns aspectos da dogmática processual para a defesa dos direitos do consumidor Autora: Viviane Mandato Teixeira Ribeiro da Silva........................................230 Litisconsórcio, assistência e intervenção de terceiros nas ações coletivas para tutela do consumidor Autora: Gláucia Kohlhase Marques..................................................................248 A competência nas ações coletivas do CDC Autor: Renato Franco de Almeida....................................................................274 3 A Evolução Histórica do Direito do Consumidor Autores: Flavio Barbosa Quinaud Pedron e Viviane Machado Caffarate I. A Evolução do Direito do Consumidor O Direito do Consumidor é obra relativamente recente na Doutrina e na Legislação. Tem seu surgimento como ramo do Direito, principalmente, na metade deste século. Porém, indiretamente encontramos contornos deste segmento do Direito presente, de forma esparsa, em normas das mais diversas, em várias jurisprudências e, acima de tudo, nos costumes dos mais variados países. Porém, não era concebido como uma categoria jurídica distinta e, também, não recebia a denominação que hoje apresenta. Altamiro José dos Santos destaca o Código de Hamurabi (2300 a.C.). Este já em seu tempo regulamentava o comércio, de modo que o controle e a supervisão se encontravam a cargo do palácio. O que demonstrava que se existia preocupação com o lucro abusivo é porque o consumidor já estava tendo seus interesses resguardados. Santos lembra que: "consoante a" lei "235 do Código de Hamurabi, o construtor de barcos estava obrigado a refazê-lo em caso de defeito estrutural, dentro do prazo de até um ano (...)" (Santos, 1987. p. 78-79). Desta norma podemos supor uma noção dos vícios redibitórios. Havia também regras contra o enriquecimento em detrimento de outrem ("lei" 48), bem assim a modificabilidade unilateral dos desajustes por desequilíbrio nas prestações, em razão de forças da natureza. Os interesses dos consumidores já estavam resguardados na Mesopotâmia, no Egito Antigo e na Índia do Século XVIII a.C., onde o Código de Massú previa pena de multa e punição, além de ressarcimento de danos, aos que adulterassem gêneros ("lei" 967) ou entregassem coisa de espécie inferior à acertada ou, ainda, vendessem bens de igual natureza por preços diferentes ("lei" 968). No Direito Romano Clássico, o vendedor era responsável pelos vícios da coisa, a não ser que estes fossem por ele ignorados. Porém, no Período Justinianeo, a responsabilidade era atribuída ao vendedor, mesmo que desconhecesse do defeito. As ações redibitórias e quanti minoris eram instrumentos, que amparadas à Boa-Fé do consumidor, ressarciam este em casos de vícios ocultos na coisa vendida. Se o 4 vendedor tivesse ciência do vício, deveria, então, devolver o que recebeu em dobro. "no período romano, de forma indireta, diversas leis também atingiam o consumidor, tais como: a Lei Sempcônia de 123 a.C., encarregando o Estado da distribuição de cereais abaixo do preço de mercado; a Lei Clódia do ano 58 a.C., reservando o benefício de tal distribuição aos indigentes e; a Lei Aureliana, do ano 270 da nossa era, determinando fosse feita a distribuição do pão diretamente pelo Estado. Eram leis ditadas pela intervenção do Estado no mercado ante as dificuldades de abastecimento havidas nessa época em Roma" (Prux, 1998. p. 79). De acordo com os estudos de Waldírio Bulgarelli, "pode-se encontrar antecedentes os mais antigos: Aristóteles já se referia a manobras de especuladores na Grécia Antiga, e em Roma atestam-no a Lex Julia de cemnoma, o Édito de Diocleciano e a Constituição de Zenon" (Bulgarelli, apud Prux, 1998. p. 79). Há estudos que apontam depoimentos de Cícero (Século I a.C.) assegurando a garantia sobre vícios ocultos na compra-venda no caso do vendedor prometer que a mercadoria era dotada de determinadas qualidades e estas serem inexistentes. "Pirenne, no comentário de sua obra cobrindo o século XIII, é bastante elucidativo no subtítulo - Proteção ao consumidor - ao escrever que a disciplina imposta ao artesão tinha naturalmente por objeto assegurar a qualidade dos produtos fabricados. Neste sentido – acrescenta textualmente o mestre gaulês - também favorecia o consumidor" (SIDOU, apud PRUX, 1998. p. 781). A França de Luiz XI (1481) punia com banho escaldante aquele que vendesse manteiga com pedra no interior para aumentar o peso, ou leite com água para aumentar o volume. O jurista português Carlos Ferreira Almeida afirma que no Direito Português: "os códigos penais de 1852 e o vigente de 1886 (...), reprimindo certas práticas comerciais desonestas, protegiam indiretamente interesses dos comerciantes: sob o título genérico de crimes contra a saúde pública, punem-se certos actos de venda de substâncias venenosas e abortivas(art. 248º) e fabrico e venda de gêneros alimentícios nocivos à saúde pública (art. 251º); consideram-se criminosas certas fraudes nas vendas (engano sobre a natureza e sobre a quantidade das coisas – art. 456); tipificava-se ainda como crime a prática do monopólio, consistente na recusa de venda de gêneros para uso público (art. 275º) e alteração dos preços que resultariam da natural e livre concorrência, designadamente através de coligações com outros indivíduos, disposições revogadas por legislação da época corporativista, que regrediu em relação ao liberalismo consagrado no código penal" (ALMEIDA,1982. p. 40). 5 Na Suécia, a primeira legislação protetora do consumidor foi em 1910. Já nos EUA, em 1914, criou-se a Federal Trade Commission, que tinha o objetivo de aplicar a lei antitruste e proteger os interesses do consumidor. Também nos EUA, em 1773, em seu período de colônia, o episódio contra o imposto do chá no porto de Boston (Boston Tea Party) é um registro de uma manifestação de reação dos consumidores contra as exigências exorbitantes do produtor inglês. A Revolução americana de 1776 foi uma revolução do consumidor. Pois nas palavras de Miriam de Almeida Souza, foi uma revolução "contra o sistema mercantilista de comércio britânico colonial da época, no qual os consumidores americanos eram obrigados a comprar produtos manufaturados na Inglaterra, pelos tipos e preços estabelecidos pela metrópole, que exercia o seu monopólio. (...) Samuel Adams, uma figura marcante no episódio do chá no porto de Boston, que, já em 1785 na República, reforçou as seculares "assizes" (Leis do Pão), da antiga metrópole, apontando sua assinatura na lei que proibia qualquer adulteração de alimentos no estado de Massachusetts" (SOUZA, 1996. p. 51). Pode-se notar que esta lei representa um marco histórico na luta pelo respeito aos direitos do consumidor. No Brasil, o Direito do Consumidor surgiu entre as décadas de 40 e 60, quando foram sancionados diversas leis e decretos federais legislando sobre saúde, proteção econômica e comunicações. Dentre todas, pode-se citar: a Lei n. 1221/51, denominada Lei de Economia Popular; a Lei Delegada n. 4/62; a Constituição de 1967 com a emenda n. 1/69, que consagrou a defesa do consumidor; e a Constituição Federal de 1988, que apresenta a defesa do consumidor como princípio da ordem econômica (art. 170) e no artigo 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que expressamente determinou a criação do Código de Defesa do consumidor. II. O Surgimento do Direito do Consumidor do Prisma da Evolução do Estado Liberal O Estado Liberal surgiu no século XVIII em contraposição ao Estado absoluto e veio assegurar o indivíduo em face do Estado. O Estado Liberal tem como características o poder limitado; os direitos individuais e políticos; a defesa da livre incitava e livre concorrência e a não intervenção do Estado na esfera privada. Adam Smith, um dos principais pensadores do liberalismo, afirmava: "É suficiente que deixemos o homem abandonado em sua iniciativa para que ao perseguir seu próprio interesse promova o dos demais. O interesse privado é o 6 motor da vida econômica" (SMITH, apud DERANI, p.32). Assim, neste período, as leis eram feitas para dar sustentação ao liberalismo econômico. O Direito regia-se pelos Princípios da Autonomia da Vontade, do Consensualismo e da Obrigatoriedade Contratual. No século XIX, com o advento da Revolução Industrial, houve uma substituição da maquinofatura pela máquina, as pessoas deixaram de trabalhar em casa e foram trabalhar nas fábricas e ao redor destas surgiram os centros urbanos. As fábricas, devido à automação incipiente das máquinas, não empregaram a grande parte da população, gerando o desemprego e a conseqüente a exclusão social daqueles que estavam desempregados. A grande procura por empregos gerou a desvalorização da mão-de-obra. A liberdade contratual, instituída na Revolução Francesa, aliada a grande oferta de trabalho, fazia com que as pessoas, para se manterem empregadas, se submetessem à exploração. Concomitante a estes fatos, a livre incitava e livre concorrência defendida pelos liberais não se concretizou, pois a concorrência não se iniciava em condições iguais e as regras do jogo não eram respeitadas. Com isso, algumas empresas que se enriqueceram, gerando uma concentração econômica. O Estado Social surge no século XX como resposta à miséria e a exploração de grande parte da população. O Estado Social tem como características o poder limitado, a garantia os direitos individuais e políticos, acrescentando a estes os direitos sociais e econômicos. Logo, o Estado passou a intervir na Economia para promover justiça social. Nas Constituições promulgadas adotando esse modelo de Estado, os direitos individuais eram mais importantes que os direitos sociais. Estes foram regulados como normas pragmáticas, dependendo, então, de regulamentação. Assim acorreu com a Constituição brasileira de 1988 que dispõe que "o Estado promoverá na forma da lei, a defesa do consumidor". Portanto, a Constituição Federal de 1988 exigiu que o Estado abandonasse a sua posição de mero espectador da sorte do consumidor, para adotar um modelo jurídico e uma política de consumo que efetivamente protegesse o consumidor. Isso porque, o Código Civil, formulado segundo o pensamento liberal, trouxe o vício redibitório como meio de proteção do consumidor. Esse meio, no entanto, mostrou-se ineficaz para a proteção do consumidor. O Código de Proteção e Defesa do Consumidor, editado segundo os Princípios de um Estado Democrático de Direito, em muito inovou em comparação com o Código Civil. Façamos, aqui, uma comparação exemplificativa entre as regras deste e as do Código de Proteção e Defesa do Consumidor. O Código Civil fala em coisas, objeto de contratos comutativos e em bens e imóveis. Já o Código de Proteção e Defesa do Consumidor fala em produtos, que seriam quaisquer bens móveis ou imóveis, materiais ou imateriais, duráveis e não duráveis e em serviços. Outro ponto é que o Código Civil fala em defeitos ocultos que tornem a coisa imprópria para o uso ou diminuam o seu valor. Por sua vez o Código de Proteção e Defesa do Consumidor 7 acrescenta que o defeito pode até mesmo ser de fácil constatação e que a coisa poderá ser enjeitada por não conferir com as especificações da embalagem, do rótulo, da propaganda, etc. Além disso, o prazo decadencial para substituir, devolver ou pedir abatimento do preço da coisa também foi ampliado no Código de Proteção e Defesa do Consumidor. III. A Revolução Industrial e O Direito do Consumidor O período da Revolução Industrial é de grande importância para o desenvolvimento do Direito do Consumidor. "Antes da era industrial, o produtor-fabricante era simplesmente uma ou algumas pessoas que se juntavam para confeccionar peças e depois trocar os objetos (bartering). Com o crescimento da população e o movimento do campo para as cidades, formam-se grupos maiores, a produção aumentou e a responsabilidade se concentrou no fabricante, que passou a responder por todo o grupo" (SOUZA, 1996. p.48). O advento da Revolução Industrial foi responsável pelo crescimento da chamada produção em massa. Devido a este movimento, a produção perdeu seu toque "pessoal" e o intercâmbio do comércio ganhou proporções ainda mais despersonalizadas, já que passaram a haver outros intermediários entre a produção e o consumo. Em conseqüência disto, "o produtor precisava dar escoamento à produção, praticando, às vezes, atos fraudulentos, enganosos, por isso mesmo, abusivos. A justiça social, então, entendeu ser necessária a promulgação de leis para controlar o produtor-fabricante e proteger o consumidor-comprador" (SOUZA, 1996.p. 48). Acrescenta-se, ainda, que "o produtor, via de regra, sempre se interessou mais pela parte monetária do que com o produto, ou mesmo em satisfazer o consumidor" (SOUZA, 1996. p. 48). O crescimento e contínuos avanços das tecnologias fizeram com que fossem inseridas na mente do consumidor as idéias de que ele estava precisando de mais objetos que até o momento nunca sentira necessidade de adquirir em sua vida cotidiana. O produtor estava sempre interessado em formas para escoar sua produção e manter o fluxo de produção-consumo. Logo, sentiu necessidade de estimular o consumidor a uma necessidade, ainda que artificial, para manter o processo produtivo em funcionamento. Criou-se, desta forma, o que o professor Thierry Bourgoignie, da Faculdade de Direito da Universidade Católica de Louvain, na Bélgica, denomina de "norma social do consumo", que: 8 "faz com que o consumidor perca o controle individual das decisões de consumo e passe a ser parte de uma classe, a "consommariat", conferindo claramente uma dimensão social ao consumidor e ao ato de consumir" (BOURGOIGNIE, apud SOUZA, 1996. p. 48). IV. A Selva O norte-americano Upton Sinclair, em 1906, escreveu um romance chamado The Jungle (A Selva). Este serviu para despertar no povo do seu país o mais vivo interesse pela problemática do consumidor. Sinclair era um jovem jornalista, dotado de idéias socialistas, que , no intuito de justificar e fundamentar suas reivindicações proletárias, consistentes de melhorias de salário e de condições de trabalho, disfarçou- se em operário para realizar suas observações na cidade de Chicago. Em seu romance, ele retrata em cores ousadas e dramáticas o impacto social do capitalismo industrial no começo do século XX. "Os principais personagens eram de uma família de camponeses lituanos que vieram trabalhar pelos contos e fantasias de liberdade e pujança na América" (Souza, 1996. p. 52). Sinclair demonstra os abusos cometidos pela industria da carne, ao descrever de forma bem realística os alimentos deteriorados. Um exemplo é o seguinte trecho de sua obra: "a carne misturada com pedaços de tecidos esfarrapados e sujos, pães mofados, moídos juntamente com os enchimentos das lingüiças vendidas em Chicago, embora proibidas no comércio exterior" (SINCLAIR, apud SOUZA, 1996. p. 52). O impacto da novela The Jungle foi de um modo tão avassalador, que logo sofreu traduções para 17 idiomas. O romance acabou, também, por inspirar a elaboração de duas leis federais nos EUA, que fortaleceram a fiscalização da pureza da carne, a Meat Inspection Act e a Pure Food and Drug Act, de 1906. V. O Direito do Consumidor na Segunda Guerra Mundial e no Cenário do Pós-Guerra Foi em plena Segunda Guerra Mundial, quando a produção estava a serviço e controle do Estado, que se despontava na América Keynesiasna o movimento em prol dos direitos do consumidor. Mas curiosamente, foram o surgimento da mídia e as conquistas tecnológicas que deram causa ao ressurgimento da defesa do consumidor. "a guerra intensificou a produção industrial em massa, e contribuiu para as 9 grandes invenções e o aprofundamento da produção em série. Todo o esforço da guerra resultou, inevitavelmente, em aumento substancial de produção no posterior tempo de paz. O know-how gerado para a guerra provocou, então um crescimento em vários segmentos industriais, gerando um arsenal de produtos surpérfulos e diversificados, em um mercado antes restrito somente ao essencial. Com o advento da televisão, resultou da propaganda informativa o marketing (desenvolvido em forma de propaganda de guerra), com o objetivo de escoar a produção no mercado. Com isso, aumentaram os problemas relacionados à produção e ao consumo, em face de uma competitividade altamente sofisticada por causa das novas mídias e das próprias complexidades dos mercados surgidos no pós-guerra, e do advento do marketing científico. Passou-se então a praticar uma concorrência desleal, fortalecendo a tendência da formação dos cartéis, trustes e oligopólios, o que sem dúvida, colaborou, dentre outros motivos, para o agravamento dos problemas sociais e conflitivos urbanos em decorrência da concentração de renda" (Souza, 1996. p. 54). Podemos perceber que esses problemas influenciaram sensivelmente a vida dos consumidores, quer seja pela alta dos preços, queda na qualidade de vida ou aumento da poluição. Após o período do pós-guerra acontece o ressurgimento da cláusula rebus sic stantibus, o que enfraquece o princípio da força obrigatória dos contratos. Esta restauração se deu sob o nome de "teoria da imprevisão" e visava a quebra do princípio do pacta sunt servanda. Esta quebra possibilitou o surgimento do Direito do Consumidor, que se fundamentava a partir da responsabilidade civil objetiva e do reconhecimento dos interesses e direitos difusos. Orlando Gomes afirma que: "o princípio da força obrigatória das convenções, pelo qual o juiz estava obrigado a fazer cumprir os efeitos do contrato, quaisquer que fossem as circunstâncias ou as conseqüências, está abalado. O legislador intervém, a cada instante, na economia dos contratos, ditando medidas que, tendo aplicação imediata, alteram os efeitos dos contratos anteriormente praticados, e vai se admitindo o poder do juiz de adaptar seus efeitos às novas circunstâncias (cláusula rebus sic stantibus), ou de exonerar o devedor do seu cumprimento, se ocorrer imprevisão. Por fim, desde que os contratos são fonte de obrigações e estas importam limitação da liberdade individual, entendia-se que os seus efeitos não deveriam atingir a terceiros. O contrato era res inter alios acta. Mas as necessidades sociais impuseram a quebra, ainda que excepcional, desse princípio da relatividade dos efeitos do contrato, para a satisfação de certos interesses coletivos privados" (GOMES, 1979. p. 105-106). A partir das iniciativas do presidente americano John Fitzgerald Kennedy, na década de 60, houve a consolidação do Direito do Consumidor nos Estados Unidos. Dirigindo-se por meio de uma mensagem especial ao Congresso Americano, em 10 1962, Kennedy identificou os pontos mais importantes em torno da questão: "(1) os bens e serviços colocados no mercado devem ser sadios e seguros para os uso, promovidos e apresentados de uma maneira que permita ao consumidor fazer uma escolha satisfatória; (2) que a voz do consumidor seja ouvida no processo de tomada de decisão governamental que detenha o tipo, a qualidade e o preço de bens e serviços colocados no mercado; (3) tenha o consumidor o direito de ser informado sobre as condições e serviços; (4) e ainda o direito a preços justos" (SOUZA, 1996. p. 56). Seguindo o exemplo de Kennedy, a Comissão de Direitos Humanos das nações Unidas, na sua 29ª Sessão em 1973, em Genebra, também reconheceu os princípios e chamou-os de Direitos Fundamentais do Consumidor. Por sua vez, o programa Preliminar da Comunidade Européia para uma Política de Proteção e Informação dos Consumidores dividia os direitos fundamentais em cinco categorias: "(1) proteção da saúde e da segurança; (2) proteção dos interesses econômicos; (3) reparação dos prejuízos; (4) informação e educação; (5) representação (ou direito de ser ouvido)" (SOUZA, 1996, p. 56). Em 1985, as Nações Unidas, por meio da Resolução n.º 39/248, estabelece objetivos, princípios e normas para que os governos membros desenvolvam ou reforcem políticas firmes de proteção ao consumidor. Esta foi, claramente, a primeira vez que, em nível mundial, houve o reconhecimento e aceitação dos direitos básicos do consumidor. O Anexo 3 da Resolução mostra quais são os princípios gerais que serão tomados como padrões mínimos pelos governos: "(a) proteger o consumidorquanto a prejuízos à sua saúde e segurança; (b) fomentar e proteger os interesses econômicos dos consumidores; (c) fornecer aos consumidores informações adequadas para capacita-los a fazer escolhas acertadas, de acordo com as necessidades e desejos individuais; (d) educar o consumidor; 11 (e) criar possibilidade de real ressarcimento ao consumidor; (f) garantir a liberdade para formar grupos de consumidores e outros grupos e organizações de relevância e oportunidade para que estas organizações possam apresentar seus enfoques nos processos decisórios a elas referentes" (SOUZA, 1996. p.57). Miriam Souza lembra, ainda, que: "as Nações Unidas também entendem como medida para a proteção dos consumidores o Código de Conduta para as Firmas Transnacionais, projeto de ONU desde meados dos anos 60, ponto de vista compartilhado pela Organização Internacional das Associações de Consumidores (International Organization of Consumers Unions – IOCU), com sede em Haia" (Souza, 1996. p. 57). O IOCU é amplamente respeitado entre as associações de consumidores no mundo. E sobre os direitos do consumidor enumera: "(1) segurança – proteção contra produtos, processos e serviços nocivos à saúde ou à vida; (2) informação – conhecimento dos dados necessários para fazer escolhas e decisões informadas; (3) escolha – acesso a uma variedade de produtos e serviços com qualidade e preços competitivos; (4) a ser ouvido – exposição e consideração das perspectivas dos consumidores na formação das políticas nacionais; (5) indenização – solução justa de queixas justas; (6) educação – aquisição dos conhecimentos e das habilidades necessárias para ser um consumidor informado ao longo da vida; (7) ambiente saudável – ambiente físico apto a proporcionar melhor qualidade de vida agora e no futuro" (SOUZA, 1996. p. 58). A proteção do Direito do Consumidor é de tamanha relevância, que muitos dos ordenamentos jurídicos, inclusive o brasileiro, pela Constituição Federal de 1988, já consagram, acolhendo a Resolução da ONU. VI. A Constituição Brasileira e O Direito do Consumidor A questão dos Direitos do Consumidor é tão importante que em três 12 oportunidades distintas é tratada na Constituição Federal vigente. A primeira vez, já em seu Capítulo I do Título II, que trata dos direitos e deveres individuais e coletivos estabelece a Carta magna, no artigo 5º, XXXII que "o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor" o que quer dizer, em outras palavras, que o Governo Federal tem a obrigação de defender o consumidor, de acordo com o que estiver estabelecido nas leis. A segunda vez que a Constituição menciona a defesa do consumidor é quando trata dos princípios gerais da atividade econômica no Brasil, citando em seu artigo 170, V, que a defesa do consumidor é um dos princípios que devem ser observados no exercício de qualquer atividade econômica. Finalmente, o artigo 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), determina que o Congresso Nacional elabore o Código de Defesa do Consumidor. Estes três dispositivos constitucionais são mencionados no artigo 1º do Código de Defesa do Consumidor. José Geraldo Brito Filomeno lembra que a sensibilização dos "constituintes de 1887/88, foi obtida por unanimidade na oportunidade do encerramento do VII Encontro Nacional das (...) Entidades de Defesa Do Consumidor, desta feita realizado em Brasília, por razões óbvias, no calor das discussões da Assembléia Nacional Constituinte, e que acabou sendo devidamente protocolada e registrada sob n.º 2.875, em 8-5-87, trazendo sugestões de redação, inclusive aos então artigos 36 e 74 da Comissão "Afonso Arinos", com especial destaque para a contemplação dos direitos fundamentais do consumidor (ao próprio consumo, à segurança, à escolha, à informação, a ser ouvido, à indenização, à educação para o consumo e a um meio ambiental saudável)." (FILOMENO, 1991. p. 21-22). Mas, o Código do Consumidor é só o início. É o que alerta o jurista Fábio Konder Comparato: "na verdade, a dialética produtor x consumidor é bem mais complexa e delicada do que a dialética capital x trabalho" (grifo nosso) (COMPARATO, apud SOUZA, 1996. p. 59). Bibliografia ALMEIDA, Carlos Ferreira. Os direitos dos consumidores. Coimbra: Almeida, 1982. 13 DERANI, Cristiane. Política Nacional das Relações de Consumo e o Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor. n. 29. FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direitos do Consumidor. São Paulo: Atlas, 1991. GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. Rio de Janeiro:Forense, 1979. 6 ed. PRUX, Oscar Ivan. Responsabilidade Civil do Profissional Liberal no Código de Defesa do Consumidor. Belo Horizonte:Del Rey, 1998. SANTOS, Altamiro José dos. Direitos Do Consumidor. Revista do IAP. Curitiba, Instituto dos Advogados do Paraná, 1987. n. 10. Souza, Miriam de Almeida. A Política legislativa do Consumidor no Direito Comparado. Belo Horizonte: Edições Ciência Jurídica, 1996. 14 Proteção constitucional do consumidor Autor: Cristian de Sales Von Rondow Sumário: 1. As relações de consumo e o surgimento da tutela do consumidor. 2. Terminologia. 3. A proteção no direito alienígena (Direito Comparado e Internacional). 4. O por quê da tutela? 5. A evolução legislativa brasileira. 6. A tutela do consumidor a nível constitucional As relações de consumo e o surgimento da tutela do consumidor Antes de adentrarmos ao tema propriamente dito, necessário se faz explicitar como foi o caminho trilhado do "movimento consumerista" que teve nuanças 15 próprias, embates acirrados e por fim uma difusão mundial da consciência de que o consumidor, diante do avanço tecnológico dos meios de produção passara a ser a parte fraca da relação de consumo necessitando de uma legislação que resguardasse não apenas os direitos básicos, mas também que punisse aqueles que o desrespeitassem. Temos que a origem protecionista do consumidor se deu com as modificações nas relações de consumo, sendo esta, por seu turno difícil de precisar seu início. Não ficamos um só dia sem consumir algo, de modo que o consumo faz parte do dia-a-dia do ser humano. A afirmação de que todos nós somos consumidores é verdadeira. João Batista de Almeida(1) aduz que "independentemente da classe social e da faixa de renda, consumimos desde o nascimento e em todos os períodos de nossa existência. Por motivos variados, que vão desde a necessidade e da sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo pelo consumo". Hodiernamente as chamadas relações de consumo, outrora campo exclusivo do estudo da ciência econômica passou a fazer parte do rol da linguagem jurídica. E o fez, dado as alterações substanciais no panorama mundial, político, econômico e jurídico que permeavam época pretérita transportando-se para o cenário atual.(2) Para Maria Antonieta Zanardo Donato, estas alterações foram introduzidas pelo liberalismo emergente do século XIX, que infiltrou-se no Direito operando sua transformação. Após a transformação do panorama econômico, nasce um capitalismo agressivo que impôs um ritmo elevado na produção, erigindo um novo modelo social, qual seja, a sociedade de consumo (mass consumption society) ou sociedade de massa. Instaura-se um novo processo econômico, causando profundas e inesperadas alterações sociais.(3) Não há dúvidas de que as relações de consumo ao longo do tempo evoluíram drasticamente. Do primitivo escambo e das minúsculas operações mercantis tem-se hoje complexas operações de compra e venda, que envolvem milhões de reais ou de dólares. Para trás ficou aquelas relações de consumo que estavam intimamente ligadas às pessoas que negociavamentre si, para dar lugar à "operações impessoais e indiretas, em que não se dá importância ao fato de não se ver ou conhecer o fornecedor. Os bens de consumo passaram a ser produzidos em série, para um número cada vez maior de consumidores. Os serviços se ampliaram em grande medida".(4) E essa produção em massa aliada ao consumo em massa, gerou a sociedade de consumo ou sociedade de massa. Mas esta nova forma de vender e comprar trouxe em seu bojo o poderio econômico das macro-empresas de impor seus produtos e mercadorias àquele 16 (consumidor) que ao que parecia seria "monarca do mercado"(5) ou o "rei do sistema".(6) Dado a esta imposição, os consumidores começaram a enxergar que estavam mais para súditos do que para monarcas, bem como estavam desprotegidos e vulneráveis às práticas abusivas das empresas e para tanto necessitavam de proteção legal. A partir dessa fundamental constatação, vários ordenamentos jurídicos do mundo todo passaram a reconhecer a figura do consumidor e, sobretudo a sua vulnerabilidade outorgando-lhes direitos específicos. O caminho natural da evolução nas relações de consumo certamente acabaria por refletir nas relações sociais, econômicas e jurídicas do mundo. A partir deste evento, a tutela do consumidor ganhou espaço no seio jurídico, e os debates em torno da matéria iniciaram-se face às novas situações decorrentes do desenvolvimento. Esse entendimento é corroborado por João Batista de Almeida(7) que citando Camargo Ferraz, Milaré e Nelson Nery Júnior aduzem que a tutela dos interesses difusos em geral e do consumidor em particular deriva das modificações das relações de consumo e evidenciam que: ‘o surgimento dos grandes conglomerados urbanos, das metrópoles, a explosão demográfica, a revolução industrial, o desmesurado desenvolvimento das relações econômicas, com a produção e consumo de massa, o nascimento dos cartéis, holdings, multinacionais e das atividades monopolísticas, a hipertrofia da intervenção do Estado na esfera social e econômica, o aparecimento dos meios de comunicação de massa, e, com eles, o fenômeno da propaganda maciça, entre outras coisas, por terem escapado do controle do homem, muitas vezes voltaram-se contra ele próprio, repercutindo de forma negativa sobre a qualidade de vida e atingindo inevitavelmente os interesses difusos. Todos esses fenômenos, que se precipitaram num espaço de tempo relativamente pequeno, trouxeram a lume à própria realidade dos interesses coletivos, até então existentes de forma latente despercebidos’. Terminologia Ponto interessante se mostra a terminologia jurídica de "consumidor", uma vez que vários autores advertem não ser tarefa fácil definir consumidor no sentido jurídico. O vocábulo consumidor, do verbo consumir, por sua vez oriundo do latim consumere, significa acabar, gastar, despender, absorver, corroer. Na linguagem dos economistas, consumo, seria o ato pelo qual se completa a última etapa do processo econômico.(8) Tal linguagem não se verificava no Direito Privado Brasileiro, passando a fazer parte quando da promulgação do Código de Defesa do Consumidor. Como 17 mencionado eram expressões voltadas à ciência econômica, mas que passaram a fazer parte do universo jurídico e no Brasil, a conceituação legal ou o conceito standart de consumidor é dado pelo Código de Defesa do Consumidor em seu Artigo 2º aduzindo que "consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final", incluindo-se, também, por equiparação, "a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo" (art. 2º, § único). A proteção do consumidor no direito alienígena (Comparado e Internacional) O resguardo jurídico do consumidor não é tema exclusivo de um único país. Longe disso, é tema supranacional abrangendo a totalidade dos países desenvolvidos ou em desenvolvimento. É de Newton De Lucca a apresentação de quadro sintético desta proteção: No Direito Comparado (antecedentes legislativos) e no Direito Internacional. Direito Comparado - Discurso do presidente Kennedy ao Congresso Americano (março/62); - Lei sobre documentos contratuais uniformes de Israel (1964); - Lei fundamental de proteção aos consumidores no Japão (1968); - Numerosos textos legais, a partir da década de 60, nos EUA: Consumer Credit Protection Act, Uniform Consumer Credit Code, Uniform Consumer Sales Act, Safety Act, Truth in Lending Act, Fair Credit Reporting Act e Fair Debt Collection Act; - Lei de caráter geral ou específica no seguintes países: Inglaterra, Suécia, Noruega, Dinamarca, Finlândia, Alemanha, Bélgica, França, México, Portugal e Espanha. Direito Internacional - A iniciativa de cinco países (Estados Unidos, Alemanha, França, Bélgica e Holanda), em 1969, no sentido de criar, no âmbito da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, uma "Comissão para a política dos consumidores"; - A comissão das Nações Unidas sobre Direitos do Homem, considerou serem 4 os direitos de todo o consumidor: 18 1.o direito à segurança; 2.o de ser adequadamente informado sobre os produtos e os serviços, bem como sobre as condições de venda; 3.o direito de escolher sobre bens alternativos de qualidade satisfatória a preços razoáveis; 4.o direito de ser ouvido no processo de decisão governamental. - A aprovação de vários documentos pela Assembléia do Conselho da Europa – Diretiva 85/374, de 24.7.85, no tocante aos países membros do CEE; - No Âmbito da ONU – Resolução 39/248, de 9.4.85, apontada como a verdadeira origem dos direitos básicos do consumidor.(9) Conforme denota-se, os EUA foram o grande propulsor da mensagem protecionista do consumidor, de modo a influenciar grandemente diversos países com esta doutrina. Destaca-se, também, que o mesmo tema fora debatido em praticamente todos os países da Europa. O por quê da tutela? A justificativa que se tem para o surgimento da tutela do consumidor, é que esta nasceu fruto dos mais variados problemas sociais "surgidos da complexidade da sociedade moderna e os reclamos de indivíduos e grupos".(10) Para João Batista de Almeida, esta tutela, "não surgiu aleatória e espontaneamente". (11) Ao contrário, surgiu "de uma reação a um quadro social, reconhecidamente concreto, em que se vislumbrou a posição de inferioridade do consumidor em face do poder econômico do fornecedor, bem como a insuficiência dos esquemas tradicionais do direito substancial e processual, que já não mais tutelavam novos interesses identificados como coletivos e difusos. (12) E termina o festejado autor: "a tutela surge e se justifica, enfim, pela busca do equilíbrio entre as partes envolvidas".(13) Está assentado doutrinariamente que a vulnerabilidade do consumidor, que para alguns é um princípio(14) foi a pedra de mote para o surgimento da tutela do consumidor, reconhecendo-se ser este a parte fraca, vulnerável nas relações de consumo, originando a hipossuficiência deste. Para João Batista de Almeida, Luiz Antonio Rizzatto Nunes e Cláudio Bonatto/Paulo Valério Dal Pai Moraes, alguns são os princípios orientadores desta tutela protetiva, vejamos: o da isonomia ou da vulnerabilidade; o da hipossuficiência; 19 o do equilíbrio e da boa-fé objetiva; do dever de informar; o da revisão das cláusulas contrárias ou da repressão eficiente aos abusos; o da conservação do contrato; o do da equivalência; o da transparência e o da solidariedade.(15) Cumpre esclarecer que não trataremos dos princípios acima mencionados, pois, esta não fora a intenção, mas apenas trazê-los à colação com o fito de demonstrar ser esta tutela orientada porprincípio basilares do direito constitucional que se espraiaram para o direito do consumidor. A evolução legislativa brasileira A defesa do consumidor como tema específico é entre nós algo recente. João Batista de Almeida(16) aduz ser de 1971 a 1973 os discursos proferidos pelo então Deputado Nina Ribeiro, alertando para a gravidade do problema, densamente de natureza social, e para a necessidade de uma atuação mais enérgica no setor. Somente em 1978 surgiu em nível estadual, o primeiro órgão de defesa do consumidor, o Procon de São Paulo, criado pela Lei nº 1.903, de 1978. Na esfera federal, só em 1985 foi criado o Conselho Nacional de Defesa do Consumidor, por meio do Decreto nº 91.469 que posteriormente foi extinto e substituído pela atual Secretaria Nacional de Direito Econômico (SNDE). Todavia, embora não fosse a defesa do consumidor tratada como tema específico como é hoje, verifica-se a existência de referida defesa como tema "inespecífico"(17) em legislações esparsas que indiretamente protegia o consumidor, embora essa não fosse a intenção principal do legislador. Foi o Decreto nº 22.626, de 7 de abril de 1933 (Lei da usura) a primeira norma nesta seara que visava reprimir a usura. E assim, o evoluir não parou. A matéria ganhou status constitucional (Constituição de 1934, arts. 115 e 117), com a proteção à economia popular, que passamos a transcrever, verbis: "Art. 115 – A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da justiça e as necessidades da vida nacional, de modo que possibilite a todos exist~encia digna. Dentro desses limites, é garantida a liberdade econômica". "Art. 117 – A lei promoverá o fomento da economia popular, o desenvolvimento do crédito e a nacionalização progressiva dos bancos de depósito. Igualmente providenciará sobre a nacionalização das empresas de seguros em todas as sua modalidades, devendo constituir-se em sociedade brasileira as estrangeiras que actualmente operam no paiz. Parágrafo único: É proibida a usura, que será punida na fórma da lei." 20 Posteriormente veio o Decreto-Lei nº 869, de 18 de novembro de 1938, e depois o de nº 9.840, de 11 de setembro de 1946, que cuidaram dos crimes contra a economia popular, sobrevindo, em 1951 a chamada Lei de Economia Popular que vige até hoje. Surge a Lei de Repressão ao Abuso do Poder Econômico (nº 4.137 de 1962), que de maneira reflexa beneficiava o consumidor, além de haver criado o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, na estrutura do Ministério da Justiça, ainda existente. Em 1984 editou-se a Lei nº 7.244, autorizando os Estados a instituírem os Juizados de Pequenas Causas, atualmente Juizados Especiais Cíveis (Lei 9.099/95). Com a Lei nº 7.492 de 16 de junho de 1986, passaram a ser punidos os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, denominado "crimes de colarinho branco". Mas os passos mais significativos neste campo foram dados a partir de 1985, quando em 24 de julho daquele ano, foi promulgada a Lei nº 7.347 que disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao consumidor, além de outros bens tutelados, dando início desta forma, à tutela jurisdicional dos interesses difusos em nosso país. A tutela do consumidor a nível constitucional Como já mencionado, a tutela do consumidor a nível constitucional foi posta na Constituição de 1934 (arts. 115 e 117), mas não como elemento contundente para a prática do Estado, mas apenas cuidou de forma indireta. Todavia, esta inserção não deixa de demonstrar ares de preocupação do constituinte com o tema, posto que brotava na nação a consciência da necessidade de proteção ao consumidor. Mas sem dúvida ou medo de errar, num evoluir ascendente, a constituinte de 1988 curvou-se ante aos anseios da sociedade e ao enorme trabalho dos órgãos e entidades de defesa do consumidor, com ênfase ao VII Encontro Nacional das referidas Entidades de Defesa do Consumidor, realizado em Brasília, por razões óbvias, no calor das discussões da Assembléia Nacional Constituinte, e que acabou sendo devidamente protocolada e registrada sob o nº 2.875, em 8-5-87, trazendo sugestões de redação, inclusive aos então artigos 36 e 74 da "Comissão Afonso Arinos", com especial destaque para contemplação dos direitos fundamentais do consumidor, culminando assim, na inserção de quatro dispositivos específicos e objetivos sobre o tema. O primeiro deles e o mais importante por refletir toda a concepção do movimento está grafado no artigo 5º, inciso XXXII, no capítulo relativo aos "direitos e deveres individuais e coletivos", onde diz que dentre os deveres impostos ao Estado brasileiro, está o de promover, na forma da lei, a defesa do consumidor. Noutra passagem, é atribuída a competência concorrente para legislar sobre 21 danos ao consumidor (art. 24, VIII). No capítulo da Ordem Econômica, a defesa do consumidor é apresentada como um dos motivos justificadores da intervenção do Estado na economia (art. 170, V). E, finalmente, ainda no bojo da Constituição de 1988, diz o artigo 48 do ato de suas disposições transitórias que "o Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da data da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor", prazo não respeitado, mas o comando constitucional foi respeitado com a promulgação da Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990 o chamado Código de Defesa do Consumidor. O mestre Newton De Lucca assevera que "não apenas o Código de Defesa do Consumidor tem base constitucional (art. 48 do ADCT) como, mais amplamente, todos os princípios da proteção acham-se constitucionalmente assegurados".(18) O citado autor faz observação interessante ao afirmar que ‘a consagração constitucional dos direitos dos consumidores não constitui a regra em termos de direito comparado’. E em nota, aduz: "pelo que sei, apenas Portugal e Espanha possuem em suas Constituições dispositivos em favor da proteção aos consumidores. No primeiro deles, a Constituição de 2 de abril de 1976, estabeleceu, no art. 81, caber prioritariamente ao Estado ‘proteger o consumidor especialmente mediante o apoio e a criação de cooperativas e associações de consumidores’. Já o art. 51 da Constituição espanhola de 1978 declara que: "1. Los poderes públicos garantizaran la defensa de los consumidores y usuarios protegiendo, mediante procedimientos eficaces, la seguridad, la salud y los legítimos intereses económicos de los mismos. 2. Los poderes públicos promoverán la información y la educación de los consumidores y usuarios, fomentaran sus organizaciones y oirán a éstas en las cuestiones que puedan afectar a aquéllos, en los términos que la ley establezca. 3. En el marco de lo dispuesto en los apartados anteriores, la ley regulará el comercio interior y el régimen de autorización de productos comerciales".(19) Finalizando o estudo em apreço, encerraremos com a "questão para debate" proposta pelo Doutor Newton De Lucca, a saber: O advento da Lei nº 8.078, de 11.9.90 (Código de Defesa do Consumidor) terá representado o integral cumprimento da proteção constitucionalmente estabelecida em favor desse mesmo consumidor?(20) Como resposta à questão o conceituado autor traz a lume a opinião do Prof. Fábio Konder Comparato (RDM nº 80, pp. 66 a 75, artigo intitulado "A Proteção ao Consumidor na Constituição Brasileira de 1988"): ‘Por outro lado, a defesa do consumidor é, indubitavelmente, um tipo de princípio-programa, tendo por objeto uma ampla política pública (public policy). A expressão designa um programa de ação de interesse público. Como todo programa 22 de ação, a política pública desenvolve uma atividade, i.e., uma série organizada de ações, para a consecuçãode uma finalidade, imposta na lei ou na Constituição. A imposição constitucional ou legal de políticas é feita, portanto, por meio das chamadas "normas-objetivo", cujo conteúdo, como já se disse, é um "Zweckprogramm" ou "Finalprogramm" (Cfr. 85 e ss). Quer isso dizer que os Poderes Públicos detêm um certo grau de liberdade para montar os meios adequados à consecução desse objetivo obrigatório. É claro que a implementação desses meios exige a edição de normas – tanto leis, quanto regulamentos de Administração Pública; mas essa atividade normativa não exaure, em absoluto, o conteúdo da policy, ou programa de ação pública. É preciso não esquecer de que esta só se realiza mediante a organização de recursos materiais e humanos, ambos previstos e dimensionados no orçamento-programa’. Insta asseverar que o consumidor brasileiro está legislativamente equipado à altura, faltando-lhe, porém, apenas a proteção efetiva, vezes por falta de vontade política e outras por falta de recursos técnicos e materiais, mas há que se ressaltar que diante das nações mais avançadas do mundo, não ficamos aquém nesta seara. Konrad Hesse, em sua célebre obra "A Força Normativa da Constituição" aduz que "a força normativa da Constituição não reside, tão-somente, na adaptação inteligente a uma dada realidade. A Constituição jurídica logra converter-se, ela mesma, em força ativa, que se assenta na natureza singular do presente (individuelle Beschaffenheit der Gegenwart). Embora a Constituição não possa, por si só, realizar nada, ela pode impor tarefas. A Constituição transforma-se em força ativa se essas tarefas forem efetivamente realizadas, se existir a disposição de orientar a própria conduta segundo a ordem nela estabelecida, se, a despeito de todos os questionamentos e reservas provenientes dos juízos de conveniência, se puder identificar a vontade de concretizar essa ordem. Concluindo, pode-se afirmar que a Constituição converter-se-á em força ativa se fizerem-se presentes, na consciência geral – particularmente, na consciência dos principais responsáveis pela ordem constitucional -, não só a vontade de poder (Wille zur Macht), mas também a vontade de Constituição (Wille zur Verfassung)".(21) Notas 1.Almeida, João Batista. A Proteção Jurídica do Consumidor, 2ª Edição, Ed. Saraiva-2000, São Paulo, p. 01. 2.Donato, Maria Antonieta Zanardo. Proteção ao Consumidor, Vol. 7, Ed. RT- 1993, cit. P 15. 3.Donato, Maria Antonieta Zanardo. Proteção ao Consumidor, Vol. 7, Ed. RT- 23 1993, cit. p. 17. 4.Almeida, João Batista. A Proteção Jurídica do Consumidor, 2ª Edição, Ed. Saraiva-2000, São Paulo, p. 02. 5.Lucca, Newton De. Direito do Consumidor, 2ª Edição, Ed. Edipro, São Paulo-2000, cit. P. 20. 6.Donato, Maria Antonieta Zanardo. Proteção ao Consumidor, Vol. 7, Ed. RT- 1993, p. 18, Apud, Jean Calais-Auloy, Droit de la Consommation, 2ª ed., Dalloz, Paria, 1986, p. 6. 7.Almeida, João Batista. A Proteção Jurídica do Consumidor, 2ª Edição, Ed. Saraiva-2000, São Paulo, cit. p. 03. Apud, Antonio Augusto Camargo Ferraz, Édiz Milaré e Nelson Nery Júnior, A ação civil pública e a tutela jurisdicional dos interesses difusos, São Paulo, Saraiva, 1984, p.54-5. 8.Lucca, Newton De. Direito do Consumidor, 2ª Edição, Ed. Edipro, São Paulo-2000, cit. P. 19. 9.Lucca, Newton De. Direito do Consumidor, 2ª Edição, Ed. Edipro, São Paulo-2000, p. 25/30. 10.Almeida, João Batista. A Proteção Jurídica do Consumidor, 2ª Edição, Ed. Saraiva-2000, São Paulo, cit. p. 21. 11.Almeida, João Batista. A Proteção Jurídica do Consumidor, 2ª Edição, Ed. Saraiva-2000, São Paulo, cit. p. 22. 12.Almeida, João Batista. A Proteção Jurídica do Consumidor, 2ª Edição, Ed. Saraiva-2000, São Paulo, p. 22. 13.Almeida, João Batista. A Proteção Jurídica do Consumidor, 2ª Edição, Ed. Saraiva-2000, São Paulo, p. 22. 14.Bonatto, Cláudio. Questões controvertidas no Código de Defesa do Consumidor: principiologia, conceitos, contratos, 2ª edição, Ed. Livraria do Advogado-1999, Porto Alegre, cit. P.42. 15.Almeida, João Batista. A Proteção Jurídica do Consumidor, 2ª Edição, Ed. Saraiva-2000, São Paulo, cit. p. 45-6. Bonatto, Cláudio. Questões controvertidas no Código de Defesa do Consumidor: principiologia, conceitos, contratos, 2ª edição, Ed. Livraria do Advogado-1999, Porto Alegre, cit. p. 30-56. 24 16.Almeida, João Batista. A Proteção Jurídica do Consumidor, 2ª Edição, Ed. Saraiva-2000, São Paulo, cit. p. 10. 17.Almeida, João Batista. A Proteção Jurídica do Consumidor, 2ª Edição, Ed. Saraiva-2000, São Paulo, p. 10. 18.Lucca, Newton De. Direito do Consumidor, 2ª Edição, Ed. Edipro, São Paulo-2000, cit. p. 34. 19.Lucca, Newton De. Direito do Consumidor, 2ª Edição, Ed. Edipro, São Paulo-2000, cit. p. 34. Apud nota nº 20. 20.Lucca, Newton De. Direito do Consumidor, 2ª Edição, Ed. Edipro, São Paulo-2000, p. 34. Apud nota nº 20 21.Hesse, Konrad. A Força Normativa da Constituição, Editor Sergio Antonio Fabris, Porto Alegre-1991, p. 19. 25 Princípios nucleares do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor e sua extensão como princípio constitucional Autor: Henrique Alves Pinto Sumário: Resumo. Introdução. 1. Dos Princípios Gerais de Direito. 1.1. Da constitucionalização dos princípios gerais. 1.2. Direitos do Consumidor - previsão constitucional. 1.3. A defesa do consumidor e sua extensão como princípio constitucional. 1.4. Legislação infraconstitucional: o momento da parturição do Código de proteção e defesa do consumidor. 2. A Política Nacional das Relações de Consumo e sua abrangência. 2.1. As diretrizes gerais da política e do direito do consumidor. 2.2. Consumo sustentável e o princípio da integração. 2.3. Princípios fundamentais da política nacional das relações de consumo. 2.4. Princípio da vulnerabilidade do consumidor art. 4°, I. 2.5. O princípio do dever governamental art. 4°, II, VI e VII. 2.6. O princípio da garantia da adequação art. 4°, II, "D" e V. 2.7. Princípio da boa fé nas relações de consumo art. 4°, III e VI. 2.8. Princípio da informação - art. 4°, IV e VIII. 2.9. Princípio do acesso à justiça. 3. Livre concorrência, Abuso do Poder Econômico e Consumidor. Conclusão. Bibliografia. RESUMO O presente trabalho retrata a enorme importância do estudo a cerca do tem, princípios gerais de direito, em que demonstra os caminhos por eles percorridos sob a ótica da Teoria Geral do Direito, desde a sua constitucionalização até a sua irradiação por entre outros ramos do Direito, e em particular, o sistema de proteção e defesa do consumidor brasileiro. A análise com maior grau de aprofundamento recai sobre a principiologia criada com a elaboração da Lei 8.078/90, o Código de Defesa do Consumidor, contida de mandamentos nucleares tais como, o princípio da vulnerabilidade do consumidor, o princípio da eqüidade e a cláusula geral de boa-fé, o princípio da proibição do abuso do direito e a função social dos contratos. Dentre estes, chama-se a atenção do leitor para um dos mais importantes, senão o mais importante dos princípios do sistema de proteção consumerista, que é o da vulnerabilidade do consumidor. PALAVRAS-CHAVE Consumidor; Princípio da Vulnerabilidade; Boa-fé; Teoria Geral do Direito RESUMÉ 26 Ce travail veut présenter l'' enorme importance de l'' etude concernant les principes généraux du droit dans le cadre des chemins parcouris par lui sous le sceau de la Théorie générale du Droit, depuis as constitution jusqu'' à sa penetration dans les autres branches du Droit et, en particulier, le système de protection et de défense du consommateur brésilien. L'' analyse plus approfondie retombe sur les principes créés par la loi 8.078/90, c'' est-à-dire, le code de defense duconsommateur, où il y a des points fondamentaux tels que le principe de la vulnérabilité du consummateur, celui de l'' égalité et la rubrique générale de bonne foi - le principe de la prohibition de l'' abus de droit et la fonction sociale des contrats. Parmi ceux-là, on attire l'' attention du lecteur sur l'' un des plus importants ou peut-être le plus important des principes du système de protection du consomateur, celui de da vulnérabilité. MOT-CLÉ Consommateur; Principe de la Vulnérabilité; Bonne-foi; Théorie générale du Droit; INTRODUÇÃO Todas as conclusões advindas de um princípio que não é evidente, também não podem ser evidentes, mesmo que tenham seguido o processo correto da dedução. Daí que todos os raciocínios assentes sobre tais princípios, não podem dar conhecimento certo de alguma coisa. O homem equipado de sabedoria percebe facilmente a fragilidade dessa estrutura, inclusive nos sistemas mais bem aceitos e com as maiores pretensões de conter raciocínios mais elaborados. Princípios acolhidos com base na confiança, destituídos de um conteúdo científico, falta de coerência entre as partes, e de evidência no todo, danificam o sistema podendo até mesmo levá-lo a sua ruína. Será essa necessidade, de se ter evidentes premissas para se erguer um concreto sistema à base de um forte princípio, uma das propostas de desenvolvimento deste trabalho, além do estudo das ingressões destes princípios no Código de Defesa do Consumidor de 1990, sendo este, no ato de sua criação, totalmente dotado de uma carga manifestamente principiológica em suas normas. 1. DOS PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO Sobre os princípios gerais de direito importa citarmos Miguel Reale (1999, p. 27 305): deve começar pela observação fundamental de que toda forma de conhecimento filosófico ou científico implica a existência de princípios, isto é, de certos enunciados lógicos admitidos como condição ou base de validade das demais asserções que compõem todo campo do saber. Dessa abordagem lógica da palavra "princípio", pode-se dizer que "os princípios são ''verdades fundantes'' de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas." (REALE, 1999, p. 305) Nesse sentido, de acordo com Miguel Reale (1999, p. 306), os princípios se dividem em três categorias: a) PRINCÍPIOS OMNIVALENTES: quando são válidos para todas as formas de saber, como é o caso dos princípios de identidade e de razão suficiente; b) PRINCÍPIOS PLURIVALENTES: quando aplicáveis a vários campos de conhecimento, como se dá com o princípio de causalidade, essencial às ciências naturais, mas não extensivo a todos os campos do conhecimento; c) PRINCÍPIOS MONOVALENTES: quando só valem como âmbito de determinada ciência, como é o caso dos princípios gerais de direito. Será essa categoria de princípios, a dos monovalentes, que a presente monografia irá demonstrar: a incidência deles no âmbito das relações consumeristas devido à alta carga principiológica contida no texto da lei de defesa do consumidor. A expressão princípios gerais de direito é por demais ampla e um autor de grande autoridade como Rubens Limongi França (apud RODRIGUES, 2002), entende que é aos princípios de direito natural que o legislador manda recorrer na lacuna da normatividade. Todavia, há de se atribuir um sentido diferente a eles, uma vez que o legislador quer referir-se àquelas normas que o orientam na elaboração da sistemática jurídica, ou seja, àqueles princípios que "baseados na observação sociológica e tendo como objetivo regular os interesses conflitantes, impõem-se, inexoravelmente, como uma necessidade na vida do homem em sociedade." (RODRIGUES, 2002, p. 25) A esse respeito reportemo-nos a Washington de Barros Monteiro (1997, p. 42), "Nada existe de mais tormentoso para o intérprete, que a aplicação dos princípios gerais de direito, não especificados pelo legislador." Com base nessa posição, ressaltemos, aqui, a resolução para o eventual problema da aplicação dos aludidos princípios gerais, encontrada pelo direito suíço 28 que dispõe no art. 1° do Código Civil deste país que "no silêncio da lei e não havendo um costume a regular uma relação jurídica, deve o juiz decidir ''segundo as regras que ele estabeleceria se tivesse de agir como legislador''." (RODRIGUES, 2002, p. 25) Assim, ao se examinar o direito positivo pátrio, encontra-se, no art. 4° da Lei de Introdução ao Código Civil a orientação a seguir, por força do qual, quando a norma jurídica for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. Nas precisas palavras de Miguel Reale (1999, p. 306), isto significa que: O legislador, por conseguinte, é o primeiro a reconhecer que o sistema das leis não é suscetível de cobrir todo o campo da experiência humana, restando sempre grande número de situações imprevistas, algo que era impossível ser vislumbrado sequer pelo legislador no momento da futura lei. Para essas lacunas há a possibilidade do recurso aos princípios gerais de direito, mas é necessário advertir que a estes não cabe apenas essa tarefa de preencher ou suprir as lacunas da legislação. Note-se, porém, que para vários juristas essas lacunas não podem e nem verdadeiramente poderão existir, uma vez que o ordenamento jurídico oferece ferramentas para regular todos os casos possíveis, sejam eles previstos ou imprevistos, presentes ou futuros. Mas de maneira alguma se colocará em dúvida que as lacunas de fato existem no direito positivo, não merecendo acolhimento esse entendimento, posto que na própria há elementos para suprir essas lacunas; o certo é que tais elementos constituem uma breve resolução do problema, mas não a solução definitiva e concreta dele. Diante desta exposição, temos a célebre noção atribuída por Miguel Reale (1999, p. 306), acerca do entendimento deste autor sobre os princípios gerais de direito em que ele nos revela o seguinte: "princípios gerais de direito são enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, quer para a sua aplicação e integração, quer para a elaboração de novas normas". Ora, é evidente, portanto, que tais princípios gerais são imprescindíveis ao direito. Concluamos este tópico, citando as palavras do constitucionalista Paulo Bonavides (2002, p. 232): Todo discurso normativo tem que colocar, portanto em seu raio de abrangência os princípios aos quais as regras se vinculam. Os princípios espargem claridade sobre o entendimento das questões jurídicas, por mais complicadas que estas sejam no interior de um sistema de normas. Daí infere-se que todo sistema se quiser adquirir a qualidade de um sistema que se completa e se relaciona por toda a extensão de seu corpo normativo, deve estar 29 armado de princípios que emanam de um núcleo central, formados de postulados que seguem os preceitos do princípio da identidade que é comum a todos os campos do saber. Além disso, percebe-se também que dado esse rigor necessário do corpo principiológico central, todo e qualquer princípio que daí se irradiar por outros sistemas periféricos estará sendo amparado pela base. Assim se fixarmos o pressuposto de que o direito positivo é uma camada lingüística de termos prescritivos dirigidos ao comportamento social das relações de intersubjetividade, nada mais justo que apresentarmos a proposta de interpretação do direito como um sistema de linguagem, nos seus três planos fundamentais: a sintaxe, a semântica e a pragmática. Por plano sintático entende-se aquele formado pelo relacionamento que os signos lingüísticos mantêm entre si,sem qualquer menção ao mundo exterior do sistema. Por plano semântico, aquele que diz respeito ao modo de referência à realidade, ou seja, a qualificação dos fatos para alterar normativamente a conduta. Por plano pragmático, aquele "tecido pelas formas segundo as quais os utentes da linguagem a empregam na comunidade do discurso e na comunidade social para motivar comportamento." (BARROS CARVALHO, 2002, p. 97) E para se chegar ao conteúdo intelectual dos textos do Direito através da exegese, deverá o intérprete adotar o critério sistemático de interpretação, porque envolve os três planos fundamentais, ao realizar reiteradas incursões nos níveis sintático, semântico e pragmático da linguagem jurídica. Neste sentido será a interpretação um ato de vontade e um ato de conhecimento e como ato de conhecimento não caberá à "Ciência do Direito dizer qual é o sentido mais justo ou mais correto, mas, simplesmente, apontar as interpretações possíveis." (BARROS CARVALHO, 2002, p. 99) 1.1 Da Constitucionalização dos Princípios Gerais Em decorrência da alta instabilidade política percebida ao longo dos tempos na história do Brasil, sempre foi muito comum, pelo menos até pouco tempo atrás, a interpretação e aplicação dos mais variados ramos do direito tomando-se por base "a lei ordinária principal que o regulamentava." (NERY JÚNIOR, 2002, p. 19) Isso acontece devido à falta de um forte regime democrático, de estabilidade política que possam contribuir com o fortalecimento do Estado Democrático de Direito. Em vista disso percebe-se "porque não se vinha dando grande importância ao Direito Constitucional, já que nossas constituições não eram respeitadas, tampouco aplicadas efetivamente"(NERY JÚNIOR, 2002, p. 19). Daí a alegação de que a ofensa à Constituição, nos países com estabilidade política e que se encontram num verdadeiro Estado Democrático de Direito, possui 30 conseqüências catastróficas. No Brasil, quando este problema é declarado, ou seja, quando há ofensa à Constituição, "a alegação não é levada a sério na medida e na extensão que deveria", apresentando-se "como mais uma defesa que o interessado opõe à contraparte."(NERY JÚNIOR, 2002, p. 19) Entretanto, essa situação vem apresentando uma grande mudança, em virtude do aumento significativo de trabalhos e pesquisas jurídicas que abordam o tema da interpretação e aplicação da Constituição Federal, ao declarar que o Direito Constitucional é a base fundamental do direito para o país. De acordo com Nelson Nery Jr. (2002, p. 20): "O intérprete deve buscar a aplicação do direito ao caso concreto, sempre tendo como pressuposto o exame da Constituição Federal. Depois, sim, deve ser consultada a legislação infraconstitucional a respeito do tema." Na verdade, o que podemos perceber dos ensinamentos deste jurista é que será na Constituição de determinado país que se encontrarão os mais altos valores do Direito Positivo, posto serem preservados pelos cidadãos orientados por uma carga principiológica que reside na base deste sistema. É da Constituição que se irradiam os princípios que irão se dispersar pelas mais variadas leis infraconstitucionais. Partindo desse pressuposto, Simonius tem razão quando afirma que "o Direito vigente está impregnado de princípios até suas últimas ramificações." (apud, REALE, 1999, p. 306) Deste ponto de partida, o da função interpretativa e da aplicabilidade da Constituição, através dos princípios contidos em seu corpo, é que podemos chegar, segundo Paulo Bonavides (2002, p. 246), "numa escala de densidade normativa, ao grau mais alto a que eles já subiram na própria esfera do Direito Positivo: o grau constitucional". Revela também, este constitucionalista, que "a constitucionalização dos princípios compreende dessas fases distintas; a fase programática e a fase não programática". (2002, p. 246) Por fase programática deve-se entender que é uma fase de concreção, dotada de um alto teor de abstração e de perfeição, que demandam de operações integrativas em que se percebe a ausência de juridicidade. Já a fase não programática é uma fase dotada de objetividade, por ser concreta e completa, suscetível de imediata aplicação, e ao contrário do que se pode perceber na fase programática, é dotada de incontrastável juridicidade. Ressalta ainda Paulo Bonavides (2002, p. 246) o seguinte: Na primeira, a normatividade constitucional dos princípios é mínima; na 31 segunda máxima. Ali, pairam ainda numa região abstrata e têm aplicabilidade diferida; aqui ocupam um espaço onde releva de imediato a sua dimensão objetiva e concretizadora, a positividade de sua aplicação direta e imediata. Apenas nesta última fase, a fase não programática, que se fará exeqüível "colocar no mesmo plano discursivo, em termos de identidade, os princípios gerais e os princípios constitucionais." (BONAVIDES, 2002, p. 246) Portanto, o que se pode perceber deste tópico é que, salvo o empenho da Filosofia e da Teoria Geral do Direito ao construírem a doutrina da normatividade dos princípios em que se busca uma neutralidade na qual se possa superar antinomia Direito Natural/Direito Positivo, tema que não é o propósito desse trabalho. Ao se estudar a teoria dos princípios gerais de direito proposto por Del Vecchio nas lições de Vicente Ráo (1999, p. 275), chega-se à seguinte conclusão: O perigo do que se chama aequitas cerebrina, isto é, o arbítrio do juiz em sentido contrário ao da lei, desapareceu com o nascimento do moderno Estado de direito. E se, em nossos dias, certa doutrina pretende restabelecer este arbítrio sob o pretexto especioso da liberdade do juiz ou da jurisprudência, doutrina é esta que, retrógada em sua substância e contrária à liberdade apesar de seu nome, deve ser repelida por se opor ao mencionado princípio e às próprias bases racionais do sistema atualmente em vigor. Assim, nada mais imprescindível na história contemporânea do Direito Constitucional do que a solidificação dos princípios contidos em seus textos de leis, o respeito ao Direito Constitucional como lei basilar de todo o ordenamento jurídico dos Estados para a estabilização política e fortalecimento do Estado Democrático de Direito e, por fim, a conversão dos princípios gerais em princípios constitucionais, entre outras categorias de princípios, já que aqueles possuem maior ou menor incidência nos mais variados ramos do direito, para possibilitar uma maior objetividade e aplicabilidade no escopo de suprir as diversas lacunas encontradas entre as leis. 1.2 Direitos do Consumidor - Previsão Constitucional A Constituição Federal Brasileira de 1988 considerou como fundamental o direito do consumidor. Tanto é que, no art. 5°, inc. XXXII, estabeleceu em "norma de notório conteúdo programático" (CARVALHO FILHO, 2001, p. 19): o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor. Como já comentamos a respeito da fase programática das normas, não é necessário entrarmos em maiores detalhes aqui. Percebe-se, pois, que não foi sem razão que o Constituinte inseriu o direito do consumidor no rol dos direitos fundamentais. Fala-se em conteúdo programático neste inciso porque antes da Lei 8.078/90 32 de 11/09/1990, que criou o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, o art. 5°, inc. XXXII da Constituição Federal, preestabelecia em si mesmo apenas um programa de ação, com respeito ao próprio objeto por se tratar de uma norma constitucional programática até então. Sobre as normas constitucionais programáticas postula Crisafulli (1976, p. 75): As normas constitucionais programáticas, como se viu, não regulam diretamente as matérias a que se referem, mas regulam propriamente a atividade estatal concernente a ditasmatérias: têm por objeto imediato os comportamentos estatais e só imediatamente e por assim dizer, em segundo grau, aquelas determinadas matérias. Acrescenta ainda Paulo Bonavides (2002, p. 222), "ostentam por igual uma dupla eficácia na medida em que servem de regra vinculativa de uma legislação futura sobre o mesmo objeto." Além de caracterizada como direito fundamental, a defesa do consumidor "se qualifica também como um dos princípios da ordem econômica e financeira (art. 170, V, Constituição Federal)." Por se tratar de uma sociedade capitalista, como é a brasileira, fundada na livre iniciativa na qual se verificam inúmeras formas de abuso de poder econômico, nada mais oportuno e justo do que se considerar o direito do consumidor como um direito fundamental. No que diz respeito à competência normativa sobre a matéria, é da inteligência do art. 24, inc. VIII da Constituição Federal, serem competentes a União, os Estados e o Distrito Federal para legislar concorrentemente sobre responsabilidade por dano ao consumidor. O produto legislativo da União deverá ater-se à edição de normas gerais, sendo que os Estados e Distrito Federal possuirão competência suplementar (art. 24, § 1° e 2° da Constituição Federal). Protege-se ainda, através da normatividade constitucional, o direito do consumidor (ALVIM, A.; ALVIM, T.; ALVIM, E.; SOUZA, J., 1995, p. 14): No Título IV da Constituição Federal, destinado à tributação e ao orçamento, em sua Seção II, que se refere às limitações ao poder de tributar, o § 5° do art. 150 dispõe que ''a lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços'', determinando que se ofereça o devido esclarecimento acerca dos tributos incidentes sobre bens objeto de relações de consumo, em clara preocupação com o grau de informação que deve 33 receber o consumidor, o que, aliás, é a tônica deste Código de Consumidor. Como será discutido mais adiante o princípio da transparência, vale adiantar brevemente, como se percebe pelo fragmento supra citado, que a necessidade da devida informação acerca do produto que o consumidor venha adquirir, é mais do que uma mera necessidade, mas sim um dever que se impõe a todos os fornecedores que oferecem produtos ou serviços no mercado consumerista. Além disso nota-se também que o dever de bem informar os consumidores, nada mais é do que uma irradiação de um princípio basilar residente no corpo principiológico nuclear da Lei 8.078/90 (reitere-se o Código de Defesa do Consumidor), que é o princípio da boa-fé, como veremos mais detalhadamente no tópico específico destinado à elucidação de sua aplicabilidade. 1.3 A Defesa do Consumidor e sua Extensão como Princípio Constitucional Após todo este levantamento da trajetória dos princípios gerais de direito, da sua constitucionalização e irradiação por entre outros ramos do Direito, chega-se ao assunto fundamental do presente trabalho, que é o da carga principiológica contida na Lei 8.078/90. Todavia, antes de abordarmos os princípios específicos desta lei, apontaremos ainda a extensão da defesa do consumidor como princípio constitucional. Dada esta destacada posição de defesa do consumidor, a de estar no ápice do nosso ordenamento jurídico, nos declara a importância do tema na órbita da economia brasileira, que possui grande parte de suas atividades baseadas nas relações de consumo, ou seja, entre fornecedor e consumidor que a partir do ano de 1990 devem estar, necessariamente, subordinadas aos ditames do Código de Proteção e Defesa do Consumidor no que chama a atenção pela necessidade de sua correta interpretação nos quadros normativos. Daí percebe-se que os princípios que envolvem a defesa do consumidor são princípios jurídicos basilares, a partir do momento em que buscam introduzir uma nova forma de pensar nos postulados da consciência jurídica, e de acordo com os dizeres de José Joaquim Gomes Canotilho (1992, p. 177-178) será: princípio político constitucionalmente conformador, na medida em que indica opção valorativa do constituinte; é princípio constitucional impositivo, pois que impõe aos órgãos do Estado, sobretudo ao legislador, a realização de uma tarefa e um fim a ser atingido e; princípio garantia, visto que garante, ainda que indiretamente, uma série de direitos ao cidadão. Diante disso fica declarada a magnitude de sua garantia constitucional que possui no mínimo, disposições imediatas e emergentes, difundido de seu estado de 34 princípio geral da atividade econômica do país, erigido por nossa Lei Maior, a virtude de corromper de inconstitucionalidade qualquer norma que possa ser um obstáculo à defesa desta figura das relações intersubjetivas de consumo, que é o consumidor. Assim, ao se tratar de interpretação constitucional dever-se-á identificar quais foram as normas que receberam do legislador constitucional a categoria de princípios orquestradores do sistema de valoração. É preciso, pois, identificar tais princípios, posto que são mais do que normas dado o seu caráter de fundamentalidade no sistema das fontes de direito, ou à sua importância estrutural dentro do sistema jurídico, uma vez que irão servir "como vetores para soluções interpretativas." (TEMER, 1990, p. 37) Da posição do constitucionalista acima citado, nota-se que ele atribui ser papel do legislador apontar quais normas este erigiu à categoria de princípios, na busca da solução das antinomias que são encontradas nos conflitos entre as normas do sistema. Percebe-se portanto que, mais uma vez, será do núcleo sistêmico de onde emanará toda orientação no intuito de se atingir a devida interpretação normativa. Por fim, lembra ainda Fábio Konder Comparato (1990, p. 69): De um lado, não pode, o legislador, ou a administração pública, editar norma conflitante com o objetivo do programa constitucional. De outro, os Poderes Públicos têm o dever de desenvolver esse programa, por meio de uma ação coordenada. Após todas essas exposições, mais do que declarado, está comprovado que a defesa do consumidor é uma garantia constitucional que engloba uma vasta gama de direitos que estão envolvidos em toda a Carta Constitucional ou em outros regimes e princípios colhidos por ela. "Direitos que envolvem a obrigação positiva de atuar, legislar e decidir, na política, na lei e na justiça, pela defesa do consumidor" (ZAPATER, 2001, p. 187). 1.4 Legislação Infraconstitucional - O Momento da Parturição do Código de Proteção e Defesa do Consumidor Brasileiro Apesar do amplo otimismo do Constituinte, ao revelar certa pressa para que fosse promulgada a lei de proteção do consumidor, de acordo com a determinação do art. 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), quando consignou que o Congresso Nacional deveria elaborar, no prazo de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, o Código de Defesa do Consumidor. Entretanto, após quase dois anos da promulgação da Carta Magna é que foi instituída a Lei 8.078/90 de 11/09/1990, que criou o código brasileiro das relações consumeristas. Este impôs aos órgãos estatais, sobretudo ao legislador, "a realização de uma tarefa e um fim a ser atingido" (ZAPATER, 2001, p. 185), ao buscar uma legislação mais eficiente e específica para tratar de tais situações jurídicas, enquanto o que se 35 tinha antes era a adaptação interpretativa pelos juristas do Código Civil de 1916, nos mais variados casos em que eram envolvidos os sujeitos do consumo, no que quase sempre acabava numa decisão menos favorável aos consumidores. 2. A POLÍTICA NACIONAL DAS RELAÇÕES DE CONSUMO E SUA ABRANGÊNCIA Estabelece o caput do art. 4° do Código de Defesa do Consumidor, a definição dos objetivos que norteiam a política das relações de consumo, buscando um alcance substancialmente
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