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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA Disciplina: Introdução à Educação Superior Percepção da intertextualidade Um texto traz em si marcas de outros textos, explícitas ou implícitas. A esse fenômeno chamamos intertextualidade. Essa ligação entre textos pode ir de uma simples citação explícita a uma leve alusão, ou até mesmo a uma paródia completa, em que a estrutura do texto inicial é utilizada como base para o novo texto. Essa associação é prevista pelo autor e deve ser feita pelo leitor de forma espontânea, na proporção em que partilhe conhecimento com o autor. Em textos mais complexos, a intensidade do esforço para compreender a intertextualidade pode variar e sempre depende de conhecimentos prévios comuns ao autor e ao leitor. Vamos analisar um exemplo bem simples de intertextualidade: CONTRAFÁBULA DA CIGARRA E DA FORMIGA Adaptação feita por Pedro Bandeira do texto do escritor português Antonio A. Batista A formiga passava a vida naquela formigação, aumentando o rendimento da sua capita e dizendo que estava contribuindo para o crescimento do Produto Nacional Bruto. Na trabalheira do investimento, sempre consultando as cotações da Bolsa, vendendo na alta e comprando na baixa, sempre atenta aos rateios e às subscrições. Fechava contratos em Londres já com um pé no Boeing para Frankfurt ou Genebra, para verificar os dividendos de suas contas numeradas. Mas vivia também roendo-se por dentro ao ver a cigarra, com quem estudara no ginásio, metida em shows e boates, sempre acompanhada de clientes libidinosos do Mercado Comum. E vivia a formiga a dizer por dentro: - Ah, ah! No inverno, você há de aparecer por aqui a mendigar o que não poupou no verão! E vai cair dura com a resposta que tenho preparado para você! Ruminando sua terrível vingança, voltava a formiga a tesourar e entesourar investimentos e lucros, incutindo nos filhos hábitos de poupança, consultando advogados e tomando vasodilatadores. Um dia, quando voltava de um almoço no La Tambouille com os japoneses da informática, encontrou a cigarra no shopping Iguatemi, cantarolando como de costume. Lá vem ela dar a sua facada, pensou a formiga. “Ah, ah, chegou a minha vez!” Mas a cigarra aproximou-se só querendo saber como estava ela e como estavam todos no formigueiro. A formiga, remordida, preparando o terreno para sua vingança, comentou: -A senhora andou cantando na tevê todo este verão, não foi, dona Cigarra? É claro! – disse a cigarra. – Tenho um programa semanal. -Agora no inverno é que vai ser mau – continuou a formiga com toda maldade na voz. -A senhora não depositou nada no banco, não é? - Não faz mal. Os meus discos não saem das paradas. E acabei de fechar um contrato com o Olympia de Paris por duzentos mil dólares ... -O quê?! – exclamou a formiga. – A senhora vai ganhar duzentos mil dólares no inverno? - Não. Isso é só em Paris. Depois, tem a excursão a Nova York, depois a Londres, depois Amsterdam... Aí a formiga pensou no seu trabalho, nas suas azias, na sua vida terrivelmente cansativa e nas suas ameaças de enfarte, enquanto aquela inútil da cigarra ganhara tanto cantando e se divertindo! E perguntou: -Quando a senhora embarca para Paris? -Na semana que vem... -E pode me fazer um favor? Quando chegar a Paris, procure lá um tal La Fontaine. E diga-lhe que eu quero que ele vá para o raio que o parta! Trata-se de uma fábula, ou seja, uma historieta de ficção, de cunho popular e de caráter alegórico, destinada a ilustrar um preceito, uma sabedoria. O próprio título anuncia a intenção . O autor parte do pressuposto de que seus leitores conhecem a fábula da Cigarra e da Formiga do autor francês La Fontaine e que reconhecerão imediatamente a sua paródia. Utilizando uma situação similar à fabula original, atualiza suas circunstâncias e modifica seu final (intertextualidade implícita na estrutura). Segundo sua posição crítica, hoje em dia, no mundo dominado pelos meios de comunicação e pelo hedonismo, os artistas podem chegar a ser milionários com mais rapidez e facilidade do que trabalha incansavelmente pensando exclusivamente no dinheiro, e a mensagem original, contrária ao prazer, não estaria mais funcionando. É também um juízo a favor da arte em oposição à especulação financeira. A história em si é engraçada, mas a alusão à fábula original (na última fala da formiga) cria a intertextualidade explícita, já que remete à lição de moral tradicional e multiplica o humor do texto. GARCEZ, Lucília Helena. Técnica de redação: o que é preciso saber para bem escrever. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p.41
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