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1 2 OS MAGISTRADOS FEDERAIS E A REFORMA DA PREVIDÊNCIA Teses e Antíteses 3 4 ÍNDICE APRESENTAÇÃO ................................................................................................................... 05 JUSTIFICATIVAS PARA A MANUTENÇÃO DE UM REGIME JURÍDICO PRÓPRIO PARA OS MAGISTRADOS FEDERAIS ............................................................................................. 07 REFORMA DA PREVIDÊNCIA................................................................................................ 23 5 6 APRESENTAÇÃO No início de 2003 foi formada pela AJUFE uma Comissão para atuar como assessoria técnica da Entidade nas questões envolvendo a reforma da Previdência Social. Essa Comissão foi composta pelos Juízes Federais Marcus Orione, Alexandre Laranjeira, Luis Fernando Cavalheiro, Edilson Nobre e Marcelo Tavares, sendo auxiliada pelos Juízes Federais Jorge Maurique, Secretário- Geral, e Luiz Praxedes, Diretor Coordenador de Comissões da AJUFE. Já após a primeira reunião, iniciou-se a participação da AJUFE nos grupos de trabalho do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social do Governo Lula, onde se chegou a diversas propostas destinadas a integrar a reforma da previdência. A despeito das várias intervenções dos componentes da Comissão em defesa dos interesses dos Magistrados Federais e da Sociedade - e do acolhimento de várias das propostas formuladas - o governo praticamente desconsiderou os trabalhos ali realizados, enviando projeto completamente divorciado dos esforços dos trabalhos do próprio Conselho. Enviada a desastrosa PEC 40/03 ao Congresso, a Comissão debruçou-se sobre o texto, sendo que de seus esforços surgiu documento, enviado a todos os associados, alertando para as perdas decorrentes do projeto. Ainda, as entidades nacionais representativas da magistratura (AJUFE, ANAMATRA, AMB) e do Ministério Público (ANPR e CONAMP) formaram comissões conjuntas para acompanhar a reforma e apresentar nossas reivindicações ao Congresso Nacional. Dentre os textos produzidos pela Comissão de Previdência da AJUFE situa-se o primeiro trabalho deste volume, em que se justifica a necessidade de preservação de um regime próprio para a magistratura. Ainda, o Conselho da Justiça Federal constituiu Comissão de Altos Estudos destinada a apresentar propostas para diversos temas atuais que se relacionam com o Estado Democrático de Direito. Um deles, a reforma da previdência. As conclusões alcançadas por essa Comissão, relatadas pelo Juiz Federal Jorge Maurique, compõem o segundo texto desse volume. A Magistratura Federal não é contra uma reforma da previdência. A previdência precisa ser sustentável a longo prazo e ver corrigidas distorções que a afligem. Contudo, é responsabilidade da AJUFE alertar a Sociedade e os Poderes para as conseqüências de se tratar a previdência da Magistratura a partir de dados parciais, que não correspondem à realidade, e deles extrair um discurso de conotação populista tão fácil quanto incorreto. Queremos, a partir desta publicação, contribuir para o debate e demonstrar a imperiosa necessidade de se atentar para a necessidade e a viabilidade de um regime próprio de previdência para a Magistratura. Brasília, junho de 2002 Paulo Sérgio Domingues Presidente da AJUFE 7 8 JUSTIFICATIVAS PARA A MANUTENÇÃO DE UM REGIME JURÍDICO PRÓPRIO PARA OS MAGISTRADOS FEDERAIS I - Em defesa de um sistema público de previdência social Sob a perspectiva política da Seguridade Social, esta tem em primeiro plano e como finalidade a proteção da necessidade social, ou seja, estende-se a toda sociedade e tem como prestador o Estado, em missão fundamental. Quanto à perspectiva jurídica, refere-se esta ao meio ou ao instrumento com que se pretende almejar a finalidade de proteção às necessidades sociais, através de uma organização normativa instrumental e das relações jurídicas decorrentes. Destarte, pode-se, hoje, afirmar que a noção de Seguridade Social equivalente à Previdência Social (destinada, apenas, à prestação dos chamados seguros sociais), está superada, cedendo lugar a uma noção assistencial, que supera todas as deficiências contidas na estrutura da previdência social, inclusive o mecanismo clássico do seguro privado. Portanto, a Seguridade Social passa a ser concebida como “um instrumento protetor, garantindo o bem-estar material, moral e espiritual de todos os indivíduos da população, abolindo todo o estado de necessidade social em que possam se encontrar”1 . E, invocando a lição de Wagner Balera a Seguridade, como sistema, deve ser conceituada como “uma realidade indissociável entre Saúde, Previdência Social e Assistência Social”2 . As noções acima podem ser facilmente constatadas a partir das disposições constitucionais a respeito da seguridade social (arts. 194 e seguintes da Constituição Federal). Assim, fica bem claro o desejo da criação de um sistema de segurança social. Para se tecer esta rede de segurança para os brasileiros, concebeu-se que é necessária, dentre outras coisas, a existência de proteção, por meio de um seguro social, de natureza previdenciária. Esta, por sua vez, na ótica de nosso modelo, é essencialmente redistributiva de renda e concebida a partir da solidariedade. Seria inviável a existência de redistribuição de renda e de solidariedade social sem a existência de um sistema público de previdência social. A natureza das entidades privadas e sua natural inclinação ao lucro inviabilizam a realização destes desideratos constitucionais da previdência brasileira. 1 José Manuel Almansa Pastor, Derecho de la seguridad social, p. 60. 2 In “A Seguridade Social: conceito e polêmicas”, extraído da obra Mínimos de Cidadanias, No.04, Programa de Estudos Pós-graduados em Serviço Social da PUC de São Paulo, dezembro de 1994, p. 33. 9 Ainda mais recentemente vem-se constatando a preocupação crescente dos diversos países com a reformulação de suas pensões e aposentadorias, inclusive porque o investimento estrangeiro vem cada vez mais vinculado à capacidade de cada Estado pagar as suas contas públicas. Como solução, alguns países vizinhos buscaram a reforma do modelo, tentando como alternativa o prestígio da previdência privada. Neste sentido, poderiam ser citados os exemplos do Chile e da Argentina. Em face de uma pretensa inviabilidade de a previdência pública arcar futuramente com os gastos necessários à sua sobrevivência, muitos países buscam solução através da previdência privada. No entanto, verifica-se que a possibilidade do acerto ou não dos rumos tomados pelo Chile, por exemplo, somente poderão ser verificados mais ou menos a partir do ano 2.010, quando o sistema deverá iniciar, de forma expressiva, a pagar os seus beneficiários. Até o momento, havendo apenas ingresso excessivamente majoritário de receita, não há como se assegurar o sucesso daquelas experiências. Inobstante, antes mesmo da verificação dos resultados naqueles países, alguns, inadver- tidamente tentam a transposição do modelo para o Brasil. Ao se indagar sobre uma eventual transição para o sistema privado, observa Marcelo Viana Estevão de Moraes: “É evidente que nós não poderemos simplesmente mimetizar experiên- cias ocorridas em países vizinhos, tendo em vista as especificidades da nossa realidade, as quais têm estreita correlação com a atual situação do setor público - nós nos encontramos numa situação de debilitamento financeiro que, por exemplo, não era a situação do Chile quando implementou, em 1980, seu sistema de Previdência Social. É um pouco mais próximo da situação da Argentina e, no caso argentino houve um processo de vendas aceleradas de ativos públicos para financiar este processo, mas os ativos um dia também acabam; há limitações”. ( 3) Perceba-se, ainda, que, como lembra o autor, no caso do Chile, a implantação do sistema se deu em meio à plena vigênciade um regime militar autoritário - sendo que os mesmos os militares, com receio do insucesso do plano, se excluíram do sistema - “se fosse bom eles teriam sido os primeiros a se filiarem”. ( 4) Além disto, na própria Argentina, esperava-se um público de 6 milhões de pessoas a serem incorporadas pelo novo regime. No entanto, por temor dos segurados e falta de interesse das seguradoras, o contingente abrangido não chegou sequer a alcançar o número de 2 milhões de pessoas. A guinada para um sistema privado vem sendo devidamente rechaçada por doutrinadores de renome. Neste sentido confira-se o seguinte trecho (ainda que datado): “A previdência complementar também enfrenta dificuldades. Nos Estados Unidos, por exemplo, onde ela é garantida pelo Estado até certo limite, o 3 MORAES, Marcelo Viana Estevão de Moraes. Revisão constitucional - reforma previdenciária. Revista de Previdência Social, São Paulo, n. 168, p. 846, novembro 1994. 4 Ibid., p. 847. 10 Presidente Clinton está preparando projeto de reforço desta garantia. Ou seja: enquanto nós estamos aqui discutindo essa bobagem da privatização da previdência social, como se isso fosse possível, os Estados Unidos estão estatizando a previdência complementar, os fundos de pensão. No Brasil como sabemos, a razão principal dos problemas previdenciários não está propriamente na previdência social, está sobretudo na inflação e na economia como um todo”. ( 5) Frisamos, diante de todo o exposto, que a realidade nacional não comporta a privatização efetiva do sistema, como alguns preconizam. RESSALTE-SE QUE VÁRIOS ECONOMISTAS CONSIDERAM QUE A PASSAGEM PARA UM SISTEMA PRIVADO IMPLICARIA UM CUSTO DE CERCA DE DUAS VEZES O PIB BRASILEIRO - MESMO PORQUE HAVERIA APENAS DESPESAS COM AS APOSENTADORIAS, PENSÕES E DEMAIS BENEFÍCIOS CONCEDIDOS, SEM A CONTRAPARTIDA, HOJE EXISTENTE, DA RECEITA, QUE PASSARIA PARA OS COFRES DAS ENTIDADES PRIVADAS. DIANTE DA PERSPECTIVA ATUAL, SEQUER SERIA POSSÍVEL ESTA MUDANÇA - DUVIDA- SE QUE ELA SEJA CONCRETIZÁVEL ATÉ MESMO DE FORMA PARCIAL, COM O ABANDONO DE UM REGIME PRÓPRIO PARA O SETOR PÚBLICO E A ADOÇÃO, COMO VEM SENDO DEFENDIDO, DE UM REGIME ÚNICO PARA OS TRABALHADORES PÚBLICOS E PRIVADOS. Urge frisar que a importância do regime público vem respaldada pela experiência extremamente eficiente de alguns países desenvolvidos como o Japão. Analisemos, ainda que de forma perfunctória, este sistema, para constatar que é inviável conceber-se um sistema de segurança social entregue apenas ao mercado. No Brasil, “a seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social” (art. 194 da Constituição Federal). Assim, encontram-se bem diferenciados os sistema de previdência social (este regido pelos arts. 201 e 202 da Constituição Federal e, infraconstitucionalmente, pelas leis nos. 8.212/91 e 8.213/91) e de saúde (sendo esta regida pelos arts. 196 a 200 da Constituição Federal e, no plano infraconstitucional, pela Lei no. 8.080 de setembro de 1990). No Japão, a previdência social não se dissocia da saúde, o que faz com a que contribuição se dê para ambas, sem possibilidade de isenção em relação a nenhuma delas. Por outro lado, há que registrar, neste país, as elevadas contribuições para ambos os casos: para o seguro de saúde, há a incidência de uma contribuição de 8,5% do salário-mensal (metade a cargo do empregado e metade por conta do empregador) e, para o seguro de pensão dos assalariados, há a incidência do montante de 17,35% sobre o salário-mensal do trabalhador (devendo o trabalhador arcar com a metade).3 No caso de seguro de saúde nacional, administrado pelas “prefeituras” e aplicável aos demais segurados não assalariados, a contribuição é de 5% do valor da renda mensal a cargo do trabalhador. Assim, mesmo países de economia extremamente avançada, como o Japão, não se entregaram a aventuras de colocar à mercê do mercado o seu sistema previdenciário. Frise-se que, salvo raras hipóteses, mesmo os países desenvolvidos mantém, ainda que com parâmetros diversos, a proteção previdenciária na esfera pública. A importância da previdência pública é revelada 5 LEITE, Celso Barroso. Atualidade e perspectivas da Previdência Social. Revista da Previdência Social, São Paulo, n. 172, p. 173 e 174, março 1995. 11 pelas experiências européias em geral (França, Alemanha, Inglaterra) e mesmo pelo próprio Estados Unidos (que mantém um mínimo da previdência social na esfera de atuação do poder público). NÃO HÁ SEQUER, À LUZ DAS LEGISLAÇÕES COMPARADAS, MOTIVOS PARA SE ABORTAR UM SISTEMA PÚBLICO DE PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA, DEVENDO ESTE SE DAR A PARTIR, COMO OCORRE EM OUTROS PAÍSES, DE PATAMARES DIGNOS PARA A SOBREVIVÊNCIA NAS INTEMPÉRIES. Com efeito, todas as grandes nações do mundo mantêm regimes públicos de previdência, inclusive aquelas detentoras dos três maiores PIB’s do planeta: EUA, Japão e Alemanha. Além disso, o financiamento da seguridade social no Brasil é perfeitamente equacionável desde que se adotem medidas destinadas a retirar da economia informal (leia-se: ilegalidade econômica) toda uma gama de contribuintes, quer sejam pessoas físicas, quer sejam pessoas jurídicas. A esse respeito, aliás, há dados oficiais no sentido de que 56 % da força de trabalho do País não está integrada ao regime geral da previdência social. Noutras palavras, a arrecadação das contribuições deveria focar o consumo, retirando da folha de pagamentos os pesados encargos que tanto estimulam o emprego informal, viabilizando o ingresso no sistema de milhões de possíveis contribuintes. Em última instância, percebe-se que a polêmica promovida, atualmente, pelo Governo Federal exclui qualquer valoração acerca do valor ético e social da seguridade e, em especial, da previdência. Esquece-se freqüentemente que a criação do orçamento da Seguridade Social foi uma das grandes conquistas obtidas por meio da Carta de 1988, a qual possibilitou, por meio dos benefícios assistenciais (em favor dos idosos, dos incapacitados e dos trabalhadores rurais), a inclusão social de populações absolutamente marginalizadas e entregues a uma situação de penúria. O sistema de seguridade não deve e não pode ser encarado, portanto, apenas como um problema financeiro, dadas as suas extraordinárias repercussões no âmbito da sociedade brasileira. II) Em defesa de um regime próprio para os Juízes Federais II.1) Razões institucionais para a preservação do regime próprio para os juízes De ninguém é desconhecido que o Estado de direito é aquele que sobrevive do império das normas. Ao Estado de direito, expressão mais importante em determinados momentos da história da humanidade, foi incorporado, com o passar dos anos, o adjetivo democrático. O Estado poderia ser autoritário ou democrático. O Estado de Direito (do império das normas), portanto, poderia ser ou não democrático. Com a inclusão da adjetivação acima, nas Constituições modernas, pretendeu- se dar fim a esta possibilidade, extremamente nefasta. Lembremos, acompanhando José Afonso da Silva, que “o Estado Democrático de Direito reúne os princípios do Estado Democrático e do Estado de Direito, não como simples reunião formal dos respectivos elementos, porque, em verdade, revela um conceito novo que os supera, na medida em que incorpora um componente revolucionário de transformação do status quo”6 . Este processo de transformação, por sua vez, é concebido no contexto de uma sociedade livre, justa e 6 Curso de direito constitucional positivo. 8a. ed. São Paulo : Ed. Revista dos Tribunais, 1990, p. 99. 12 solidária. A partir desta ótica, pode-se dizer que, para a perfeição deste modelo de Estado, se faz necessária a preservação de direitos sociais, indispensáveis a que se alcancem os objetivos postos no art. 3º da nossa Constituição Federal. Assim,extremamente interessante conceber-se que o Estado democrático encontra na Constituição o meio mais eficaz de sua inserção no modelo de Estado legitimamente desejado. E, por seu turno, estando o Estado democrático atado à idéia da liberdade positiva, a sua plenitude somente se dá com a elaboração de programas de ação, em especial de natureza social. Assim, percebe-se que, no Estado democrático de direito, que tem a sua concretização máxima na constitucionalização dos ideais de democracia, os direitos sociais devem ser vistos como alicerce, já que, sem o mínimo de garantia social, é impossível a concepção de uma sociedade justa e que caminhe na busca da erradicação da pobreza e da marginalização, com a redução das desigualdades sociais existentes (objetivos insculpidos, no caso do nosso ordenamento jurídico, no art. 3º, incisos I e III da Constituição Federal). POR OUTRO LADO, DESTACADO PELA PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO, HÁ QUE SE RESSALTAR O PAPEL DA ATUAÇÃO DO JUDICIÁRIO NA CONSTRUÇÃO DESTE ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. Detectada a instabilidade ocasionada no Estado democrático de direito decorrente da depreciação dos direitos em geral, e dos sociais em particular, indaga-se: quais seriam os meios possíveis de se obter, novamente, a estabilização, a partir do resgate do ideário do Estado democrático posto na própria Constituição Federal? No caso específico da esfera jurídica, uma das manifestações mais viscerais da cidadania encontra-se no exercício do poder constitucional de ação (art. 5º, inciso XXXV), com o correlato prestígio que assume, na correção das distorções do Estado democrático de Direito, da atuação jurisdicional. Norberto Bobbio lembra que: “Todas as declarações recentes dos direitos do homem compreendem, além dos direitos individuais tradicionais, que consistem em liberdades, também os chamados direitos sociais, que consistem em poderes. Os primeiros exigem da parte dos outros (incluídos aqui os órgãos públicos) obrigações puramente negativas, que implicam abstenção de determinados comportamentos; os segundos só podem ser realizados se for imposto a outros (incluídos aqui os órgãos públicos) um certo número de obrigações positivas”7 . Assim, o conceito constitucional de ação integra o rol das liberdades públicas8 , com o que o Judiciário passa a ser guardião destas, sem se olvidar, no entanto, da relevância social de sua atuação . Não é de se estranhar, portanto, a sua colocação no art. 5o., inciso XXXV, da Constituição Federal, situado exatamente no título dos direitos e garantias fundamentais. Segundo este dispositivo, “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Somente o exercício – ou possibilidade de exercício - da ação restabelece o império das leis, já que a sentença, na forma tradicionalmente concebida, dita, para a controvérsia, a lei. Portanto, 7 A era dos direitos. Rio de Janeiro : Campus, 1992, p 21. 8 Como acentua Canotilho, “a defesa dos direitos e o acesso aos tribunais não pode divorciar-se das várias dimensões reconhecidas pela Constituição ao catálogo do direitos fundamentais. O sentido global resultante da combinação das dimensões objectiva e subjectiva dos direitos fundamentais é o de que o cidadão, em princípio, tem assegurada uma posição jurídica subjectiva, cuja violação lhe permite exigir a proteção jurídica” (in Direito Constitucional. Coimbra : Livraria Almedina, 1993, p. 387). 13 a constitucionalização do direito de ação corresponde a um dos desejos mais íntimos do Estado de Direito, ou seja, a prevalência do governo das leis sobre o governo dos homens. Ademais, a ação apareceria inicialmente como fonte de afirmação da existência “de um poder judicial independente do poder político”. AQUI, A INDISPENSABILIDADE DO JUDICIÁRIO PARA A PRESERVAÇÃO DO ESTADO DE DIREITO - E MAIS DO PRÓPRIO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. No caso específico dos direitos sociais, vislumbrada sob a ótica anterior de poder, a ação será também elemento relevante de preservação destes, auxiliando inclusive em que se evite o seu completo desmanche, como se verá no momento oportuno. Como bem posto por Boaventura de Souza Santos9 , “a consagração constitucional dos novos direitos econômicos e sociais e sua expansão paralela à do Estado de bem-estar transformou o direito ao acesso efetivo à justiça num direito charneiro, um direito cuja denegação acarretaria a de todos os demais. Uma vez destituídos de mecanismos que fizessem impor o seu respeito, os novos direitos sociais e econômicos passariam a meras declarações políticas, de conteúdo e função mistificadores”. A existência de regime de previdência próprio para os Juízes é, portanto, uma questão de necessidade institucional. Não é possível recrutar e manter bons quadros na magistratura sem o oferecimento de vantagens mínimas que assegurem a tranqüilidade e atratividade no exercício de funções públicas, notadamente no âmbito de uma sociedade capitalista competitiva. Noutras palavras, as garantias da Magistratura, aí incluída a aposentadoria integral, na verdade são garantias para a própria sociedade brasileira: garantia de recrutamento de bons quadros; garantia de resistência à pressão do poder político; garantia da serenidade necessária ao exercício da judicatura e garantia de resistência às investidas do poder econômico, aí considerado inclusive o crime organizado. Também não se pode deixar de considerar que a aposentadoria integral é a justa retribuição ao exercício de uma função que limita inclusive a cidadania de seu titular. Não é possível olvidar que ao Juiz é vedado o exercício de qualquer outra atividade profissional ou econômica, salvo a de professor. Também não se pode esquecer que o Juiz não pode integrar agremiação política, nem tampouco candidatar-se a qualquer cargo eletivo, donde exsurge a necessidade de compensação financeira para tão gravoso regime jurídico que é típico, com fundadas razões, da magistratura. Além disso, como o próprio Governo Federal já teve oportunidade de perceber, a transição para um regime geral de previdência social é altamente custosa, em face da necessidade de efetiva contribuição por parte da UNIÃO e à vista da diminuição das receitas relativas às contribuições dos servidores, hoje calculadas sobre a totalidade das remunerações, sem os limites existentes no regime geral de previdência social. FACE AO EXPOSTO, PERCEBE-SE A INDISPENSABILIDADE DA PRESERVAÇÃO, COM TODAS AS GARANTIDAS PARA O SEU MELHOR EXERCÍCIO, DA ATUAÇÃO JURISDICIONAL. O JUDICIÁRIO É O MAIOR GUARDIÃO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO, DEVENDO SER VALORIZADA A ATUAÇÃO DOS JUÍZES, SOB PENA DE CONSEQÜÊNCIAS NEFASTADAS PARA A PRÓPRIA VIDA DO ESTADO. 9 Introdução à sociologia da administração da justiça. In FARIA, José Eduardo (organizador). Direito e Justiça - a função social do Judiciário. 3a. ed. São Paulo : Editora Ática, 1997, p. 45 e 46. 14 LOGO, A MANUTENÇÃO DE UM REGIME PRÓPRIO PARA OS JUÍZES SIGNIFICA INVESTIR NA PRÓPRIA DEMOCRACIA - NA MEDIDA EM QUE SE ESTIMULA A EXISTÊNCIA DE UMA JUDICATURA INDEPENDENTE E DE MELHOR QUALIDADE. Em resumo, no Estado democrático de direito, cumpre ao Poder Judiciário a importante missão de proteção e garantia dos direitos fundamentais previstos na Constituição, sejam eles considerados em sua dimensão individual, coletiva, econômica ou social. Observado o princípio da separação dos Poderes, ao Judiciário foi atribuída a árdua tarefa de solucionar os conflitos, podendo, para fiel cumprir seu mister constitucional, julgar inclusive os outros Poderes da República. Evidente, pois, que tal desiderato somente pode ser cumprido de forma imparcial e efetiva se aos magistrados forem asseguradas garantias mínimas para o exercício da jurisdição. Tais garantias, arroladas no art. 95 da CF/88, são a base da independência funcional da magistratura. A vitaliciedade, a inamovibilidade e a cláusula de irredutibilidade de subsídiossão prerrogativas constitucionais da magistratura que visam a conferir-lhe as condições de independência e imparcialidade indispensáveis para a sua atuação. Em contrapartida, como dito, aos juízes são impostas severas vedações, inclusive no que tange à possibilidade de exercer qualquer outra atividade, ainda que privada. Em outro dizer, o exercício da magistratura exige dedicação integral e exclusiva. Por conseguinte, a vida econômica dos magistrados fica inteiramente à mercê do Estado. Por outro lado, não é difícil inferir que a supressão ou redução de qualquer uma de tais garantias é inconstitucional, visto que pode afetar, ainda que indiretamente, as condições básicas inerentes ao exercício da jurisdição. Evidentemente, isso se aplica às aposentadorias e pensões da magistratura. Como afirmar que o juiz tem asseguradas as condições para exercer de forma independente e imparcial a sua atividade quando não se lhes garante a estabilidade econômica futura, própria e de sua família ? A aposentadoria é, na verdade, corolário da garantia da vitaliciedade conferida à magistratura. Vale transcrever o ensinamento de Sahid Maluf: “Exatamente pelo fato de ser vitalícia a sua função, os vencimentos têm de ser integrais, em qualquer caso de aposentação, escapando, assim, à regra geral da proporcionalidade. Como afirmou Rui, a aposentadoria é a integração especial da vitaliciedade” (in Direito Constitucional, p. 270, v.2, 5a. ed., Ed. Sugestões Literárias, São Paulo, 1970). Também sob o ponto de vista da garantia de irredutibilidade de subsídios não há como admitir alterações no modelo previdenciário da magistratura. Primeiro, porque os magistrados – assim como ocorre em relação aos servidores públicos - não deixam de ostentar tal condição após a passagem para a inatividade. Ao contrário, continuam atrelados ao vínculo jurídico-administrativo que mantinham com o Estado e ainda sujeitos a vedações, embora menores (permanece a restrição de acumulação de cargos, por exemplo). Segundo, porque não há como negar que a possibilidade de redução dos subsídios na passagem para a inatividade – ou na hipótese de falecimento - constitui componente de insegurança pessoal incompatível com as condições ideais para o exercício da judicatura. Quanto a esse aspecto, importa lembrar que, ao dependerem exclusivamente da remuneração paga pelo Estado ao longo de toda a carreira, dificilmente os juízes conseguem amealhar algum patrimônio significativo que possa ser utilizado como reserva econômica na velhice. Pior ainda em caso de morte. 15 II - Razões financeiras para a preservação de um regime próprio para os magistrados federais Primeiramente, urge frisar que, diversamente do que se postula, a previdência social no país é superavitária. O diagnóstico produzido pelo Governo Federal, no sentido de que a previdência social apresenta déficits crescentes, não se revela consistente, como se percebe dos dados abaixo analisados. Em síntese, urge ressaltar que a Constituição Federal de 1988 prevê regimes previdenciários distintos para os trabalhadores em geral e para os servidores públicos. Estabelece para os primeiros um regime geral, disciplinado no artigo 201 da CF/88; para os servidores públicos, prevê um regime próprio, sujeito às regras inscritas no artigo 40 do texto constitucional. No dizer do Governo Federal, ambos os regimes são deficitários, afetam negativamente as contas públicas e constituem-se em verdadeiros entraves ao desenvolvimento nacional. Conforme estimativas apresentadas pelo Governo Federal, o rombo nas contas da previdência, considerados o regime geral e os regimes próprios mantidos pela União, Estados e Municípios para seus servidores civis e militares, atinge a astronômica cifra de R$ 70 bilhões ao ano. Tais conclusões, no entanto, incorrem em graves equívocos, tanto sob o aspecto jurídico quanto sob o ponto de vista matemático- contábil. Consideradas as diferenças inerentes aos dois sistemas, inclusive no que diz respeito às regras de filiação, de custeio e de benefícios, impõe-se examiná-los separadamente. a) O Regime Geral da Previdência Social (RGPS) O regime geral da previdência social é público, de filiação obrigatória e de caráter contributivo, destinado à proteção dos trabalhadores do setor privado. Está estruturado em um modelo financeiro de repartição simples, isto é, as contribuições cobradas dos segurados são utilizadas para cobrir os gastos do sistema com os inativos. Contudo, não há - nem nunca houve - qualquer preocupação com a aplicação dos superávits verificados ao longo dos anos. Pior: com o passar do tempo, embora os resultados anuais apontassem um declínio dos superávits gerados pelo sistema, jamais se cogitou da formação de um fundo de reserva destinado ao pagamento de benefícios futuros. Ao contrário, sempre foram constantes as denúncias de malversação da arrecadação previdenciária, seja através do desvio de recursos para outras finalidades alheias à previdência social, seja em razão de um alto grau de sonegação e de fraudes milionárias praticadas contra o sistema. Apesar disso, conforme dados oficiais do Ministério da Previdência e Assistência Social, até 1994 a arrecadação líquida do RGPS sempre superou as despesas com os benefícios pagos pelo INSS. Ainda de acordo com esses dados, somente a partir de 1995 o quadro se inverteu. Entretanto, isso não significa, como pretende o governo, que a previdência brasileira tenha-se tornado insolvente. Primeiro, porque o financiamento da previdência não se limita às contribuições incidentes sobre a folha de salários, recolhidas pelas empresas, e às contribuições pagas pelos segurados. A Constituição Federal prevê que a seguridade social seja financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, incluindo recursos orçamentários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (art. 195, caput), além de contribuições sociais exigidas dos empregadores - incidentes sobre a folha de salários (art. 195, I, a), sobre o faturamento (art. 195, I, b) e sobre o lucro (art. 195, I, c) - e dos trabalhadores (art. 195, II). Além dessas, há outra contribuição, incidente sobre a 16 receita de loterias (art. 195, III) e a possibilidade de instituição, mediante lei complementar, de outras fontes destinadas à manutenção ou expansão da seguridade social (art. 195, §4º). Portanto, é incorreto imaginar que o custeio do regime geral da previdência social se esgote na contribuição incidente sobre a folha de salários, recolhida pelas empresas, e na contribuição paga pelos trabalhadores. Segundo, porque ainda que se admitisse tal restrição, não haveria o déficit apontado pelo Governo Federal. De acordo com os dados que têm sido apresentados à sociedade, em 2002 o regime geral da previdência social apurou um déficit correspondente a R$ 17 bilhões, valor que se estima atingirá R$ 19 bilhões neste ano, ou seja, 1,4% do PIB. Outra vez, o resultado decorre da incorreta manipulação de dados. Para obter essa conclusão, o Governo Federal compara o gasto total com o pagamento de benefícios de prestação continuada mantidos pelo INSS com a arrecadação total da contribuição previdenciária incidente sobre a folha de pagamentos e da contribuição paga pelos segurados. Todavia, na despesa são incluídos os benefícios pagos aos trabalhadores rurais e benefícios assistenciais, que, sabidamente, não dependem de contribuição específica individual e, muito menos, da contribuição recolhida pelas empresas e trabalhadores urbanos ativos. Evidente, portanto, a necessidade de ajuste técnico, excluindo-se da despesa o montante gasto com o pagamento de benefícios que não guardam relação direta com a contribuição incidente sobre a folha de salários e com a contribuição recolhida pelos trabalhadores urbanos. Efetuado o ajuste, verificar-se-á, novamente, um superávit nas contas previdenciárias. Portanto, no chamado “déficit da previdência”, o Governoestá incluindo as despesas incorridas com todo o sistema da seguridade social, que, conforme já mencionado, não abrange apenas a previdência stricto sensu, mas abarca os gastos com a saúde pública e com a assistência social prestada à população carente. Ademais, conforme sistematicamente tem alertado a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Previdência Social - ANFIP, o Governo tem desviado recursos do orçamento da seguridade social para o orçamento fiscal da União, seja através do Fundo Social de Emergência - FSE, posteriormente denominado de Fundo de Estabilização Fiscal - FEF, seja através da chamada Desvinculação de Recursos da União - DRU. Ainda de acordo com os dados consolidados pela ANFIP, extraídos de fontes oficiais, a seguridade social brasileira é superavitária. Segundo a fonte citada, as receitas da seguridade social em 2002 corresponderam a uma arrecadação total de R$ 136,9 bilhões, mas o gasto incorrido com o pagamento de benefícios do regime geral da previdência e de benefícios assistenciais, acrescido das despesas com a saúde e dos custos administrativos de gestão de todo o sistema, atingiu R$ 105,4 bilhões, tudo a evidenciar um superávit de aproximadamente R$ 31,5 bilhões naquele exercício. Argumenta-se, ainda, que, em breve, a situação será ainda mais crítica, porque tem-se observado ao longo dos últimos anos um severo aumento no número de benefícios concedidos em relação ao número de contribuintes do sistema. Dessa forma, mantido esse ritmo, e considerado o regime de repartição (solidariedade) adotado na previdência pública, em pouco tempo cada trabalhador em atividade teria de sustentar um aposentado ou pensionista, tudo a demonstrar a inviabilidade do sistema. Mais uma vez, as projeções governamentais estão equivocadas. O crescimento vertiginoso do sistema decorreu de significativas alterações adotadas desde a criação do regime geral da previdência social, que passou a ser muito mais abrangente, incluindo em seu espectro protetivo categorias sociais que não gozavam originalmente de qualquer tipo de seguro social. Cumpre salientar que, embora a expansão do sistema previdenciário brasileiro tenha ocorrido desde a sua criação, na década de 30, foi a partir de 1966, em pleno regime militar, que tal 17 processo se acentuou. A incorporação de autônomos, empregados domésticos e de trabalhadores rurais era conseqüência lógica do grande projeto de integração nacional existente na época. Seria razoável esperar, portanto, que, exatamente na década de 90, começassem a surgir os primeiros problemas, decorrentes de um significativo aumento do número de benefícios. Antes disso, evidentemente, a relação contribuintes/beneficiários era extremamente alta. Tanto assim que as alíquotas eram muito inferiores às atuais. Mais tarde, outros grupos populacionais foram abrangidos pela proteção estatal: as pessoas atendidas pela assistência social, isto é, os deficientes físicos e os idosos. Tal processo de universalização da cobertura social, todavia, está concluído, não havendo, atualmente, a previsão de novos ingressos extraordinários na previdência pública, sendo razoável esperar, por isso, apenas o crescimento vegetativo do sistema. Em outras palavras, há uma certa estabilidade no perfil dos segurados (contribuintes e beneficiários) abrangidos pelo regime geral da previdência social e pela assistência social, permitindo, assim, sejam feitas previsões mais adequadas quanto ao comportamento futuro de todo o sistema. Sob o ponto de vista demográfico, também não há razões para pessimismo. Ao contrário, até 2020 a previsão é de que ocorra um aumento relativo da população adulta, justamente aquela considerada em idade produtiva. Importa ressaltar, finalmente, que, sob o ponto de vista do custeio do sistema, os principais fatores que impedem o crescimento do número de segurados-contribuintes são o aumento do desemprego e do mercado informal de trabalho. Segundo dados do IBGE, em 1995 havia cerca de 40 milhões de brasileiros atuando na economia informal, o que representava 54% da população economicamente ativa. Se esse contingente passasse a integrar o mercado formal de trabalho, recebendo apenas um salário mínimo, haveria um incremento na folha de salários da ordem de R$ 62,4 bilhões, representando um acréscimo na contribuição previdenciária equivalente a R$ 18,7 bilhões, o que corresponderia a 5 (cinco) meses do gasto total do INSS com o pagamento de benefícios e pensões1 0. Os dados são, efetivamente, assustadores, especialmente se considerarmos que estas pessoas, em razão de não integrarem a previdência social stricto sensu, pois não recolhem contribuição individual, no futuro necessitarão ser amparadas pela assistência social, ou seja, em última análise, pelo Tesouro Nacional. Como se vê, a solução efetiva para a seguridade social, inclusive no que tange à previdência stricto sensu, é a adoção de medidas que permitam a retomada do crescimento econômico e a geração de empregos formais. Isso não significa dizer que inexistem distorções no sistema. Existem, sim. São exemplos disso a inexistência de idade mínima para a aposentadoria por tempo de contribuição, a contagem de tempo de serviço sem recolhimento de contribuições (trabalhadores rurais, alunos de escolas técnicas, etc.), a relativa facilidade na obtenção de aposentadorias especiais, etc. Todavia, o aperfeiçoamento do regime geral de previdência social tem caráter meramente complementar. A verdadeira solução para a previdência social brasileira depende, necessariamente, de reformas na estrutura produtiva do país, única alternativa capaz de garantir o êxito futuro de todo o sistema de seguridade. Caso contrário, as medidas adotadas serão apenas perfunctórias, servindo tão-somente para reduzir injustamente direitos sociais das gerações de trabalhadores que, no passado, ingressaram, compulsoriamente, em um sistema que até hoje sustentaram. 10 Cfe. Nôvo, Miguel Arcanjo Simas. Problemas do mercado de trabalho. Efeitos na Previdência Social. 18 b) O Regime de Previdência dos Servidores Públicos A Constituição Federal assegura aos servidores públicos um regime previdenciário diferenciado em relação àquele instituído em prol dos trabalhadores da iniciativa privada. As razões disso não estão vinculadas, absolutamente, a algum tipo de paternalismo. Decorrem, isto sim, da própria natureza e peculiaridade do serviço público. Tais distinções verificam- se desde a sua vinculação inicial ao ente público, mantêm-se durante toda a vida funcional do servidor, e prosseguem após a sua passagem para a inatividade. Com efeito, diversamente do que ocorre com os trabalhadores do setor privado, a posse em cargo público não deriva de uma relação meramente contratual, configurada segundo a vontade das partes; ao revés, os servidores públicos submetem-se integralmente a uma relação jurídico- administrativa, regida por normas legais, onde não lhes é dado o direito de negociar sua remuneração, submetendo-se, nesse particular, a regras fixadas em lei de iniciativa exclusiva da Administração; não acumulam ao longo de suas trajetórias profissionais o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS; não podem celebrar acordos, convenções ou dissídios coletivos do trabalho; não participam da distribuição de lucros ou resultados; não podem acumular cargos nem nele permanecer após a aposentadoria, etc. Em outro dizer, ficam inteiramente à mercê do ente estatal a que se vinculam. Por outro lado, enquanto para os trabalhadores em geral a aposentadoria implica, via de regra, a extinção do contrato de trabalho, substituindo-se o empregador – responsável pelo pagamento dos salários - pelo órgão previdenciário incumbido de pagar os proventos, isso não se verifica em relação aos servidores públicos. Estes, quando passam à inatividade, não perdem a condição de servidores, continuando, por isso, sujeitos às normas de serviço público, inclusive no que se refereao responsável pelo pagamento de seus proventos, o Estado. Por conseguinte, não é pertinente a idéia de “rombo” no sistema de previdência dos servidores públicos. A aposentadoria dos servidores públicos é decorrência da própria prestação do serviço público (pro labore facto), constituindo-se em uma obrigação do Estado e não uma contrapartida por uma contribuição paga anteriormente. Segue daí que o custo de um sistema próprio de seguridade destinado aos servidores públicos nada mais é do que um item da despesa pública e como tal deve ser tratado. Conseqüentemente, os gastos com tal sistema estão diretamente relacionados ao tamanho e ao padrão remuneratório da máquina pública. De fato, tendo o Estado autonomia plena para fixar, unilateralmente, o número de servidores contratados, bem assim o valor de sua remuneração, nota-se que cabe a ele estimar os custos das futuras aposentadorias, ajustando-se à sua realidade orçamentária. Evidente, pois, que o principal requisito para um adequado controle dos dispêndios com os servidores inativos depende, única e exclusivamente, de uma correta política governamental de administração de pessoal. O que não se pode, em hipótese alguma, é pretender transferir aos servidores os ônus decorrentes de erros praticados no passado. Cabe, isto sim, exigir-se das autoridades públicas seriedade e responsabilidade no trato das questões referentes à administração de recursos humanos. Cumpre observar, ainda, que recentemente já houve a introdução de significativas alterações no regime próprio de previdência dos servidores públicos, seja através da obrigatoriedade de sua participação no custeio das aposentadorias do setor público (art. 40, §1o., da CF/88, com a redação da EC nº. 3/93), seja mediante a exigência de caráter contributivo, a observância de equilíbrio financeiro e atuarial no sistema, e uma severa restrição às condições de elegibilidade dos benefícios (fixação de idade mínima, tempo mínimo de permanência no serviço público e no cargo, aumento 19 no tempo faltante para a aposentadoria – “pedágio”, etc.), estas últimas previstas na EC nº. 20/98. E, ao contrário do que se alega, essas alterações já estão produzindo efeitos concretos nas contas públicas. De fato, em relação aos servidores civis da União, já é possível detectar uma drástica queda no número de aposentadorias por ano, bem assim do número total de inativos. Além disso, o encargo previdenciário da União reduziu-se no período compreendido entre 1995 e 2001, tanto em termos reais quanto em relação à receita corrente líquida. Evidentemente, que tais dados não significam dizer que inexistem distorções no sistema. Todavia, demonstram que, sob o ponto de vista econômico-financeiro, o ajuste da previdência pública não requer medidas emergenciais, adotadas de afogadilho. Concluindo: mesmo em se considerando a previdência social dos servidores públicos federais como despesas da seguridade social (visão equivocada, já que os valores das aposentadorias e pensões dos servidores são custeados mediante contribuições e parcelas do orçamento da UNIÃO), ainda assim haveria superávit de R$ 7,159 bilhões, levando-se em conta a receita virtual decorrente da contribuição patronal da UNIÃO, numa proporção de 2x1, conforme o teor do art. 2º. da Lei nº. 9.717/98. Além disso, de toda sorte da Carta de 1988 estipula em seu art. 169 que a despesa com o pessoal ativo e inativo não poderá exceder limite fixado em lei complementar, o qual atualmente é de 50 % do valor das receitas da UNIÃO, nos termos do art. 119, inciso I, da LC nº. 101/2000, valor esse muito além do que vem sendo gasto para a referida despesa. Logo, pode-se dizer que sequer há déficit em ambos os regimes previdenciários enfocados (o regime geral e o regime dos servidores públicos federais, aí englobada a Magistratura Federal). Em acréscimo, é correto afirmar que não há déficits crescentes, haja vista que, com o advento da Emenda Constitucional nº. 20/98, tornou-se impossível a obtenção de benefício previdenciário pela simples contagem de tempo de serviço, sendo necessária a efetiva contribuição para a obtenção dos favores do seguro social. Portanto, normas transitórias concessivas de benefícios extraordinários (v.g., a aposentadoria especial dos trabalhadores rurais e das supostas vítimas do Regime Militar) tendem a produzir efeitos transitórios que serão minorados com o passar do tempo, diminuindo as despesas do orçamento da Seguridade Social. Além disto, há que se analisar outras razões para a preservação de um regime próprio para os servidores em geral, que podem ser transpostos como mais propriedade ainda para o caso dos juízes federais, a saber: 1) os juízes têm autorização legal para exercer apenas um cargo cumulativo de Professor - restrição inexistente no setor privado, onde não há qualquer restrição de cumulação. 2) os servidores em geral, o mesmo se dando como os juízes, não têm direito ao FGTS, que afinal indeniza o tempo trabalhado, auxiliando no momento de intempérie, em especial na velhice (quando, em ocorrendo a aposentadoria, é possível o levantamento dos valores). Já os trabalhadores privados têm este direito, com o que, com a participação econômica de seus empregadores, possuem um valor que amortiza os efeitos nefastos do tempo de serviço prestado a um mesmo “patrão”. 3) Os juízes contribuem com 11% sobre o total de seus vencimentos, não havendo teto para contribuição. Exemplificando, com texto escrito pela Prof. Érica Paula Barcha Correia, mestre e doutora em Direito Previdenciário pelo PUC/SP: 20 “Apenas para exemplificar, um funcionário público que perceba R$ 8.000,000 recolherá para o chamado PPS, a importância de R$ 880,00, ao passo que um executivo da iniciativa privada, que perceba o mesmo valor como remuneração, recolherá para o INSS o valor de R$ 171,77 (11% de R$ 1.561,56). Cabe ressaltar que se esse mesmo executivo exercer mais uma, ou duas, atividades remuneradas, continuará recolhendo esse mesmo valor, pois, de acordo com o sistema atual ele já recolhe pelo teto em uma de suas atividades. Portanto, dentro do quadro apresentado, não há como justificar a unificação dos dois regimes de trabalho; o estudo não pode ser efetuado apenas sob a ótica do regime de previdência, deixando para trás as peculiaridades e limitações inerentes ao ocupante de cargo público. Por outro lado, sob a ótica do financiamento dos dois sistemas, é sabido que a geração atual financia os benefícios da geração passada, e que a geração futura beneficiará a atual no momento oportuno. Pois bem, promovida a unificação dos regimes e passando o fun- cionário público a contribuir de forma equivalente ao trabalhador da iniciativa privada, não se estaria comprometendo o financiamento entre as gerações?” Feitas as considerações anteriores, é forçoso admitir, da mesma forma, que o regime de previdência dos juízes federais não vem sofrendo qualquer debilidade, decorrente de eventual déficit. II.3) A Emenda Constitucional no. 20 de 1998 já teria dado ensejo às perdas possíveis para a magistratura nacional em relação à questão previdenciária. Com a Emenda no. 20 de dezembro de 1999, emergiu uma nova modalidade de aposen- tadoria no direito brasileiro. Trata-se da aposentadoria por tempo de contribuição. Se partirmos da lógica da existência de um risco futuro que merece a ser acobertado por esta aposentadoria, a questão a se resolver será bastante complexa, na medida em que não se considera, pelo menos a princípio, um risco concreto do segurado para a obtenção do benefício (na aposentadoria por idade teríamos a velhice como risco; na aposentadoria por tempo de serviço teríamos o desgaste provocado pela realização do labor como risco) - o risco é muito mais do sistema, que se não for custeado, irá à falência, do que do segurado. Em relação ao setor público, de forma bastante clara, a aposentadoria passa a se dar somente apóso segurado atender cumulativamente aos seguintes requisitos: um mínimo de contribuição e uma certa idade - distinta para homem e mulher. Assim, na nova redação dada pela Emenda 20 ao art. 40 da Constituição, tem-se que o servidor somente poderá se aposentar, nesta modalidade observadas, de forma conjugada, as seguintes condições: a) tempo mínimo de dez anos de efetivo exercício no serviço público; b) cinco anos no cargo efetivo em que se dará a aposentadoria; c) no mínimo, sessenta anos de idade e trinta e cinco de contribuições, se homem, e cinqüenta e cinco anos de idade e trinta de contribuições se mulher. A cumulatividade de todos os requisitos anteriores é patente da redação do art. 40, inciso III, letras “a” e “b” da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda no. 20. 21 No caso da aposentadoria compulsória no setor público, também será observada a pro- porcionalidade ao tempo de contribuição, o mesmo se dando em relação à aposentadoria por invalidez, “exceto se decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, especificada em lei” (art. 40, inciso I, da Constituição Federal). Prevê-se ainda o aproveitamento do tempo de contribuição federal, estadual ou municipal (observada aqui é claro a lei de compensação, no. - ver o no.), não se admitindo o estabelecimento de qualquer forma “de contagem de tempo de contribuição fictício” (par. 10 do mesmo art. 40). Por fim, foram estabelecidas, quer para o setor público, quer para o setor privado, as regras de transição - a fim de se obter, pelos que já estavam no sistema, o tempo de serviço já prestado anteriormente. Somente assim, crê o legislador constituinte, haveria perfeita preservação do direito adquirido. No caso o servidor público, este, para se aposentar de forma integral pela regra de transição, deverá cumulativamente, como reza o art. 8o. da Emenda Constitucional no. 20: a) ter cinqüenta e três anos de idade, se homem, e quarenta e oito, se mulher; b) fazer incidir sobre o tempo que faltaria para se aposentar o percentual de vinte por cento para efeitos de contribuição. Assim, por exemplo, se faltava um ano para certo homem se aposentar, deverá contribuir mais vinte por cento sobre um ano (um ano mais vinte por cento de um ano e contar com, no mínimo, cinqüenta e três anos). No caso de servidor público que desejar aposentar-se proporcionalmente ao tempo de contribuição a diferença será o acréscimo do percentual de 40% sobre o tempo restante. Como se constata das regras acima, a maioria delas aplicáveis aos juízes federais em sua inteireza, já houve concessões feitas para que a correção de eventuais distorções do sistema - não se tolerando outras perdas que redundem, como já visto, na instabilidade da própria garantia institucional do exercício da judicatura. Assim, segundo a redação original do artigo 93, VI, da CF/88, a aposentadoria dos magistrados “com proventos integrais é compulsória por invalidez ou aos setenta anos de idade, e facultativa aos trinta anos de serviço, após cinco anos de exercício efetivo na judicatura”. A Emenda Constitucional nº. 20/98 introduziu modificação de duvidosa constitucionalidade, passando o dispositivo antes mencionado a ter a seguinte redação: “a aposentadoria dos magistrados e a pensão de seus dependentes observarão o disposto no art. 40”. Na prática, a modificação elevou o tempo de serviço necessário para a aposentadoria voluntária, passou a exigir o cumprimento de tempo mínimo no serviço público, estipulou uma idade mínima para a jubilação, equiparando a magistratura aos demais servidores públicos civis, enfraquecendo, com isso, a garantia constitucional originalmente prevista. III - Conclusão Vinha o Governo Federal acenando com a retirada ou redução de outras garantias, tais como a integralidade dos proventos, sua paridade em relação à remuneração paga aos magistrados da ativa, a redução no valor das pensões, etc. Tais propostas não podem ser admitidas sob qualquer hipótese. 22 Primeiro, porque, tais alterações afetam garantias institucionais (vitaliciedade e irredutibilidade de vencimentos) conferidas à magistratura, enfraquecendo a noção de independência funcional, indispensável ao exercício da judicatura, e, por conseguinte, mitigando a cláusula pétrea da separação dos Poderes. Segundo, porque como mencionado anteriormente, os resultados obtidos com as alterações já produzidas no texto constitucional indicam a possibilidade de equilíbrio das contas públicas em médio e longo prazo. E isso sem considerar o superávit existente no orçamento da seguridade social, segundo os cálculos elaborados pela ANFIP. Finalmente, ainda que assim não se entendesse, importa observar que o regime previdenciário da magistratura federal é altamente superavitário, apresentando uma elevada relação entre o número de contribuintes e de beneficiários, a faixa etária média dos magistrados em atividade é inferior a 40 anos, e o tempo de serviço acumulado é bastante reduzido, tudo a evidenciar a desnecessidade de novos ajustes financeiros ou de redução de benefícios. Impõe-se concluir, portanto, que propostas de alteração na forma de cálculo das aposen- tadorias e pensões da magistratura, bem assim de eliminação da paridade em relação aos subsídios pagos aos magistrados em atividade, implicam ofensa às garantias constitucionais previstas no artigo 95 da Constituição Federal, não podendo ser admitidas sob pena de flagrante inconstitucionalidade. Conforme mencionado anteriormente, a análise da previdência social dos servidores públicos não deve ser feito sob o enfoque atuarial, visto que, tecnicamente, está muito mais vinculada a questões orçamentárias do que contributivas. Entretanto, as pressões internas e externas exercidas para o ajuste das contas públicas têm compelido o Governo Federal a examinar a questão sob esse prisma. Dessa forma, embora não concordemos com a adoção desse critério, o regime de previdência da magistratura federal resistiria a qualquer estudo atuarial. Com efeito, circunstâncias históricas e atuais favorecem a magistratura federal. Primeiro, porque a Justiça Federal somente voltou a ser instalada no Brasil em 1967 e, até a Constituição Federal de 1988, seus quadros de juízes sempre foram muito reduzidos. Portanto, é pequeno o número de juízes aposentados e de pensionistas. Segundo, porque atualmente o perfil dos juízes federais revela um quadro muito jovem (faixa etária média inferior a 40 anos) e com um baixo tempo de serviço acumulado (no âmbito da 4a. Região, que abrange o Rio Grande do Sul, Santa Catarina e o Paraná, o tempo de serviço total averbado é inferior a 10 anos, sendo o tempo de exercício na magistratura inferior a 5 anos). Evidente, pois, que os atuais juízes contribuirão para o sistema, na condição de magistrados, durante praticamente toda a sua vida laborativa, o que se constitui em um dado extremamente significante sob o ponto de vista atuarial. Finalmente cumpre salientar que, considerada a relevância da matéria de competência da justiça federal, é razoável projetar-se um incremento cada vez maior no número de varas e de juízes, tudo a favorecer, em médio e longo prazo, o equilíbrio financeiro e atuarial de um regime de previdência próprio da magistratura federal. A seguir, a título de ilustração, transcrevemos alguns dados relativos à magistratura federal da 4a. Região, confirmam inteiramente as afirmativas anteriores: 23 JUSTIÇA FEDERAL DE 1A. INSTÂNCIA Dez/2002 Jan/2003 Fev/2003 Média RS SC PR RS SC PR RS SC PR RS SC PR Ativos 117 62 93 114 62 92 115 63 93 Inativos 1 4 3 1 4 3 1 4 3 Pensionistas 0 0 4 0 0 4 0 0 4 Contribuintes/beneficiários 117 15,5 13,3 114 15,5 13,1 115 15,8 13,3 Valor mensal arrecadado (R$ mil) 165,6 100,2 171,1 152,1 78,1 106,9 105,8 40,7 112,2 141,1 73,0 130,1 Proventos pagos (R$ mil) 17,4 61,5 50,4 17,4 61,5 50,4 17,461,5 50,4 17,4 61,5 50,4 Pensões pagas (R$ mil) 0 0 46,0 0 0 46,0 0 0 46,0 0 0 46,0 Resultado mensal (R$ mil) 148,2 38,7 74,7 134,7 16,6 10,5 88,4 (20,8) 15,8 123,7 11,5 33,7 Faixa etária média Tempo de Serviço na Tempo de serviço total Órgão (anos) magistratura (anos) averbado (anos) TRF n/d 12,9 28,0 SJ/RS 34,9 4,6 9,3 SJ/SC n/d 3,9 10,8 SJ/PR n/d 3,9 11,2 24 REFORMA DA PREVIDÊNCIA1 Jorge Antonio Maurique Juiz Federal INTRODUÇÃO Um espectro ronda o mundo e atinge uma enormidade da população mundial, que é a questão da previdência. Vários países estão a discutir como adotar uma previdência que garanta a sua sustentabilidade e ao mesmo tempo, preserve a população que necessita de proteção do Estado. Este espectro tem nome e atende por Reforma da Previdência. É sobre tal tema que me debruço e, longe de querer apresentar um quadro definitivo ou propostas mercuriais, apresento abaixo uma pequena análise da questão previdenciária e das perspectivas da Reforma da Previdência ora em curso no Brasil. Pretendo desenvolver o tema da seguinte maneira: uma análise histórica da Previdência, após o que o trabalho será dividido em análise do Regime Geral da Previdência Social, que está a cargo do Instituto Nacional de Seguridade Social e Regime Público da Previdência Social, que significa a previdência dos servidores públicos, em especial os federais. Por fim, pretendo analisar a previdência dos magistrados. PREVIDÊNCIA: UMA PEQUENA HISTÓRIA A Previdência Social faz parte do tripé da seguridade social. A seguridade social constitui- se numa rede de proteção que é composta de três grandes eixos: a Previdência, a Assistência Social e a Saúde. A vigente Constituição Federal estabeleceu a rede de seguridade social inicialmente no art. 194, que na sua atual redação assim dispõe: Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos: I - universalidade da cobertura e do atendimento; II - uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; III - seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; IV - irredutibilidade do valor dos benefícios; 1 Esse texto foi elaborado pelo autor, atendendo ao cronograma proposto pela Comissão de Altos Estudos da Justiça Federal, sendo um documento preliminar para análise, críticas e sugestões. 25 V - eqüidade na forma de participação no custeio; VI - diversidade da base de financiamento A Organização Internacional do Trabalho, através da Convenção 102, assim estabeleceu o conceito de seguridade: Seguridade social é a proteção que a sociedade proporciona a seus membros mediante uma série de medidas públicas contra as privações econômicas e sociais que de outra derivariam no desaparecimento ou em forte redução de sua subsistência como conseqüência de enfermidade profissional, desemprego, invalidez, velhice e morte e também a proteção em forma de assistência médica e de ajuda às famílias com filhos. Esse conceito não foi adotado completamente pela Constituição Federal, mas ressalto que o atual texto é o que mais aprofundou o conceito de seguridade social. Portanto, se a seguridade social busca a proteção social, a Previdência Social não pode ser dissociada do conceito de proteção social que deve ser acionado nas situações onde seja necessária ou onde exista a previsão legal para o gozo de determinado benefício. Na feliz dicção de Castro e Lazzari, A Previdência Social é, portanto, o ramo da atuação estatal que visa à proteção de todo indivíduo ocupado numa atividade laborativa remunerada, para proteção dos riscos decorrentes da perda ou redução, permanente ou temporária, das condições de obter seu próprio sustento. Eis a razão pela qual se dá o nome de seguro social ao vínculo estabelecido entre o segurado da Previdência e o ente segurados estatal.2 O histórico da Previdência Social aponta para os movimentos sociais que foram se organizando, juntamente com a expansão do capitalismo industrial e encetando grandes lutas para a obtenção de um trabalho minimamente decente. As primeiras leis que reconheceram algum direito de proteção ao trabalhador (e que considero, portanto, o marco inicial da Previdência Social) surgem na Alemanha, no final do Século XIX e sobre elas nos fala Maria Lúcia Rocha Lopes, como segue: Mesmo de forma diluída e pontual, vão surgindo os primeiros elementos, as primeiras iniciativas, que mais tarde vão dar forma a um sistema mínimo de proteção ao trabalhador e seus dependentes. Os primeiros passos foram dados na Alemanha, quando o Parlamento aprovou em 1883 a Lei do Seguro Doença e, em seguida, a Lei do Seguro Acidente (1884) e a Lei do Seguro de Invalidez e Velhice (1889).3 Outros países foram gradativamente incorporando aos seus ordenamentos jurídicos o reconhecimento de direitos sociais, entre os quais alguns benefícios que podemos afirmar serem de previdência social. No Brasil, o marco inicial sempre foi referido como sendo a Lei Eloy Chaves, que criou a Caixa de Aposentadoria e Pensões nas empresas das estradas de ferro, embora já houvesse legislação esparsa reconhecendo determinados direitos que podemos considerar de previdência social.4 2 Castro, Carlos Alberto Pereira de / Manual de Direito Previdenciário / Carlos Alberto Pereira de Castro, João Batista Lazzari. – 2a. ed. – São Paulo: LTr, 2001, p. 39. 3 Silva, Maria Lúcia Lopes da / Previdência Social um direito conquistado: resgate histórico, quadro atual e propostas de mudanças / Maria Lúcia Lopes da Silva. – 2a. ed. rev. ampliada e atualizada – Brasília : Ed. do autor, 1997, p. 29. 4 É interessante que se remeta aos trabalhos de Castro e Lazzari e Maria Lúcia Lopes da Silva, já citados acima, que apresentam um abreviado histórico da Previdência Social em seus primórdios, sendo também elucidativo o trabalho de J. R. Feijó Coimbra, Direito Previdenciário Brasileiro, que contém importantes referências históricas. 26 Com a queda da República Velha começam a surgir uma série de institutos de acordo com a categoria profissional (IAPETC, IPASE, IAPM, etc), até que em 1945, pelo Decreto-lei nº 7.526 foi criado o Instituto dos Seguros Sociais do Brasil, que absorveu todas as entidades previdenciárias e institutos assistenciais já existentes, embora ficasse sem qualquer aplicação prática, posto que não foi efetuada qualquer regulamentação. Somente em 1960 é editada a Lei Orgânica da Previdência Social – LOPS, que embora não unificando os organismos de previdência social, criou contudo normas uniformes para o amparo a segurados e dependentes dos vários institutos, sendo que somente em 1967 foram unificados os vários institutos de assistência e previdência no Instituto Nacional de Previdência Social – INPS. Em 1977 altera-se a organização da Previdência Social, com a criação do SINPAS – Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social, com a criação de vários órgãos para funções específicas (INAMPS, IAPAS, INPS, LBA, FUNABEM), ficando à margem do sistema o IPASE, que foi extinto, ficando, no entanto, os servidores públicos regidos pela Lei 1.712/52 (Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União). Um novo marco se dá com a Constituição Federal de 1988, com o estabelecimento do conceito de seguridade social, bastante ampliado do que se tinha até então, ficando os trabalhadores da iniciativa privada albergados no art. 2015 , ficando excluídos do Regime Geral da Previdência Social os servidores públicos civis, os militares, os magistrados e membros do Ministério Público e os membros do Tribunal de Contas da União, todos por possuírem regime próprio. 5 A atual redação do art.201 é a seguinte: “Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; II - proteção à maternidade, especialmente à gestante; III - proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; IV - salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda; V - pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º. § 1º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, definidos em lei complementar. § 2º Nenhum benefício que substitua o salário de contribuição ou o rendimento do trabalho do segurado terá valor mensal inferior ao salário mínimo. § 3º Todos os salários de contribuição considerados para o cálculo de benefício serão devidamente atualizados, na forma da lei. § 4º É assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real, conforme critérios definidos em lei. § 5º É vedada a filiação ao regime geral de previdência social, na qualidade de segurado facultativo, de pessoa participante de regime próprio de previdência. § 6º A gratificação natalina dos aposentados e pensionistas terá por base o valor dos proventos do mês de dezembro de cada ano. § 7º É assegurada aposentadoria no regime geral de previdência social, nos termos da lei, obedecidas as seguintes condições: I - trinta e cinco anos de contribuição, se homem, e trinta anos de contribuição, se mulher; II - sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher, reduzido em cinco anos o limite para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal. § 8º Os requisitos a que se refere o inciso I do parágrafo anterior serão reduzidos em cinco anos, para o professor que comprove exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio. 27 Finalmente, em 1990 foi criado o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS – autarquia destinada a substituir o INPS e o IAPAS, sendo em 1991 editada a Lei 8.212/91, destinada a regular o custeio da seguridade social e a Lei 8.213/91, destinada a regular os benefícios da previdência social, sendo extinto o INAMPS em 1993, ficando as ações da saúde a cargo do Sistema Único de Saúde - SUS. Seguiram-se várias alterações na legislação entre os anos de 1993 a 1997, entre as quais merece relevância a Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, que regulamentou o benefício assistencial de que trata o art. 203 da Constituição Federal e por fim a Emenda Constitucional nº 20, que modificou substancialmente a Previdência Social, passando as aposentadorias a não mais ser concedida por tempo de serviço, mas sim por tempo de contribuição (35/30 anos), fixando idade mínima para o ingresso no mercado de trabalho (16 anos) e combinada com essa alteração constitucional seguiu-se a Lei 9.876/99, que instituiu o fator previdenciário, que pretendia combinar o sistema de repartição com o sistema de contribuição, pelo qual o trabalhador se aposentaria pela média dos proventos auferidos, conjugado com a expectativa de sobrevida, ou seja, quanto mais tardasse a aposentadoria, maior seria o benefício e vice-versa. Adotou-se, então, uma forma de cálculo de aposentadoria que pode ser dita de “capitalização escritural”. Deve ser dito que todas as alterações efetuadas na legislação da Previdência Social tinham por finalidade aproximá-la de cálculos atuariais, pois, segundo especialistas, tal como até então existente, a Previdência Social brasileira não sobreviveria por muito tempo. Isso significa que precisamos ingressar numa pequena digressão sobre a crise dos sistemas de previdência. A CRISE DA PREVIDÊNCIA A crise da Previdência Social aconteceu, penso, fruto de um grande processo de mudanças no cenário político nacional e internacional. Mas antes de analisar a crise da Previdência Social implica que primeiro se faça uma análise rápida dos sistemas contributivos. A previdência social é baseada em contribuições (no Brasil, as contribuições para a seguridade social encontram seu lastro no art. 195 da Constituição Federal), sendo que basicamente existem três sistemas contributivos, conhecidos como sistema contributivo de repartição, de capitalização ou misto. No regime de capitalização, cada indivíduo ou grupo de indivíduo contribui e esse valor de contribuição será “capitalizado”, isto é, apropriado para uma conta individualizada em nome do poupador. O benefício será, em tese, o valor daquela poupança efetuada, isto é, as contribuições serão “capitalizadas” em favor do contribuinte, sendo mínima a participação do Estado. O regime de capitalização está baseado na idéia de poupança individual, sendo seu exemplo o Chile. § 9º Para efeito de aposentadoria, é assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição na administração pública e na atividade privada, rural e urbana, hipótese em que os diversos regimes de previdência social se compensarão financeiramente, segundo critérios estabelecidos em lei. § 10. Lei disciplinará a cobertura do risco de acidente do trabalho, a ser atendida concorrentemente pelo regime geral de previdência social e pelo setor privado. § 11. Os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária e conseqüente repercussão em benefícios, nos casos e na forma da lei 28 Já no regime de repartição, as contribuições sociais vertem para um fundo único, e esse fundo efetuará os pagamentos dos benefícios daqueles que se tornaram elegíveis nos termos da lei. Repousa no pacto de solidariedade de gerações, onde a contribuição de hoje se destina aos contribuintes de ontem, ou seja, os ativos financiam os aposentados, não existindo acumulação de reservas e os pagamentos dos atuais contribuintes será garantido pelas futuras gerações de contribuintes. É o atual sistema brasileiro. Por fim, no sistema misto há uma combinação dos sistemas de repartição simples e capitalização, existindo um pilar básico da previdência, organizado de acordo com as regras de repartição simples e acima deste pilar básico há uma previdência complementar obrigatória. O grande problema do regime de repartição é que ele se baseia num sistema que exige uma correlação próxima de ideal entre ativos e inativos. No entanto, com o aumento da longevidade e com as crises que inibiram o crescimento econômico, esse sistema entrou em crise. Mas que crise é essa? É só do sistema de previdência social? Não, penso que a crise não é só dos sistemas de previdência social, mas é bem mais amplo, é a própria crise dos estados de bem-estar social e dos estados enquanto nação. É o que Giovani Alves6 sinaliza como a mundialização do capital, que possui as seguintes características: 1. Taxas de crescimento do PIB muito baixas, inclusive em países (como o Japão) que desempenharam tradicionalmente o papel de “locomotiva” junto ao resto da economia mundial. 2. Deflação rastejante. 3. Conjuntura mundial extremamente instável, marcada por constantes sobressaltos monetários e financeiros. 4. Alto nível de desemprego estrutural 5. Marginalização de regiões inteiras em relação ao sistema de trocas 6. Concorrência internacional cada vez mais intensa, geradora de sérios conflitos comerciais entre as grandes potências da “Tríade” (Estados Unidos,Europa Ocidental e Japão). Assim, com a diminuição da oferta de emprego, com a diminuição do crescimento econômico e com a precarização das autonomias dos Estados-nação, forma-se um quadro em que o investimento econômico em atividades produtivas torna-se cada anacrônico, ocasionando a precarização das relações de trabalho. Isso afeta sobretudo a possibilidade de continuidade do pacto de gerações característico do regime de repartição, pois há cada vez menos gente empregada formalmente gerando as contribuições necessárias para o financiamento dos aposentados. De outro lado, há cada vez mais aposentados ou pretendentes a inativação, resultado sobretudo da elevação da longevidade da população. É nesse contexto que no mundo todo começam a ser articulados esforços principalmente através das instituições multilaterais de crédito (Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial) no sentido de reformas estruturais dos sistemas internos 6 Alves, Giovani, “Trabalho e Mundialização do capital - A Nova Degradação do Trabalho na Era da Globalização”, Giovanni Alves, Editora Praxis, 1999) 29 de previdência e pensão, seguindo-se como primeiro exemplo é sempre citada a reforma do sistema de previdência social do Chile, que passou de um sistema de repartição para um sistema de capitalização. Significativo desse esforços de convencimento é o posicionamento de Estelle James7, Economista Sênior do Departamento de Pesquisas de Políticas do Banco Mundial, que assim escreveu: Ao longo dos próximos 35 anos, a proporção da população mundial acima de 60 anos praticamente dobrará, de 9% para 16%. Devido aos rápidos aumentos na expectativa de vida e aos declínios das taxas de fertilidade, as populações estão envelhecendo muito mais rapidamente nos países em desenvolvimento do que ocorreu nos países industraisi. À medida que as pessoas jovens em idade de trabalho produtivo se aproximarem da aposentadoria – por vlta de 2030 -, 80% da população idosa do mundo viverão no que hoje são os países em desenvolvimento. Mas não é só decorrente do aumento da população em idade avançada e elegível para benefícios de inativação que é apregoada a Reforma da Previdência. Com efeito, como já dito que o sistema de repartição baseia-se em um sistema de pacto de solidariedade entre gerações, o sistema baseia-se (como no Brasil) em contribuições de trabalhadores e com contribuições de seus empregadores. Isso implica em custos para os empregadores, calculados sobre a folha de pagamentos, que por vezes desestimulam a oferta de empregos, com a conseqüente fuga para o mercado informal de trabalho e a busca de aposentadorias o mais rápido possível, ante o risco de “quebra” do sistema de aposentadoria, com o que aqueles que possuem condições de usufruir um benefício previdenciário, por mínimo que seja, preferem antecipar a fruição do benefício a arriscar não ter benefício algum no futuro. Isso também causa a saída do mercado de trabalho de mão de obra experiente, causando problemas no processo produtivo. O Banco Mundial tem afirmado que para eliminar o risco de “quebra” do sistema de aposentadoria baseado na repartição, o ideal é adotar um novo sistema, baseado em três pilares, estruturados da seguinte forma: - um pilar obrigatório gerenciado pelo governo e financiado a partir dos impostos para fins de redistribuição; - um pilar obrigatório gerenciado pelo setor privado e plenamente capitalizado, para fins de poupança; - um pilar voluntário para aquelas pessoas que desejam mais proteção na aposentadoria. Na realidade, as razões de adoção de um novo sistema de previdência não se justifica somente pela impossibilidade de continuação do sistema de repartição. Em realidade há outras razões que não apenas a preocupação com as futuras gerações. Ocorre que o sistema mundial sofreu grandes mudanças a partir da década de 1970. Com efeito, o financiamento que havia para mercados emergentes, a partir de juros baixos e crédito fácil passou a sofrer cada vez mais restrições a partir da primeira crise do petróleo (1973). O crédito passou a escassear e as taxas de juros para empréstimos internacionais foram crescendo, de tal forma que o crescimento econômico não conseguia gerar os superávits necessários para pagar os empréstimos já contraídos e gerar poupança interna, capaz de financiar atividades produtivas e 7 James, Estelle, Novos Sistemas Previdenciários: Experiências, Evidências e Questões Pendentes, disponíivel em http:// /www.mpas.gov.br/docs/volume 09.pdf (acesso em 31/01/03) 30 gerar o crescimento econômico necessário para incorporar as novas massas de mão-de-obra ao mercado de trabalho. De outro lado, a dívida externa cresce sem a geração de novos empréstimos, o que obriga a dispender cada vez maiores parcelas do PIB para pagar as dívidas já contraídas. Os credores passam a exigir, além de aumento das taxas de juros, garantias do pagamento da dívida, que somente podem ser dadas a partir da compressão das políticas públicas, com a diminuição de recursos para as políticas redistributivas. Surge, então, como fórmula mágica, a adoção de sistemas de capitalização para a previdência social, que de um lado teria o condão de diminuir os gastos públicos com a previdência e de outro lado, poderia gerar a poupança interna necessária para retomar o ciclo virtuoso do crescimento econômico. Esta é, em síntese apertada as justificativas teóricas da necessidade de Reforma da Previdência, surgida muito mais como um fenômeno decorrente da mundialização do capital e fragilidade das economias dependentes dos países em desenvolvimento do que uma preocupação sincera dos organismos internacionais com o futuro dos países em desenvolvimento e suas populações idosas. A REFORMA DO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL O Ministério da Previdência Social – MPAS – de longa data está comprometido com reformas do sistema de previdência social, fruto e conseqüência da visão política dos governantes brasileiros a partir da última década do século passado. Com efeito, tem feito grandes estudos nesse sentido8 , sempre com vistas a defesa da reforma do sistema, com vistas a redução de benefícios ou aumento da idade mínima para o gozo de benefícios. O ponto culminante nesse sentido é o DIAGNÓSTICO DO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO, que pode ser visto no site do MPAS. Nesse diagnóstico, é apontado o crescimento da longevidade da população, a deterioração das relações formais de trabalho entre 1990 a 2002 e que avançamos de uma situação de praticamente igualdade entre o montante de receitas previdenciárias no ano de 1995 (com um déficit de apenas 400 milhões de reais) para um déficit de 17 bilhões de reais em 2002. Na realidade, esta avaliação pode ser contestada com relativa facilidade. Ocorre que nesse resultado não estão consideradas as contribuições da seguridade social (PIS, COFINS, CSLL, CPMF), além do que não são computadas as renúncias fiscais, que foram estimadas em mais de dez bilhões de reais apenas no ano de 2002. Por outro lado, os excedentes gerados até o ano de 1995 foram apropriados pelo Tesouro Nacional, principalmente para o pagamento de juros , sem que ocorresse qualquer retorno desses valores aos cofres da Previdência Social. Por outro lado, a Constituição de 1988 assegurou aos trabalhadores rurais a garantia de aposentadoria de um salário mínimo, sem a necessidade de contribuição , sendo que a Lei 8.213/ 8 A coleção da Previdência Social, que pode ser encontrada no site do MPAS tem desenvolvido estudos nesse sentido, sendo vasta a bibliografia nesse caminho, bem como vários os seminários e encontros nesse sentido. 31 91 ampliou a cobertura aos segurados rurais (através do conceito de núcleo familiar rural). Ainda, a contribuição do meio rural é calculada sobre um percentual da produção com o que tem-se um quadro que os benefícios rurais terminam por gerar um déficit apenas nessa área de quase quinze bilhões
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