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MET-OS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

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WOLKMER, Antonio Carlos. Constitucionalismo e direitos sociais no 
Brasil. São Paulo: Acadêmica, 1989. 
--. História do direito no Brasil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. 
--. Ideologia, Estado e direito. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 
2000. 
--. Introdução ao pensamento jurídico crítico. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 
2002 (8. ed., 2012). 
--. Pluralisn10 jurídico - fundamentos de uma nova wltura no direito. 3. 
ed. São Paulo: Alfa-Omega, 2001. 
--. Pluralismo jurídico: novo marco emancipatório na historici-
dade latino-americana. Revista do SAJU. Porto Alegre: UFRGS, n. 01, 
dez. 1998. 
--. Sobre a teoria das necessidades: a condição dos "novos" direitos. 
Alter Ágora. Revista do Curso de Direito da UFSC. Florianópolis, n. 1, p. 
42-47, maio 1994. 
WUCHER, Gabi. Minorias. Proteção internacional em prol da democracia. 
São Paulo:Juarez de Oliveira, 2000. 
48 
CAPÍTULO 2 
Os Direitos da Criança e do Adolescente: 
Construindo o Conceito de Sujeito-Cidadão 
J osiane Rose Petry Veronese 
Professora Titular de Direito da Criança e do Adolescente dos cursos de 
Graduação e Pós-graduação em Direito da UFSC. Doutora em Direito. Subco-
ordenadora do curso de Direito ela UFSC. Coordenadorn do NEJUSCA- Núcleo 
de Estudos Jurídicos e Sociais ela Criança e do Adolescente/CCJ/UFSC e sub-
coordenaelora do Núcleo de Pesquisa Direito e Fraternidade/CCJ/UFSC. 
Sumário: Introdução. 1. Uma breve incursão histórica. 2.A Convenção 
Internacional dos Direitos da Criança. 3. O Estatuto da Criança e do 
Adolescente e a construção doutrinária da criança-sujeito. Conclusão. 
Referências bibliográficas. 
INTRODUÇÃO 
Primeiramente faz-se necessano propor ao leitor a seguinte 
questão: trata-se o Direito da Criança e do Adolescente de um direito 
novo? Não seria um mero sucedâneo do Direito do Menor, já refe-
rendado nos Códigos de Menores de 1927 e 1 979? 
O nascer de um novo direito - o Direito da Criança e do Ado-
lescente -, o qual em face de sua especificidade concebe toda a sua 
fundamentação conceitua! com base na inter e multidisciplinaridade, 
que, aliás, se apresentam hoje como duas d?s mais importantes discus-
sões, sobre as quais nos debruçamos, evidencia não somente a impor-
tância mas a imprescindibilidade da conjugação de conhecimentos. 
O Direito da Criança e do Adolescente se estrutura com vistas 
ao Direito Internacional Público e Privado, ante os Tratados e as Con-
49 
venções Internacionais, ao Direito Constitucional, que no caso brasi-
leiro defere absoluta prioridade à criança e ao adolescente; ao Direito 
Civil, Penal, Trabalhista, Processual e, ainda, a certas leis extravagantes, 
como a Lei da Ação Civil Pública, de necessária abordagem em se 
tratando da tutela dos interesses difusos e coletivos. 
Devemos considerar, ainda, o seu entrelaçamento com outras 
áreas do conhecimento que não o jurídico, como a Sociologia, a Psi-
cologia, a Pedagogia, a Criminologia, etc. 
O objetivo de um direito novo que contemple a possibilidade de 
construirmos a criança e o adolescente enquanto sujeitos de direitos 
significa não visualizá-los como seres simplesmente receptores de ga-
rantias; é, acima de tudo, um processo de edificação de suas autonomias. 
A criança e o adolescente na ótica menorista eram meros objetos 
de toda uma ideologia tutelar, de uma cultura que coisificava a infân-
cia.Já na ótica desse novo direito, a criança e o adolescente são com-
preendidos como sujeitos, cujas autonomias estão se desenvolvendo, 
elevando-os a autores da própria história, enquanto atores sociais. 
Portanto, este novo direito social, ao garantir o acesso à educação, 
por exemplo, o faz consciente de que a educação é um dos instrumen-
tos mais eficazes para o surgimento do sujeito-cidadão. O verdadeiro 
projeto pedagógico é aquele que se assenta neste elemento fundamen-
tal: suscitar seres autônomos, com capacidade de criticar, de criar, de 
transformar, enfim_, de realmente fazer este momento histórico em que 
estamos temporalmente situados. 
Diante dos dois primeiros questionamentos acima colocados, 
faremos, ainda que sinteticamente, uma análise sobre a história da 
proteção ao infante e jovem brasileiros, nas esferas assistencial e jurí-
dica. 
1. UMA BREVE INCURSÃO HISTÓRICA 
O resgate histórico das nos~a~ leis e ações em favor da criança 
brasileira é importante para compreendermos no que consiste, efeti-
vamente, a mudança de paradigma ocorrida. Ou seja, do Direito Tu-
telar, caracterizador da "Doutrina da Situação Irregular", para um 
Direito Protetor-responsabilizador, da "Doutrina da Proteção Integral". 
50 
A reconstrução histórica da atenção dada ~ cria~ç~ e ao _adoles-
meio das legislações e iniciativas ass1stenc1a1s surgidas no 
cente por b 
Brasil a partir de 1823 - logo após a independência, em 7 de setem ro 
de l822 - importa em resgatar aspectos específicos que traçaram e 
estrUturaram essa caminhada. 
O surgimento das primeiras leis e instituições foi sendo firmado 
gradativamente. Quando da primeira discuss~o sobre o proble~a da 
criança - atente-se: da criança negra, eu: virtude do nosso siste~a 
Crata na Constituinte de 1823 - nao houve uma preocupaçao escravo , , . , . . 
com a criança negra em si, quando Jose Bomfac}o ~efendia que a es-
rava de ois do parto teria um mês de convalescenna, e durante o ano 
c p . . "d . ,,1 t 
ue se seguisse não trabalharia longe a ena ; antes, o que se pre en-
1a era zelar por aquele que constituiria em breve força de trabalho 
gratuita: o escravo. . 
Em 1871, com a decretação da Lei do Ventre Livre, fruto da 
campanha abolicionista, os senhores ~e esc~av~s deli_nearam dois ca-
minhos: ou recebiam do Estado uma mdemzaçao, deixando no aban-
dono as crianças libertas cujos pais permaneciam em cativeiro, ?u as 
sustentariam e, em seguida, cobrariam tal generosidade por meio de 
trabalhos forçados até que completassem 21 anos. 
Ao observarmos o processo de formação das instituições que pres-
tavam serviços de assistência a menores, verifica-se que no período 
colonial e no Império esta se dava em três níveis: uma caritativa, pres-
tada pela Igreja pelas Ordens religiosas e associações civis; outr~ filan-
trópica, oriunda da aristocracia rural e mercantilista; e a terceira, em 
menor número, resultado de algumas realizações da Coroa portuguesa. 
Em face das mutações sociais, políticas e econômicas que se su-
cederam à abolição dos escravos (1888) e à Proclamação da Repúbli-
ca (1889), a proteção e assistência à criança carente tornou-se cada vez 
mais uma necessidade, sentida sobretudo pela própria sociedade. 
A partir de 1920, fortaleceu-se a opinião de que ao Estado cabe-
ria assistir a criança. Tanto que surge nesse período o trabalho de 
1 Organização social/população: a situação do menor e os órgãos de proteção - nossos 
pixotes. Revista Retrato do Brasil. São Paulo, n. 26, s/d., P· 303. 
51 
formulação de uma legislação específica para menores, o que se con-
solidou no Decreto n. 17.943-A, de 12 de outubro de 1927, cuja 
elaboração foi confiada pelo Presidente Washington Luiz ao jurista 
Mello Mattos. 
O Código de Menores de 1 927, considerado o primeiro código 
da América Latina, uma vez que conseguiu corporificar leis e decretos 
que, desde 1902, propunham-se a aprovar um mecanismo legal que 
desse especial relevo à questão do menor de idade, alterou e substituiu 
concepções obsoletas como as de discernimento, culpabilidade, res-
ponsabilidade, disciplinando, ainda, que a assistência à infància deveria 
passar da esfera punitiva para a educacional, algo extremamente ino-
vador à época, fruto da influência do positivismo, que defendia que 
quanto mais cedo houvesse uma intervenção, no sentido de tratamen-
to, sobre este menor de idade - delinquente ou abandonado-, maio-
res seriam as chances de sua recuperação e reintegração social. 
O surgimentodessa lei pôs em relevo questões controversas em 
relação à legislação civil em vigor. Com o Código de Menores, o pátrio 
poder foi transformado em pátrio dever, pois ao Estado era permitido 
intervir na relação pai/filho, ou mesmo substituir a autoridade pater-
na, caso esta não tivesse condições ou se recusasse a dar ao filho mna 
educação regular, recorrendo então o Estado à utilização do internato. 
Já para o Código Civil (1916), o pai, enquanto chefe da prole, conti-
nuava detendo o pátrio poder sobre todos os que compunham a estru-
tura familiar: mulher, filhos, agregados, pessoas e bens sob o seu domí-
nio, o que era específico do patriarcalismo. 
Sob o prisma constitucional, as Cartas Políticas de 1824 e 1891 
são omissas em relação à criança. A primeira a referir o assunto foi a 
Constituição de 1934, ao proibir o trabalho para os menores de 14 
anos.A partir de 1937, é ampliada a esfera de proteção à criança desde 
a infància, ficando ao encargo do Estado assisti-la nos casos de carên-
cia. A Constituição de 1946 continuou, de igual modo, protegendo-a 
desde a maternidade. 
Já a Constituição Federal de 1967, seguida pela Emenda Constitu-
cional n. 1, de 1969, ao instituir a assistência ao universo infantojuvenil, 
não seguiu no todo as Constituições precedentes, determinando duas 
modificações específicas: a primeira referente à idade mínima para a ini-
! . 
ciação ao trabalho, que pa~sa a ser de 12 a~os; e a segu~~ instituin~o o 
ensino obrigatório e gratmto nos estabelecimentos ofic1a1s para as cnan-
as de 7 a 14 anos de idade. A postura assumida pelo Estado brasileiro de 
ç ermitir o trabalho de crianças com 12 anos, a partir de 1967, significou ~m retrocesso com relação às legislações da maioria dos países. 
A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada 
em 5 de outubro de 1988, significou um grande avanço nos direitos 
sociais, e isto, por sua vez beneficiou, entre outros, a criança e o 
adolescente. Nessa perspectiva, tem-se, exemplificativamente, que a 
idade mínima para admissão ao trabalho é, novamente, fixada em 14 
anos - art. 72 , XXXIII. Recordemos que, em novembro de 1998, a 
Emenda Constitucional n. 20 alterou estes limites de idade, determi-
nando 16 anos como a idade mínima para o início das atividades la-
borais e 14 como aprendiz. Quanto à educação, tal Carta Política, em 
seu art. 208, determina como dever do Estado garantir ensino funda-
mental, obrigatório e gratuito, até mesmo para os que a ele não tiveram 
acesso na idade própria. 
De acordo com a presente análise histórica, constatamos que a 
expressão "menor" fora usada desde as Ordenações do Reino, como 
categoria jurídica, como caracterizadora da criança ou adolescente 
envolvido com a prática de infrações penais.Já no Código de Menores 
de 1927, o termo foi utilizado para designar aqueles que se encontravam 
em situações de carência material ou moral, além das infratoras. 
Com o surgimento do Código de Menores de 1 979 aparece uma 
nova categoria: "menor em situação irregular'', isto é, o menor de 18 
anos abandonado materialmente, vítima de maus-tratos, em perigo 
moral, desassistido juridicamente, com desvio de conduta ou autor de 
infração penal. 
O Código de Menores de 1 979, apesar de ter constituído, em re-
lação ao anterior (de 1 927), um avanço em algumas direções, continha, 
no entanto, aspectos controversos que perniitiam questiona1nentos e 
críticas, corr:io é o _caso das características inquisitoriais do processo en-
volvendo crianças e adolescentes, quando a própria ConstituiçãÕ garan-
tia ao maior de 18 anos ampla defesa; o referido Código não previa o 
princípio do contraditório. Outro fato que pode ser colocado como 
exemplo dessa distorção era a existência para os menores de 18 anos da 
53 
"prisão cautelar", uma vez que o menor, ao qual se atribuía a autoria de 
infração penal, podia ser detido para fins de verificação, o que significa-
va uma verdadeira afronta aos direitos da criança, na medida em que para 
o adulto a prisão preventiva só poderia se aplicada em dois casos: fla-
grante delito ou ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária 
competente - art. 52 , LXI, da CF 
O Estatuto da Criança e do Adolescente veio pôr fim a estas si-
tuações e tantas outras que implicavam ameaça aos direitos das crian-
ças e dos adolescentes, suscitando, no seu conjunto de medidas, uma 
nova postura a ser tomada, tanto pela fanúlia como pela escola, pelas 
entidades de atendimento, pela sociedade e pelo Estado, objetivando 
resguardar os direitos das crianças e adolescentes, e zelando para que 
não sejam sequer ameaçados. 
2. A CONVENÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS DA 
CRIANÇA 
Do universo de documentos internacionais que objetivam resguar-
dar os direitos infantojuvenis destaca-se a Convenção sobre os Direitos 
da Criança, aprovada com unanimidade pela Assembleia das Nações 
Unidas, em sua sessão de 20 de novembro de 1989. Se fizermos uma 
análise pormenorizada desse tratado de direitos humanos constataremos 
a sua efetiva influência sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. 
Nesse sentido, chama atenção o fato de que a Convenção Inter-
nacional, diferentemente da Declaração Universal dos Direitos da 
Criança, não se configura numa simples carta de intenções, uma vez 
que tem natureza coercitiva e exige do Estado Parte que a subscreveu 
e ratificou um determinado agir, consistindo, portanto, um documen-
to que expressa de forma clara, sem subterfúgios, a responsabilidade de 
todos com o futuro. 
A citada Convenção trouxe para o universo jurídico a Doutrina 
da Proteção integral. Situa a criança dentro de um quadro de garantia 
integral, evidencia que cada país deverá dirigir suas políticas e diretri-
zes ºtendo por objetivo priorizar os interesses das novas gerações; pois 
a infância passa a ser concebida não mais como um objeto de "medi-
das tuteladoras", o que implica reconhecer a criança sob a perspectiva 
de sujeito de direitos. 
54 
Ao contrário da Declaração Universal dos Direitos da Criança, 
de 1959, a qual sugere princípios de natureza moral, sem nenhuma 
obrigação, representando basicamente "sugestões" de que os Estados 
poderiam se servir ou não, a Convenção tem natureza coercitiva e 
exige de cada Estado Parte que a subscreve e ratifica um determinado 
posicionamento. Como um conjunto de deveres e obrigações aos que 
a ela formalmente aderiram, a Convenção tem força de lei internacio-
nal e, assim, cada Estado não poderá violar seus preceitos, como também 
deverá tomar as medidas positivas para promovê-los. Há que se colocar, 
ainda, que tal documento possui mecanismos de controle que possi-
bilitam a verificação no que tange ao cumprimento de suas disposições 
e obrigações. 
Tudo isso faz da Convenção um poderoso instrumento para 
modificação das maneiras de entender e agir de pessoas, grupos e co-
munidades, produzindo mudanças no panorama legal, suscitando o 
reordenamento das instituições e promovendo a melhoria das formas 
de atenção direta. 
Durante a sua elaboração houve quem indagasse até que ponto 
· i seria ou não eficaz um documento que definisse critérios universais, 
·,,<:,·tendo-se em conta a existência de acentuadas diferenças políticas, 
),;J;:~.·C:ulturais, religiosas, sociais e econômicas entre os mais diversos povos 
'~~!~!~,país~~ fato, a concepção de regras genencas de caráter universal 
:;~tf ::representou urna tarefa sem precedentes, neste campo, tanto que foram 
, necessários dez anos de trabalho. 
No entanto, como afirma Pereira, "a Convenção representa um 
,, consenso de que existem alguns direitos básicos universalmente acei-
.tos e que são essenciais para o desenvolvimento completo e harmo-
. ruoso de uma criança. Representa em definitivo, o instrumento jurí-
dico internacional mais transcendente para a promoção e o exercício 
dos Direitos da Criança"2 • {.\'···. ./_~:·--~-
~:~Convenção e o Estatuto: um ideal comum de proteção ao ser humano cm vias de 
~esenvolvimento. ln: PEREIRA, Tânia da Silva (Coord.). Estat11to da Crim1ça e do 
:.· dolescente: estudos sociojuridicos. Rio de Janeiro: Renovar, 1992, p. 69. 
55 
No Brasil a Convenção foi aprovada pelo Congresso Nacional 
por meio do Decreto Legislativo n. 28, de 14 de setembro de 1990
1 
sendo que em 21 de novembro desse mesmo ano foi finalmente pro~ 
mulgada pelo Decreto n. 99.710. 
A Convenção, enquanto tratado de Direitos Humanos, se cons-
titui num documento extrenurnente relevante num todo; no entanto, 
por questões metodológicas, alguns pontos podem ser salientados: 
1) Todas as ações que digam respeito à criança deverão, primor-
dialmente, considerar os seus interesses, cabendo ao Estado promover 
a proteção e cuidados que sejam necessários ao seu bem-estar, sobre-
tudo quando os pais ou responsáveis não o fizerem (art. 3º). 
2) Os Estado são obrigados a implementar os direitos reconhe-
cidos na Convenção, por meio de medidas legislativas, administrativas 
ou de outra espécie. Para tanto, é necessário que os países destinem 
parte de seus recursos para tal fim e mais, sendo necessário, poder-se-
-á até mesmo recorrer à cooperação internacional (art. 4º). Eis aí uma 
das grandes novidades trazidas pela Convenção, pois o hermético 
conceito de soberania se abre para o da solidariedade entre as nações. 
3) A criança tem o direito à vida, sendo dever do Estado assegu-
rar a sua sobrevivência e o seu desenvolvimento (art. 6º). Aí se cons--
tata a importância dos arts. 5º e 6º da atual Constituição Federal, o 
primeiro que trata dos direitos individuais e coletivos e o segundo dos 
sociais, tais como o direito à educação, à moradia, ao trabalho, à saúde 
pública, à previdência social, ao lazer, à proteção materno-infantil, à 
assistência aos desamparados. Portanto, o cumprimento de tais precei-
tos implica garantia de cidadania, garantia de qualidade de vida. 
4) Também é obrigação do Estado garantir proteção especial a 
crianças privadas temporária ou permanentemente de suas famílias e 
assegurar-lhes um ambiente familiar alternativo que seja adequado ou, 
nas hipóteses em que for necessária a colocação em instituições, que 
estas sejam apropriadas, devendo considerar o meio cultural da criança, 
bem ~o~mo seus componentes éticos, religiosos e linguísticos (art. 20). 
5) Nos países em que a adoção é reconhecida e/ou permitida, 
esta somente realizar-se-á quando de fato representar um bem, con-
soante os interesses da criança, e ainda, deverá ser revestida de todas as 
garantias e autorizada pelas autoridades competentes. 
56 
Nesse aspecto, uma das novidades da Convenção está no fato de 
que para a implementação da adoção internacional poderão, quando 
necessários, ser realizados ajustes ou acordos bilaterais ou multilaterais, 
com o fim de assegurar que a colocação da criança em família substi-
tuta em outro país seja conduzida por autoridades ou organismos 
competentes (art. 2º). 
Pretende tal norma evitar que se realizem adoções revestidas de 
ilicitudes, lembrando-se que constitui medida excepcional, devendo-se 
considerar o "interesse maior da criança". Busca-se com isso evitar o 
tráfico de crianças, pois se é correto afirmarmos que a adoção signifi-
ca uma fornia de resolver os problemas de crianças que vivem em 
condições subumanas, sobretudo nos países marcados pela miséria, 
também é certo que não seria adequado que a adoção fosse realizada 
sem nenhuma formalidade legal, sem nenhum compromisso, tendo em 
conta que se deve impedir os abusos que já ocorreram, e infelizmente 
ainda ocorrem, em face da falta de escrúpulos de pessoas ou mesmo 
de entidades que se servem desse mecanismo para auferir vantagens 
econômicas. Seguindo tal orientação, também o Estatuto da Criança 
e do Adolescente faz no campo da adoção internacional uma série de 
exigências (art. 52 do ECA). 
Alguns juristas são de opinião de que o Estatuto da Criança e do 
Adolescente foi muito criterioso com a adoção internacional, alegan-
do que, num país como o Brasil, com tantos milhões de abandonados, 
este excesso de zelo será prejudicial, podendo até mesmo interromper 
as adoções feitas por estrangeiros. Entretanto, entendo que as exigências 
feitas pelo Estatuto são no sentido de salvaguardar ao máximo os di-
reitos dessas crianças e adolescentes, que já sofreram a primeira perda: 
a da família natural, tanto que estão à disposição para serem adotados 
e, portanto, seria extremamente traumatizante se novan1ente a situação 
de abandono, carência ou maus-tratos se repetisse. 
Dessa forma, os requisitos da nova lei são elogiáveis. O Estatuto 
da Criança e do Adolescente tem como uma de suas metas pôr fim ao 
tráfico de" crianças brasileiras para o exterior, coibindo radicalmente 
adoções permeadas de engodos e vícios. 
6) O art. 23 da Convenção diz respeito ao direito das crianças 
deficientes - fisicas ou mentais - a cuidados, educação e treinamento 
57 
especiais para ajudá-las a ter uma maior autonomia, desfrutar de uma 
vida digna e plena e poderem participar ativamente do corpo social, 
não obstante suas limitações. 
A Constituição Federal, em seu art. 227, II, e o Estatuto, no art. 
11, § 1 º,também se preocupam, como não poderia deixar de ser, com 
tal matéria. Todavia, na prática, o que se percebe é uma total incúria 
com a criança portadora de algum tipo de necessidade especial. E com 
isso se desencadeia, inclusive, uma "cultura" negativa e individualista, 
na qual somente as pessoais sadias são consideradas aptas a participar 
da vida em sociedade. 
Mas a falta de sensibilidade política para com o portador de ne-
cessidades especiais não constitui um fato isolado, isto porque todo o 
sistema de saúde é deficitário: mesmo tendo a Constituição e o Esta-
tuto abordado a matéria, este não tem sido objeto de medidas sérias e 
complementares. 
Não conseguimos garantir o acesso de todas as crianças e adoles-
centes aos serviços médicos e de saúde, reduzir os índices de mortali-
dade infantil, assegurar às mães a adequa_da assistência pré-natal e 
pós-natal, desenvolver a assistência médica preventiva, combater a 
desnutrição (art. 24). 
O mesmo se dá com a educação (art. 28), que de igual modo está 
sucateada. Portanto, neste contexto, como desenvolver a personalidade 
da criança, as suas aptidões e todo o seu potencial fisico e mental? 
Como desenvolver nas crianças o respeito aos direitos humanos, às 
liberdades fundamentais, ao meio ambiente; ou mesmo como imbuir 
na criança e no adolescente o respeito aos pais, a sua própria identi-
dade cultural, idioma, valores, se tudo isso é para elas algo inexistente? 
Analisando a Convenção Internacional, muitos outros problemas 
se afiguram como emergenciais - citem-se os relativos ao trabalho, à 
previdência social, ao padrão de vida, ao abuso de drogas, aos maus-
-tratos ou à exploração, inclusive abuso sexual, os relativos à Adminis-
tr~ção da Justiça etc. · 
Dessa forma, a Lei n. 8.069/90 significou para o direito infanto-
juvenil uma verdadeira revolução ao adotar a doutrina da proteção 
integral. 
58 
Essa nova postura tem como alicerce a convicção de que a crian-
ça e o adolescente são merecedores de direitos próprios e especiais, 
que, em razão de sua condição específica de pessoas em desenvolvi-
mento, estão a necessitar de uma proteção especializada, diferenciada, 
integral. 
O surgimento de uma nova legislação que tratasse seriamente 
dos direitos da infància e da adolescência era de caráter imprescindível, 
pois havia uma necessidade fundamental de que estes passassem da 
condição de "menores" para a de cidadãos. 
3. O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E A 
CONSTRUÇÃO DOUTRINÁRIA DA CRIANÇA-SUJEITO 
É importante destacarmos que o Estatuto não apenas reconhece 
os princípiosda Convenção como os desenvolve, convencido de que 
a criança e o adolescente são merecedores de direitos próprios e espe-
ciais e que, em razão de sua condição específica de pessoas em desen-
volvimento, estão a necessitar de uma proteção especializada, diferen-
ciada e integral, consoante os ditames da atual Constituição, art. 227. 
O Estatuto da Criança e do Adolescente, ao assegurar em seu art. 
12 a proteção integral à criança e ao adolescente, reconheceu como funda-
mentação doutrinária o princípio da Convenção, que em seu art. 19 
determina: "Os Estados Partes adotarão todas as medidas legislativas, 
administrativas, sociais e educacionais apropriadas para proteger a 
criança contra todas as formas de violência fisica ou mental, abuso ou 
tratamento negligente, maus-tratos ou exploração, inclusive abuso 
sexual, enquanto a criança estiver sob a custódia dos pais, do represen-
tante legal ou de qualquer outra pessoa responsável por ela" .Aliás, tal 
regra repetiu o que já havia sido colocado na Declaração Universal dos 
Direitos da Criança, de 1959, que no Princípio 92 dispunha: "A criança 
gozará proteção contra quaisquer formas de negligência, crueldade e 
exploração. Não será jamais objeto de tráfico, sob qualquer forma". 
. A_ ~onstituição Federal de 1 988 dispõe em seu art. 227, caput:" É 
dever da fanúlia, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao 
adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à ali-
mentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à digni-
dade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, 
59 
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, 
exploração, violência, crueldade e opressão". 
Portanto, como se verifica, a atual Carta Política tem essa nova 
base doutrinária, a qual implica que, fundamentalmente, as crianças e 
adolescentes brasileiros passam a ser sujeitos de direitos. Essa categoria 
encontra sua expressão mais significativa na própria concepção de 
Direitos Humanos de Lefort: "o direito a ter direitos" 3 , ou seja, da 
dinâmica dos novos direitos que surge a partir do exercício dos direi-
tos já conquistados. Desse ponto de partida o sujeito de direitos seria 
o indivíduo apreendido do ordenamento jurídico com possibilidades 
de, efetivamente, ser um sujeito-cidadão. 
É oportuno acentuarmos que a lei anterior ao Estatuto da Crian-
ça e do Adolescente, o Código de Menores de 1979, fundamentava-se 
na Doutrina da Situação Irregular, isto é, havia um conjunto de regras 
jurídicas que se dirigiam a um tipo de criança ou adolescente especí-
ficos, aqueles que estavam inseridos no quadro de uma suposta "pato-
logia social", elencados no art. 22 do referido Código, o que equivale 
afirmar, entende Amaral e Silva, que tal doutrina "confunde na mesma 
situação irregular, abandonados, maltratados, víFimas e infratores. Cau-
sa perplexidade que se considerasse em situação irregular o menino 
abandonado ou maltratado pelo pai, ou aquele privado de saúde ou da 
educação por incúria do Estado"4 . Salienta o autor citado que estará 
sim em situação irregular "aquele que descumprir os deveres inerentes 
ao pátrio poder ou quem negligenciar políticas sociais básicas. Está em 
situação irregular, de ilegalidade, o pai que abandona ou o Estado que 
negligencia, nunca o abandonado, a vítima"5 • 
O Código de Menores de 1 979, ao se dirigir a uma categoria de 
crianças e adolescentes, os que se encontravam em situação irregular, 
colocava-se como uma legislação tutelar. Na realidade tal tutela pode 
ser entendida como culturalmente inf eriorizadora, pois implica o 
3 LEFORT, Claude. Pensando o político: ensaios sobre democracia,revolução e liberda-
de. Trad. de Eliana M. Souza. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991, p. 58. 
4 Comentários do debatedor. ln SIMONETTI, Cecília et alii (Orgs.). Do avesso ao di-
reito. São Paulo: Malheiros/Governo do Estado de São Paulo/UNICEF, 1994, p. 37. 
5 Idem, ibidem, p. 3 7. 
60 
~\:'·i::f~~[;; : esguardo da superioridade de alguns, ou mesmo de grupos, sobre 
:< ":',:' ·,' ·.· r s como a história registrou ter ocorrido, e ainda ocorrer, com 
., "· .outro, 
mulheres, índios e outros. No que concerne a este aspecto, parece 
muito interessante e oportuna a crítica de Zaffaroni, ao afirmar que: 
"Ao longo de toda a história da Humanidade, a ideologia tutelar em 
ualquer âmbito resultou em um sistema processual punitivo inquisi-~rio. o tutelado sempre o tem sido em razão de alguma inferioridade 
(teológica, racial, cul~ural, bio~ógica, etc). C~lo~iza_dos, mulheres, _do-
entes mentais, minonas sexuais etc. foram psiqmatnzados ou conside-
rados inferiores, e portanto, necessitados de tutela" 6 • 
Desse modo, a Lei n. 8.069/90 significa para o direito da criança 
e do adolescente uma verdadeira revolução ao adotar a Doutrina da 
Proteção Integral. 
Esse entendimento tem como alicerce a convicção de que a 
criança e o adolescente são merecedores de direitos próprios e especiais 
e que, em razão de sua condição específica de pessoas em desenvolvi-
mento, estão a necessitar de uma proteção especializada, diferenciada 
e integral. 
O surgimento de uma legislação que se ocupasse seriamente dos 
novos direitos da infància e da adolescência era de caráter imprescin-
dível, pois havia uma necessidade fundamental de que estes passassem 
da condição de menores, da semicidadania para a da cidadania. 
O Estatuto da Criança e do Adolescente tem o relevante papel, 
ao regulamentar o texto constitucional, de fazer com que este último 
não se constitua em letra morta. No entanto, a simples existência de 
leis que proclamem os direitos sociais, por si só, não consegue mudar 
as estruturas; antes há que se conjugar aos direitos uma política social 
eficaz que de fato assegure materialmente os direitos já positivados. 
Para tanto é necessário que se dê um impulso aos dois grandes 
princípios da Lei n. 8.069/90: o da descentralização e o da partici-
pação. A implementação deste primeiro princípio - descentralização 
6 ZAFFARONI, Raul. Do advogado - art. 206: ln CURY, Munir et alii (Coord.). 
Estatuto da Criança e do Adolescente comentado: comentários jurídicos e sociais. 1 O. ed. 
São Paulo: Malheiros, 2010, p. 971. 
61 
- deve resultar numa melhor divisão de tarefas, de esforços, entre a 
União, os Estados e os Municípios no cumprimento dos direitos sociais. 
No que tange à participação, esta importa na atuação sempre progres-
siva e constante da sociedade em todos os campos de ação. Assim, 
faz-se imperiosa a edificação de uma cidadania organizada, ou seja, a 
própria sociedade a mobilizar-se. Eis aí o porquê do grande estímulo 
que o Estatuto da Criança e do Adolescente dá às associações na for-
mulação, reivindicação e controle das políticas públicas.As associações, 
ONGs, grêmios, enfim, todos os mecanismos caracterizadores de um 
movimento social, pautados na compreensão mais moderna de cida-
dania, qual seja, a da efetiva participação de cada cidadão, têm lugar de 
destaque na edificação do Direito da Criança e do Adolescente, pois 
aí o ser sujeito se consolida, pois não se trata de "aguardar" paternalis-
ticamente a ação do Estado, mas antes se constitui num processo de 
mão dupla: reivindicar e construir. 
Merece destaque outra relevante questão presente na Lei n. 
8.069/90 que diz respeito à possibilidade de os novos direitos da 
criança e do adolescente serem demandados em juízo. Portanto, ~o 
tratar da tutela jurisdicional dos interesses individuais, difusos e cole-
tivos, chama a atenção o fato de que o Estatuto da Criança e do Ado-
lescente está em consonância com as novas diretrizes da processualís-
tica civil por três motivos: 
Primeiro, ao contemplar os meios judiciais garantidores dos in-
teresses da criança e do adolescente, sobretudo no que diz respeito aos 
direitos coletivos e difusos, percebe-seque a natureza privatista do 
Direito Processual está sendo objeto de profundas modificações, as 
quais remetem à necessidade de superação de determinadas estruturas 
tradicionais. Por conseguinte, a Lei n. 8.069/90, ao admitir o ingresso 
em juízo dos mais variados tipos de demandas que visem à proteção 
de seus interesses, importa um significativo avanço no campo proces-
sual, uma vez que não está presa à ideia de procedimento, de rito, 
considerando merecedor de atenção o conteúdo do direito que está 
sendo pleiteado. 
Segundo, ao se preocupar com o tema do acesso à Justiça, está a 
nova lei atenta ao fato de que hoje a garantia desse acesso se constitui 
nun1 dos mais elementares direitos, pois a sociedade pouco a pouco 
62 
passou a compreender que não mais é suficiente que o ordenamento 
jurídico contemple direitos; antes é imprescindível que estes sejam 
efetivados, sendo que a propositura em juízo é, portanto, um dos me-
canismos que visam à sua aplicabilidade. 
Terceiro, o acesso à Justiça na interposição de interesses afetos à 
criança e ao adolescente constitui, ainda, mais um fator a corroborar 
0 processo de transformação do próprio Poder Judiciário, o qual pas-
sa a ser um instrumento de expansão da cidadania. Isto se dá porque, 
saindo da antiga posição de árbitro de litígios de natureza intersubje-
tiva, agora é chamado a posicionar-se diante de situações de caráter 
transindividual como o são os direitos sociais. 
Dentre as inovações trazidas pelo Estatuto da Criança e do Ado-
lescente podemos destacar, justamente, a possibilidade de exigir do 
Estado, por meio, por exemplo, da interposição de uma ação civil 
pública, o cumprimento de determinados direitos como o acesso à 
escola, a um sistema de saúde, a um programa especial para portadores 
de doenças fisicas e mentais etc., previstos na Constituição Federal e 
regulamentados pela Lei n. 8.069/90. 
Segundo Nogueira, inegável é o fato de que no Brasil há toda 
uma produção legislativa "em favor do cidadão, concedendo-lhe os 
direitos individuais, difusos ou coletivos, através da Constituição Fe-
deral, das Constituições Estaduais e das Leis Orgânicas Municipais, 
além de outras leis ordinárias, como o Estatuto da Criança e do Ado-
lescente, mas o que falta, nesse c01nplexo de leis, é fazer justamente o 
Estado funcionar, através de seus governantes, que conhecem os pro-
blemas e têm as soluções, mas que só se preocupam em desfrutar o 
poder"7 . 
Afirma De Paula que a lei anterior, ou seja, o Código de Meno-
res de 1979, "a despeito de ser tratado, por alguns, como instrumento 
de proteção e tutela, olvidou que o Estado é o grande responsável por 
essa degradante situação na qual se encontra a maioria da população 
infantojuvenil, isentando-o de qualquer responsabilidade. Consideran-
7 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Estatuto da Crian(a e do Adolescente comentado. São Paulo: 
Saraiva, 1991,p.283. 
63 
do os pais ou responsável como exclusivos causadores da situação irre-
gular, nenhuma menção existe em relação à omissa participação do 
Estado e, via de consequência, tão pouco contempla o Código de 
Menores mecanismos jurídicos visando compelir o Poder Público a 
cumprir suas funções. Assim, restringiu-se a Justiça de Menores ao 
julgamento de conflitos eminentemente individuais,jamais colocando 
a Administração no banco dos réus. O Estado nunca foi chamado 
perante o judiciário, sequer para justificar suas constantes omissões"ª. 
Entendemos que o postular junto ao Poder Judiciário, visando à 
garantia dos direitos e interesses individuais, difusos e coletivos, repre-
senta todo um processo não linear do processo civilizatório. Eis que 
se evidencia que não mais é suficiente que os ordenamentos jurídicos 
proclamem direitos, tornando imprescindível antes que os mesmos 
sejam concretizados. 
O acesso à Justiça se coloca como um dos direitos humanos, isto 
é, consiste num caminho ou numa possibilidade de que os direitos 
existentes em nível formal, de fato, venham a ter eficácia plena no 
mundo dos fatos. 
Diante dessas colocações acerca da interposição de demandas que 
visam a resguardar os interesses afetos à criança e ao adolescente, o 
tema conduz também a uma reflexão de que tal acesso constitui um 
avanço na construção da cidadania em dois planos: o primeiro, no 
sentido de que torna mais explícitos os direitos da criança e do ado-
lescente, possibilitando à sociedade uma maior conscientização no que 
tange ao seu papel de contínua reivindicação dos citados direitos e 
interesses. Em segundo lugar, o próprio Poder Judiciário passa a ser 
encarado como um instrumento de expansão dessa cidadania, pois suas 
sentenças, se deferidoras dos direitos pleiteados, ensejarão, para a sua 
eficácia, determinadas realizações por parte do Poder Executivo, no-
tadamente no campo social. 
A questão do acesso à Justiça, o qual não pode ser entendido 
como mera capacidade çle_ ingres~ar ~~juízo, tem em seu fundamen-
8 DE PAULA, Paulo Afonso Garrido. Menores, direito e justiça: apontamentos para um novo . 
direito das crianças e dos adolescentes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, p. 122. 
64 
to a necessidade de uma maior politização por parte das camadas 
populares. Nesse sentido, o entendimento de que toda pessoa humana 
é sujeito de direitos faz-se imprescindível na formulação do conceito 
de cidadania, como a condição que identifica os direitos e garantias 
dos indivíduos, os quais, já satisfeitos em suas necessidades humanas 
básicas, possam ter condições, quer enquanto indivíduos singularmen-
te considerados, quer enquanto organizados em grupos, de participar 
efetivamente nos destinos da sociedade e da vida política do país. Se-
gundo tal leitura, as inovações trazidas pelo Estatuto da Criança e do 
Adolescente devem gradativamente revolucionar o modo de a família, 
a sociedade e o Estado encararem as questões relativas à infância e à 
juventude brasileiras. 
Nos últimos anos, o Estatuto da Criança e do Adolescente tem 
sido alvo de significativas mudanças com o objetivo de dar uma maior 
garantia aos nossos infantes e adolescentes, com especial destaque às 
Leis n. 11.829, de 25 de novembro de 2008, que criou uma série de 
delitos que envolvem a exploração sexual no ciberespaço, e 12.010, de 
~de agosto de 2009, conhecida como Nova Lei da Adoção, a qual 
provocou significativas alterações, a expressão "pátrio poder" passou a 
ser a mesma da Constituição Federal, qual seja: "poder familiar"; foi 
criado o conceito de "família ampliada"; foram estabelecidos prazos 
~\'·'.':,:,,~;,.:'"~· 0: ••• es·oe1Clt1CC)S para a destituição do poder familiar e prazo máximo para 
~>~'.'.;'<'':':••''.;:··uni.a criança ou um adolescente permanecer nas entidades de acolhi-
·~;;::;,·:.~.,.1mt:~nt:o institucional, entre outras imprescindíveis alterações, as quais 
longa data já eram objeto de análises por parte dos que operam 
;:;~~~~":~;íl.e:sta 
Diante desse quadro é plausível afirmar que o sistema normativo 
·tem sido eficaz nas questões atinentes à infància e à juventude? E se 
houve alguma preocupação no plano jurídico, até que ponto e em que 
; medida esta preocupação tem influenciado a realidade social? 
Considerando que a Lei n. 8.06.9/90 trouxe uma verdadeira re-
iJ}.:'.l!;,,rolucão no que concerne ao universo da criança e do adolescente, a 
, .. estão que se coloca 21 anos após a sua implementação é, ainda, como 
;<?rnar efetivos os novos direitos nela consignados. 
65 
Como bem assinala Bobbio: "o problema grave de nosso tempo, 
com relação aos direitos do homem, não é mais o de fundamentá-los 
e sim o de protegê-los"9 . 
Nesse sentido não mais nos deparamos com um problema de 
ordem filosófica, "mas jurídica e, num sentido mais amplo, político. 
Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é a sua 
natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ouhistóricos, ab-
solutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-
los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam conti-
nuamente violados" 10• 
Dentre os ordenamentos legais infraconstitucionais vigentes, 0 
Estatuto da Criança e do Adolescente é o que apresenta um maior 
grau de complexidade e está em harmonia com as mais modernas 
teorias que tratam dos novos direitos da infância e adolescência. 
O novo diploma legal se constitui num instrumento legal avan-
çado pela sua preocupação com a criança na esfera em que vive - daí 
a ênfase na municipalização dos serviços, na criação dos Conselhos 
Tutelares e dos Direitos, enfim, todo um sistema de garantias. A nova 
lei revela, ainda, outra preocupação com a,. matéria ao possibilitar a 
propositura de demandas judiciais em defesa dos interesses da criança 
e do adolescente. 
Uma preocupação que nos angustia, enquanto pesquisadores do 
Direito da Criança e do Adolescente, refere-se à análise da doutrina 
que está sendo formulada, concepções técnicas e conceituais, bem 
como à construção jurisprudencial, as quais são reveladoras da forma 
como os juristas têm se posicionado diante da Lei n. 8.069/90: se estão 
imbuídos deste novo sopro, ou seja, a percepção dos novos direitos, ou 
se ainda estão presos ao dogmatismo menorista ou, o que seria ainda 
pior, se estão estruturados a uma dogmática penal conservadora, pau-
tada na punição e no afastamento, em forma de institucionalização, dos 
indesejáveis sociais. 
9 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. de Carlos Nelson Coutinho. Rio de 
Janeiro: Campus, 1992, p. 25. 
10 Idem, ibidem, p. 25. 
66 
Como foi possível constatar, o sistema normativo brasileiro legou 
gum tipo de atenção às questões atinentes à infància e à adolescência. 
0 entanto, estas leis apresentavam um caráter discriminador acentu-
.'~do: os menores de idade eram objetos tutelados. Quando da promul-
.. ~::L~;:r:·~ção do Estatut~ da Cr_ia_nça e d~ ~dolescente, o qu_al se assenta na 
__ · · :;;.·concepção da cnança sujeito de direitos, a preocupaçao que se apre-
,. ·(/{.'.'t~entava era de que modo e em que grau esta nova postura influencia-
: · .:/~1,:i:1fu a realidade. 
- ,_;:·.~:'~::·~:-· Todos temos consciência de que a lei por si só não opera mu-
'danças ou realizações sociais. Ela é instrumento, é meio. Para que 
efetivamente essa lei não constitua "letra morta", faz-se continuamen-
'\ '• ;.> ~te necessária a constituição de mecanismos, de sistemas facilitadores 
~;;··.,riJ':\;.de sua real aplicação, bem como a implantação de políticas públicas 
·~.:::,:·'··.;;'~\:.· ..•. ~.:: t acesso à educação à profissionalização à saúde ao ~.·;·<·:f ;_ 9ue garan am o , , , 
'.:"'ii;.·i.;;\:;·IaZer, ao trabalho e salário justos. 
Na construção de uma sociedade que efetivamente priorize a 
~.- .. ,._ ... ,"" ...... ~,todos somos responsáveis. É justamente por isso que a atual 
·-·"-'·'-~"--·- Política visualiza um tripé de agentes asseguradores dos direitos 
.•• 0 •.•. ~-.. -•·'-"' criança e do adolescente, quais sejam: a família, a sociedade e o 
·:,,.,._,Lh> ... 1~.., (art. 227, caput), o que é também repetido pela Lei n. 8.069/90, 
Nesse processo de conferir à criança e ao adolescente uma série 
e direitos que vão desde a efetivação dos direitos referentes à vida até 
,· convivência familiar e comunitária, há que garanti-los com absoluta 
. rioridade. A garantia de prioridade, segundo a definição legal, pre-
no parágrafo único do art. 42 do Estatuto da Criança e do Ado-
·:::-o····,,,1c~c:enLte, compreende especificamente: 
a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circuns-
tâncias; 
b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de rele-
vância pública; 
e) preferência na formulação e na execução das pólíticas ·sociais 
públicas; 
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacio-
nadas com a proteção à infância e à juventude. 
67 
• 
Constata-se por todo o exposto que o Direito da Criança e do 
Adolescente assenta-se numa nova perspectiva: abandonou-se a con-
cepção menorista, da Doutrina da Situação Irregular, para se referendar 
a ideia fundamental de que estamos diante de um sujeito, um sujeito 
especial em face de sua condição de pessoa em desenvolvimento. 
Por ter esta nova concepção teórica, a qual visa a uma formação 
teórica e práxis diferenciadas, o Direito da Criança e do Adolescente 
se situa como um dos mais importantes - senão o mais importante -
dentre os novos direitos sociais. 
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