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5. Transformações Lineares e Matrizes Relembre que o propósito central deste curso era o estudo de sistemas de equações lineares que acabámos de fazer no capítulo anterior. Para fazer esse estudo fomos levados a introduzir novos objectos matemáticos, a que chamámos matrizes, e que foram definidos como ”quadros cheios de números”. Neste capítulo vamos ver que as matrizes representam mais do que ”quadros cheios de números” correspondendo também a certas funções especiais entre espaços vectoriais. 5.1 - Definições e propriedades elementares. Começamos esta secção por definir um tipo especial de transformações entre espaços vectoriais que respeitam as operações que definem esses espaços: a soma de vectores e a multiplicação por reais. Definição 5.1.1: Uma transformação T : x ∈ n → Tx ∈ m é dita uma transformação linear se para todos os x e y em n e reais arbitrários , se tem Tx y Tx Ty. Repare que o que a definição anterior afirma é que T é linear se for indiferente fazer uma combinação linear de x com y em n, x y, e depois obter a sua imagem Tx y ∈ m ou, por outro lado, obter primeiro as imagens Tx e Ty e depois fazer a combinação linear Tx Ty em m. Ou seja, T é linear se respeita a soma de vectores e a multiplicação por reais. Para perceber melhor quando uma transformação é linear tente confirmar as seguintes afirmações para transfomações da recta real nela própria T : x ∈ → Tx ∈ : (i) Tx x é linear. (ii) Tx x2 não é linear. (iii) Tx x não é linear. Uma vez compreendida a natureza das transformações lineares vamos agora ver que elas estão intimamente ligadas com os ”quadros cheios de números” a que chamámos matrizes. Teorema 5.1.2: As transformações lineares T de n em m são representadas por matrizes A m n, isto é temos Tx Ax, onde a matriz A é tal que as suas colunas são as imagens em m dos vectores da base B em que n está representado. Prova: Considere então uma base de n, B v1,v2,… ,vn, e seja x ∈ n. Sabemos que x se escreve, de uma maneira única, como combinação linear dos vectores de B, ou seja, x x1v1 x2v2 …xnvn. Isto equivale a dizer que as coordenadas de x na base B são x1,x2,… ,xnT. Vamos agora obter a imagem de x pela transformação T . Teremos: Tx Tx1v1 x2v2 …xnvn x1Tv1 x2Tv2 …xnTvn onde a última igualdade decorre da linearidade de T. Repare agora que podemos construir uma matriz A m n tendo por colunas os vectores Tv1,Tv2,… ,Tvn de m, ou seja A Tv1 ∣ Tv2 ∣ ∣ Tvn . Utilizando esta matriz a igualdade anterior escreve-se: 1 Tx x1Tv1 x2Tv2 …xnTvn Tv1 ∣ Tv2 ∣ ∣ Tvn x1 x2 xn Ax o que conclui a prova. Vamos agora dar dois exemplos para tornar esta ideia mais clara. Considere então uma transformação T de 2 em si próprio, T : x ∈ 2 → Tx ∈ 2, em que o transformado do vector x é obtido rodando-o de 90o no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio. Trata-se evidentemente (verifique!) de uma transformação linear que é ilustrada na figura abaixo onde os vectores e1 e e2 (a azul) representam a base canónica de 2. 90o T(x) x e1 e2 -e1 x1 x2 -x2 x1 Repare que Te1 e2 0,1T e Te2 −e1 −1,0T o que significa que a matriz que reprenta T é: A Te1 ∣ Te2 0 −1 1 0 e portanto T x1 x2 0 −1 1 0 x1 x2 −x2 x1 como se deprende da figura. O segundo exemplo que vamos analisar destina-se a ilustrar um facto importante: em bases diferentes a mesma transformação linear representa-se, eventualmente, por matrizes diferentes. Considere então uma transformação T de 2 em si próprio, T : x ∈ 2 → Tx ∈ 2, em que o transformado do vector x é obtido projectando-o sobre o eixo dos yy. Trata-se de novo de uma transformação linear (verifique!) que é ilustrada na figura abaixo onde os vectores e1 e e2 (a azul) representam novamente a base canónica de 2. 2 T(x) x e1 e2 v1v2 2e2 x y 0 Na base canónica (a azul) é fácil de ver que Te1 02 0,0T e Te2 e2 0,1T o que significa que a matriz que reprenta T nesta base é: A Te1 ∣ Te2 0 0 0 1 Agora se considerar 2 na base v1,v2 (a verde na figura) verifica facilmente que Tv1 Tv2 e2. Note que, na base v1,v2, o vector e2 escreve-se e2 12 v1 12 v2 logo as suas coordenadas nesta base são 1/2,1/2T. Assim a matriz que reprenta T na base v1,v2 é: à Tv1 ∣ Tv2 1/2 1/2 1/2 1/2 O facto de a mesma transformação linear ser representada (em bases diferentes) por matrizes diferentes, A e Ã, vai levar-nos mais tarde a estudar as relações entre estas matrizes. Por agora vamos examinar algumas propriedades elementares das transformações lineares. Teorema 5.1.3: O contradomínio da transformação linear T de n em m, representada pela matriz A m n, Tx Ax, é o sub-espaço de m gerado pelas colunas de A e a sua dimensão é rankA. Prova: Repare que Tx pode ser escrito como Tx Ax A1x1A2x2 Anxn onde A1,A2,,An representam as colunas da matriz A. Quando as coordenadas x1,x2,,xn precorrem todos os valores possíveis Tx precorre SpanA1,A2,,An , o sub-espaço de m gerado pelas colunas de A, CA, cuja dimensão é rankA. Teorema 5.1.4: Seja uma transformação linear T de n em si próprio, representada pela matriz A n n. Se a matriz A tem inversa então T é biunivoca (one-to-one). Prova: Repare que, como Tx y Ax, se a matriz A tiver inversa T−1y A−1y x. Isto é, a cada objecto x corresponde uma só imagem y e vice versa x → Ax y → A−1y x. Teorema 5.1.5: A transformação composta de transformações lineares é linear. A matriz que a representa é o produto das matrizes dos factores por ordem inversa. Esquematicamente: 3 Rn Rp Rm T1 T2 A1 (pxn) A2 (mxp) T=T2(T1) A=A2A1 (mxn) Prova: Vamos primeiro verificar que a transformação composta Tx T2T1x é linear quando T2 e T1 o são: Tx y T2T1x y T2T1x T1y T2T1x T2T1y Tx Ty A segunda igaualdade é consequência da linearidade de T1enquanto que a terceira deriva da linearidade de T2. Agora repare que Tx T2T1x T2A1x A2A1x logo a matriz da transformação composta é A A2A1. 4 5.2 Mudanças de base. A partir de agora vamos ocupar-nos exclusivamente de transformações lineares de um espaço vectorial nele próprio T : x ∈ n → Tx ∈ n. Consequentemente as matrizes que representam estas transformações (qualquer que seja a base de n tomada) são sempre matrizes n n, ou seja, matrizes quadradas. Recorde que vimos atrás (no segundo exemplo) que a mesma transformação linear se pode representar (em bases diferentes) por matrizes diferentes, A e Ã. Vamos, nesta secção, estudar as relações entre estas matrizes. Para atacar esse problema temos que começar por um outro mais simples. Considere em n duas bases, E e1,e2,,en e V v1,v2,,vn, e tome um vector w de n. Este vector escreve-se, de uma maneira única, como combinação linear dos vectores de E , w 1e1 2e2 nen, e portanto as suas coordenadas nessa base são 1,2,,n ET. De um modo semelhante w escreve-se, de uma maneira única, como combinação linear dos vectores de V , w 1v1 2v2 nvn, e portanto as suas coordenadas nessa base são 1,2,,n VT . O que nós gostavamos de fazer, por agora, era relacionar as coordenadas 1,2,,n ET com as coordenadas 1,2,,n VT . Para compreender melhor o raciocínio considere o seguinte exemplo em 2: e1 e2 v1v2 x y 0 w=2v1 Aqui E e1,e2 (base azul) e V v1,v2 (base verde). O vector w (a vermelho) escreve-se como combinação linear dos vectores de E , w 2e1 2e2, e portanto as suas coordenadas nessa base são wE 2,2ET. De um modo semelhante w escreve-se como combinação linear dos vectores de V , w 2v1 0v2, e portanto as suas coordenadas nessa base são wV 2,0VT . O que pretendemos fazer é calcular as coordenadas wV 2,0VT a partir das coordenadas wE 2,2ET e vice-versa. Voltemosentão ao caso geral. Comece por observar que w se escreve simultaneamente como w 1e1 2e2 nen (no exemplo w 2e1 2e2) e como w 1v1 2v2 nvn (no exemplo w 2v1 0v2). Então teremos forçosamente a igualdade 1e1 2e2 nen 1v1 2v2 nvn (no exemplo 2e1 2e2 2v1 0v2). Agora forme uma matriz E cujas colunas são as coordenadas dos vectores da base E e1,e2,,en (coordenadas tomadas numa base qualquer de n, por exemplo na base 5 canónica). Virá então E e1 ∣ e2 ∣ ∣ en . No exemplo teriamos E 1 0 0 1 . De um modo semelhante forme uma matriz V cujas colunas são as coordenadas dos vectores da base V v1,v2,,vn (na mesma base arbitrária de n usada anteriormente, por exemplo na base canónica). Virá então V v1 ∣ v2 ∣ ∣ vn . No exemplo teriamos V 1 −1 1 1 . Repare que a igualdade 1e1 2e2 nen 1v1 2v2 nvn pode agora ser escrita e1 ∣ e2 ∣ ∣ en 1 2 n E v1 ∣ v2 ∣ ∣ vn 1 2 n V ou seja, chamando wE 1 2 n E T ao vector das coordenadas de w na base E e wV 1 2 n V T ao vector das coordenadas de w na base V, teremos a equação EwE VwV. No exemplo esta igualdade é: EwE 1 0 0 1 2 2 E 1 −1 1 1 2 0 V VwV Note que ambas as matrizes E e V têm inversa uma vez que as suas colunas (vectores de uma base) são certamente linearmente independentes. Podemos então escrever wE E−1VwV e wV V−1EwE expressões que nos permitem calcular wE a partir de wV e vice-versa. É usual chamar às matrizes M E−1V e M−1 V−1E matrizes de mudança de base. Assim teremos wE MwV e wV M−1wE. No nosso exemplo temos M E−1V 1 0 0 1 −1 1 −1 1 1 1 −1 1 1 e M−1 V−1E 1 −1 1 1 −1 1 0 0 1 1 2 1 2 − 12 12 repare que obtemos, como previmos: MwV 1 −1 1 1 2 0 V 2 2 E wE e M−1wE 1 2 1 2 − 12 12 2 2 E 2 0 V wV Sabemos, portanto, calcular as coordenadas de um vector numa base E e1,e2,,en de n a partir das suas coordenadas noutra base V v1,v2,,vn de n e vice-versa. Isto vai ajudar-nos a relacionar as matrizes que representam a mesma transformação linear T : x ∈ n → Tx ∈ n nessas duas bases diferentes. Suponha então que n está representado numa ”base azul” E e considere uma transformação 6 linear T de n nele próprio que, nessa base, é representada por uma matriz A (a azul na figura). Dadas as coordenadas de um vector x na ”base azul” E, xE, a sua imagem pela transformação T é um vector y Tx cujas coordenadas na ”base azul” E são dadas por yE AxE. Agora tome n representado numa ”base verde” V. A mesma transformação linear T nessa base é representada por uma matriz à (a verde na figura). Dadas as coordenadas do mesmo vector x na ”base verde” V, xV, a sua imagem pela transformação T é o vector y Tx cujas coordenadas na ”base verde” V são dadas por yV ÃxV. Estas situações são sugeridas na figura abaixo (por enquanto esqueça a linha vermelha): Rn Rn Rn Rn à A M M-1 xV yV=ÃxV xE yE=AxE Recorde agora que dadas as coordenadas de um vector na ”base verde” V pode obter as coordenadas do mesmo vector na ”base azul” E através de uma matriz de mudança de base, M, que sabe calcular. Terá então, para as coordenadas do vector x, a expressão xE MxV e, para as coordenadas do vector y Tx, a igualdade yE MyV Lembre que yE AxE, isto é, a matriz que permite obter as coordenadas de y Tx na ”base azul” E a partir das coordenadas de x na mesma base é a matriz A. Então, usando as igualdades de mudança de base anteriores, vemMyV AMxV ou seja yV M−1AMxV. Isto significa que a matriz à que permite obter as coordenadas yV de y Tx na ”base verde” V a partir das coordenadas xV de x na mesma base é: Ã=M-1AM Outra maneira de ”ver” este facto é olhar para o ”trajecto” a vermelho na figura acima. A ”passagem” xV → yV pode ser concebida ao longo do trajecto vermelho do seguinte modo: xV → xE → yE → yV. Estamos então perante a composição de três transformações lineares e o Teorema 5.1.5 assegura que a matriz à da transformação composta é o produto das matrizes dos factores do fim para o princípio, ou seja, à M−1AM. Terminamos esta secção ilustrando estes factos no exemplo que vimos utilizando: Recorde então a transformação T de 2 em si próprio, T : x ∈ 2 → Tx ∈ 2, em que o transformado do vector x é obtido projectando-o sobre o eixo dos yy. 7 T(x) x e1 e2 v1v2 x y 0 Tinhamos visto anteriormente que a matriz que representa esta transformação na base E e1,e2 (base azul) é A 0 0 0 1 enquanto que a matriz que a representa na base V v1,v2 (base verde) é à 1/2 1/2 1/2 1/2 . Recorde ainda que a matriz de mudança de base que permitia passar das coordenadas na base V v1,v2 (base verde) para as coordenadas na base E e1,e2 (base azul) era M 1 −1 1 1 e portanto M−1 1 2 1 2 − 12 12 efectua a mudança de base no sentido inverso. Pode então confirmar que se tem: M−1AM 1 2 1 2 − 12 12 0 0 0 1 1 −1 1 1 1/2 1/2 1/2 1/2 à 8
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