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f:v.. BF- í • W m m *• • *» • l"-»M a* • •TTy I di Trindade, 11 - H Tel.fv2í951-LISB0» %>&JU3 P R I N C Í P I O S T>IREITO MERCANTIL E L E I S DE MARINHA P A R A U S O D A M O C I D A D E P O R T U G U E Z A , D E S T I N A D A A O C O M M E R C I O , D I V I D I D O S EM OITO TRATADOS ELEMENTARES, CONTENDO A RESPECTIVA LEGISLAÇÃO PÁTRIA, E INDICANDO AS FONTES ORIGINAES D O S REGULAMENTOS MARÍTIMOS D A S PRINCIPAES PRAÇAS DA EUROPA P O R J O S É D A S I L V A L I S B O A , Deputado , e Secretario da Mcza de Infpecfíw da Agri- cultura , e Commercio da Cidade da Bahia. L I S B O A NA REGIA OFFICINA TYPOGRAFICA. Anno 1798. Com Licença de Sua Magejiadc. Quid tnaius, meliusve Reipublkee facere pojfumus , quam fi docemus, & erudimusjuvcntutemí Cie. Define quapropter novitate exterritus ipsâ Expuere ex animo rationem; fed magis acri Judicio per pende: cV Ji tibi Dera videtur, Dede ma nus; aut }Jifalfa eji, accingere contra* Lucrer. A SUA ALTEZA REAL o ^ S E R E N Í S S I M O S E N H O R D. J O Ã O PRÍNCIPE DO BRAZIL S E N H O R O Defejo de fazer ao Efiado algum fer- viço durável , unido ao reconhecimento dos benefícios , que devo á Real Munificencia, * ü anl- cnimou-me a levar às Ai.guflas Mãos de VOSSA ALTEZA REAL o prefente trabalho , que emprehendi^ no defignio de con- tribuir de algum modo para extensão , e profperidade do Commercio Nacional. A uti- lidade , e a falta de hum enfaio de litera- tura de fie gênero em linguagem pátria, fer- vi rã de apologia á temeridade da empreza; na confderaçao de que, pofiofeja muito def- proporcional ás minhas forças , pode com tudo defpertar engenhos de outra ordem, que conduzao a perfeição, o que apenas prin- cipiei por elementos. Hum fyflema de Ju- rifprudencia Marítima , entrando na edu- cação da Mocidade ? que fe habilita â pro- fífsão do Commercio , he próprio para en- grandecer a esfera das efpeculaçoes de tao útil clajje de Cidadãos ; a fim de augmen- tarem com honra a fortuna particular , e púhUca, livres do jugo de hum trafico illi- beral, e emplrito , que facrifica a verdade «o interejfe ? e a objcrvanciã das Leis áin- fi- faciabilidade mercantil. Perfuadido que a perícia , e integridade dos Negociantes sao *as principaes molas , que dão movimento , e vigor à indufiria, e opulencia da Nação , fufiento-me na efperança de que, fendo mais geral a infirucçao pública em huma parte tao intimamente connexa com o credito da Monarquia , fie tome mais rápida , e fru- tlifera a circulação das riquezas territo- riaes y que o de/conhecimento das avanta- gens próprias tem concentrado no efireito circulo de hum Commercio lethargico, e qua- fi inteiramente pajfivo. O Gênio Tutelar, que prefide aos Conjelhos Soberanos , exal- te o patriotifmo Portuguez ; a fim de ele- var eftes Reinos aos altos deftinos , a que lhe d ao direito a fua fit nação geográfica, a fuavidade do clima , a fertilidade do terre- no , a vafiiâao das Colônias , a indufiria dos feus habitantes ; e fobre tudo , o bené- fico , e paternal Governo de VOSSA ÂL- TEZA. REAL , que faz a //,v; Grande- za\ e Poder Supremo infeparavel da felici- dade de hum povo fiempre difiinclo pela le- aldade , e amor dos Jeus Soberanos. Todor os corações fienfiveis ás Reaes Virtudes de VOSSA ALTEZA fiarão inceffantes vo- tos para a tranquillidade , e efplendor de fcu Império ; a fim de que o mantenha em paz , e jufiiça, accumulando perenncmen- te, para admiração , e exemplo , monumen- tos de Acçoes dignas de apotheofe da Pá- tria, e da Humanidade. S E N H O R A VOSSA ALTEZA REAL Com profundo refpeito dedica eíta Obra O mais humilde, c fiel vafFallo Jofé da Siha Lisboa. TRATADOS ELEMENTARES DA PRESENTE OBRA. —^ i i • ; ... assa E L E M E N T O S I. Do Seguro Marítimo. DIVIDIDOS EM TRÊS PARTES. I. Da Formação : II. Da Diííblução : III. Da Execução deite Contrato. C O M H U M A P P E N D I C E Das formulas de Apólices, eLeis pátria?» fobre Seguros. II. Do Cambio Marítimo , ou Contrato de Dinheiro a nfco, denominado degrof- fa Aventura, e Reípondencia. III. Das Avarias. IV- Das Letras de Cambio , Notas Promif- forias , Bancos de Commercio, &c. V- Dos Contratos , e caufas Mercantis , Obrigações , Direitos , e Privilégios dos Negociantes. VI. Da Policia dos Portos, e Alfândegas. VII. Dos JUÍZOS, eTribunaes de Commercio: Do Confulado, Jurifdicçao ? e dever dos Confules. VIII. Da Economia Política. ELE- E L E M E N T O S DO SEGURO M A R Í T I M O , DIVIDIDOS EM TRÊS PARTES. I. Da Formação II. Da Diííblução >^ Deite Contrato. III. Da Execução —. Siquid novijli reSlius ijlis, Candidus imperti; fi non, his utere mecum. Horat. Í N D I C E Prólogo - - - - - - - - - - - Í. P A R T E I Da Formação do Contrato do Seguro. c AP. I. Da Divisão genérica do Contrato do Se-guro. - - - - - - - - Pag. r CAP. II . Da natureza , e objetto do Seguro marí- timo. - - - - - - - - - - 2. CAP. III. Das efpecies de Seguros marítimos. 10. CAP. IV Do que he neceffario para a validade do Contrato do Seguro. - - - - - - - 11. CAP. V Das Apólices. - - - - - - 13. CAP. VI. Dos Requifttos da Apólice. - - 17. CAP. VII. Das Partes contrahentes no Contrato do Seguro. - - _ _ _ _ _ _ _ i8„ CAP. VIII. Dos Seguradores. - - - - 19. CAP. IX. Do Segurado , e da fita declaração na Apólice. - - - - - - - - - - 30. CAP. X. Do Segurado Proprietário , ou do Seguro feito por conta própria. - - - _ _ i j , CAP. XI. Do Segurado Commljfarlo , eu Procura- dor. - - - - - - - - - - - 3*5. CAP. XII. Da Clavfula do Seguro: Por conta de quem pertencer. - - - - - - - ^g, CAP. XIII. Do Seguro por Corretores. - 52. CAP. XIV Da Declaração do Navio. - 5-4. CAP. XV Do Seguro feito fobre diferentes Navios nomeados "a Apólice. - - - - - - r n , ** ii. CAP." CAP. XVI. Da clavfiila : Em qualquer Navio , ou Navios. - - - - - - - - - »-•*• CAP. XVII. Da Declararão do nome do Capitão. 63. CAP. XV]II. Da Cktfu.lã do Capitão: Ou quem por clle. _ - - _ _ - - - 65-. CAP. XiX. Da Declaração na Apólice da impor- tância figura,'!-:!. - - - - - - - - 06. CAP. XXfDa eftlmação da coufa figurada feita na Apólice. - - - - - - - - - - 7 3* CAP. XXI. Das coufas figuradas, e da fua Decla- ração na Apólice. - - - - - - - 78. CAP. XXII. Do Seguro do Navio, como direão ob- jeBo da Apólice. - - - - - - - 80. CÁP. XXIII. Do Seguro da Carregação; e que ef- feitos , ou mercadorias não fe podem fegurar fcm efpecial declaração. - - - - - - - 83. CAP. XXIV Do Seguro de Carregação de ef cra- vos. - - - - - - - - - - - 87. CAP. XXV Do Seguro de vida. - - - 90. CAP. XXVI. Do Seguro da liberdade. - - 98. CAP. XXVII. Do Seguro do prêmio , e do prêmio dos prêmios. - - - - - - - - - 101. CAP XXVIII. Do Seguro de foldaãas. - - 102. CAP. XXIX. Do Seguro do dinheiro dado a rifco 104. CAP. XXX. Do Seguro do frete. - - - 10$. CAP. XXXI. Do Seguro dos lucros das mercado- rias. - - - - - - - - - - 1 0 8 . C A ? XXXII. Dos rifcos marítimos. - - 109. CAP. XXXIII. Dos rifcos, e perdas que são a car- go dos Seguradores. - - - - - - n o . CAP. XXXIV Dos rifcos, e perdas a que o Segu- rador não he obrigado. - - - - - 114. CAP. XXXV Do principio, e fim dos rifcos. 120. CAP. CAP. XXXVI. Das perdas por ventos , e tempefi tades. - - - - - - - - - - 1 2 3 . CAP. XXXVII. Do Seguro contra o fogo. - 126. CAP XXXVIII. Do Naufrágio, eVaraçao. 130. CAP. XXXIX. Do Alijamento. - - - - 132. CAP. XL. Da abordagem. - - - - - 1 3 3 . CAP. XLI. Das Prezas , e Reprezallas. - 135. CAP. XLII . Da Detenção de Príncipes.- 138. CAP. XLIII . Das Reprezas. - - - - 143. CAP XLIV Das perdas por faão do Capitão , ou Meflre do Navio, e Equlpagem; e da claufula da Bar ataria. - - - - - - - _ _ i^d, CAP. XLV Da Viagem figurada. - - - 15-4. CAP. XLVI. Dos prêmios , e tempo de feu paga- mento. - - - - - - - - - - J^J^ CAP. XLVII. Do Seguro depois do fmiftro, ou che- gada do Navio a falvamento. - - - - 164. CAP. XLVIII . Do Seguro fobre boa , ou má no- va. - - - - - - - - - - - j ^ CAP. XLIX. Do Refeguro. - - - - - 168. CAP. L. Do Seguro duplicado. - - - - 170, PRO- P R Ó L O G O . E univerfalmente reconhecida entre as Nações Commerciantes a utilida- de do contrato do Seguro. A expe- riência moftra , que, íem o feu íbc- corro, não fe poderia avantajofamen- te fuítentar o Commercio marítimo , e menos dar- fe-lhe a indefinida extensão , e acíividade , de que he fufceptivel , e que tanto contribue para reciproca abundância , e civilização dos povos. Sem elle as efpeculações* mercantis ferião de cur- ta esfera , e apenas poderiao ier emprehendidas por grandes Capitaliftas , que , concentrando em íí todos os meios de riqueza, exercerião terrível monopólio fobre os mais concidadãos , tornando paralytica a induftría Nacional. Os Negociantes de poucos fundos dííficilmente fe reíolveriao á imprudência de entregar toda a lua fortuna aos innumeraveis rifcos , a que a navegação he fujci- ta j quando ao contrario ha toda a afíòuteza pa- ra as mais árduas efpeculações do Commercio, fazendo cada hum fegurar os feus cabedaes pe- las Companhias de Seguro , que facilmente fe aventurão a todos os hazares ; não fó pela ordi- nária confiança , que as peíToas opulentas tem na lua boa fortuna , fenão também porque a idéa do perigo fe diminue por extremo, e a perda fe faz. mais tolerável, coníiderando-fe a divisão pe- los n P R Ó L O G O . los intereííados, e pela moral certeza do ganho, que em ^eral rcfulta da multiplicidade dos Scgu* ros ; pois , no eftado ordinário do Commercio, ainda acontecendo alguns infortúnios , balancea- dos os rifcos, e o proveito, he quafi infallivel a indemnização , e beneficio , pela freqüência já cal- culada cios fucceífos felices. Convém por tanto animar-fe, epromover-fe o ufo deite contrato; porque, por meio del le , o Segurado, antecipando-fe a abandonar parte dos proveitos çfperados , livra-fe do receio de huma perda , que o poderia arruinar ; e o Segurador, conftituindo-fe lbcio temporário de quem requer o Seguro, vem a participar dos lucros das eípe- culaeoes , c capitães alheios. D o que refulta , que o Commercio fe faz mais extenfo, e o feu gyro mais rápido ; a timide2 de huns Negociantes alenta-fe pela coragem dos outros -, as fontes da riqueza nacional abrem-íe a toda a peíToa induf- triofa-, os ricos tem hum novo ramo de Commer- cio, e fácil emprego a feus cabedaes inertes, que eo.iílitucm frutíferos , fem obítruir os canaes da circulação-, e forçados pela imperiofaLei da con- corrência , contentando-fe de menores lucros , fuftentao o equilíbrio , que convém haver entre os interefTes dos particulares , e o bem do Eftado. As antigas Nações da Europa (quanto fe po- de ir.ígar dos documentos hiftoricos) não tiverão ícea do contrato do Seguro ; o que fe pôde at- tribuu- á limitada natureza do feu Commercio, reibiclo ao Mediterrâneo , mar Egêo , e Ponto Eu- P R Ó L O G O . nr Euxino. Os Eítados da Grécia parece que nunca o praticarão; pois fendo tão célebres os Regula- mentos mercantis da Ilha de R h o d e s , parte dos quaes forão depois tranfcriptos nas Compilações do Imperador Juftiniano (de que ainda hoje en- tre nós íe faz grande ufo) com tudo, ahi não fe encontra difpoliçao alguma, que feja directamen- te relativa a femelhante contrato. Alguns Efcritores pertendem, que elle não fora deíconhecido aos Romanos, e citão em pro- va ao eminente Hiftoriador Ti toLivio ( i ) , que faz menção do contrato, que já pelo tempo dafe- gunda guerra Punica fizeráo os encarregados do fornecimento do exercito da Hefpanha , eílipulan- do expreíTamente , que de tudo que íe tranfpor- tafíe nos navios , ficaíTem por conta da Republi- ca os rifcos de inimigos, e de tempeílades. Outro exemplo he exti-ahido das Cartas de Cicero ( 2 ). Efte famofo Orador , e Conful de R o m a , tendo ganhado huma vicloria na Cilicia, e prevendo que feria inevitável a guerra entre Pompeo, eCefar , defejando por a falvo em Ro- ma os Thefouros da Republica , efereveo a Ca- ninio Salluítio ( 3 ) , Proqueftor em Laodícea , que procuralTe alguma peífoa abonada, que tomaífe a íeu cargo os rifcos do tranfporte do dinheiro pú- blico. Mas efta operação mais fe aflfemelha ás noflas Letras de Cambio, do que ao contrato do *** c„_ (1) Liv. Lib. 23. Cap. 49. Lib. 25. Cap. 2,. (2) Cie. Epift. fam. Lib. 2. Epift. 17. ad Atticum Lib. 7. Epift. 1. (3) Fergu- íon's Hiít. of thc Rom. Reipub. Book 4. Cliap. 5. rv P R Ó L O G O . Seguro. Ha também huma paíTagem de Sucto- nio ( i ) , onde íe lê , que Tiberio Cláudio, pri- meiro Imperador de Roma , propuzera certos lu- cros aos Negociantes , para fornecerem a Capi- tal de trigos , tomando elle fobre fi indemnizal- los de todo odamno , fe aconteceíTe alguma per- da por tempeftades. Na Lei 67. dig. de verb. obli- gat. o Jurifconfulto Ulpiano propõe huma cfpe- cie de eifipulação , que parece fuppôr o ulo do Seguro, diz: llla ftipulatio, decem millia falva fore promittis, valet. Com tudo, Authores de grande nota , como Grocio, e Bynkerfoek, ( 2 ) interpretando dedif- ferente maneira os lugares daquelles Efcritores, são de parecer , que o contrato do Seguro fora abfolutamente ignorado dos Romanos; de forte, que nem a fua natureza , nem ainda o nome , fe ache na vaíla Compilação das Leis deite povo; pois he inteiramente barbara a palavra AJfecura- tio, que adoptárão os Praxiftas modernos nos feus eícritos latinos , para deíignar aquella efpecie de contrato. Quando porém tiveíTem havido naquella R e - publica exemplos do Seguro, rigorofamente t a l , elles deverião fer muito raros; porque os Roma- nos, ainda que poíTuião grandes riquezas, tinhao com tudo pouca experiência do Commercio. A fua opulencia era principalmente o effeito da ra- pina, e peculato nas Províncias conquiítadas. O tra- CC Sutton. in Vita Claud. c. i3 . (2) Grot. de "Jwc belli, Lib. 2. Cap. 12, Bynk. quseft. Jur. pub. Lib. 1. Cap.21. P R Ó L O G O . v trafico mercantil fe exercitava tão fomente pelos efcravos, elibertos; porque era coníiderado infe- rior á dignidade de hum homem nafcido livre , de quem fó era própria a proíifsão , e gloria mi- litar. Como o feu Commercio tinha hum obje- í lo limitado , os ganhos dos Negociantes , pela falta da concurrencia , erao de ordinário excedi- vos; e por confequencia, também era exorbitan- te o preço, ou o intereíTe do dinheiro; e por if- fo não exiftíão entre elles os mefmos motivos , que prefentemente ha , para que os Negociantes procuraíTem diminuir o feu rifco por meio do Se- guro. Deixando pois efta controveríia aos erudi- tos , o que íe pode affirmar h e , que não fe fabe a época em que fe introduziífe no Commercio femelhante contrato. Alguns datão a fua origem do anno de 1182, attribuindo a fua invenção aos Judeos , que nefte periodo forão banidos da Fran- ça , e que defcubrírão , além das Letras de Cam- bio , eítoutro methodo de facilitar , e fegurar a remoção dos feus fundos. Os Italianos , principalmente osLombardos, fegundo a opinião de outros Authores, forão os primeiros, que ou inventarão, ou ao menos de- rão mais freqüente ufo áquella efpecie de nego- ciação. O certo h e , que Marfelha, Gênova, Pi- fa, Veneza, e outras Cidades marítimas da Itá- lia , tendo a indifputavel gloria de haverem in- troduzido, e adiantado as Sciencias, e Artes no feu paiz , depoisda ruina do Império Romano, *** ü e vi P R Ó L O G O . e invasão dos bárbaros , também cultivarão com ardor o Commercio do Mediterrâneo, e o exer-: cêrao com maior aftividade , que algum outro po- vo ; principalmente por occafião da famofa guer- ra dos Cruzados , fornecendo ao principio os tranfportes , e o mais neceífario para fuítentaçao das tropas deftinadas á conquiíta da Terra Santa. Depois aproveitando-fe das avantagens da fua fi- tuaçao , não menos que dos erros, e inércia das outras Nações , difirahidas , e arruinadas com as continuas guerras, em breve vierão a abarcar to- do o Commercio do Oriente, e Occidente, fen- do os feus Negociantes os Armadores, Commif- farios , e Banqueiros univerfaes da Europa. H e por tanto verofimil , que elles procuraíTem tirar proveito de todas ascircumftancias favoráveis pa- ra a aftividade , e efplendor do Commercio , e puzeífem em pratica o contrato do Seguro, como hum dos meios mais eílicazes para a extensão, e bom fucceífo das fuás efpeculaçoes mercantis. Não ha monumento , donde confie a época (i) cm que fe eílabeleceíTe Legislação fobre ma- téria de Seguros ; nem fe acha veíligio algum delia no Corpo das antigas Leis marítimas dos Eftados da Itália , conhecido debaixo do nome : Confulato ãel More , publicado no feculo X I V ; nem tão pouco no Código Amalfitano , Leis de Oleron, e cékbres Ordenanças de Wisbuy, que tiverao a maior eftimação na Europa; e que fen- do da mais refpeitavel authoridade em todos os Tr i - ( i ) Emerig. Preface pag. 8. P R O L O G O. VII Tribunaes do Norte , fervírão de bafe a's Orde- nanças das Cidades da Liga Hanfeatica , Lubek, Hamburgo , Bremen , Colônia. Com tudo , he certo , que já no fim do dito feculo XIV hou- verão Regulamentos fobre aquelle contrato; pois Cleirac no feu Tratado dos Ufos , e Cqftumes do mar, pag. 224 e 235-, faz menção de Leis fo- bre Seguros , feitas por Barcelona em 1484 ; e os Eftatutos de Florença , promulgados em 15-23, fe referem a Leis , e coftumes mais anti- gos fobre efla matéria, que já erao praticadas no paiz. Quando a defcuberta da America , e da paf- fagem ás Índias Orientaes pelo Cabo da Boa Ef- perança abrio hum campo vaílo ao Commercio, todas as Nações da Europa fe esforçarão á porfia em tirar toda a utilidade, que as fuás circumílan- cias lhes permittião. O conhecimento da Nave- gação, fendo mais univerfalmente efpaíhado , o ufo dos Seguros começou também a fer mais ex- tenfo, e principiarão a apparecer muitos Regula- mentos maritimos em vários Eftados da Europa , e o contrato do Seguro fez hum dos principaes objeftos da Legislação mercantil. Depois do reítabelecimento das Letras , en- trando a florecer o eítudo da Jurifprudencia nos feus diverfos ramos, também fe cultivou, em to- das as Nações cultas, o que diz refpeito ás ma- térias do Commercio. Com tudo , por falta de Legislação fyílematica, as controverfias judiciaes eráo julgadas pelos ufos, e coftumes mercantis, e VIII P R Ó L O G O . e Areílos dos Tribunaes , que muitas vezes ha- vião decidido coufas oppoítas fobre a mefma queílão. O Século de Luiz X I V , célebre pelo pro- greflb da Literatura na Nação Franceza, he par- ticularmente recommendavel pelas Ordenanças de Marinha , promulgadas no reinado daquellc Mo- narca , devcndo-íe efle Código marítimo ao pa- triotiímo , e gloriofa adminiílração do grande Colbert. Eílc incanlaveí homem de Eflado em- prehendeo reílabelecer , e exaltar a Marinha , e Commercio da França; e aproveitando-fe do tra- balho dos Sábios, que então florecêrão , teve a gloria de illuílrar o feu Miniílerio com a publi- cação deite excellente Corpo de Leis , relativas á Jurifprudencia Naval , e Mercantil, que he co- nhecida debaixo do nome de Ordenanças da Ma- rinha de França , em que também fe legislou fo- bre os Seguros , cuja matéria ahi forma coníidc- ravel parte. Toda a Europa pagou o tributo de veneração , que he devida a huma Compilação deite gênero ; e em muitos Tribunaes eílrangei- ros , ainda prefentemente , são citadas aquellas Ordenanças , como texto capital em cauías de Commercio. Depois dellas a republica das Le- tras tem feito juílo apreço, aífim do Commenta- r io , que Mr. Valin fez ás ditas Ordenanças, co- mo das Obras de Mr. Pothier, e Emerígon , que eícreverão com muita erudição fobre o contrato do Seguro, e outras queílões dependentes. A Nação Ingleza, que a tantos refpeitos fe tem P R Ó L O G O . ix tem diílinguido em todo o gênero de produc- ções literárias , não he inferior neila parte a al- guma outra Nação. Tendo o Minifterio Britâni- co , primeiro que os mais Governos da Europa, coniiderado o Commercio como huma das prin- cipaes bafes da opulencia nacional , e força do Eílado, havendo já de remota época lançado os fundamentos delia grandeza, e luperioridade na- val , que ora fe obíerva, nada omittio, que pu- deíle dar extensão, e facilidade ásemprezas mer- cantis ; e por tanto não he maravilha que hum povo tão induflriofo adoptaífe, defde muito tem- p o , a pratica do Seguro, que veio depois aconf- tituir no paiz hum dos mais importantes ramos do feu Commercio; de forte, que nenhuma Na- ção poífa neila parte pertender competência. Os Inglezes ( i ) datão defde o feculo XIII a introducção do contrato do Seguro em Lon- dres , pela aftividade dos Lombardos ; e ainda neíta Capital fe conferva o nome da rua Lom- bard-Street , onde aquelles Negociantes Italianos havião tido a fua refidencia ; e até nas Apólices modernas fe vê o veftigio da antigüidade dos Se- guros , que alli fe faziao; pois nellas fe declara , que terão todo o vigor, como as que antes íe fa- ziao em Lombar d-Street. Já no tempo da Rainha Ifabel (2) os Seguros erão tão freqüentes em Lon- dres , e tal credito tinha a grande Companhia mer- (1) Allan P?rk On Marlne Infurances Introduãion pag.. 27. (2) John Millar Elements of Infurances. pag. 12. efeg„ x P R Ó L O G O . mercantil do Royal Exchange, que ella attrahio a attenção da Legislatura, c deo occaíião a eflabc- lecer-fe huma Câmara, ou Tribunal privativo pa- ra tomar conhecimento de todas as caufas de Se- guros. Ainda que pouco numerofos foíTem osAftos do Parlamento, que fe fizerão fobre eíta matéria, e as contendas judiciaes fe regulaífem até cites últimos tempos, menos por leis eferitas, do que pelos ufos mercantis , que são fubílancialmente uniformes em todos os paizes; com tudo, a Na- ção Ingleza prefentemente fe lifonjea de ter nef- ta parte huma legislação fixa , pela uniforme pra- xe de julgar em caufas de Seguro, em que oLord Mansíield adquirio huma reputação eminente nos JUÍZOS , de que teve a direcção , e prefidencia. Tem além diílo Authores eílimaveis , que tratão em boa ordem as queítões de Seguro , e as que são com ellas eífencialmente connexas , como Magens, Negociante de profifsão(i); Allan Park, Advogado em Londres (2) ; Mr. Millar (3) , Ad- vogado em Edimburgo; além de outros Efcrito- res mais antigos, que tratando difFerentes maté- rias mercantis, também inferirão obfervações , e cafos práticos fobre aquellas queftões, como Mol- loy de Jure marítimo , & navali; Gerard Maly- nes' Lex mercatoria ; Poftlethwait's DiEiionary of Commerce; Beawes Lex mercatoria rediviva , e fo- bre (1) An ejfty on [nfurances. (2) A fyftemâ of the !aw of Murine Tnfurancts. (*,) Elements of th» law relating to Infurames. P R Ó L O G O . XI bre todos Mr. Wesket, que em matéria de pra- tica tem certamente grande authoridade , como obferva o citado John Millar, pag. 132, e tem a avantagem de oíFerecer as queilóes do Seguro em ordem alfabética na fua exeellente obra , que intitulou : A Complet Digejl of ihe Tbeory, Laias , aud Prattice of Infurmice. A Itália , Meítra das Artes, e Sciencias mo- dernas , também merece diítinfto lugar na Legif-lação fobre Seguros , e outras matérias mercan- tis. Além das Decisões da Rota de Gênova, que fempre tiverão grande audioridade em caufas do Commercio , tem prefentemente os Códigos de Florença, e Veneza, que fazem honra aos refpe- ftivos paizes. Entre os Authores de nota , que alli tem âorecido , como Stracha , Roccus , e Cafaregis, que tratarão de Seguros, póde-fe com razão dizer, que fe acha enriquecida a Literatu- ra com a profunda obra noviíTima fobre Seguros, e Câmbios marítimos do Advogado Baldaifero- ni , que não cede em erudição aos Efcritores das outras Nações. Todos os mais Eílados da Europa, que de^ - vem ao Commercio a fua exiílencia , e coníide- ração política , advertindo nos inconvenientes a que he fujeita a adminiílração da juftiça, quando o direito das partes fe deixa á arbitraria diferi- çao dos Juizes, tem feito as fuás Ordenanças lo- bre matérias mercantis, appropriadasá natureza da fua Conflituição. Como porém tudo o que toca á Navegação , e Commercio, he regulado pelo n i P R Ó L O G O . Direito das Gentes , e fundado fobre os mefmos principios da reciproca utilidade dos povos com- merciantes , a Legislação dos differentes Paizes he neila matéria coherente nos artigos eífenciaes, como fe pode ver, comparando-íe os diverfos Có- digos marítimos, que prefentemente exiílem. Sobre todos os Regulamentos he particular- mente attendivel o que promulgou a Imperatriz da Ruffia Catharina I I . A ordem, clareza, ejuf- tiça das determinações que alli fe vem , o conf- tituem modelo digno da imitação dos outros Ef- tados , que não tem ainda feito methodica Legif- laçao fobre eila matéria. A Nação Portugueza , que fempre produzio grandes engenhos em toda a efpecie de Litera- tura , também conta Authores de merecimento nos eíludos de Jurifprudencia. Entre elles póde- fe enumerar com honra o Jurifconfulto Santerna, que efcreveo fobre o contrato do Seguro. A fua Obra he citada com refpeito pelos Sábios eílran- geiros , que efcrevêrao fobre matérias mercantis. Vem incorporado o Tratado latino daquelle Au- thor na Obra de Stracha de Mercatura , pag. 796. Igualmente o noífo Praxiíla Pereira fe faz recom- mendavel por fuhminiítrar alguns conhecimentos relativos aos Ufos , e Coítumes do Reino nas caufas do Commercio, e queftóes fobre Seguros. Ainda que nas Ordenações do R e i n o , e ul- tima Compilação Filippina não fe ache vefligio de legislação, e pratica daquelle Contrato, com tudo, fendo os Portuguezes de tanta indufiria, e da- P R Ó L O G O . XHf dados a todo o trafico mercantil, o ufo deite ra- mo de Commercio deve neceífariamente ter fido antigo , poflo que fe não poífa aííignar precifa- mente o tempo da fua introducção , ou freqüên- cia. A verdade he que muito antes do anno de i 684 já havia huma Cafa de Seguros em Lis- boa; pois fe acha neíTe anno eftabelecida Le^-~ lação relativa á boa ordem, e effeitos civis deite contrato, prohibindo-fe o celebrar-fe fora da Ca- fa de Seguros, e fem a mediação de Corretores. Em 1688 fe tomou Alterno na Cafa da Suppli- caçao , permittindo-fe inferir-fe nas Apólices a claufula depoftaria , para não poderem as partes, em virtude delia, fer ouvidas, fem primeiro de- poíitarem a quantia da queílão. ( 1 ) O Senhor Rei D. jofé , de gloriofa memó- ria , tendo legislado fobre quaíi todos os mais importantes ramos da Adminiítração da Juíliça , e Economia politica, tendo promovido por mui- tos meios o Commercio Nacional, também ef- tabeleceo huma Companhia de Seguros debaixo do nome de Companhia Permanente , e lhe deo Capítulos para fua direcção , que fe achao con- firmados pelo Alvará de 11 deAgoílo de 1791. Não obíiante porém eíles foccorros , não fe pôde deixar de reconhecer, que a Legislação pá- tria he muito limitada paradecidir todas as quef- tõesjudiciaes fobreefteobjefto. Entretanto pois, que fe efpera nefle Governo Regimento para as Companhias de Seguro , e Decisões dos Tribu- **** ii na- ( 1") Vid. Appendix no fim defíe Trar. XIV P R Ó L O G O . naes, fegundo fe annuncia no dito Alvará de 11 de Agofto de 1791 , talvez não feria inútil ao público oíFerecer em língua nacional ao Corpo mercantil huns Elementos de Doutrina fobre o coi trato do Seguro , e outras matérias concer- nentes >, que tanto interefsão não fó as efpecu- Woes do Commercio , e intereífes dos Nego- ciantes , fenão também á tranquillidade dos Tribunaes , e boa ordem na adminiílraçao da juíliça ; fendo inqueílionavel , que por falta de conhecimentos em matéria tão importante, e quo- tidianamente freqüentada nas Praças, celebrao-fe muitos contratos de Seguro fem as cautelas ne- ceífarias , ou com artifícios illegitimos : de que re fui tão innumeraveis perjuizos , e litígios , que tanto arruinão os Negociantes, e alterão aquella boa fé mercantil , que he a mais firme bafe da profperidade, e credito nacional. Além de que , nas caufas de Seguro he en- tre nós eílilo na primeira inílancia fazer-fe a de- cisão fummariamente por Árbitros, efcolhidos da claíTe dos Commerciantes , a aprazimento das partes; e dados os feus arbitramentos, o Prove- dor dos Seguros julga , pelo acordo da maiori- dade , proferindo fua Sentença proviforia, a que logo fe deve dar execução, poílo fe appelle pa- ra o Juizo definitivo da Real Junta do Commer- cio, como fe acha determinado por huma Deci- são da mefma Real Junta de 18 de Janeiro de l79&- Importa pois muito , que os que tem a pronfsão mercantil fejão verfados nos principios the- P R O L O G O. XV theoreticos do contrato do Seguro; para que ha- vendo de fazer as funções de Juizes Árbitros, pofsao encher a fua commifsão com intelligen- gia , e decoro ; pois em muitos cafos tem de encontrar difliculdades , que para fe refolverem , faz-fe indifpenfavel não medíocre conhecimento de complicadas queílões de Jurifprudencia Marí- tima , que involvem o Direito público da Euro- pa , como são as que dizem refpeito a prezas , portos bloqueados , detenção , ou embargo de Príncipes , e Potências independentes , Bandei- ras neutras, &c. O prefente trabalho não he deftinado para os Sábios, que confultão as fontes originaes; he fó dirigido ágenerofa mocidade Portugueza , que cultiva o Commercio , e procura inftruir-fe ele- mentarmente nas matérias da fua profifsão, a fim de poder exercella com difcetnimento, e provei- to ; não fe precipitando , por inexperiência , a fazer convenções mercantis , ou inúteis, ou rui- nofas , quando trata de pôr os feus capitães cir- culantes livres dos perigos dos tranfportes ma- ritimos , a cuja indemnização particularmente ten- de o contrato do Seguro. A matéria , fendo de tao grande importância pratica , he não menos digna de exercer a curiofidade efpeculativa de principiantes emprehendedores , para que nas fuás efpeculações caminhe de igual paífo a theoría, a juíliça , e a utilidade. Tendo indicado os Authorés capitães nefta matéria, feria alheio da razão penfar-fe , que na ef- XVI P R Ó L O G O . eílreiteza de hum Tratado Elementar fe deve- rião abforver , e exhaurir todas as queílões con- cernentes: pela mefma razão não exemplifiquei as regras com cafos práticos , legundo o methodo ordinário ; pois muito fe avolumaria o prefente trabalho contra o feu deílino, e fem neceflidade. A attenção com que o público recebe as pro- ducçÕes literárias de algum preço, fendo o incf- timavel prêmio de todo o Cidadão, que fe apraz de fer útil ao Eílado, preítando-lhe algum fervi- ço permanente, me impellio a propor na prefen- te difpofição methodica o que achei de mais in- terelfante , e inítruftivo na Jurifprudencia dos Se- guros. Seeíla tênue oíferta não defmerecer o aco- lhimento , e favor Nacional , fendo o zelo pa- triótico que me anima, fuílentado pela efperan- ça da benignidade pública , farei esforços por defempenhar, de algumamaneira, por trabalhos do mefmo gênero, o tributo de gratidão, e fide- lidade, que cada hum deve a feu paiz. Poífa ef- te prelúdio da fciencia do Commercio correfpon- der á pureza das intenções com que foi delinea- do ! Polia accelerar a publicação de hum Códi- go Marítimo , que contenha os principios foli- dos deíla Jurifprudencia univerfal, que , pela fua juftiça, e exacção, concilie o interelfe do Eílado com a utilidade reciproca do Negociante Nacio- nal , e Eftrangeiro, firmando fobre immoveis ba- fes o credito , e profperidade pública , para fe amplificar fem limites a confiança de todos os paizes que tiverem com eíles Reinos relações de Com- P R Ó L O G O . XVII Commercio , e poder-fe em honra do Governo dizer-fe com legurança: Non erit alia res Roma , alia Athenis , alia nunc , alia poji hac ; fed apud omnes gentes , & omni tempore , una eademque lese obtinebit. PAR- J ag. I . è&teSfr,^*&H&, ^ ^ ^ ^ ^ ^ ^ . ^ ^ ^ i & j , P A R T E I. Da Formação do Contrato do Seguro. C A P I T U L O I. Da Divisão genérica do Contrato do Seguro. OMPREHENDENDO-SE aqui os ufos , e cof- tumes de todas as Nações Commercian- tes , ( i ) póde-fe coníiderar como matéria do Contrato do Seguro toda a proprieda- de , que tem perigo de detcriorar-fe , ou pcrder-fe, aífun no tranfporte de hum lu- gar para outro , como na confervaçao delia em lugar determinado, e permanente. Daqui nafce a divisão ge- nérica de Seguro marítimo , e Seguro terreftre ; pois iè podem fegurar não fó Os eífeitos , c quaefquer bens circulantes , que fe tranfportao por mar , ou rios nave- gáveis , fenao também os que fe trafpafsao por terra para algum lugar deílinado , e ainda os que fe achao guardados , ou fixos nas cafas , e fundos territoriaes , que são fujeitos aos perigos do fogo , invasão de ini- e outros infortúnios extraordinários. Também em alguns paizes fe coítuma fegurar a vida dos homens , e das bcítas, ainda quando não são Tom. I. A ex- migos, ( i ) Wesket verb. Infurançç. 2 P R I N C Í P I O S exportas aos perigos da navegação. Igualmente fe coítu- mao fegurar quaefqucr rendimentos , e avantagens pe- cuniárias , dependentes da exiítcncia de alguma pefloa, ou ainda a íimples efperança de alguns lucros contin- gentes , como das loterias. Eiles Seguros pertencem também á claífe dos Seguros terrcítres, e de cada hum delles fe tratará em feu diítinclo Capitulo. Como o Seguro marítimo, pela multiplicidade dos objectos , he mais complicado , que o que fe faz das couias , que eílão , ou circulao cm terra ; e os princí- pios geraes , por que fe regula , são applicadas a eítou- t ro , primeiro trataremos daqoeíle , que unicamente re- cahe fobre propriedades expoílas ás contingências , ou perigos do mar. C A P I T U L O II. Da natureza, e objeSlo do Seguro marítimo. A Lguns Authores definem o Seguro hum contrato de indemnidade contra os perigos do mar ; ( i ) mas por cfte modo apenas fe defigna o fim do contra- t o , não fc declarando as fuás diíferenças efpecificas. (2) Será pois neceíTario propor huma definição delle , que fubítancialmente comprehenda todos os princípios , de que fe deriva a doutrina dos Seguros. O Seguro marítimo , civilmente coníiderado , he hum contrato , ou convenção de hazar y (3) pelo qual tomando alguém a feu cargo, por preço certo, o rifco de alguma coufa, que eítá em commercio , e he expoíla á navegação, fe obriga a indemnizar a quem o requer, e ( 0 Park. Cap. 1. Magcns. An AíTay on Infurances'. ( 0 Vide John Millar , pag. 1. ( j j Baldaílcroni Aflccura- íioni Mancime. Part. 1, Tit. _. DE DIREITO MERCANTIL. P. I. J e tem neila intereífe, do real valor das perdas, aconte- cidas por fortuna do mar, conforme asjuftas condições em que fe acordarem. Chama-fe Segurador o que toma a feu cargo os rifcos marítimos, e promettc a indemnização , no cafo de perda. Segurado o que eítipula em feu beneficio, ou de outro, a mefma indemnização. Sinijlro qualquer for- te de infortúnio, acontecido na navegação , de que re- íiilta a perda total, ou quafi total, da couía fegurada, excedendo a metade do feu valor ; no que íê diílingue da Avaria , que não he mais do que hum damno par- cial da coufa iegurada , que não paífa da metade do valor da mefma. Prêmio o preço, que o Segurado of- ferece ao Segurador, a fim de o refolver a tomar fobre fi as confequencias dos rifcos , que lc receião. Rifco a contingência , ou perigo de deterioramento , ou perda que corre , ou fe prefume correr , a coufa fegurada, an- tes que chegue ao lugar do deítino. Fortuna do mar, todo o cafo extraordinário , e infeliz , fobrevindo por accidente, ou força maior no curfo da viagem que pro- duz , ou dá oceafião a perda total , ou parcial de cou- fa que fe fegurou. O Seguro maritimo fediz hum contrato de bazar, porque cllc pertence á claífe dos contratos, que em Di- reito fe chamão Aleatórios, e fe aífemeLhãõ ao jogo , por correr-fe o perigo de alguma boa , ou má forte , como, por exemplo, quando fe compra por hum certo preço o lanço da rede no mar , na contingência , ou rifco defer lucrativo, ou pcijudicial ao comprador. Ef- tes contratos fe connderão legítimos, todas as vezes que os contrahentes fazem o feu ajuíte em boa fé , eílando ambos em igualdade de condição , tendo aflim a mef- ma efperança de lucro , como o mcfmo receio de per- da , lendo huma , e outra coufa contingente, iílo h e , dependente de acontecimento incerto, que não eílá em A ii po- 4 P R I N C Í P I O S poder de algum delles prever , e menos ainda fazcllo favorável, ou damnolò. Eflc contrato tem igualmente grande analogia com o contrato da compra , e venda. O Segurado fe pode confiderar como o vendedor do riico , e o Segurador oomo o comprador delle por hum certo preço , a que fe dá o nome de Prêmio ; pois eite não he outra coufa mais do que o preço do riico marítimo. Por iflo alfim como no contrato da compra, e venda a convenção he nulla , quando não cxiíte a coufa vendida ; aífim tam- bém caduca o Seguro, logo que fe moftra, que a cou- fa fegurada não correra riico algum domar. Aquelle prêmio do Seguro , ou preço do rifco da navegação , deve fer certo, ifto hc, fixo , e determinado pela convenção do Segurador , c Segurado , ao tempo do contrato , e aflignatura da Apólice; pois o temor do damuo , e a incerteza do fuccefíb final da navegação , he o que juílifica o mefmo contrato ; -e fe a taxa , e ajuíte do prêmio fe guardaffe para o tempo ou da ccf- facão dos rifcos , ou da verificação do finiílro , dar-fe- hia lugar a intermináveis diíputas, que convém fer ata- lhadas logo no principio. Para fer racionavel o mefmo prêmio, deve eíle pro- porcionar-fe , aifim á grandeza , probabilidade , e im- minencia do perigo que fe receia , como á longitude , dificuldade , e outras circumítancias da viagem. Com nido , como fobre iflb he impraticável dar-fe regra fi- xa , ò juízo geral da Praça fobre os rifcos communs de qualquer viagem efpecifica, he o que coíluma regular o prêmio nos cafos ordinários; porem em tempo de guer- ra , havendo más novas, fendo a viagem longa, o tem- po de inverno , ou exiílindo outra circumítancia , que augmenta o rifco , como a avaliação delle fica inteira- mente fora da esfera da prudência humana , e a gran- deza do perigo , muitas vezes fantaítico } meramente de- DE DIREITO MERCANTIL. P. I. 5- depende do imaginário conceito , que forma o Segura- dor -, em tal cafo a convenção das partes na quota do prêmio he fempre juíla , poíto que eíTencialmente arbi- traria. Os rifcos da navegação ou são reaes , ou ideaes. Os reaes são os que verdadeiramente pendem , e tem de correr a coufa fegurada , quando ou fe vai a expor aos perigos do tranfporte maritimo, ou já fe acha adlu- almente expoíta ao tempo , em que fefirma o Seguro; pois eíle fe pode requerer, e ultimar ou antes, ou de- pois de fahir o Navio , ou Embarcação do porto , e ainda antes de ferem os eífeitos levados a bordo, fegu- rando-fe até os rifcos do embarque dos mefmos. Os rifcos ideaes são os que fe receião na oceafião em que fe diligeneca , e fe conclue o Seguro ; e iíto acontece , quando ao tempo do contrato , a coufa de que fe pedio o Seguro, ou fe acha perdida, ou já fal- va no porto do deílino; mas tanto o Segurador, como o Segurado ignorão a fua forte, e prefumem ainda cor- rerem os rifcos do mar. Em ambos eítes cafos íiibíiíte o Seguro pela boa fé de ambas as partes , huma vez que eílejao em abfoluta incerteza do eílado , ou êxito final da navegação ; com tanto que não haja meio de ferem diífo informados com verdade; e tenha o no adio de Seguro declarado quaefquer noticias que receberão, ainda as de fimplcs rumor público ; porque não o fa- zendo , o contrato he nullo, em razão da fraude , co- mo fe moítrará quando fe tratar dos Seguros , que fe fazem fobre boa , ou má nova , ou com a claufula perdido, ou não perdido. Só as coufas que eílão em commercio podem fer matéria do Seguro; e por iífo quando ou o Direito das Gentes, e Lei geral das Nações civilizadas, ou os Re- gulamentos particulares de qualquer Eílado , tem poíto fora do Commercio certos gêneros ; declarando-os pro- íii- 6 P R I N C Í P I O S hibidos , e de contrabando no tempo de paz , ou de guerra , ou a prohibição feja geral, ou reíhicla a alguns paizes, ou portos, o Seguro feito deiles gêneros, ou pa- ra eíles lugares , tomados dentro , ou fora da Nação, não fubfiílc. A coufa fegurada deve exiítir, e fer expoíta aos rif- cos da navegação; porque, não exiílindo , falta o corpo, e matéria , ou fubítancia do contrato; e não fe corren- do rifco algum , por não ter fido a coufa fegurada ex- porta á navegação, não íb falta a caufa, ou motivo do mefmo contrato, mas também o titulo , pelo qual o Se- gurador tem direito de exigir prêmio equivalente , c o Segurado a indemnização cítipulada ; pois aliás viria hum a ter commodo comdamno de outro, fem nenhum receio de perda , o que não fofFre a juftiça ; pois com ella he incompatível toda a defigualdade de condição en- tre os contrahcntes. Pelo que , fe, depois de effeituar-fe o Seguro , fc moítra não ter fido embarcada a coufa que fe fegurou no idêntico Navio, ou Embarcação , que na Apólice fe declarou correrem-fe os rifcos ; ou fe depois de embar- cada coníla que fora extrahida para terra , ou que fe baldeára para outro Navio , ou Embarcação de igual, ou maior qualidade , e força , deítinada para qualquer viagem , e porto , ainda acontecendo tudo iíto por fa- rto , e culpa do Segurado, o Seguro caduca , de forte que nem o Segurado pôde pedir indemnidade, no cafo de fe ter perdido o Navio defignado na Apólice , nem o Segurador tem direito de exigir o prêmio do ajuíle, não o havendo já recebido , ou de retello , haven- do já fido pago ; antes he obrigado a retornallo , de- duzindo tão fomente meio por cento por mez do eílilo da Praça pela fua afiignatura , como mais amplamente fe moftrará, quando tratarmos do que fe chama Storno do Seguro. O DE DIREITO MERCANTIL. P. I. 7 O Segurado por fi, ou feu commettente, deve ter interefle na coufa que faz fegurar , para no cafo de íi- niitro, ter direito de pedir indemnização ; pois do con- trario fe daria oceafião a muitas fraudes , e malfeito- rias, como em feu lugar fe moítrará. Pelo mefmo fun- damento eíla indemnização fó fe pódc requerer, não de hum valor fictício, ou exaggerado, mas tão fomente até a concurrencia do real valor , que tinha a coufa ao tempo, em que fe começarão a correr os rifcos; porque feria contra a natureza, e fim do contrato , que o Se- gurado pertendefle fer indemnizado de mais do que ver- dadeiramente houveífe perdido. O contrato do Seguro admitte todas as condições, em que fe acordarem o Segurador , e Segurado ; com tanto que íèjão juílas , iílo he , que nem fe opponhão á natureza do contraro , nem á Lei geral das Nações, nem aos Regulamentos civis dos paizes, em que he ce- lebrado , ou em que deve ter o feu eífeito, pois as Leis não fc podem derogar pelos fatftos , e convenções dos particulares. Entendem-fe por condições quaefquer claufulas, que as partes entre fi exprefiamente eítipulão, ou cm que fe prefumem confentir em ônus , ou proveito reciproco , •poíto não fejao incorporadas no contraro. Elias formão asr leis do mefmo contrato , e obrigão os contrahen- tes pelo feu livre coníèntimcnto a preencherem aquillo a que iè comprómettêrão. Taes condições não fe devem já mais confiderar inúteis , e meramente enunciativas , mas fim eferitas com prudência , e.deliberação , como em negocio muito ferio , e de confequencia. O eífeito das condições h e , que fe fe moílrarcm não verificadas por alguma das partes, a outra pode reíilir da fua obri- gação , não cumprindo aquillo a que fe tinha fujeito. He neceflario advertir, que aquellas condições, ou garantias, hurnas são claras, ecxpreílas, outras tácitas, e •B P R I N C Í P I O S c fubcntendidas: aquellas dependem da cfpecifica decla- ração, e mutuo confentimento das partes ; eílas são as que fe preíúmem conílantemente annexas pela Lei , e •eifencia do contrato. As condições expreíTas são v. g. que a Embarca- ção , em que fe corre o rifco, he de três maílros ; que lahirá em Comboi , que he armado em guerra , quC tem certo numero de peíToas de equipagem, que parti- rá em certo tempo determinado, occ. Deltas condições podem fer tantas quantas requerer o intereífe das partes contrahentes. As condições fubentendidas são , por exemplo, que a coufa fegurada íeja expoíta aos rifcos marítimos; que renha o real valor declarado na Apólice ; que a Em- barcação hc capaz de fazer a viagem projeótada , não tendo vicio intrinfeco , que a conítitua innavegavel; que com efFeito íè verifique a fua partida para o lugar do deítino, fem dcfvairar da derrota ; que o, Segurado por fi , ou pela pefíòa do feu commettente , tenha in- tereífe na coufa fegurada ; que haja declarado com fide- lidade , e exactidão aos Seguradores todas as circum- ítancias que podem alterar a idéa do rifco, e influir na acceitação, ou recufaçao do Seguro, v Sobre tudo deve notar-fe , que a boa fé, íèndo a bafe de todos os contratos, he ainda mais rigorofamen- te indifpenfavel no do Seguro marítimo; por quanto os Seguradores não coílumão fazer inveíligações íobre o caracter do Segurado; nem no expediente do Commer- cio , e celeridade das fuás operações, feria iflò prati- cavel, ou decorofo. Por eíta caufa faz-fc indifpenlkvel, que elles repoufem illimitadamente na probidade do Se- gurado , e figão a fua fé, não prefumindo já mais, que elle tenha intenção de furprender a fua finceridade , a fim de enganallos, e perjudicallos. Em attenção a iito , os Seguradores são nos Tribu- na- DE DIREITO MERCANTIL. P. I. 9 naes de Juíliça , confiderados a certos refpeitos, como pupillos, para ferem foccorridos todas as vezes que po- dem provar algum gênero de má fé dos Segurados, fi- cando logo não fó defcarregados da obrigação, a que fe havião fujeito , fenão também com o direito de have- rem contra elles maior fatisfação de juíliça , quando a fraude he de natureza atroz, e digna da feveridade das Leis. Do expoíto he evidente : i.° Que o fim do Seguro marítimo não he o lucro, mas tão fomente a indemni- zação do Segurado , quanto ao capital que fegurou. 2.0 Que eíte contrato fora inítituido , e he protegido pelas Leis, unicamente para o bem geral do Commer- cio , e não para os que não tem direito intereífe nas tranfacções mercantis. 3.0 Que elle he deílinado para beneficio dos Commerciantes , que arrifeão no mar os feus capitães ; e não para os que não expõem os feusfundos aos perigos da navegação. 4.*- Que eíte contra- to he effencialmente condicional de ambas as partes. A obrigação do Segurado de pagar o prêmio fó fe veri- fica , fe a coufa fegurada foi expoíta aos rifcos da na- vegação ; e a obrigação do Segurador de indemnizar o Segurado fó tem a realidade , quando fe moítra o Se- guro feito em regra, e acontecido o finiítro caucionado na Apólice. Neítes princípios fe comprehende toda a doutrina dos Seguros, nas fuás ainda mais remotas con- fequencias; porém para ferem fatisfactoriamente defen- volvidas, fera neccílario difeutir as matérias com ordem nos Capítulos feguintes. Tom. I. B CA- lo P R I N C Í P I O S C A P I T U L O III. Das efpecles dos Seguros marítimos. O S Authores coítumão diítinguir duas efpecics de f Seguros : a primeira he a que chamão o Seguro propriamente dito, e que fó merece o nome de contra- to de Segui o marítimo , que he o que temos explicado no antecedente Capitulo ; outra he o Seguro impróprio, e pode fer feito em três maneiras. ( i ) i.° Por modo de apoíla, ou jogo de parar , quando algum promette a outro certa quantia , fe hum tal determinado Navio chegar a falvamento a certo porto , fem que nenhuma das partes apoílantes tenha intereífe real no mefmo Na- vio , e fua carregação. 2.1- Quando o Segurado , poí- to que tenha algum intereífe, com tudo elle he avalia- do em preço fixo , mas não conefpondentc ao verda- deiro valor da coufa que fegurou , e a que deo huma eítimação arbitraria , e exaggerada. 3.0 Quando fe faz o Seguro com o pacto expreífo de renunciar-fe a prova da carregação, do rifco, e do valor, pondo-fe a clau- fula valha, ou não valha, intercjfe, ou não interéjfe; fundo , ou não fundo ', ou fobre lucros imaginários , e proveitos efperados. A eífencial differença entre huma , e outra cfpecie de Seguro , he que no Seguro propriamente dito , o Segurado não pôde, no caio de finiítro, exigir indemni- dade , fem que fimultaneamente fe verifiquem três re- quiíitos. i.° A exiítencia, e expofição da coufa fegura- da aos perigos do mar. 2.0 O intereífe que neila te- nha o Segurado. 3.0 O feu real valor. Eítas condições fempre fe prefumem inherentes ao contrato , poíto que nao (O Baldai. Part. 1. Tir.2. parag. 7. DE DIREITO MERCANTIL. P. I. i r não íè declarem na Apólice. Porém no Seguro impró- prio , nos paizes em que he tolerado, baila provar-fe a exiílencia do finiítro , para ter lugar a fatisfação da quantia fegurada. Eíte ultimo Seguro he muito antigo, e tem fido freqüentado nos mais célebres Empórios da Europa; porém depois as Nações mais illuminadas , confideran- do que femelhantcs Seguros, e claufulas extravagantes, que nelles íò inxerião, erão alheias da natureza do con- trato , e fó fervião de encubrir mil fraudes, prohibírao abfolutamente o feu ufo , e os declararão nullos , e de nenhum effeito ; o que mais circumítanciadamente fe ex- porá em lugar competente , quando tratarmos dos Se- guros , que os Authores Inglczes chamão Wager-poli- ces, ou Seguros por modo de apoíla. C A P I T U L O IV- Do que he necejfario para a validade do contrato do Seguro. O Confentimento das partes he a fôrma intrinfeca de todo o contrato; ( i ) e por tanto he.também a condição eífencial para a validade do Seguro. Todas as vezes pois que fe moílra, que a intenção, e vonta- de do Segurador, e Segurado não coincidirão expreífa, ou ao menos virtualmente no mefmo objecto , e cir- cumílancias , não fe pode confiderar coexiítente o reci- proco confentimento das partes; e o Seguro em confe- quencia caduca. Diz-fe ao menos virtualmente; porque como nelte contrato fe fuppoe , que as partes procedem na mais apurada boa fé , e elle tem por fim ultimo o bem ge- B ii ral ( i ) Millar pag. 29. Baldai. Tit. 4. Emerig. Cap. 2. -'-•' P R I N C Í P I O S ral do Commercio , ao qual fe não deve contrapor a utilidade particular dos contrahentes , fempre fe lhe pre- fumem annexas certas condições tácitas , que he o mef- mo que virtualmente conteudas, fegundo já fe explicou no fim do Cap. II. Pelo que fe, v. g. o Seguro fe fez fobre certo Na- vio , e viagem efpecifica declarada na Apólice ; fe fe defignou a peífoa do Capitão ; fe fe declarou o porto do deítino, fem inxerir-fe na Apólice claufula de liber- dade para fubrogar-fe outro Capitão , e poder-fc fazer efcala, ou arribada a diverfo porto , a não fer em calo de neceffidadc, o Segurador ceifa de fer obrigado, acon- tecendo o íiniílro, logo que fe provar que fe mudou de Navio, de viagem , de derrota , de Capitão , de por- to , ou que fe alterou outra circumílancia, fobre que as partes havião convencionado exprelTamentc ; pois em todos eíles cafos , e outros femelhantes , o Segurador pode dizer, que na aífinatura da Apólice não tivera em viíta taes .mudanças , nem confentíra nellas , e qúé a fua intenção fora o obrigar-fe precifamente , fegundo a letra, e termos do feu ajuíte. Do mefmo modo fe o Navio , fobre que fc havia de correr o rifco, tinha vicio intrinfeco, que o coníli- tuia innavegavel ; fe os bens fegurados erão de contra- bando , de inimigos, ou de fubditos de Potência, que eíliveífe em guerra , ( não fe declarando eíta circumílan- cia ultima ) o Segurador he ifento da refponfabilidade; porque pôde dizer , que acceitára o Seguro na boa fé de que eíte fora feito em regra, fem oppofição á natu- reza do contrato, ao Direito das gentes, e ás Leis do paiz; por ferem eítas as condições eflcncialmente inhe- rentes ao contrato , e que fempre fe prefume que as partes as coníideião, e nellas tacitamente convém. Para o confentimento das partes produzir no Segu- ro obrigação natural, e civil, hc neceífario que copula- DE DIREITO MERCANTIL. P. I. 13 tivamente concorrão n-es requiíitos. i.° Que feja livre não fó de força, e de fraude, mas também de erro em coufa fubítancial , que altere a idéa do rifco, ou da matéria, fobre que elle corre. 2.0 Que recaia fobre cou- fa , que tenha fido expoíla aos perigos marítimos, e cu- jo Commercio não feja prohibido pela Lei das Nações, ou dos refpectivos paizes do Segurador , e Segurado. 3.0 Que feja expreífo em Apólice mercantil , regiítada na Cafa dos Seguros. Faltando qualquer deites requiíi- tos fubítanciacs , o Seguro he nullo , e nenhuma das partes pôde ter acção em Juizo contra a outra. Como a fraude , e o erro pode diverfamente alte- rar o confentimento das partes ; e para bem fe conhe- cerem os differentes modos, por que influe na invalida- de do Seguro, feria neceífario illuítrar eíta matéria com variedade de exemplos , molharemos em lugar próprio o como elle fe annulla , quando a fraude, e o erro in- tervém, ou dá caufa ao contrato. C A P I T U L O V. Das Apólices de Seguro. A Apólice he huma eípecie de Inítrumento público, pelo qual fe celebra, e firma o contrato do Segu- ro. (1) He parte imprcfia, para maior facilidade, eex- pediente do Commercio , (2) contendo as claufulas mais geraes , e ordinárias que fe coítumão eítipular entre o Segurador, e Segurado; parte manufcripta , por haver neila confideravel efpaço em branco, a fim de fe efcre- verem ahi as clauíulas , e condições particulares, em que fe ajuítão os mefmos contrahentes , nas quaes até po- ç o Park Cap. 1. Baldaf. Part.I. Tit.íí.7. e8. (2) Wesket vctb. Policy. 14 P R I N C Í P I O S podem derogar as mefmas cl.aufulas , e condições im- preífas , com tanto que não fe perverta a natureza , c fim do contrato, nem fe obílc ás Leis. A importância do Seguro , e a fingularidade das obrigações que elle produz, tem em quafi todos os Ef- tados eommerciantes feito eltabelecer a regra que a Apólice he eífencial á fua validade. Em quanto elfa não he fubfcripta, iíto he , aífignada pelos Seguradores, a convenção não fe confidera ultimada , e tem lugar o ar- rependimento , e diílrato,fegundo o rigor de Direito, e quanto para acçao civil; ainda que ( fegundo a deli- cadeza, eexactidão mercantil entre Negociantes de hon- ra) baila a palavra reciprocamente dada entre o Segu- rador , e o Segurado , ou Corretor, para não fe poder reclamar o ajuíte, cm que huma vez feconveio. He circumítancia particulariflima do contrato do Seguro , que no eferito do meímo contrato , ou Apó- lice , não fe aifinão ambas as partes , mas tão fomente os Seguradores ; e he fó o Segurado o que eícreve as claufulas, e condições do Seguro; e huma vez que fen- TÍO propoílas ao Segurador , cite as acceita fubícreven- d o , iíto he , ailinando a Apólice , o contrato fica per- feito, e confummado com a fua aííinatura ; e não pôde fer diífolvido, ou alterado, ainda na menor coufa, fem coníentimento dos contrahentes. Por eíla razão em In- glaterra os Seguradores são chamados com a efpecifica denominação de Underwriters , que quer dizer Subfcri- tores ; pois pela fua fubfcripçao , ou afiinatura he que fe confidera ultimado o ajuíte. He de advertir , que as claufulas , ou condições manuferipras na Apólice, não fendo contrarias ás Leis , sao as que decidem da vontade dos contrahentes , e qua- lidade do contrato ; de forte que devem prevalecer a ro- as as claufulas contrarias, que fe achão impreífas, de- vendo-fe dias á vifta daquellas julgar não exiílentes. Con- DE DIREITO MERCANTIL. P. I. 15- Convém por iíTo que fejão propoítas com clareza, pa-> ra fe evitarem futuras dúvidas , e excluirem-fe interpre- tações arbitrarias. Em quafi todos os paizes commerciantes tem-fe adoptado differentes formulários impreífos de Apólices, fegundo a diverfidade dos objectos principaes de Segu- ro , o que fem dúvida he muito commodo ao Commer- cio , e contribue para dar mais clareza ao contrato, fen- do evidente , que huma norma invariável da Apólice não pôde bailar para exprimir tantas , e tão diverfas combinações, que podem influir na vontade das partes fobre o ajuíte do Seguro. Por iífo nas principaes Praças da Europa ha grande variedade de formulas de Apóli- ces : ha huma para fe fazer o Seguro tão fomente do corpo, ou cafco, e apparelhos do Navio ; outra para o Seguro da carga; outra para o de dinheiro dado a rif- co , ou cambio marítimo ; outra para o Seguro de vi- da; outro para o de loterias, &c. Importa muito aos Negociantes conhecer as difFe- renças das Apólices , que fe usão nas Praças de Com- mercio ; porque poíto os coítumes, e formulas particu- lares dos differentes paizes não tenhão applicação ne- ceífaria fora do lugar, para que forão eítabelecidas , com tudo , como a extensão , e a variedade do Commercio empenha os Negociantes a formarem Seguros em pai- zes eílrangeiros , he-lhes indifpenfavel o conhecimento das Apólices ufadas nas differentes Praças , para empre- henderem as fuás efpeculaçoes com a intelligcncia nc- celTaria ao bom êxito das mcfmas. As Apólices são de dous gêneros: humas fe dizem Apólices avaliadas ; outras Apólices abertas. Nas Apó- lices avaliadas a propriedade fegura he logo eítimada por convenção das partes em hum valor fixo , ao tem- po em que fe faz o Seguro , obrigando-fe no cafo de fmiítro a fatisfazerem immediatamente a importância fe- 16 P R I N C Í P I O S fegurada, independente de qualquer avaliação, ou pro- va judicial da quantidade do ièu valor. As Apólices abertas são as em que fe não faz menção do valor da propriedade fegurada ; e por tanto havendo perda , he ncceílario que o Segurado prove a cxiítencia , e a exa- cta quantidade do mefmo valor, regulando-fe pela com- mum eítimação da Praça , ao tempo em que fe princi- piarão a correr os rifcos. Suppoílo o eferito não feja da eífencia dos con- tratos , pois elles iubíiítem pelo reciproco confenfo , c boa fé das partes , com tudo , para diminuição de de- mandas , certeza , e brevidade das provas , e aparta- mento das fraudes , e falfidades , he eílabelecido pelos Regulamentos de Marinha das Nações Commerciantes, que o contrato do Seguro para produzir acção em JUÍ- ZO , não fó feja reduzido a eferito , ou Apólice afana- da pelos Seguradores, íègundo os modelos , ou formu- las impreífas, authorizadas pela Lei do paiz , fenao tam- bém que feja regulada por Nota rio, ou algum Official público, particularmente deílinado para os negócios, e caufas mercantis. Iíto mefmo tem fido ordenado ncíle Reino, debai- xo de pena de nullidade dos Seguros, como fe vê dos Capirulos do eítabelecimento da Cafa dos Seguros , pro- poltos , e approvados no Rcílabelecimento da Cafa em 1758 , e authorizados pelo §. 3. do Alvará de 11. de Agoílo de 1791. Por cuja caufa qualquer Apólice, tendo fido em de- vido tempo regiítada pelo Efcrivão dos Seguros , fica logo com a força de Efcritura pública , e tem o vigor da execução apparelhada , para fe poder em virtude del- ia proceder em Juizo a compulforia immediata dos Se- guradores ; e para que também feja livre a todos, que tiverem intereífe, tirar Certidões das ditas Apólices, bem como de qualquer outro inílrumento público. CA- DE DIREITO MERCANTIL. P. I. 17 C A P I T U L O VI. Dos requijitos da Apólice. P Ara que o Seguro feja celebrado com as formali-dades legaes, e claufulas neccífarias, deve a Apólice fer feita com a mais eícrupulofa verdade, e boa fé, de- clarando-fe o feguinte. I. O nome das partes contrahentes , iíto he , do Se- gurador , e Segurado ; e fendo o Seguro por conta de outio, indicando-fe o nome, e domicilio deite, ou pe- la claufula, por conta de quem pertencer. II. O nome, e Nação do Capitão, ou Meítre da Em- barcação , em que fe corre o rifco, fendo iífo pofiivel, ao tempo da Aílinatura da Apólice. III. O nome, e qualidade do Navio, ou Embarcação, fendo também poílivel. IV. A importância da quantia fegurada. V- A qualidade dos bens que fe fegurao, e principal- mente fendo de coufas líquidas , ou de fácil deteriora- ção , e corrupção , dando-fe-lhe logo o valor fixo, fen- do pofiivel, por eítimaçao convencional. VI. Os rifcos de que fc requer o Seguro. VII. O principio, e fins dos mefmos rifcos. VIII. A viagem fegurada , declarando-fe o porto , ou Tom. L C lu- i8 P R I N C Í P I O S lugar da fahida , e o do dcílino com as mais circum- ítancias, que a fazem mais, ou menos arrilcada. IX. O prêmio, e condições do Seguro. .X.. O dia , mez, e anno em que a Apólice he aflina- da pelos Seguradores. O Regiíto da Cafa do Seguro, fendo a^ Apólice em papel íéllado, em conformidade áDifpoíição novif- fima do prefente anno de 1707. C A P I T U L O VII. Das Partes Contrahentes no contrato do Seguro. A S partes contrahentes no contrato do Seguro são propriamente o Segurador, e o Segurado ; porém como muitas vezes o Segurado faz o Seguro ou como fimples Commiílario , e Procurador , por conta de ou- tro , ou em qualidade de Corretor da Praça ; para íé conceberem idéas diítinctas dos direitos refpcctivos de todas as peífoas, que podem concorrer á celebração dei- te contrato , pede a ordem que tratemos : i.° dos guradoies; 2.° dos Segurados Proprietários ; 3.0 dos Se- gurados Commiffarios , ou Procuradores; 4.0 dos Cor- retores. e- CA- (1) Emerig. Cap. 4. c 5. Baldaf, Part. 1. Tit. DE DIREITO MERCANTIL. P. I. i<? C A P I T U L O VIII. Dos Seguradores. SEgundo o Direito Natural, ( i ) não ha repugnância alguma de poder qualquer peílba fazer as funções de Segurador , huma vez que tenha a livre adminiilra- ção dos feus bens; (2) pois fendo hum dos effeitos do domínio, e immcdiata coníèquencia do direito da pro- priedade , o pcder cada hum difpór dos bens, que lhe pertencem, comoabfoluto moderador, e arbitro do que he feu , não ha razão que obíte a qualquer peíloa o to- mar fobre fi os rifcos marítimos de bens alheios , da mefma maneiraque o pôde fazer dos próprios , íújei- tando-fe á contingência dos lucros, ou perdas do capi- tal. Reduz-fe por tanto o exercício deite direito a mero negocio da prudência dos indivíduos, cujo intereífe fem dúvida he mais capaz de os fazer circumfpectos , e cautelofos nos feus tratos , que toda a providencia , e intervenção do Governo. O que porém he licito por Direito Natural , não he fempre permittido por Direito Civil , que confidera os homens ligados a certos deveres da Sociedade, on- de o Soberano pôde, por juílos motivos, reítringir o exercício do domínio , e liberdade individual a termos conciliaveis com o intereífe do público. Segundo eíte Direito , não podem íér Seguradores as peífoas, a que obílao ou as obrigações do próprio eílado , ou a in- compatibilidade do miniíterio que exercitão , ou a ex- preíla prohibiçao de alguma Lei pofitiva. Por eíta razão os Ecclefiaíticos não podem fer Se- _ íi gu- (1) Baldaf. Pare. 1. Tit. "•. Emerig. Cap. 4. Scdt. 1. eíeg. Cf) Wcskct verb. Company. Socicty. Cbumber of aíTuranfc. Royal Exchange-Company. 2o P R I N C Í P I O S guradores ; porque pelo feu caracter, c eílado lhes são eítranhas quaefqucr negociações . e a Lei do Reino lhas prohibe expreuamente na Ord. Liv. IV. tt. XVI. ; muito mais fendo o Seguro hum ramo de commercio mui complicado, que exige aífiduas applicações acoulas fe- cidares , o que repugna ás auguítas funções do Sacer- dócio. Os Corretores, os Notarios , os Officiaes do Al- mirantado, Cafa, ou Câmara dos Seguros, que inter- vém na diligencia , manejo , c rcgiíto das Apólices , e nhi tem parte como peilòas públicas ; e finalmente to- dos os que, em razão de feu cargo, tem de ler Juizes nas caufas de Seguro , como os Deputados do Tribu- nal do Commercio , ou Almirantado , não podem ler Se- guradores , ou terem no Seguro qualquer eípecie de in- tereífe directo, ou indirecto; porque para encherem os feus Oflicios , devem fer peífoas abfolutamente impar- ciaes. A relpeito dos Corretores ha ainda outra particular razão ; porque fendo eíles os depofitarios, e directores da vontade das partes , e fazendo com as palavras, que fazem enxerir nas Apólices , a única Lei da interpreta- ção das mefmas vontades , he de juíta , e conveniente delicadeza, que elles não feja o intereífados cm fem ei h an- te contrato , a fim de tolher-fe toda a fufpcita de frau- de, que hehuma das excepções mais freqüentes no con- trato do Seguro, ( i ) Todas as mais peífoas , que não eítão neítas circum- úar.cias , não tem no no fio Reino impedimento algum legal de a/finarem Apólices como Seguradores, com tan- to que fejão feitas pelos Officiaes da Caía , e ahi re- gi 1- ( 0 Os Militares, Fidalgos, e Doutore», Officiaes de Mari- nha, e os Confules das Nações tem jufta razão de ferem ex- cívicos de tomar Seguros. Vide Emerigon Ccp. 4. Scdl. 5.4.5. C\ DE DIREITO MERCANTIL. P. I. 21 giítadas. (1) Do contrario a Lei não aífiíte ao Seguro, nem o contrato pôde ter vigor em Juizo. O eílabelecimento das Companhias de Seguro, e o direito excluíivo , que fe lhes tem concedido de aífinar as Apólices , he quafi univerfalmente adoptado em to- das as Nações Commcrciantes, e fe funda em duas ra- zoes principaes. A primeira he, porque, fegundo os princípios da antiga Economia Política, fe coníiderava neceífario que o Governo de qualquer paiz providenciaífe a eme nin- guém fizefíe abufo do que era feu ; a fim de fe acaute- lar a mina da fortuna dos particulares, nafeida da fua imprudência ; e como nos Seguros ordinários , o prêmio não tem proporção com o capital Segurado, não fe po- dendo efperar equilíbrio entre o ganho , e a perda dos Seguradores , fenao pela multiplicidade dos Seguros , c divisão do damno pelos intereífados nas Companhias, he evidente a temeridade de qualquer que toma fobre fi hum, ou outro Seguro , cuja indemnização em cafo de finiítro , o pôde arruinar de todo. Pelo que parece con- veniente tolher aos particulares a tentação de entrar por fi fó em huma qualidade de negocio, que he tão arrií- cado, e defigual, quando fe não confidera na maífa col- Icctiva de muitas tranfacçoes da mefma natureza, e ef- fas cffeituadas com a prudência própria de quem fe em- prega em hum fõ gênero de applicação, e trato. A fegunda razão he , porque a experiência moítrou, que muitos fazião orientação de fantaílicas riquezas, para com eíte preítigio enganarem as peífoas finceras, e defacautcladas , que lhes hião fegurar os feus bens, na illuforia efperança de ferem indemnizados no cafo de finiítro; e depois de acontecido eíte, aprefentavão-fe _ 1 _ (1) Pela Regulação da Cafa de Seguros de-Lisboa os Ne- gociantes Eftrangeiros podem allinar Apólices nos termos do Cap. 2. da mefma. 12 P R I N C Í P I O S fallidos , tendo antes recebido os prêmios com damno irreparável dos Segurados. Para atalhar jns perniciofas confequencias da facilidade , e indiferição de huns , fraude , e malfeitoria de outros , íe julgou fer de inte- reífe geral do Commercio não fe admittirem em Juízo, como válidos , fenão os Seguros feitos cm companhias de Negociantes do primeiro credito , c notória opulen- cia, authorizadas pelo Governo. Em Inglaterra deo-íê cita providencia pelo Eílatu- to de George I. que tranfereve AUan Park no feu Tra- tado de Seguros, Cap. I. pag. 5-. Aquelle Eítatuto era tão rigorofo, que não fõ annullava o contrato do Segu- ro , não lendo tomado por Companhia authorizada, fe- não que punia os contrahentes com a perda dos bens, e lòmmas feguradas. Com tudo, no progreífo do tem- po fe mitigou o rigor deita Legislação , permittindo- íè o poderem os particulares , por fi, e pelas Compa- nhias , ferem Seguradores de quaeíqucr fommas , achan- do peífoas, que confiem na fua abonação, e credito; com a differcnça porém, que nos Seguros em mãos par- ticulares , os Segurados não tem outra garantia , ou pe- nhor da obrigação dos Seguradores, fenão a honra dos mefmos para fiatisfazerem ao íèu dever; mas não podem reclamar a proteccao das Leis , nem intentar acção ci- vil, para poderem demandar, ou ferem demandados em Juízo por coufa alguma relativa a fcmelhante contrato. No noífo Reino adoptou-fe maior equidade ; pois pelo Artigo 1. até o 7. dos Capítulos do Regulamento do Seguro, permitte-fe a todos os Commerciantes Na- cionaes, e Eítrangeiros o aflignarem Apólices, corno Se- guradores , com tanto que fejão feitas pelos Officiaes da Cafa dos Seguros, e fe tenhão aflignado nos Livros do Regiíto da mefma Cafa, por fi, ou feus Procuradores, que ficarão fendo fiadores , e principaes pagadores de feus Conílituintes; não aflignando porém por conta de Com- DE DIREITO MERCANTIL. P. I. 23 Companhias, ou Cafas de Seguro eítrangeiras. E quan- to á firmeza da refponfabilidadc dos mefmos Segurado- res , dão-fe as providencias, que fe vem nos Artigos 8. até o 13. Na Praça de Lisboa achão-íè eítabelecidas varias Companhias de Seguro: a denominada Companhia Per- manente , a de Caldas , Machado , Gildemeefter e Companhia , a de Carvalho , Guillot , a denominada Boa-união. He com tudo notório, que muitos particulares não intereífados naquellas Companhias, tomão fobre fi mui- tos Seguros, e de ordinário por prêmios mais favorá- veis; e para eludirem a rigorofa obrigação da Lei, que prohibe os Seguros fora da Cafa, coítumão aífignar cer- tas Apólices também impreífas , que tem hum formu- lário particularmente feito para eíle fim , em que fe obri- gão a mandar fazer o Seguro fora do Reino ( o que a Lei não prohibe ) ; e por eíle modo prefumem as partes que fe transforma licitamente o contrato do Seguro em limples Commifsão , ou Mandato , para neila qualida- de ter lugar a competente Acção de Direito entre os contrahentes , iíto he , a do Commiífario, ou Manda- tário, para vencer o prêmio convencionado, e doCom- mettente, que he o verdadeiro Segurado , para exigir- lhe a indemnização no cafo de perda. ( 1 ) Porém lie evidente, quefemelhante artificio he feito em fraude da Lei, que prohibe tomarem-fc os feguros fora da Caía, fem ferem ahi regiílados, epor tanto nãopoderião taes Apólices ter effeito coactivo contra a parte, que faltaf- fe ao ajuíte. He porém inqüeítionavel , que poíto dos Seguros aflim feitos não deva, em rigor de Direito, rcfultar Ac- cão civil, com tudo, não fe pôde duvidar que fubfiíta íem- (1) Vide no fim deita Obra a formula de tacs Apólices, 24 P R I N C Í P I O S fempre a obrigação natural , que ambas as partes de- vem religiofamente cumprir , fegundo a honra , c pro- bidade mercantil , não tendo havido fraude , ou erro , quanto á fubítancia do contrato , ou qualquer das ou- tras circumítancias que o conílituirião nullo, ainda que tiveífc fido celebrado na fôrma, e folemnidade legal. A pontualidade de taes Seguradores he o mais nobre elo- gio da boa fé do Commercio , e a mais decifiva prova do credito de huma Praça. Onde exiítcm Negociantes deite quilate , e íè multiplicão os Seguros particulares, he manifeíto que as Companhias legaes tem perdido a confiança pública, ou são diíficeis na acceitação dos Se- guros ; pois não he natural , que a não haverem eítes dous grandes obfiaculos da circulação, os Negociantes ainda de medíocre prudência , recufem fazer os Segu- ros nas Companhias authorizadas , e que ames prefirão o fimpíes credito, e fortuna dos Seguradores particulares. He inncgavel o beneficio que refulta ao Commer- cio Nacional da permifsão de taes Seguradores , que contribuem a deítruir eíte efpirito de monopólio , que tanto diílingue as Corporações privilegiadas, diminuin- do ao meímo tempo as defpezas da Cafa de Seguros, que são coníideraveis , e muito gravofas ao Commer- cio. E parece que feria da Sabedoria, e Juíliça do Go- verno proteger os Seguros , que fe fizeífcm íobre a fé de quaefquer Negociantes, dando reciprocamente Acção civil para o cumprimento de feus tratos, fendo devida- mente feitos. Seria iíto hum meio de dar liberdade ao Commercio em todos os feus ramos , e augmentar a concurrencia, que he fempre útil em quaefquer tranfac- çoes mercantis; evitando-lè aífim o perigo da combina- ÇaQj, e colloio dos Directores das Companhias nas oc- cafioes de urgência, e temor da Praça, cm que elles tem toda a facilidade de fe confpirar, para darem a Lei acs Segurados , qUe fe fujeitao a pertençoes defarrazoadas, quan- DE DÍREÍTO MERCANTIL. P. I. 2? quando os inítantes são preciofos , e não ha momento a perder para ultimação de feus Seguros. Aqui devo huma verdade ao público, que não po- deria diífimular fem oífenfa dos deveres fociaes; maior- mente havcndo-me propoíto dirigir os principiantes no Commercio, para que a mocidade incauta não fe preci- pite a infortúnios , que tanto convém prevenir na car- reira elementar da fua fortuna. Os Seguradores de Companhias , que fó refpon- dem por fundos limitados, não podem ter pertenções á confiança pública, em quanto não reformarem o feu pla- no perniciofo , e incompatível com a boa fé do Com- mercio. Os Seguros ahi feitos são contrários á nature- za , e fim de femelhantes eítabelecimentos ; e verdadei- ramente fe transformão em contratos de rifco. Debaixo da apparencia de finceridade ( viíto declararem cites Se- guradores no Plano das fuás Companhias a quantia até onde fe limita a fua reíponfabilidadc) a inexperiência de alguns Negociantes os conduz a hum damno immb nente , e irreparável. Aquelles Seguradores fobrecarre- gão-fe illimitadamente de quantos Seguros lhes parecem convenientes. O público não fifcaliza o número , e ex- tensão dos feus tratos ; os particulares ignorão , e ne- nhum meio decente fe lhes franquea para faberem, fe as quantias feguradas excedem o capital da Caixa fo- ciaí, ou fe eíla he já fallida, ou tende a fallimento pro- vável ; tudo fe palia em myílerio impenetrável aos Se- gurados ; e a fortuna deites fica inteiramente á mercê de taes Seguradores, que muitas vezes arruinão a fi, e ao público por cfpeculações defmedidas , tomando empe- nhos abfolutamente defproporcionados ao fundo da Com- panhia , efperando lucros centra todas as regras de pro- babilidade , que aliás deviáo bem calcular entre o peri- go da perda , e a expectativa do ganho. O rifco pois ce femelhante negocio Yem a fer ainda maior , do que Tom. I. D o z6 P R I N c iP i o s o que fe pertendia evitar pela Apólice do Seguro; por- que os Seguradores tem a certeza do prêmio , fendo o iúccedb fui/.; c os Segurados nenhuma garantia, e ac- çlo compulfiva para a fatisfação da quantia fegurada, acontecendo o finiítro. Demais : os Segurados podem fer executados por todos os feus bens , para pagamento do prêmio ajuítado , os Seguradores não o podemlcr para a folução do capital, fenão até onde chegar o fun- do da Caixa ; eítanelo eíle exhaurido , a Acção de Se- gurado he inútil , e a fua ruina inevitável. Que couíá lia de mais abfurdo, e contra a igualdade que deve ha- ver em todos os contratos , que eíta tão enorme diípa- ridade de condição dos contrahentes ? Em huma das Companhias de fundos limitados , que apenas fobem a duzentos contos de reis, os Accioniitas íó eutrao para a Caixa com dez por cento de dinheiro efiectivo das íei- pectivas Acçoes; e no plano do feu Eílabclccimento fe declara , que ferão requeridos por maior quantidade, fó no cafo de fe exhaurir a entrada , que vem a fer a tê- nue quantia de vinte contos de reis, que íè pôde abfor- ver cm huma tranfacção , ou nos Seguros de hum fó dia ; o que depende da puíillanimidade, ou affbuteza dos Directores. Não he evidente, que fe perrende deixar em giro no poder dos Accioniitas, o excedente dos dez por cento r Que fegurança terão os Segurados para a fua mdemnidade , fe nem ao menos fe pedem tranquillr/ar com a perfuasão , de que o capital da Caixa cíhí em guarda permanente, antes tem toda a certeza que fe lhe dão applicaçôes arbitrarias. ? Que outra coufa iíto he , mais do que armar laços á finceridade mercantil ? E pertendem taes Companhias achar peífoas aíFis defafi- zadas, que confiem a íiia fortuna afemelhante defvario3 Dizem, que, fegundo as condições, cada hum dos Accioniitas fica íblidariamente obrigado árcquifiçao im- mediata das quantias neceífarias até ás forças da Caixa, ou DE DIREITO MERCANTIL. P. I. tf ou fundo total delia. Mas quem não vê , que eíle pal- liativo não tolhe , antes multiplica as dificuldades ? Se algum dos Sócios falíirem, ou forem morofos na fatis- fação do feu dever , não he de recear , que os mais abonados , carregando com o pezo da rcíponfabilida- de , hajão de infurgir com dúvidas que cecafionaráõ pro- eeílbs, foífrendo entretanto os Segurados, pelo menos, o damno do empate, quando aliás, no calo de finiítro, tinhão direito a feu peremptório emboifor' Por que ra- zão ao menos não fe patenteão ao público na Cafa dos Seguros os Livros da Companhia com eferituração for- mal , para os Segurados, d viíta do eílado viridico da Caixa, regularem os feus tratos? Ao vicio intrinfeco , e radical de femelhantes Compa- nhias acerefee aabufiva pratica de alguns Directores im- pontuaes , e contencioíòs , cujo methodo he aííás co- nhecido neíta Praça. Se a Embarcação, fobre que fe fez o Seguro , chega a falvamento, exigem o prêmio no ter- mo ufual, íe já não foi pago adiantado ; fe houve ac- cidente infeliz, infurgem eternas dúvidas, e , quando me- nos , intoleráveis delongas no pagamento; porque ou ó dinheiro da Caixa Social , que devia ter hum deítino exclufivo para pagamento das perdas , acha-fe ap- plicado a propofitos heterogêneos, ou falta o credito, e mais ainda a vontade de fe encherem as obrigações contrahidas. O Negociante , que no acto do Seguro fe perfuadia ter tratado com a honra , e não com
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