Prévia do material em texto
Direito Penal 1 Prof. Danilo Pereira Direito Penal 1 Prof. Danilo Pereira Direito Penal 1 Prof. Danilo Pereira Parte Especial. Título I. Dos crimes contra a pessoa. Capítulo I - Dos crimes contra vida. Homicídio (art. 121). Induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio (art. 122). Infanticídio (art. 123). Aborto (artigos 124 a 128). PARTE ESPECIAL TÍTULO I DOS CRIMES CONTRA A PESSOA CAPÍTULO I DOS CRIMES CONTRA A VIDA Art. 121 Homicídio Art. 122 Induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio ou a automutilação Art. 123 Infanticídio Art. 124 Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento Art. 125 Aborto provocado por terceiro, sem consentimento da gestante Art. 126 Aborto provocado por terceiro, com consentimento da gestante Art. 127 Formas qualificadoras do aborto Art. 128 Aborto legal HOMICÍDIO – ART. 121 Homicídio simples Art. 121. Matar alguém: Pena - reclusão, de seis a vinte anos. Caso de diminuição de pena § 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço. Homicídio qualificado § 2° Se o homicídio é cometido: I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe; II - por motivo fútil; III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido; V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime; Feminicídio VI - contra a mulher por razões da condição de sexo feminino (incluído pela L. 13.104, de 10.03.2015) VII -contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142e144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição: (incluído pela Lei 13.142, de 7.07.2015): VIII – com emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido (incluído pela Lei 13.964, de 24.12.2019) IX -contra menor de 14 (quatorze) anos (incluído pela Lei 14.344, de 24.05.2022). Homicídio contra menor de 14 (quatorze) anos IX- contra menor de 14 (quatorze) anos (incluído pela Lei 14.344, de 24.05.2022) Pena - reclusão, de doze a trinta anos. § 2º -A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve: I - violência doméstica e familiar; II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher (§ 2-A incluído pela L. 13.104, de 10.03.2015). § 2º-B. A pena do homicídio contra menor de 14 (quatorze) anos é aumentada de: (incluído pela Lei 14.344, de 24.05.2022). I - 1/3 (um terço) até a metade se a vítima é pessoa com deficiência ou com doença que implique o aumento de sua vulnerabilidade; II - 2/3 (dois terços) se o autor é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tiver autoridade sobre ela. III -2/3 (dois terços) se o crime for praticado em instituição de educação básica pública ou privada (incluído pela Lei 14.811, de 12.01.2024). Homicídio culposo § 3º Se o homicídio é culposo: Pena - detenção, de um a três anos. Aumento de pena § 4o No homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as consequências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos. Perdão judicial § 5º - Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária. § 6o -A pena é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado por milícia privada, sob o pretexto de prestação de serviço de segurança, ou por grupo de extermínio.” (incluído pela L. 12.720, de 27.9.2012) § 7º - A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado: (acrescido pela L. 13.104, de 10.03.2015): I - durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto; II - contra pessoa maior de 60 (sessenta) anos, com deficiência ou com doenças degenerativas que acarretem condição limitante ou de vulnerabilidade física ou mental; (redação alterada pela Lei 14.344, de 24.05.2022). III - na presença física ou virtual de descendente ou de ascendente da vítima. (redação alterada pela Lei 13.771, de 19.12.2018). IV - em descumprimento das medidas protetivas de urgência previstas nos incisos I, II e III do caput do art. 22 da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. (inciso acrescido pela Lei 13.771, de 19.12.2018) Conceito Homicídio é a eliminação da vida extrauterina de uma pessoa cometida por outra. Objetividade jurídica O interesse estatal é resguardar a vida humana extrauterina. A vida intrauterina é regulada pelo crime de aborto (artigos124 a 126 CP). O direito a vida tem ressonância constitucional (art. 1º, III, art. 5º, caput CF). Assim, a vida é o bem jurídico protegido no homicídio. O objeto material do crime é a pessoa que sofreu a conduta criminosa. A hipótese qualificadora prevista no § 2º, inciso VII deste artigo possui ainda interesse diverso: a função pública desempenhada pelas autoridades. No Brasil é vedada a pena de morte, salvo em casa de guerra declarada (art. XLVII, alínea “a” CF), cuja execução se faz mediante fuzilamento nos termos do artigo 56 do Código Penal Militar (Decreto lei 1001/69). Novo Rescrito do Papa, publicado em 02.08.2018, alterou o Evangelho contido no artigo 2267 do Catecismo da Igreja[footnoteRef:1], ratificando o princípio de inviolabilidade da vida e da dignidade humana, que não se perde, ainda depois de cometer crimes graves. [1: “A Igreja ensina, à luz do Evangelho, que a pena de morte é inadmissível, porque atenta contra a inviolabilidade e a dignidade da pessoa, e se compromete, com determinação, pela sua abolição em todo o mundo” (n. 2267). ] Sujeito do delito 1. Sujeito ativo: trata-se de crime comum, suscetível de ser praticado por qualquer pessoa, sem necessidade da verificação de quaisquer condições, qualidades ou características pessoas do autor deste crime. 2. Sujeito passivo: é o ser humano, a pessoa com vida (que vive fora do útero materno). Tanto faz se a pessoa estiver em estado de morte iminente, ou aquela cuja vida é de todo inviável e aquela que já não terá vida com qualidade. Com a redação da Lei n º 13.104/15 que acrescentou no o feminicídio (art. 121, § 2º, inciso VI, CP), nesta hipótese somente a mulher poderá ser vítima. No tocante a Lei nº 13.142/15 que acrescentou a qualificadora prevista no incido VII do parágrafo 2º, a vítima será somente a autoridade pública (ou seu familiar). Início da vida Para fins penais o início da existência vital extrauterina se extrai do tipo de infanticídio (art. 123, CP), que é uma forma especializada de homicídio. Assim, já haverá o crime de infanticídio (e não mais se poderá falar em aborto, que se trata de vida intrauterina) “iniciando o parto”, ou seja, com o rompimento do saco amniótico (ruptura das águas, placenta). Logo, tendo nascido vivo (ainda que não tenha respirado antes do golpe fatal) o ser humano será vítima do crime de homicídio, ainda que não pudesse sobreviver senão por alguns minutos pois suprimir instantes da vida será, conceitualmente, matar. Adiante comentaremos sobre abreviação da vida para alivio de sofrimento (Eutanásia). Elemento Objetivo O verbo, a conduta criminosa prevista aoa que se nega provimento. (STJ - AgRg no HC 684.750/SC, 5 Turma - Rel. Ministro Ribeiro Dantas, J. 15/02/2022). Tratando-se de novatio legis in pejus, é irretroativa. Finalmente, se deve analisar o elemento subjetivo do agente, ou seja, se sabia ou tinha meios de saber que estava praticando o crime contra pessoa menor de 14 anos, sendo possível a hipótese de erro de tipo (art. 20, CP), afastando-se a hipótese qualificadora e permitindo ao sujeito a responsabilização penal pelo homicídio simples. Causas de aumento Previu ainda o legislador no § 2º-B duas causas de aumento específicas para homicídio praticado contra menos de 14 anos: I - 1/3 (um terço) até a metade se a vítima é pessoa com deficiência ou com doença que implique o aumento de sua vulnerabilidade: a essência deste aumento reside em uma maior vulnerabilidade do ofendido em razão de deficiência física ou mental ou doença que importe no aumento de sua vulnerabilidade, fragilidades estas ao qual recaem maior censura. II - 2/3 (dois terços) se o autor é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tiver autoridade sobre ela: nestas hipóteses o autor do fato exercia laços com a vítima (familiares, educacionais, profissionais ou autoridade) de modo a ensejar uma maior censura considerando que deveria na essência proteger, cuidar ou educar a vítima. III -2/3 (dois terços) se o crime for praticado em instituição de educação básica pública ou privada: (incluído pela Lei nº 14.811, de 12.01.2024): essa causa de aumento de pena foi incluída pela Lei nº 14.811/24 que instituiu a Política Nacional de Prevenção e Combate ao Abuso e Exploração Sexual da Criança e do Adolescente, estabelecendo medidas para proteção de crianças e adolescentes contra a violência, principalmente nos ambientes educacionais de ensino básico, ao qual ao longo dos últimos anos vem sendo objeto de severa violência fruto de ataques. A causa de aumento refere educação básica. A Educação Básica, a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB – L. nº 9.394/96), passou a ser estruturada por etapas e modalidades de ensino, englobando a Educação Infantil, o Ensino Fundamental obrigatório de nove anos e o Ensino Médio. Dessa forma, ao crime praticado contra menor de 14 anos em instituição de Ensino Superior, por interpretação restritiva, não é aplicada essa causa de aumento. Agravante genérica (art. 61, inc. II, h) e causa de aumento ainda vigentes (§4º) O artigo 61, inciso II alínea h do Código Penal já previa como agravante genérica de pena o crime praticado contra criança, de modo que a nova qualificadora acrescida neste artigo 121 reforça a proteção ensejando maior reprovação ao homicídio praticado contra pessoas menores de 14 anos, isto é, aquelas que na data do fato tenham treze anos ou menor idade. Dessa forma, evidente que praticado um crime contra menor de 14 anos de idade, incidente a nova qualificadora deste inciso IX, fica afastada a aplicação da agravante prevista no artigo 61, alínea h sob pena de bis in idem. Porém, mesmo inserindo esta nova hipótese qualificadora o legislador manteve a causa de aumento prevista no §4º ao qual prevê a exasperação de 1/3 ao homicídio doloso praticado contra menor de 14 anos. É inviável a manutenção de ambas as hipóteses no Código Penal considerando que a partir da Lei 14.344/2022 a idade (menor de 14 anos) tornou-se critério objetivo para configuração da nova qualificadora, inclusive afastando a hipótese de homicídio simples quando a vítima for menor de 14 anos. Dessa forma, a idade trata-se de critério qualificador, não mais viabilizando a aplicação da causa de aumento de pena prevista no §4º sob pena de bis in idem. Assim, evidente a revogação tácita desta causa de aumento do §4º. Feminicídio em face de menor de 14 anos (§7º, inc. II) Outra importante consideração se refere a hipótese de vítima mulher e menor de 14 anos e a morte por razões de condição de sexo feminino. Neste caso será aplicada a hipótese qualificadora prevista no inciso VI (Feminicídio) em homenagem ao princípio da especialidade. Pena do homicídio qualificado Havendo apenas uma qualificadora já é bastante para qualificar o crime e fará com que o sujeito seja condenado a pena de 12 a 30 anos. Na existência de mais de uma qualificadora, uma servirá para qualificar o crime, deslocando a conduta do caput ao parágrafo 2º. No tocante as demais há severa discussão jurisprudencial. Uma corrente aplica as como agravantes na segunda fase de aplicação da pena[footnoteRef:21], enquanto uma segunda corrente autoriza a utilização das demais qualificadoras na fixação da própria pena base, como circunstância judicial desfavorável, por conta da proibição contida na própria redação do art. 61, parte final do CP[footnoteRef:22][footnoteRef:23]. [21: “(...) Penas-base fixadas no mínimo legal – Utilização de duas qualificadoras do homicídio como circunstâncias agravantes – Possibilidade” (TJSP – Ap. Criminal nº 3001951-29.2013.8.26.0161 – 11ª C. Criminal, rel. des. Salles Abreu, j. 16.03.2016); Vide ainda: Superior Tribunal de Justiça: (HC 220.526/CE, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 17/12/2013, DJe 03/02/2014); (REsp 1357865/DF, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, QUINTA TURMA, julgado em 01/10/2013, DJe 07/10/2013); (HC 173.608/RJ, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 04/09/2012, DJe 17/09/2012) e (HC 118.890/MG, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 28/06/2011, DJe 03/08/2011). ] [22: “1 - Tendo o Corpo de Sentença reconhecido a existência de duas circunstâncias qualificadoras do homicídio, uma delas deve incidir para a qualificação do tipo, enquanto a outra deve incidir na segunda fase da dosimetria, a título de agravante, quando expressamente previstas como tal, ou residualmente, como circunstâncias judiciais desfavorável (sic), incidindo, nesse caso, na primeira fase da dosimetria da pena. 2 – [...]. 3 - Dosimetria refeita.. (TJ/GO Apelação Criminal nº 133270-76.1995.8.09.0097, rel. Des. Joao Waldeck Felix de Sousa, 2ª C. Criminal, j. 14.11/2013); “Correta a sentença que fixou a pena-base acima do mínimo legal em decorrência do reconhecimento de duas qualificadoras do homicídio, em conformidade, portanto, com o entendimento sedimentado no sentido de que "em se tratando de crime de homicídio em que incida mais de uma qualificadora prevista no § 2º do art. 121 do Código Penal , é possível que uma sirva para qualificar o delito e as demais sejam utilizadas como circunstância judicial desfavorável, levando ao aumento da pena-base. Desprovimento do recurso.” (TJ/RJ – Apelação Crimina nº 0181558-44.2007.8.19.0004, 3ª . Criminal, j. 14.08.2012); “4. No caso de incidência de duas qualificadoras, integrantes do tipo homicídio qualificado, não pode uma delas ser tomada como circunstância agravante, ainda que coincidente com uma das hipóteses descritas no art. 61 do Código Penal. A qualificadora deve ser considerada como circunstância judicial (art. 59 do Código Penal) na fixação da pena-base, porque o caput do art. 61 deste diploma é excludente da incidência da agravante genérica, quando diz 'são circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime'." (STJ - RHC 7.176/MS – 6ª Turma, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, dj ] [23: /04/1998) ] Homicídio Privilegiado-Qualificado – híbrido (art. 121, § 2º c.c. § 1º) É possível coexistirem somente nas hipóteses das qualificadoras de ordem objetiva (incisos III e IV). Isso porque são circunstâncias compatíveis com as circunstâncias privilegiadoras do § 1º, que são de ordem subjetiva. Quando falamos em “subjetiva”, queremos dizer o caráter anímico, ou seja, a finalidade do sujeito para praticar o crime. Seria ilógico e incompatível afirmar que o sujeito que agiu com motivo fútil ou torpe ou pretendendo ficar impune em outro crime praticado, seja beneficiado com a redução da pena pelo privilégio que deve ser aplicado para o que cometeo crime animado por valor moral ou de relevo social ou após simplesmente porque a vítima injustamente o provocou (§ 1º, art. 121). Em arremate, o privilégio é compatível com qualificadoras que levam em consideração a forma de execução do crime (incisos III e IV), e incompatível com as qualificadoras que levam em consideração o motivo do crime (incisos I, II, V, VI e VII), observando as questões quanto ao feminicídio acima esclarecidas anteriormente. Como consequência do reconhecimento do privilégio em homicídio qualificado, aplica-se a pena do homicídio qualificado (12-30 anos), e na terceira fase o juiz deverá aplicar a redução de 1/6 a 1/3 em relação ao privilégio. Qualificadoras de ordem objetiva (referentes ao modo ou meio de execução) Qualificadoras de ordem subjetiva (pessoais do agente, sua motivação) III- com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum. IV- à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido VI- contra a mulher por razões da condição de sexo feminino. VIII - com emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido. IX- contra menor de 14 (quatorze) anos. I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe; II - por motivo fútil; V- para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou a vantagem de outro crime. VII -contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição. Crime Hediondo Segundo o art. 1º, inciso I da Lei nº 8.072/90, as modalidades de homicídio que se enquadram como crime hediondo são: 1. homicídio qualificado; 2. homicídio praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente. Ex.: sujeito que mata mendigos, prostitutas etc. Diferese do crime de genocídio (L. nº 2.889/56) pois este último visa destruir grupo étnico, racial, nacional ou religioso. Quando as vítimas não se enquadrarem neste grupo, haverá grupo de extermínio. O homicídio qualificado-privilegiado não é considerado hediondo por ausência de expressa disposição na Lei 8.072/90[footnoteRef:24]. [24: STJ – HC 153728 SP, Rel. Min. Felix Fischer, 5ª turma, DJE 31/05/2010. ] Hipóteses de aumento ao homicídio doloso (art. 121, §§ 2º-B, 4º, 2ª parte, §6º e § 7º) O legislador elegeu algumas situações que entendeu mais reprováveis, daí aplicando uma pena agravada (causas de aumento) tanto para a hipótese de homicídio culposo como doloso. Neste momento verificaremos as hipóteses de aumento referentes aos crimes dolosos, e abaixo passaremos a estudar o homicídio culposo, e suas hipóteses de causa de aumento. Então, vejamos as agravantes que incidem em todos os crimes dolosos (simples, qualificado, privilegiado, hediondos ou não): 1. crime praticado contra pessoa menor de 14 anos (§ 2º-B e 4º) – tal hipóteses foi acrescido pela Lei. 8.069/90 (Estatuto da criança e do adolescente), prevendo a elevação de 1/3. Como dito anteriormente, pensamos que tal hipótese foi revogada tacitamente pela Lei nº 14.344/2022 ao acrescentar o inciso IX no § 2º deste artigo 121, de modo que a circunstância de crime praticado contra menor de 14 anos passou a tratar-se de homicídio qualificado com a consequente pena, e não mais critério de exasperação. Ademais, cumpre-nos reforçar que a agravante genérica do artigo 61, inciso II, “h” (crime praticado contra criança) não poderá ser aplicada sob pena de bis in idem. Dessa forma, para crimes praticados contra menores de 14 anos, excluindo-se hipótese de feminicídio, conforme §2º-B serão aumentadas: I - 1/3 (um terço) até a metade se a vítima é pessoa com deficiência ou com doença que implique o aumento de sua vulnerabilidade: a essência deste aumento reside em uma maior vulnerabilidade do ofendido em razão de deficiência física ou mental ou doença que importe no aumento de sua vulnerabilidade, fragilidades estas ao qual recaem maior censura. II - 2/3 (dois terços) se o autor é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tiver autoridade sobre ela: nestas hipóteses o autor do fato exercia laços com a vítima (familiares, educacionais, profissionais ou autoridade) de modo a ensejar uma maior censura considerando que deveria na essência proteger, cuidar ou educar a vítima. 2. crime praticado contra pessoa maior de 60 anos (§4º) – acrescido pela Lei nº 10.741/03 (Estatuto do Idoso). Da mesma forma, não incide a agravante do art. 61, II, “h” CP (vítima maior de 60 anos) sob pena de ocorrer o bis in idem. Eleva a pena em 1/3. 3. crime praticado por milícia privada, sob o pretexto de prestação de serviço de segurança, ou por grupo de extermínio (§6º) - acrescido pela Lei nº 12.720/12. Na atualidade, esse termo – milícia privada - é empregado para grupos de agentes do Estado que utilizando métodos violentos passaram a dominar comunidades inteiras, exercendo à margem da Lei o papel de polícia e juiz. Assim, agem sob as vestes de “segurança”, cobrando de comerciantes pelos serviços, sob pena ficarem à mercê da criminalidade. Agindo dessa forma, exterminando pessoas a pretexto de segurança ou agindo como grupo de extermínio de pessoas, incidirá a causa de aumento. Eleva a pena em 1/3 até ½. 3. no feminicídio se o crime for praticado (§7º): I - durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto; II - contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos com deficiência ou portadora de doenças degenerativas que acarretem condição limitante ou de vulnerabilidade física ou mental; (redação alterada pela Lei 13.771, de 19.12.2018). III - na presença física ou virtual de descendente ou de ascendente da vítima. (redação alterada pela Lei 13.771, de 19.12.2018). IV - em descumprimento das medidas protetivas de urgência previstas nos incisos I, II e III do caput do art. 22 da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. (inciso acrescido pela Lei 13.771, de 19.12.2018) A razão da exasperação das duas primeiras (inciso I e II) está na maior fragilidade, sensibilidade física e mesmo de ordem psicológica da ofendida. Já no tocante ao inciso III a finalidade do aumento repousa no maior sofrimento e traumas psicológicos causados à vítima e mesmo aos descendentes e ascendentes neste contexto de homicídio. O inciso IV revela a exasperação da pena tanto no intuito de prevenção ao descumprimento de medidas protetivas, quanto a maior reprovação do agente que executa o crime num contexto de reiteração de violência contra a vítima. Eleva a pena em 1/3 até ½. Outras hipóteses de aumento Importante ressaltar que, no caso de crime (doloso ou culposo) praticado contra índio não integrado, a pena aumenta-se de 1/3 por força do artigo 59 do Estatuto do índio (L. 6.001, de 9.12.1973): “Art. 59. No caso de crime contra a pessoa, o patrimônio ou os costumes, em que o ofendido seja índio não integrado ou comunidade indígena, a pena será agravada de um terço.” Homicídio culposo (art. 121, § 3º) Em todo e qualquer crime culposo a responsabilidade do agente diz respeito à conduta e não ao resultado. Isso porque, ao contrário do crime doloso, no crime culposo, o sujeito não quer o resultado, mas este advém por uma desobediência a um dever de cuidado derivado da falta de previsibilidade, que é a essência da culpa. Essa previsibilidade é observada no caso concreto verificando se podia ser exigida do homem normal ou comum. São três os comportamentos que informam o crime culposo: a negligência, a imprudência e a imperícia. 1. Negligência: é a inação, a indolência, a passividade, a inércia. É o comportamento de quem podendo e devendo agir de modo cauteloso não o faz, v.g., não amordaçar cão bravio quando levadoa passeio; deixar arma ao alcance da mão de crianças; não revisar freios de veículo usado etc. 2. Imprudência: é uma ação, atuar sem precaução, precipitado, imponderado. É o comportamento de quem deveria medir as consequências de um proceder que reclama inibição, e comete assim mesmo, v.g., limpar arma carregada na presença de outrem; dirigir veículo em velocidade excessiva, dirigir embriagado, avançar sinal vermelho, caçar em local habitado etc. 3. Imperícia: é um fazer ou não fazer num contexto fático que reclama conhecimento de ciência técnica ou habilitação para o exercício de dada tarefa. É a falta de prática ou ausência de conhecimento técnico específico de profissão, ofício ou arte. Prática de certa atividade de modo omisso (negligente) ou insensato (imprudente) por alguém incapacitado para tanto. Ex.: omissão da entrega de equipamentos de segurança; falta de manutenção de equipamento de proteção individual; erro de diagnóstico e terapia provocada pela omissão de procedimentos recomendados; pediatra que se afasta de hospital deixando de atender recémnascido; engenheiro que não observa regras técnicas, causando morte de operário; empregado que executa serviços de manutenção em elevador sem possuir capacitação técnica; desrespeito ao limite de passageiros em embarcação, levando ao naufrágio etc. Espécies de Homicídio culposo 1. homicídio culposo simples (art. 121, § 3º): é a forma básica do crime culposo, ou seja, aquele previsto no próprio parágrafo terceiro, derivado de negligência, imprudência ou imperícia, ao qual verificamos acima, onde prevê-se pena em abstrato de detenção de 1 a 3 anos. A diferença entre o homicídio culposo simples e agravado se dá por exclusão, ou seja, será simples quando não estiverem presentes as circunstâncias que agravam o homicídio culposo. 2. homicídio culposo agravado (art. 121, § 4º, 1ª parte): alguns chamam este homicídio de homicídio culposo qualificado, o que não é tecnicamente correto, pois qualificadora trata-se de um tipo derivado do tipo básico do caput que possui uma pena mínima e máxima própria, o que não é o caso. Pois bem, agrava (aumenta) em um terço (1/3), se o crime culposo ocorre nas seguintes condições: a) se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício: há muita crítica da doutrina sobre essa causa de aumento, pois leva a confundir com a imperícia, que já uma das modalidades de conduta culposa. Haveria um bis in idem, no caso de homicídio culposo na modalidade imperícia e, agravar a pena pela “inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício”, pois isto já configura a própria imperícia, e novamente seria levado em consideração, agora para aumentar a pena. Assim, a doutrina faz a diferenciação: na imperícia, o agente não tem conhecimentos técnicos (desconhecia) e pratica o ato mesmo assim, causando o resultado danoso. Já nesta causa de aumento, o agente tem esses conhecimentos, mas deixa de empregá-los por indiferença, descuido ou desleixo. Preferimos seguir Nucci, que afirma que estas situações albergadas nesta “desacertada” causa de aumento são o núcleo da própria culpa (imprudência, negligência ou imperícia), e não há aplicabilidade dessa causa de aumento[footnoteRef:25]. Aliás, num homicídio culposo, v.g., praticado por um médico em face de seu paciente ante o fracasso de uma cirurgia, eventual imperícia já é o núcleo da culpa, e não poderia levar ao Magistrado novamente se utilizar da falta de conhecimento técnico ou sua limitação para agravar a pena. Tal claramente levaria ao bis in idem - duplo aumento pelo mesmo fato[footnoteRef:26]. [25: NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado: São Paulo, RT. 4ª ed., p. 412/413 ] [26: Exemplo retirado de precedente do STJ onde se afastou o aumento aplicado reconhecendo o bis in idem havido: REsp 606170/SC – rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 25.10.2005. No mesmo sentido, há decisão do STF: “(...) Ora, se a inobservância da regra técnica foi o próprio núcleo da culpa, não pode ela servir, também, para incidir o aumento da pena. Do contrário, incorrer-se-á em insuperável bis in idem. Nesse sentido, afirmam Jefferson NINNO e Jefferson APARECIDO DIAS: “Essa causa de aumento de pena representa um bis in idem indevido, uma vez que a inobservância de regra técnica é a causa da ocorrência do delito culposo e não pode ser usada, também, para aumentar a pena”. (in Alberto Silva Franco (org.), Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial, 8ª ed. São Paulo: RT, 2007, p. 649). Guilherme de Souza NUCCI leciona, no mesmo sentido: “Tais situações, em nosso entender, são o fulcro da caracterização da culpa, vale dizer, constituem infrações ao dever de cuidado objetivo, não podendo, novamente, ser consideradas para agravar a pena. Seria o inconveniente bis in idem” (in Código Penal Comentado, 5ª ed. São Paulo: RT, p. 505). Assim, tenho que as circunstâncias que envolvem o delito atribuído às pacientes autorizam a concessão da medida cautelar. 3. Ante o exposto, concedo liminar, para suspender o andamento do processo da Ação Penal nº 2007.001.032280-5, em trâmite perante a 21a Vara Criminal da comarca da Capital/RJ, até o julgamento de mérito do presente habeas corpus. Comunique-se, com urgência, transmitindo-se cópia da presente decisão, ao Superior Tribunal de Justiça e ao Juízo de Direito da 21a Vara Criminal da comarca da Capital/RJ, e requisitem-se-lhes informações. Após, vista à Procuradoria-Geral da República. Publique-se. Int.” (STF – HC 95078/RJ – rel. Min. Cezar Peluso, j. 23.06.2008); “Homicídio culposo. Negligência consistente em inobservância de regra técnica da profissão médica. Não percepção de sintomas visíveis de infecção, cujo diagnóstico e tratamento teriam impedido a morte da vítima. Falta conseqüente de realização de exame de antibiograma. Mera decorrência. Causa especial de aumento de pena prevista no art. 121, § 4º, do CP. Imputação cumulativa baseada no mesmo fato da culpa. Inadmissibilidade. Majorante excluída da acusação. HC concedido para esse fim. Inteligência do art. 121, §§ 3º e 4º, do CP. A imputação da causa de aumento de pena por inobservância de regra técnica de profissão, objeto do disposto no art. 121, § 4º, do Código Penal, só é admissível quando fundada na descrição de fato diverso daquele que constitui o núcleo da ação culposa.” (STF – HC 95078/RJ – 2ª Turma – rel. Min. Cezar Peluso, j. 10.03.2009). ] b) se o agente deixa de prestar imediato socorro: é a omissão de socorro como causa de aumento do homicídio culposo. O que visou o legislador foi agravar a pena daquele que não procura diminuir as consequências do seu ato. Como foi prevista esta causa de aumento especial ao homicídio culposo, é inaplicável o concurso desse crime com o do art. 135 CP (omissão de socorro), ficando absorvido pelo Princípio da Subsidiariedade tácita, sob pena de bis in idem. O crime de omissão de socorro do art. 135 CP só é aplicado quando o agente não deu causa ao homicídio culposo. Consigne-se que entendemos que não caberá esse aumento se comprovado: 1. haver risco pessoal ao agente: v.g., um veículo que após a colisão está na iminência de explodir; 2. haver incapacidade física do agente; 3. terceiras pessoas prestam socorro à vítima, ou sujeito pede ajuda a terceiros ou autoridade quando não puder prestar socorro diretamente (socorro indireto). 4. iminência de linchamento de populares contra o sujeito; 5. ocorrer a morte da vítima imediatamente ao acidente: afinal, se visou o legislador resguardar a “vida” como objetividade jurídica, não há que se falar em socorro a morto.[footnoteRef:27] Apesar disso, há entendimento diverso oriundo do STJ[footnoteRef:28]. [27: “Restando constatada, de plano, sem dificuldades, a morte instantânea da vítima de acidente de circulação, que sofreu traumatismo cranioencefálico, com espalhamento de massa encefálica, não se impõe ao condutor de veículo automotor, causador do imprevisto, o aumento de pena por Omissão de Socorro, tipificado pelo art. 302, parágrafo único, inciso III, do CTB, porquea assistência seria absolutamente inócua, frente à irreversibilidade do óbito. Embargos infringentes providos. (TJ/GO - Seção Criminal; EI nº 140620-90.2010.8.09.0000-GO; Rel. Des. Luiz Cláudio Veiga Braga; j. 2/6/2010; m.v) ] [28: “A prestação de socorro é dever do causador do atropelamento, e a causa especial de aumento da pena só é afastada em situação que impossibilite fazê-la, tal como a que comporte risco de vida ao autor ou que caracterize que ele estava fisicamente incapacitado de prestar o socorro. A alegação de que houve a morte imediata da vítima também não exclui aquele aumento, visto que ao causador não cabe, no momento do acidente, presumir as condições físicas da vítima ou medir a gravidade das lesões; isso é responsabilidade do especialista médico. Com esse entendimento, a Turma, por maioria, negou provimento ao recurso. Precedentes citados: REsp 161.399-SP, DJ 15/3/1999, e REsp 207.148-MG, DJ 4/9/2000.” (STJ - REsp 277.403/MG- Rel. Min. Gilson Dipp, j. 4/6/2002) ] c) não procurar diminuir as consequências de seu ato: o agente não dá atenção alguma, deixa de lado a vítima. d) fugir para evitar a prisão em flagrante: essa causa de aumento é de constitucionalidade duvidosa uma vez que pretende que a pessoa autora de um crime culposo apresente-se voluntariamente à polícia para ser presa. Tal não se exige no crime doloso (que é o mais), o que dizer num crime culposo (que é o menos). Ninguém é obrigado a auto incriminar-se (Convenção Americana Sobre Direitos Humanos – Pacto de São José da Costa Rica). Essa causa de aumento foi idealizada para os crimes de trânsito, onde após a Lei 9.503/97 (CTB), em seu art. 305 tipifica esta conduta (“Afastar-se o condutor do veículo do local do acidente, para fugir à responsabilidade penal ou civil quer lhe possa ser atribuída”), também de colorido inconstitucional. Ainda no CTB, o art. 301 veda a prisão em flagrante caso o agente preste socorro à vítima. Claro, seria um absurdo exigir que prestasse socorro para depois prendê-lo! Entendemos, pois, deve ser aplicada a regra do art. 301 do CTB em analogia in bonam partem. Assim, caso o autor do homicídio culposo tenha prestado socorro imediato à vítima, mesmo que fugindo após, não cabe prisão em flagrante, nos moldes apregoados pelo art. 301 do CTB, não mais subsistindo esta causa de aumento do CP[footnoteRef:29]. [29: “Não se pode conceber a premissa de que, pelo simples fato de estar na condução de um veículo, o motorista que se envolve em um acidente de trânsito tenha que aguardar a chegada da autoridade competente para averiguação de eventual responsabilidade civil ou penal porquanto reconhecer tal norma como aplicável, seria impor ao condutor a obrigação de produzir prova contra si, hipótese vedada pela Constituição Federal por ofender o preceito da ampla defesa (CF/88, art. 5º, LV), além de incorrer em malferição ao direito ao silêncio (CF, art. 5º, LXIII). Ademais, estarse-ia punindo o agente por uma conduta praticada por qualquer outro delinquente, qual seja, a evasão da cena do delito, sem que por tal conduta recebam sanção mais alta ou acarrete maior gravosidade em suas penas, estabelecendo-se forte contrariedade aos princípios da isonomia e da proporcionalidade. Desse modo, afigura-se inviável vislumbrar outra responsabilidade penal a ser imputada ao motorista que se evade do local em que estivera ] Homicídio culposo em crime de trânsito Além da previsão do homicídio culposo no Código Penal, o Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/97), em seu artigo 302, também prevê de forma autônoma o homicídio culposo ocorrido na direção de veículo automotor. Para configuração do homicídio culposo exige-se o binômio: 1. veículo automotor: aquele que tem mais de cinquenta cilindradas e é movido por uma propulsão própria (carros, motos, caminhões, ônibus et.) inclusive por meio elétrico (ônibus elétricos por meio de fios - trólebus). desde que não se utilize de trilhos (bondes). São hipóteses de não aplicação doCódigo de Trânsito Brasileiro acidente em via pública que envolva: veículos com tração animal, aqueles que se locomovem por meio de força de animais (equinos, bovinos, muares): carroças, carruagens, charretes, trenó, biga etc.; veículos com tração humana: aqueles por meio de força muscular humana: bicicleta, skate, rolemã, esqui, slide car, patinete; veículo conduzido por linha férrea: trem, metro, bonde etc.; veículo conduzido por linha marítima, fluvial ou lacustre: lancha, balsa, jet-ski etc., inclusive aqueles mediante tração humana, servindo ao transporte ou lazer, como caiaques, botes, canoa havaiana, pranchas de surfe etc. 2. trânsito terrestre: o Código de Trânsito Brasileiro não se aplica quando se tratar de acidente aéreo ou marítimo. Reza o artigo 2º: “Art. 2º São vias terrestres urbanas e rurais as ruas, as avenidas, os logradouros, os caminhos, as passagens, as estradas e as rodovias, que terão seu uso regulamentado pelo órgão ou entidade com circunscrição sobre elas, de acordo com as peculiaridades locais e as circunstâncias especiais. Parágrafo único. Para os efeitos deste Código, são consideradas vias terrestres as praias abertas à circulação pública, as vias internas pertencentes aos condomínios constituídos por unidades autônomas e as vias e áreas de estacionamento de estabelecimentos privados de uso coletivo.” Dessa forma, pelo Princípio da Especialidade (art. 12, CP), sempre que houver uma morte derivada de acidente de trânsito que envolva veículo automotor e trânsito terrestre em via pública aplica-se o Código de Trânsito Brasileiro, desde que o motorista não tenha agido dolosamente (usado o veículo como arma). Pena do homicídio culposo Interessante observar que a pena do homicídio culposo ocorrido por acidente de trânsito é de detenção de 2 a 4 anos (art. 302 CTB), enquanto que a pena do homicídio culposo do Código Penal é de detenção de 1 a 3 anos. Tal disparidade já foi objeto de questionamento nos tribunais, mas, pacificado não haver inconstitucionalidade alguma por tratar-se o Código de Trânsito Brasileiro de norma especial em relação a norma geral do Código Penal, considerando o enfoque da quantidade de homicídios culposos derivados de acidentes de trânsito, ensejando um maior desvalor do resultado, merecendo maior punição30. envolvido em acidente de trânsito com vítima que não a omissão de socorro, situação com disposição específica no CTB (art. 304). Assim, se o condutor que se encontra nessas circunstâncias, que resultaram apenas em danos materiais, pode ter sua liberdade cerceada, está-se criando nova modalidade de prisão por responsabilidade civil, matéria que encontra limites constitucionais inestendíveis pelo legislador ordinário, o qual sofre limitação pelo art. 5º, LXVII da CF/88, que impede a prisão civil por dívida, afora as hipóteses nele excetuadas” (TJRS - Arguição de Inconstitucionalidade n. 2009.026222-9/0001.00 - J. em 1.6.2011) 30 “1. A questão central, objeto do recurso extraordinário interposto, cinge-se à constitucionalidade (ou não) do disposto no art. 302, parágrafo único, da Lei nº 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro), eis que passou a ser dado tratamento mais rigoroso às hipóteses de homicídio culposo causado em acidente de veículo. 2. É inegável a existência de maior risco objetivo em decorrência da condução de veículos nas vias públicas - conforme dados Perdão Judicial (art. 121, § 5º) Trata-se de uma causa de extinção da punibilidade contemplada no artigo 107, inciso IX do Código Penal. Perdão judicial é a clemência (perdão) do Estado que deixa de aplicar a pena prevista para determinados crimes, em hipóteses expressamente previstas em lei. O homicídio culposo é uma dessas infrações que autoriza ao juiz aplicar o perdão judicial. Este instituto é aplicado quando as consequências da infração atingirem o próprio sujeito de forma tão grave, que torne desnecessária a própriasanção penal. Baseia-se no fato de que a pena tem caráter aflitivo, preventivo e reeducativo, não sendo cabível a sua aplicação para quem já foi punido pela própria natureza do mal que causou. É concedido na sentença, ou seja, há inquérito policial e processo. É um direito público subjetivo e o juiz é obrigado a conceder se preenchidas as seguintes condições: a) homicídio culposo: apesar de o Código de Trânsito Brasileiro silenciar a respeito, a posição dominante da jurisprudência e doutrina são no sentido de que é possível a aplicação por dois motivos: as regras gerais do Código Penal se aplicam as leis especiais (art. 12), e o perdão judicial é uma regra geral do Código Penal; o Código de Trânsito Brasileiro previa o perdão judicial, mas de forma a ser concedido a pessoas enumeradas, daí o presidente da República vetou este artigo fundamentando exatamente na restrição das pessoas enumeradas ao qual faziam jus a este benefício, reconhecendo a aplicação do Código Penal. Logo, é do espírito do Código de Trânsito Brasileiro a aplicação do perdão judicial31. b) consequências do delito alcancem o autor do fato pessoalmente: dor física ou moral. Ex.: o agente que torna-se paraplégico por conta do acidente que provocou, terminando com a morte de outra pessoa; o pai que causa a morte do filho é uma aflição moral insuperável. Há tendência de exigência de prova de laços afetivos entre o autor da infração e a vítima32. estatísticos que demonstram os alarmantes números de acidentes fatais ou graves nas vias públicas e rodovias públicas - impondo-se aos motoristas maior cuidado na atividade. 3. O princípio da isonomia não impede o tratamento diversificado das situações quando houver elemento de discrimen razoável, o que efetivamente ocorre no tema em questão. A maior frequência de acidentes de trânsito, com vítimas fatais, ensejou a aprovação do projeto de lei, inclusive com o tratamento mais rigoroso contido no art. 302, parágrafo único, da Lei nº 9.503/97. 4. A majoração das margens penais - comparativamente ao tratamento dado pelo art. 121, § 3º, do Código Penal - demonstra o enfoque maior no desvalor do resultado, notadamente em razão da realidade brasileira envolvendo os homicídios culposos provocados por indivíduos na direção de veículo automotor. 5. Recurso extraordinário conhecido e improvido.” (STF – RE 428864/SP – 2ª Turma – Rel. Min. Ellen Gracie – J. 14.10.2008); “1. O fato de o ora recorrente ter sido denunciado como incurso naspenas do art. 302 do Código Nacional de Trânsito (Lei nº 9.503/97), ao invés do art. 121, § 3º do Código Penal, não constitui qualquer inconstitucionalidade, vez que o princípio da especialidade (art. 12, do CP) permite a aplicação da legislação especial em detrimento das normas contidas no CP(..)” (STF - RHC 14.456/SC – 5ª Turma - Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca - J 20/04/2004) 31O perdão judicial não pode ser concedido ao agente de homicídio culposo na direção de veículo automotor (art. 302 do CTB)que, embora atingido moralmente de forma grave pelas consequências do acidente, não tinha vínculo afetivo com a vítima nem sofreu sequelas físicas gravíssimas e permanentes (STJ. 6ª Turma. REsp 1.455.178-DF, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz,julgado em 5/6/2014) 32“(...) IV - No caso, o v. acórdão proferido pelo eg. Tribunal a quo, amparado pelo acervo fático-probatório presente nos autos, reputou indevida a contemplação do recorrente com o perdão judicial, ante a ausência de comprovação do trauma além do curial decorrente do triste episódio, bem como pela ausência de relação de parentesco entre os envolvidos. V - Nesse contexto, o entendimento deste Superior Tribunal de Justiça acerca do tema, segundo o qual "A análise do grave sofrimento, apto a ensejar a inutilidade da função retributiva da pena, deve ser aferida de acordo com o estado emocional de que é acometido o sujeito ativo do crime, em decorrência da sua ação culposa, razão pela qual a doutrina, quando a avaliação está voltada para o sofrimento psicológico do agente, enxerga no § 5º a exigência da prévia existência de um vínculo, de um laço de conhecimento entre os envolvidos, para que seja "tão grave" a consequência do crime ao agente. Isso porque a interpretação dada é a de que, na maior parte das vezes, só sofre intensamente aquele réu que, de forma culposa, matou alguém conhecido e com quem mantinha laços afetivos" (REsp n. 1.444.699/RS, Sexta Turma, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, DJe de 9/6/2017, c) gravidade das consequências: deve haver uma situação de nítida gravidade. Uma lesão corporal leve não é grave, porém, imagine uma modelo em início de carreira que sofre acidente que lhe causa pequena cicatriz no rosto, pode ser suficiente para interromper sua carreira, levando ao sofrimento imenso do pai causador do acidente, v.g. Natureza da sentença que concede perdão judicial Para o Supremo Tribunal Federal, pressupõe sentença condenatória para ser concedido, gerando os efeitos secundários (nome no rol dos culpados, título executivo no cível e maus antecedentes. Só não gera reincidência por conta do artigo 120: “A sentença que conceder perdão judicial não gera reincidência”. Mas, pra o Superior Tribunal de Justiça trata-se de sentença declaratória da extinção da punibilidade, não condenado o agente, apenas declarando seu perdão judicial com base no artigo. 107, inciso IX. A Súmula 18 do Superior Tribunal de Justiça enuncia: “A sentença concessiva do perdão judicial é declaratória da extinção da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório.” Ou seja, segundo o Superior Tribunal de Justiça, a sentença não vale como título executivo no cível, não gera maus antecedentes e não lança o nome do réu no rol dos culpados, e quanto a reincidência, não caberia por força expressa da lei (art. 120). Entendemos tratar-se de sentença declaratória da extinção da punibilidade, não só pelo fato de não se verificar a imposição de uma efetiva pena no caso de sentença condenatória, mas, pelo aspecto moral que envolve a razão do perdão judicial, envolvendo clara situação de sensibilidade humana, onde o legislador em momento algum pretendeu ver alguém condenado33. Extensão do perdão judicial Questão que deve ser falada diz respeito se o perdão judicial extensivo a terceiras pessoas. Há duas correntes: 1. é extensivo por conta de tratar-se uma única conduta, logo não teria cabimento cindir a conduta34; 2. não é extensivo pois só é cabível nos casos expressos em lei, e no caso do homicídio culposo, quando atingir o agente de forma tão grave que a pena se torne desnecessária, e só haveria a grifei). VI - Na presente hipótese, alterar o entendimento do v. acórdão reprochado, para o fim de reconhecer a presença dos requisitos aptos a ensejar a concessão do perdão judicial, especialmente a gravidade das consequências da infração, ou seja, o elevado sofrimento, reclama incursão no acervo fático-probatório delineado nos autos, procedimento vedado pela Súmula n. 7 desta Corte, e que não se coaduna com os propósitos atribuídos à via eleita.Agravo regimental desprovido”. (STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 2018009 / SP, Rel. Min. MESSOD AZULAY- Julgado em 7/2/2023). 33“Perdão judicial com base no art. 121, § 5º do Código Penal (na redação dada pela lei n. 6.416/77). O perdão judicial pressupõe condenação e, em consequência, não se estende aos efeitos secundários próprios da sentença de natureza condenatória, tais como o pagamento das custas do processo, inclusão do nome do réu no rol dos culpados e pressuposto para a reincidência. Recurso extraordinário criminal conhecido e provido.” (STF – RE 92907/PR – 1ª Turma – Rel. Min. Cunha Peixoto – j. 10.03.1981); “Perdão judicial. Efeitos. O perdão judicial pressupõe condenação,pelo que não se estende aos efeitos secundários próprios da sentença condenatória. Precedentes. Ante norma expressa, no particular, com a superveniente lei n. 7.209, de 1984, que alterou o art. 120, do Código Penal (parte geral), nos termos do parecer da douta procuradoria-geral da república, tem-se que os efeitos da reincidência não se encontram incluídos na abrangência do perdão judicial.” (STF – RE 104679/SP – 2ª turma – rel. Min. Aldir passarinho – j. 22.10.1985 34“Sendo o perdão judicial uma das causas de extinção de punibilidade (art.107, inciso IX, do C.P.), se analisado conjuntamente com o art. 51, do Código de Processo Penal ("o perdão concedido a um dos querelados aproveitará a todos..."), deduz-se que o benefício deve ser aplicado a todos os efeitos causados por uma única ação delitiva. O que é reforçado pela interpretação do art. 70, do Código Penal Brasileiro, ao tratar do concurso formal, que determina a unificação das penas, quando o agente, mediante uma única ação, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não. - Considerando-se, ainda, que o instituto do Perdão Judicial é admitido toda vez que as consequências do fato afetem o respectivo autor, de forma tão grave que a aplicação da pena não teria sentido, injustificável se torna sua cisão. - Precedentes. - Ordem concedida para que seja estendido o perdão judicial em relação à vítima Rodrigo Antônio de Medeiros, amigo do paciente, declarando-se extinta a punibilidade, nos termos do art. 107, IX, do CP.” (STJ – HC 21442/SP – 5ª Turma -Rel. Min. Jorge Scartezzini – J. 07.11.2002); No mesmo sentido STJ, HC 14338/SP, 5ª Turma. gravidade exigida pela lei quando o atingir pessoalmente (física ou moralmente)[footnoteRef:30]. No tocante a extensão a outros crimes, o perdão judicial não pode ser aplicado, pois o artigo 107, inciso IX exige sua aplicação somente nos casos previstos em lei. Então se em um acidente, o filho do condutor vem a falecer e reconhecido o homicídio culposo, aplica-se o perdão judicial. Mas, eventuais crimes verificados neste mesmo evento, não eximem o autor do fato a responsabilização criminal. [30: “Não é possível a extensão do efeito de extinção da punibilidade pelo perdão judicial, concedido em relação a homicídio culposo que resultou na morte da mãe do autor, para outro crime, tão-somente por terem sido praticados em concurso formal (Precedente do STF). Recurso provido.” (STJ – REsp ‘009822/RS – 5ª Turma – Rel. Min. Felix Fisher – J. 26.08.2008 ] Ação Penal Na forma do artigo 100 e seus parágrafos do Código Penal, a ação penal do homicídio, seja na forma dolosa ou culposa, é pública incondicionada. Competência Importa verificar que no caso de homicídio doloso trata-se de delito de competência do Tribunal do Júri (art. 5º, XXXVIII, “d” da Constituição Federal e artigo 74, § 1º do Código de Processo Penal), enquanto que o homicídio culposo, a competência de julgamento é do próprio juiz singular. No tocante ao feminicídio, se envolveu violência doméstica, a competência para processar este crime será da vara do Tribunal do Júri ou do Juizado Especial de Violência Doméstica (“Vara Maria da Penha”)? Dependerá da Lei estadual de Organização Judiciária. Existem alguns Estados onde a Lei de Organização Judiciária expressamente prevê que, em caso de crimes dolosos contra a vida praticados no contexto de violência doméstica, a Vara de Violência Doméstica será competente para instruir o feito até a fase de pronúncia. A partir daí, o processo será redistribuído para a Vara do Tribunal do Júri. Já decidiu o Supremo que essa previsão é válida. Dessa forma, a Lei de Organização Judiciária poderá prever que a 1ª fase do procedimento do júri seja realizada na Vara de Violência Doméstica em caso de crimes dolosos contra a vida praticados no contexto de violência doméstica. Não haverá usurpação da competência constitucional do júri. Apenas o julgamento propriamente dito é que, obrigatoriamente, deverá ser feito no Tribunal do Júri[footnoteRef:31]. Agora, se a lei de organização judiciária não prever expressamente essa competência da Vara de Violência Doméstica para a primeira fase do procedimento do Júri, aplica-se a regra geral e todo o processo tramitará na Vara do Tribunal do Júri. [31: STF. - HC 102150/SC, Rel. Min. Teori Zavascki, J. 27/5/2014; Ag. em RExt nº 812668/DF – Rel. Min. Ricardo Lewandowski – J. 23.07.2014 ] Pena Homicídio simples (caput): reclusão de 6 a 20 anos Homicídio privilegiado (§ 1º): redução de 1/6 a 1/3 Homicídio qualificado (§ 2º): reclusão de 12 a 30 anos Homicídio culposo (§ 3º): detenção de 1 a 3 anos. Homicídio agravado (§§ 2º-B 4º, 6º e 7º): aumento de 1/3 e 2/3, 1/3 a ½ e 1/3 a /2 respectivamente. INDUZIMENTO, INSTIGAÇÃO OU AUXÍLIO AO SUICÍDIO OU A AUTOMUTILAÇÃO – ART. 122 (Redação dada pela Lei nº 13.968, de 24.12.2019) Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou a praticar automutilação ou prestar-lhe auxílio material para que o faça:(Redação dada pela Lei nº 13.968, de 2019) Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos. § 1º Se da automutilação ou da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, nos termos dos §§ 1º e 2º do art. 129 deste Código: Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos. § 2º Se o suicídio se consuma ou se da automutilação resulta morte: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. § 3º A pena é duplicada: I - se o crime é praticado por motivo egoístico, torpe ou fútil; II - se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência. § 4º A pena é aumentada até o dobro se a conduta é realizada por meio da rede de computadores, de rede social ou transmitida em tempo real. § 5ºAplica-se a pena em dobro se o autor é líder, coordenador ou administrador de grupo, de comunidade ou de rede virtual, ou por estes é responsável(redação alterada pela Lei 14.811, de 12.01.2024) § 6º Se o crime de que trata o § 1º deste artigo resulta em lesão corporal de natureza gravíssima e é cometido contra menor de 14 (quatorze) anos ou contra quem, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência, responde o agente pelo crime descrito no § 2º do art. 129 deste Código. § 7º Se o crime de que trata o § 2º deste artigo é cometido contra menor de 14 (quatorze) anos ou contra quem não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência, responde o agente pelo crime de homicídio, nos termos do art. 121 deste Código. Alteração legislativa A Lei nº 13.819, de 26.04.2019 instituiu a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio, cuja essência e elaboração de políticas públicas visando uma estratégia permanente estratégia do poder público para a promoção da saúde mental, prevenção desses eventos e controle de fatores determinantes para saúde mental. Neste intuito, a Lei nº 13.968, de 26.12.2019 implementou alteração no Código Penal visando maior proteção das pessoas contra condutas que visem o Suicídio e Automutilação. Como se percebe através da leitura da nova redação este dispositivo sofreu intensa alteração que passou a ter vigência no país a partir de 26.12.2019. As alterações se deram desde o nomem juris. Na descrição típica, a redação do caput passa a criminalizar também a indução, instigação ou auxílio à automutilação. Assim, o caput trata-se da forma simples anteriormente inexistente uma vez que a redação anterior exigia resultado lesivo para tipicidade. No tocante a ocorrência de resultado material (lesão corporal grave ou gravíssima, e morte) foram mantidas as penas anteriores ao qual qualificam o crime (§§1º e 2º). Também foram mantidas as causas de aumento, com acréscimo de motivo torpe ou fútil inexistente na redação anterior (§3º). Foram acrescidas novas causas de aumento: se a conduta é praticado por meio da rede de computadores, de rede social ou transmitida em tempo real (§4º)e se o agente é líder ou coordenador de grupo ou de rede virtual (§5º). Finalmente, a nova redação do artigo 122 prevê ainda a subsidiariedade expressa desde crime em razão da vulnerabilidade da ofendida, cedendo ao artigo 129, §2º do Código Penal (§6º) e 121 do Código Penal (§7º). Conceito Suicídio é a eliminação da própria vida, que não é punível em nosso sistema legal. O Princípio da Transcendentalidade ou da alteridade veda a punição de condutas que não ultrapassem o âmbito de disponibilidade do agente. Por isso que a autolesão, por si só, não é punida. Mas, não podemos afirmar que existe em nosso sistema legal um expresso o “direito de matar-se”, tanto que a lei permite a coação para impedir o suicídio (art. 146, § 3º, inc. II, CP). Automutilaçãoé a conduta de causar lesões em si próprio. Veja-se que a autolesão também não é punida em nosso sistema, salvo se ocorrer para obter indenização ou valor de seguro, tratando-se de proteção ao patrimônio (art. 171, § 2º, inc. V, CP). Dessa forma, as condutas incriminadoras neste tipo penal não recaem sobre a pessoa que praticou a conduta contra si, sendo certo que o legislador criminalizou o induzimento, a instigação ou o auxílio material a que alguém suicide ou que se mutile. Objetividade jurídica A vida humana. Ainda estamos estudando o capítulo dos crimes contra vida. O objeto material do crime é a pessoa contra a qual se volta a conduta o agente. Sujeito do delito 1. Sujeito ativo: trata-se de crime comum. Qualquer pessoa pode praticar as condutas incriminadoras. 2. Sujeito passivo: antes das alterações advindas através da Lei nº 13.968/2019, a jurisprudência era firme no sentido da exigência de pessoa consciente, com capacidade de resistência à conduta do agente, dotada de discernimento, capaz de refletir sobre a questão e decidir, face à eficaz participação do sujeito ativo, pela voluntária opção suicida. Dizia essa corrente jurisprudencial que se fosse nula a capacidade de resistência da vítima, porque nulo seu entendimento (v.g., criança de tenra idade, doente mental, vítima completamente embriagada etc.), estar-se-ia diante de crime de homicídio pela via da autoria mediata. Tal assunto acabou sendo resolvido pela nova lei, uma vez que o legislador empregou o mesmo conceito de vulnerabilidade do crime de estupro (art. 217-A e § 1º, CP) de modo que em se tratando de suicídio ou automutilação praticada contra menor de 14 (quatorze) anos ou contra quem, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência cujo resultado ensejar lesão corporal grave ou gravíssima, será responsabilizado na forma do artigo 129, § 2º do Código Penal, e, se ensejar resultado morte, levará a sua responsabilização penal pelo crime descrito no artigo 121 do Código Penal. Ademais, exige-se ainda vítima determinada, ainda que haja mais de uma. A instigação, indução ou auxílio de caráter geral, que atinja incerta(s) pessoa(s), v.g., por meio de livros, discos, espetáculos etc., não tipifica a conduta deste artigo 122, podendo configurar o delito de incitação ao crime, previsto no artigo 286 do Código Penal. Elemento Objetivo Trata-se de crime de ação múltipla, isto é, possui mais de um núcleo do tipo, sendo que basta que a conduta do agente se subsuma a um dos verbos nucleares para sua configuração. Como consequência, trata-se de tipo misto alternativo, caso pratique mais de uma das ações nucleares no mesmo contexto, responderá por crime único. Assim, condutas, os verbos (núcleo do tipo) são: induzir, instigar ou prestar auxílio. O sujeito pode praticar o crime valendo-se de participação moral ou física. Verifica-se a participação moral nas condutas “induzir” ou “instigar”, enquanto que a participação física alberga-se na conduta “prestar auxílio”. Induzir: significa dar a ideia a quem não a possui, inspirar, incutir. O agente sugere que a vítima de fim à sua vida ou que pratique lesões corporais em si. Instigar: significa fomentar uma ideia já existente. O sujeito estimula a ideia que alguém já tenha manifestado anteriormente. Ex.: oferece instruções ao manuseio de armas; médico que indica medicamento mortal visando Eutanásia. Prestar auxílio: é a forma mais concreta e ativa de agir do sujeito ativo, pois significa dar apoio material ao ato suicida. O auxílio material deve ser acessório. Na hipótese de o agente praticar atos executórios poderá haver a configuração do crime de homicídio. Fornecer uma corda para que alguém se enforque, temos auxílio ao suicídio. Empurrar alguém da cadeira para que a corda, anteriormente colocada no pescoço, o enforque, há evidente execução de homicídio e não auxílio ao suicídio. É viável a possibilidade de auxílio por omissão. Tal se dá na forma de crime comissivo por omissão, ou seja, nas hipóteses em que o agente tem o dever de impedir o resultado. Segundo o artigo 13, § 2º do Código Penal, o dever de agir incumbe a quem: a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado”. Por exemplo, a enfermeira que verifica que o paciente não ingere os remédios visando morrer, ignora o fato por completo, permitindo fazê-lo. No entanto há divergência quanto conduta omissiva na colaboração moral. Por exemplo, a mãe que se cala e nada faz quando a filha menor de idade revela intenção suicida por entender que é a solução para seu sofrimento. Para alguns, a mãe deveria agir, por seu dever de garante (art. 13, §2º, “a”, CP), razão pela qual sua omissão configuraria o crime em estudo. Elemento Subjetivo O crime é doloso, sendo inerente fim especial de agir (dolo específico) consistente na vontade livre e consciente dirigida à obtenção do resultado: suicídio ou automutilação por parte da vítima. Não é prevista forma culposa. Forma simples (caput) O caput retrata uma das maiores alterações. A redação anterior deste artigo 122 previa o condicionamento da punição do agente à existência do resultado naturalístico (lesão corporal grave ou morte), sendo que a inexistência de ao menos um destes resultados levaria à atipicidade penal da conduta. Assim, resultado a inexistência de lesões ou lesões corporais de natureza leve, tornavam a conduta atípica (impunível) face esta estruturação descrita em sua pena. Assim, a tentativa de induzir, instigar ou auxiliar alguém a se suicidar que não ensejasse ao menos lesão corporal grave era irrelevante penalmente (art. 31 CP). Por isso, a punibilidade do agente estava condicionada a um dos dois resultados, morte ou lesão corporal grave. Com a alteração legislativa do preceito secundário, trazendo a sanção de 6 meses a 2 anos de reclusão sem qualquer previsão de condicionamento da punição à existência de resultado naturalístico, o crime passa a admitir a modalidade tentada, já que o óbice apresentado pela doutrina majoritária, quando da análise da redação anterior do dispositivo, era a necessidade do resultado morte ou lesão corporal de natureza grave para a imposição de pena. Forma Qualificada (§§1º e 2º) As hipóteses qualificadoras previstas correspondem a maior reprovação em razão da maior gravidade do resultado naturalístico ao ofendido. Vejamos: § 1º Se da automutilação ou da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, nos termos dos §§ 1º e 2º do art. 129 deste Código: reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos; § 2º Se o suicídio se consuma ou se da automutilação resulta morte: reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. Dessa forma, para configuração da extensão das lesões de modo a viabilizar a aplicação dessa qualificadora, será necessário a prova material através do exame de corpo de delito (art. 158, CPP). As lesões corporais graves estão previstas no artigo 129, § 1º do Código Penal[footnoteRef:32], enquanto que as lesões corporais gravíssimas (apesar de não existir este termo em Lei) se encontramno artigo 129, § 2º do mesmo diploma legal[footnoteRef:33]. Se do resultado da tentativa do suicídio ou da automutilação concluir-se pelas lesões corporais leves, a conduta incriminadora deve amoldar-se no caput deste artigo 122. [32: Configura lesão corporal se resulta: incapacidade para as ocupações habituais por mais de 30 dias; perigo de vida; debilidade permanente de membro, sentido ou função; aceleração de parto. ] [33: Configura lesão corporal gravíssima se resulta: I - Incapacidade permanente para o trabalho; II - enfermidade incurável;III perda ou inutilização do membro, sentido ou função;IV - deformidade permanente; V – aborto. (art. 129, §2º, CP). ] Causas de aumento (§§ 3º, 4º e 5º) A pena é duplicada se o crime é praticado por (§3º, incisos I e II): 1. motivo egoístico:motivo egoístico consiste no interesse pessoal do agente. Seria o caso de quem induz o irmão ao suicídio, visando ficar integralmente com uma herança. 2. motivo torpe: é aquele repugnante, vil, abjeto, desprezível. 3. motivo fútil: é aquele que demonstra desproporção em relação ao crime praticado, mediante razão frívola, mesquinha, insignificante. 4. se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência: trata-se de maior proteção de vítima mais suscetível à instigação ou induzimento, como na hipótese dos menores de dezoito anos, pessoas embriagadas, com indício de senilidade etc. Não pode se tratar de pessoa sem capacidade de compreender aquilo que faz, como uma criança ou um enfermo mental sem discernimento algum. Deve ser utilizado o parâmetro de idade menor de 18 anos e maior de 13 anos conforme regra introduzido pela Lei 13.968/2019. Menor de 14 anos de idade e pessoa sem qualquer discernimento trata-se de hipótese de vulnerabilidade absoluta, incidindo as regras previstas nos parágrafos 6º e 7º. A pena é aumentada até o dobrose a conduta é realizada por meio da rede de computadores, de rede social ou transmitida em tempo real (§4º): os aplicativos, programas e plataformas de relacionamento social permitiram uma maior aproximação das pessoas, e assim um maior acesso e contato de pessoas mal intencionadas, e a maior dificuldade de controle e localização do sujeito, razão da maior reprovação deste crime quando realizado a conduta através da internet, de chamada de vídeo ou mesmo o serviço de mensagens do Facebook, Instagram, Whatsapp, Telegram, salas de jogos online etc. Importante frisar que para configuração deste crime, a conduta deve se voltar a uma pessoa determinada ou a pessoas determinadas. O maior ou menor potencial de dano da conduta é que balizará o aumento previsto na fixação da pena. Com efeito, o aumento deve ser menor se houver o uso de uma chamada de vídeo entre duas pessoas já conhecidas, sendo o uso da internet apenas um instrumento que possibilita sua ação à distância. Por outro lado, a majoração deve ser mais elevada se o agente procura suas vítimas em uma rede social, transmitindo suas mensagens a uma dezena de pessoas, escolhidas a partir de um grupo de apoio por abuso de álcool, por exemplo. Aumenta-se a pena em dobro se o agente é líder, coordenador ou administrador de grupo, comunidade ou de rede virtual (§5º):a Lei nº 14.811/24 alterou a quantidade de aumento. Antes era de ½, a partir da nova lei, o aumento passou ao dobro. A razão dessa hipótese de aumento reside no desvalor da conduta considerando que o sujeito ativo tem uma posição de liderança ou de coordenação ou administração em comunidade ou rede virtual, ou seja, com formação realizada pela internet. Com isso, sua conduta possui maior probabilidade de eficácia e menor controle, já que sua própria posição demanda dele tal responsabilidade no grupo. Ademais, as práticas realizadas por meio virtual invariavelmente dificultam a identificação dos agentes e os elementos de prova, postergando a investigação, reforçando o incremento do aumento de pena. Hipóteses de subsidiariedade expressa (§§ 6º e 7º) Antes da Lei nº 13.968/2019, a doutrina já destacava que o sujeito passivo deveria ser pessoa capaz de compreensão, sob pena de se configurar o homicídio, através da aplicação do instituto da autoria mediata. Porém, havia certa discussão a respeito da idade limítrofe da vítima para configurar-se homicídio. Com efeito, a Lei nº 13.968/2019 eliminou a celeuma, de modo a prever hipóteses de não configuração do delito do artigo 122, mas de crime mais grave, assim configurando o emprego da regra da subsidiariedade expressa. O princípio da subsidiariedade expressa visa dar solução a conflito aparente de leis penais quando a um só fato, aparentemente, duas ou mais leis são aplicáveis, ou seja, o fato é único, no entanto, existe uma pluralidade de normas a ele aplicáveis. Assim o próprio legislador expressamente determinou a aplicação da lei que engloba o maior número de fatos típicos de maneira complexa, relegando à outra lei fatos específicos. Ou seja, o artigo 122 trata de tipo subsidiário, cabendo o enquadramento se não ocorrer crime mais grave. Vejamos as hipóteses previstas o se prevê aplicação de outra norma penal: 1. crime de lesão corporal gravíssima: se o crime de que trata o § 1º deste artigo resulta em lesão corporal de natureza gravíssima e é cometido contra menor de 14 (quatorze) anos ou contra quem, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência, responde o agente pelo crime descrito no § 2º do art. 129 deste Código (§6º). Exige-se resultado lesão corporal gravíssima[footnoteRef:34] e vítima vulnerável. Necessária uma importante observação: o artigo 129, §§ 1º e 2º do Código Penal trata de hipóteses qualificadas do crime de lesão corporal que estão sob o mesmo nomem júris “lesão corporal grave”, sendo que a doutrina e jurisprudência distinguem os parágrafos, taxando o § 1º de lesão corpora grave, enquanto o parágrafo 2º é taxado de lesão corporal gravíssima. Dessa forma, a lesão corporal gravíssima expressa neste § 6º do artigo 122 corresponde a lesão corporal prevista no § 2º do artigo 129 do Código Penal, com pena de reclusão de 2 a 8 anos. [34: Configura lesão corporal gravíssima: I - Incapacidade permanente para o trabalho; II - enfermidade incurável; III perda ou inutilização do membro, sentido ou função; IV - deformidade permanente; V – aborto. (art. 129, §2º, CP). ] 2. crime de homicídio: se o crime de que trata o § 2º deste artigo é cometido contra menor de 14 (quatorze) anos ou contra quem não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência, responde o agente pelo crime de homicídio, nos termos do art. 121 deste Código (§ 7º). Exige-se resultado morte e vítima vulnerável. Dessa forma, em ambos os parágrafos exige-se a avaliação da condição psicológica da vítima para a configuração de crime mais grave. Menor de 14 anos de idade: como o fez no estupro de vulnerável (art. 217-A, CP), o legislador presume de forma absoluta a incapacidade do menor de 14 anos a resistir a uma ideia de suicídio ou automutilação. Vítima que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento contra a prática do ato: cuida-se de vítima que, por enfermidade (como esquizofrenia) ou deficiência mental (como quem nasceu com microcefalia), não tem capacidade de decidir, de forma consciente e livre, sobre o fim de sua própria vida ou sobre a automutilação. Vítima que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência: compreende hipóteses que tornem o sujeito passivo mais vulnerável, sem possibilidade de resistir ao induzimento, à instigação ou ao auxílio material ao suicídio ou à automutilação. É o caso de alguém embriagado, ou sob efeito de medicamentos, ao qual lhe retiram a consciência. Crime hediondo A Lei nº 14.811/2024, que institui medidas de proteção à criança e ao adolescente contra a violência nos estabelecimentos educacionais ou similares, prevê a Política Nacional dePrevenção e Combate ao Abuso e Exploração Sexual da Criança e do Adolescente acrescentou o inciso X ao art. 1º da Lei 8.072/1990 (Lei dos Crimes Hediondos), assim passando a tratar-se de crimes hediondo o induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação realizados por meio da rede de computadores, de rede social ou transmitidos em tempo real (art. 122, caput e § 4º). Como dito anteriormente, as práticas criminosas por meios virtuais além de tratar-se de causa de aumento de pena (§ 5º), referem uma maior censura ao crime em razão das dificuldades de identificação dos agentes envolvidos, além da colheita dos elementos probatórios. Aliado a isto, o implemento da comunicação de massa, especialmente com a massiva utilização das plataformas de comunicação social, aplicativos e jogos online, facilitaram as interrelações pessoais e aproximação das pessoas com pouco ou quase nenhum controle, de modo que o emprego dessas ferramentas também justificaram o implemento na Lei nº 8.072/90. Consumação e tentativa Após as alterações advindas através da Lei 13.968/2019, trata-se de crime formal, posto que inexige o resultado naturalístico previsto (suicídio ou automutilação) para a consumação do crime, sendo que os resultados lesivos previstos (lesão corporal grave ou gravíssima e morte) corresponderão as demais figuras previstas: qualificadoras (§§ 1º e 2º), causas de aumento (§ª 3º, 4º e 5º) e hipóteses tipificação específica em função da subsidiariedade expressa deste artigo 122 (§§ 6º e 7º). Ação Penal A ação penal deste crime é a pública incondicionada (art. 110, CP) Competência para julgamento Se o induzimento, instigação ou auxílio se dirigir à prática do suicídio, assim pretendendo o agente atingir a vida do ofendido, a competência para processo e julgamento será do Tribunal do Júri (art. 5º, XXXVIII, “d” CF e art. 74, § 1º do CPP). Porém, se o induzimento, instigação ou auxílio comprovadamente se voltar à automutilação exclusivamente, a competência será do juiz singular, tendo em vista que não se trata de um crime doloso contra a vida (e sim contra incolumidade) embora alocado no Capítulo “Dos Crimes contra a vida”. Dessa forma, deve-se aferir o dolo do agente, se informado pelo intento de provocar o suicídio ou de provocar autolesão. Pena Forma simples (caput): reclusão de 6 meses a 2 anos. Formas qualificadas (§§1º e 2º): reclusão de 1 a 3 anos / reclusão de 2 a 6 anos. Causa de aumento: duplicada (§3º único), dobro (§4º),dobro (§5º) Formas subsidiárias (§§ 6º e 7º). INFANTICÍDIO – ART. 123 Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após: Pena - detenção, de dois a seis anos. Conceito Trata-se de uma espécie de homicídio doloso privilegiado. O legislador poderia, ao invés de ter isolado este crime num artigo específico, tê-lo colocado num dos parágrafos do artigo 121, reconhecendo-o como uma causa privilegiadora do homicídio. Porém, não o fez e preferiu instituir a conduta como um tipo autônomo, talvez com o interesse de taxar este crime de homicídio, crime estigmatizado histórico e socialmente face à gravidade que lhe é peculiar. Conceitualmente, o infanticídio trata-se do homicídio cometido pela mãe que, por ocasião do parto, ou logo após este, apresenta-se aturdida pelo puerpério voltando-se contra o próprio filho. Porque a mãe e não o pai? Porque o puerpério ocorre na parturiente, mulher. Puerpério Trata-se de elemento normativo do tipo, aquele em que devemos fazer verificação fora do âmbito do direito, ou buscar em outras ciências a sua definição. No caso, na ciência da medicina. O puerpério trata-se de um fenômeno psicológico que vai da dequitação (deslocamento e expulsão da placenta e demais mucosidades, ocorrido momentos antes do parto) ao retorno do organismo materno às condições prégravídicas. Este lapso cronológico é variável, verificando as peculiaridades individuais de cada parturiente. Não há uma alienação mental ou uma semi-alienação, tampouco a frieza ou pura crueldade que caracterizariam o homicídio, mas uma situação intermediária e “normal” da mulher que, sob o trauma da parturição e dominada por elementos psicológicos peculiares, se defronta com o produto talvez não desejado, e temido, de suas entranhas. Há presunção do puerpério. É reconhecido na ciência médica que tal fenômeno é muito comum, porém, no mais das vezes, não se manifesta de forma significante, capaz de produzir tamanho desequilíbrio comportamental da mulher. Todavia, partindo da realidade de que a mãe chegou ao extremo de atentar contra a vida de seu filho, inclina-se a dispensabilidade de prova pericial da influência do estado puerperal, presumindo-a. Porém, sempre há que se verificar a relação de causalidade subjetiva: prova de que a autora praticou o fato sob a influência do estado puerperal (presumida ou afirmada pericialmente), sob pena de deslocamento para o tipo de homicídio. Objetividade jurídica A vida humana do recém-nascido – neonato (crime logo após o parto) - ou nascente (que está nascendo - neonato), desde que já iniciado o nascimento, rompido o saco aminiótico (rompimento da bolsa). Sujeito do delito 1. Sujeito ativo: trata-se de crime próprio (especial), onde somente a genitora da vítima pode praticá-lo face à descrição da conduta típica, que descreve: “matar o próprio filho” e “sob a influência de estado puerperal”, somente podendo atingir a mulher que deu à luz (puérpera). 2. Sujeito passivo: é o nascente (aquele que ainda não nasceu, está em trabalho de parto rompido o saco aminiótico) ou o neonato (recém-nascido), vitimado por sua própria mãe. Antes disso, o crime será o de aborto (art. 124 e ss. CP). O bebê há de nascer com vida, o fato praticado contra feto sem vida própria ou com vida inviável (anencéfalo) configura crime impossível (art. 17 CP). Agora, em nascimento ou nascido com vida, ainda que não tenha logrado o processo de respiração (vida apnéica), há infanticídio. A constatação de vida vem, normalmente, através de uma perícia chamada Docimasia de Galeno: retira-se os pulmões do nascido e coloca-se em meio líquido, se sobrenadarem é porque houve ingresso de ar no organismo e sua penetração nos diversos órgãos (pulmões, estômago, intestinos e ouvido médio) altera o peso específico dos mesmos, alteração suscetível de mensuração quando do meio líquido, permitindo visualizar o ar que dali escapar. Daí fala-se que respirou e viveu. Afundando, não respirou e não teve vida, e registra-se apenas seu óbito (não a vida). Porém, para fins de caracterização do infanticídio, a “vida circulatória” bastará. Concurso de agentes Tema de relevo é a possibilidade de concurso de agentes na prática do crime de infanticídio, onde o sujeito responderia por este especial delito junto à mãe. Cabe aqui relembrar das normas reitoras da regra do concurso de agentes - artigo 29 do Código Penal: “Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”; artigo 30 do Código Penal: “Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime”. A condição de ser mãe e a circunstância de estar sobre a influência de estado puerperal, ambas são de caráter pessoal, e compõem o tipo (elementares do artigo 123), logo, comunicar-se-ão aos terceiros que concorrerem ao crime, seja executando o núcleo (retirando a vida do nascente ou neonato) ou participando (assessorando a mãe). A crítica que se faz é que o infanticídio exige a alteração psicológica que advém do puerpério, que só a tem a parturiente e jamais poderá atingir terceiros. Todavia, embora possa não ser a solução mais justa, esta foi a adotada pelo legislador face as regras do artigos 29 e 30. Existem três hipóteses possíveis 1. mãe mata o filho com auxílio de terceiro: mãe é autora de infanticídio e as elementares desse crime se comunicam ao partícipe, assim ele também responde por infanticídio. Somente no caso dele desconhecer alguma elementar é que responderá porhomicídio (não sabe que trata da mãe do recémnascido). 2. terceiro mata o recém-nascido, com participação da mãe: o terceiro responde por homicídio pois foi autor da conduta principal: “matou alguém” e não era seu próprio filho e nem ele era a mãe (que são elementares); a mãe, como não matou, mas auxiliou, ou seja, não realizou o núcleo, deve responder por homicídio. Mas, apesar de estar correta sob as regras do artigo 29, essa técnica não pode ser adotada, porque se matasse (que é o mais) responderia por infanticídio (que possui pena menor que no homicídio) e se concorresse a matar (que é o menos) responderia por homicídio! Portanto, a mãe responderia por infanticídio e o terceiro por homicídio. 3. mãe e terceiro executam em coautoria a conduta principal, matando o recém-nascido: mãe será autora de infanticídio e o terceiro, por força da teoria unitária ou monista responderá pelo mesmo crime segundo as regras do artigo 29 caput. A jurisprudência entende que aquele que concorre para infanticídio deverá responder por este crime, pois estas condições pessoais do crime (mãe, estado puerperal, durante ou logo após o parto) são “elementares” do crime, logo, por força do artigo 30, se comunicam a todos concorrentes ao crime. Elemento Objetivo O núcleo do tipo, a conduta, o verbo é “matar”, significando isto, retirar a vida. Trata-se de crime de forma livre, admitindo, inclusive, prática omissiva (não remover as mucosidades para desobstruir as vias respiratórias do bebê, não alimentar a criança etc.). Há elemento específico do tipo: “durante o parto ou logo após”: Parto: período que vai desde a dilatação completa do colo do útero à ruptura do saco amniótico, que se finda com a dequitação (expulsão da placenta e membranas). Logo após: há clara indeterminação, não há como se precisar quantos dias dura o estado puerperal, diferenciado para cada indivíduo. Assim, a regra é que deve ocorrer logo após, ou seja, próximo ao parto. Quanto mais longo o período após o parto, mais terá a mãe que comprovar o estado puerperal, decaindo daquela presunção de que toda mãe possui influência do puerpério enquanto parturiente. Não fica descartada a hipótese de ocorrer a chamada “psicose puerperal” que se prolonga no tempo, fazendo com que a mãe responda por homicídio (caso não tenha ocorrido o fato “logo após o parto”) e que se trata de anormalidade psíquica que se agrava com o puerpério podendo levar à semi-imputabilidade (art. 29, § único) ou mesmo à inimputabilidade (art. 26, caput). Neste último caso, podendo levar a absolvição e aplicação de medida de segurança. Elemento Subjetivo É o dolo, seja direto ou eventual, mas sempre deve estar presente o estado puerperal. Não há previsão de forma culposa, se o feto nascente ou neonato morre por imprudência ou negligência da mãe, haverá deslocamento da conduta para a figura do artigo 121, § 3º (homicídio culposo). Consumação e tentativa Como se trata de um crime material (exige resultado) a consumação dá-se com a morte do nascente ou neonato. Como se trata de crime material, em regra admite-se a tentativa. Ação Penal A ação penal do infanticídio é pública incondicionada. Importa verificar que é delito contra vida, logo, de competência do Tribunal do Júri (art. 5º, XXXVIII, “d” CF e art. 74, § 1º do CPP). Pena Detenção de 2 a 6 anos. ABORTO – ARTS. 124 A 128 Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque: Pena - detenção, de um a três anos. Aborto provocado por terceiro Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante: Pena - reclusão, de três a dez anos. Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante: Pena - reclusão, de um a quatro anos. Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência. Forma qualificada Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em consequência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte. Aborto legal Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico: Aborto necessário I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante; Aborto no caso de gravidez resultante de estupro II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal. Conceito Aborto é a interrupção do processo fisiológico da gravidez através do produto da concepção, que pode ser o ovo, o embrião ou o feto. A palavra deriva do latim “abortus” que tem significado de “privação de nascimento”. A expressão aborto, não necessariamente se revela criminosa e revelando um fato delituoso pois o aborto pode ser: 1. natural ou espontâneo, quando a interrupção da natureza decorrer de um processo fisiológico espontâneo do organismo da gestante; 2. acidental, quando o aborto advier de evento casual, fortuito, como uma queda de cavalo. Nestes casos, não há qualquer relevância penal. Nosso Código se interessou pelo aborto provocado, seja pela própria gestante ou por terceiro (arts. 124 a 127), à exceção das hipóteses de aborto legal (art. 128). Início da gravidez Há uma discussão acalorada no âmbito científico e religioso sobre quando se inicia a gravidez, pois vai de encontro à discussão do início da vida. Não devemos contemplar hipóteses filosóficas e religiosas no âmbito do direito penal sob pena da perda do foco do presente estudo. Nossa Constituição Federal, no artigo 5º, caput, garante a “inviolabilidade do direito a vida”. O Código Civil, em seu artigo 2º assim reza: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.” Concepção, do latim conceptio, significa ação de receber. Nascituro significa aquele que vai nascer. A tendência é admitir que a vida inicia-se com a introdução do óvulo já fecundado (tornado ovócito) no colo útero materno (concepção), onde começa a se desenvolver, passando para o estágio de embrionário e fetal, tal chama-se nidação. Isso porque o Código Civil fala em “desde a concepção”, que significa o momento em que a mãe concebe (recebe) o óvulo fecundado em seu útero. No caso de fecundação in vitro ou artificial (fora do útero), apenas quando introduzido o ovo no útero materno é que dá-se o início da proteção da vida intrauterina. Vejamos: Ovo (ovócito): estágio de desenvolvimento vital, ocorrido após a fecundação do óvulo, que vai até a terceira semana da gestação; Embrião: inicia-se na terceira ou quarta semana e se estende até que se completem os três meses. Feto: caracterizado a partir do quarto mês gestacional. Dessa forma, a gravidez se inicia com a implantação do ovo no útero materno (nidação). Isso porque, em nosso país permite-se a utilização do dispositivo intrauterino (DIU) e de pílulas “anticoncepcionais” que atuam após a fecundação (seja apressando a passagem o ovo pela tuba uterina para assim atingir o útero sem condições de ali se aninhar; seja estimulando reação adversa do endométrio [mucosa uterina] à implantação do ovo), sob pena de se ter que admitir tais práticas como delituosas. Assim, temos que a ação abortiva poderá se dar a partir da implantação do ovo no útero materno e até o início do parto (dilatação do colo do útero e rompimento do saco amniótico). Aborto Infanticídio ou Homicídio |---------------------------------------------|---------------------------------------- Fecundação Nidação Embrião Feto Romp. saco amniótico (Dequitação) Direitos do nascituro O nascituro não tem personalidade jurídica, pois esta apenas se dá com o nascimento com vida. O nascituro não tem direito adquirido (in fieri), mas, tem expectativa de direito, que é a vida. O único direito que tem o nascituro étipo é “matar”, que significa suprimir a vida. Trata-se de crime de forma livre, aquele que pode ser praticado de qualquer forma, sem haver na descrição típica da lei qualquer forma de atuação do agente. Pode ser praticado mediante ação (disparo de arma de fogo, facadas, pedradas, mediante ministração de veneno, afogamento etc.) como por omissão (privar de alimento, abrigo, medicamento etc., desde que o agente tenha o dever jurídico de impedir a morte da vítima – art. 13, § 2º, CP). Pode ainda ser praticado por meios físicos (mecânicos - instrumentos contundentes, perfurantes, cortantes; químicos – substâncias corrosivas; patogênicos ou patológicos – inoculação de bactérias, vírus letais) ou morais (inflição de pânico, de terror, que leva a um choque fatal). Elemento Subjetivo Relembrando que o elemento subjetivo do tipo se trata da vontade, o fim do agente quando da prática da conduta criminosa. Deve-se verificar que existe o homicídio doloso e culposo. Quando falamos em crime doloso, o ânimo do agente só pode ser em concretizar os elementos objetivos do tipo, ou seja, tem a vontade livre e consciente de praticar a conduta. Assim, no crime de homicídio doloso (seja simples ou qualificado) o elemento subjetivo é o dolo que consiste na vontade de matar alguém (animus necandi, vontade de matar), podendo ser este direto (tem a vontade) ou eventual (assume o risco). Na corrente tradicional é inerente ao homicídio o dolo genérico, ou seja, o sujeito não precisa ter um fim específico para matar alguém. Já no homicídio culposo (art. 121, § 3º), o sujeito não pode ter a vontade de matar alguém, mas a morte advém de imprudência, negligência ou imperícia, conforme estudaremos adiante. Consumação e tentativa O homicídio é crime material, exige-se conduta e resultado naturalístico. Descreve o tipo a conduta (matar) e de forma implícita o resultado morte, uma vez que não há como se desvincular a conduta de matar sem haver o resultado morte. A constatação da morte advém à luz do exame de corpo de delito, consubstanciado no laudo necroscópico. Trata-se de um crime instantâneo de efeitos permanentes (instantâneo porque se consuma com a morte, mas cujo este efeito morte permanece ao tempo). Em nosso sistema penal a morte se dá quando constatada a morte encefálica, ou seja, com a cessação do funcionamento cerebral, circulatório e respiratório. Segundo a doutrina médica, considera-se o cérebro está morto após 12 horas de inconsciência com ausência de respiração espontânea[footnoteRef:2]. A morte cerebral pode produzir-se antes que cessem os batimentos cardíacos ou pode ocorrer que o coração pare, mas o sistema nervoso central está intacto ou com possibilidade de recuperar-se, devendo iniciar-se o trabalho de ressuscitação. A tentativa é possível quando o agente, apesar de iniciar a execução do crime, não consegue realizá-lo por circunstâncias alheias à vontade do agente (art. 14, II CP), algo externo à sua vontade o impediu de alcançar o resultado que era querido ou assumido. Pode ser: [2: CROCE, Delton, JUNIOR, Delton Croce. Manual de medicina legal. São Paulo: Saraiva. 5ª ed., 2004, p. 431 ] 1. imperfeita: quando o sujeito nem chega a esgotar todos os meios que tinha para atingir o resultado. Ex.: desferido o primeiro disparo, sua arma é tomada por um transeunte. 2. perfeita (crime falho): quando o sujeito esgota o processo de execução do crime, fazendo tudo aquilo que podia para matar, mas a vítima não chega ao óbito. 3. branca (incruenta): aquele que não resulta qualquer ferimento na vítima. Diferença da desistência voluntária e arrependimento posterior (art. 15 CP) Nestes dois institutos, o sujeito não responderá por tentativa do crime que pretendia porque esta exige que “circunstâncias alheias à vontade do agente” façam com que ele não consiga consumar seu intento, ou seja, é impedido de prosseguir no crime ou algo ocorre que o impeça de consumar o crime, é externo à sua vontade. Enquanto isso, na desistência voluntária e no arrependimento eficaz, nada o impediu, o sujeito simplesmente decidiu não continuar mesmo podendo (desistência) ou impediu o resultado (arrependimento) mesmo podendo consumá-lo. Assim, como regra advinda do artigo 15, o sujeito responderá pelos atos praticados até então, v.g., lesão corporal (art. 129, CP). A questão da eutanásia Sobre este assunto, não há qualquer segurança jurídica, e trata-se de tema muito movediço no Brasil e no mundo. Há que se diferenciar alguns institutos: Eutanásia (eutanásia ativa):derivada do grego “eu” (bom) e “thanatos” (morte), que significa vulgarmente boa morte, morte calma, indolor ou tranquila. Significa provocar a morte em paciente vítima de forte sofrimento em função de doença incurável, motivada por compaixão. É aplicar uma injeção letal, por exemplo. Distanásia: é prolongar artificialmente o processo de morte. É a morte lenta, ansiosa e com muito sofrimento, segundo significado médico indicado no dicionário Aurélio. O termo também pode ser empregado como sinônimo de tratamento inútil. O prefixo “dis” tem o significado de afastamento. Nesta conduta não se prolonga a vida propriamente dita, mas sim, o processo da morte. No mundo europeu fala-se em “obstinação terapêutica”, nos Estados Unidos de “futilidade médica” (“medical futility”). É exatamente o contrário da eutanásia, é prolongar a vida do paciente terminal artificialmente. Trata-se da atitude médica que, visando salvar a vida do paciente terminal, submete-o a grande sofrimento. Há poucos anos a imprensa mundial noticiou amplamente o caso da americana Terri Schiavo, que faleceu em 31de março de 2005, após permanecer em estado vegetativo por 15anos, sendo alimentada e hidratada artificialmente. Após de uma longa disputa judicial entre seu marido e seus pais, a Justiça americana determinou a retirada da sonda que a alimentava para que sua morte ocorresse naturalmente, o que realmente aconteceu13 dias após a retirada dos equipamentos médicos[footnoteRef:3]. [3: https://pt.wikipedia.org/wiki/Terri_Schiavo ] Ortotanásia (eutanásia passiva): como a morte natural, do grego “orthós” (normal) e “thanatos” (morte), ou eutanásia passiva na qual se age por omissão, ao contrário da eutanásia onde existe um ato comissivo com real induzimento ou auxílio ao suicídio. A Ortotanásia também seria a manifestação da morte boa, desejável. É a contribuição do médico à morte de um paciente cujo já se encontra neste processo natural, no sentido de deixar que este estado natural se desenvolva naturalmente. Neste caso, simplesmente desligam-se os aparelhos deixando o paciente perecer naturalmente. Há direito a morte? Em matéria penal, a ninguém é dado o direito de “dispor” da sua própria vida uma vez que a vida trata-se um bem jurídico indisponível. Assim, em nosso sistema, atualmente, tem-se entendido que o sujeito que provoca a morte de outrem mediante Eutanásia, responderá por homicídio. A situação se agrava considerando na hipótese de inconsciência do paciente, incide a qualificadora de recurso que torne impossível a defesa da vítima (art. 121, § 2º, inciso IV, CP). E, mesmo a compaixão como motivo honroso ao qual o sujeito ativo esteja embuído, no máximo traria uma causa de redução de pena pela figura privilegiadora prevista no parágrafo 1º do artigo 121 (relevante valor moral). No tocante à Ortotanásia, não há qualquer vontade de matar, mas sim o de abreviar o sofrimento do paciente que é mantido artificialmente vivo, sendo que a sua morte é que deixa de ser prolongada. Tampouco haveria omissão de socorro qualificado por morte (art. 135, § único, CP), pois comprovado que se trata de doença incurável e pessoa em estado terminal, não há que se falar em “prestar socorro”. Pensamos ainda haver a possibilidade de excludente de culpabilidade, mediante a aplicação de causa supralegal diante de inexigibilidade de conduta diversa do agente que embuído de honra, respeito, compaixão ou piedade, visa abreviar a dor e sofrimento do ente querido. Não obstante, o Projeto de Lei do novo Código Penalo de nascer, por isso que é considerado pessoa, mas com expectativa de direito. Tanto que no Código Penal, o crime de aborto está inserido no Título dos crimes contra a “pessoa”. Em matéria civil, são alguns direitos do nascituro: 1. receber doação (art. 542, CC); 2. receber testamento (art. 798, CC); 3. o pai pode reconhecer o nascituro (art. 1.609, § ún., CC). Mas, todos são direitos condicionais. Quer dizer, só os detém se nascer com vida. Embrião in vitro Há possibilidade de praticar aborto no caso de embrião não implantado no útero materno? É nascituro ou é coisa? A posição majoritária é que enquanto não implantado no ventre materno, não há concepção, então, este embrião não é objeto de direito e não haveria proteção em matéria penal que protege, neste capítulo, a “vida”. Na verdade, o embrião estaria sob uma condição potestativa, quer dizer, condição de ser introduzido no útero, dependendo de atitude de mulher e, segundo o artigo 122 do Código Civil, condição potestativa é nula[footnoteRef:35]. [35: “É constitucional a proposição de que toda gestação humana principia com um embrião igualmente humano, claro, mas nem todo embrião humano desencadeia uma gestação igualmente humana, em se tratando de experimento "in vitro". Situação em que deixam de coincidir concepção e nascituro, pelo menos enquanto o ovócito (óvulo já fecundado) não for introduzido no colo do útero feminino. O modo de irromper em laboratório e permanecer confinado "in vitro" é, para o embrião, insuscetível de progressão reprodutiva. Isto sem prejuízo do reconhecimento de que o zigoto assim extra-corporalmente produzido e também extra-corporalmente cultivado e armazenado é entidade embrionária do ser humano. Não, porém, ser humano em estado de embrião.” (STF – ADI 3510/DF (Lei de Biossegurança) – rel. Min Ayres Britto – Tribunal Pleno, j. 29.5.2008) ] Objetividade jurídica A vida humana em formação, a chamada vida intrauterina. Na modalidade de aborto não consentido pela gestante também se protege a integridade corporal da gestante. Faz-se necessário para configuração do crime que a gravidez seja normal e não patológica intransponível (extrauterina: tubárica ou ovárica), onde não se consolidaria o nascimento. Sujeito do delito 1. Sujeito ativo: no auto-aborto (art. 124, primeira parte) e no aborto consentido (art. 124, segunda parte) trata-se de crime próprio, ou seja, somente a gestante o pratica. Nas demais figuras, em que o aborto é provocado por terceiro (art. 125 e 126) o delito é comum. 2. Sujeito passivo: no auto-aborto é o feto a vítima; no aborto sem consentimento da gestante (art. 125 CP), além do feto, é vítima também a gestante. Elemento Objetivo O núcleo do tipo, a conduta (nas três espécies), o verbo é “provocar aborto”, significando isto, interromper a gravidez com a consequente morte do ovo, embrião ou feto, consoante o estágio do processo gestacional. Trata-se de crime de forma livre, geralmente por meio de ação, ou seja, a interrupção da gravidez pode dar-se mediante ingestão de substâncias intoxicantes (fósforo, arsênico, mercúrio, chumbo, ópio, estricnina etc.), que sem serem especificamente abortivas, determinam no corpo da gestante um quadro de envenenamento que induz ao aborto Ex.: citotec é substância para fins de tratamento renal que enseja como efeito colateral o abortamento. Ainda, são comuns: métodos mecânicos: atuam sobre o útero ou sobre o produto da concepção: punção ou sucção do ovo, curetagem, deslocamento do colo do útero etc., ou mesmo meios indiretos, como a prática exagerada de atividades físicas; métodos elétricos: choques; métodos morais ou psíquicos: infligir pânico, terror ou submeter a gestante a um choque emocional. Anúncio de medicamento abortivo Constitui contravenção penal (decreto Lei 3.688/1941) o anúncio de substância, medicamento ou objeto abortivo: “Art. 20. Anunciar processo, substância ou objeto destinado a provocar aborto: Pena - multa de hum mil cruzeiros a dez mil cruzeiros.” Elemento Subjetivo O crime é doloso, seja direto ou eventual. Não há previsão de forma culposa. Desta feita, a mulher descuidada (por negligência ou imprudência) ou um médico que durante um exame (imperícia), vindo a provocar a perda do feto, ovo ou embrião trata-se de um irrelevante penal, conduta atípica. Crime omissivo Pode-se verificar a modalidade omissiva do crime quanto ao garante ou garantidor, como o médico, a parteira, a enfermeira que, percebendo o iminente abordo espontâneo ou acidental, não toam as medidas disponíveis para evitá-lo (obrigados que estavam), respondendo pela prática omissiva (art. 13, § 2º - crime comissivo por omissão). Espécies de aborto (art. 124 a 126) Existem três espécies de aborto: auto-aborto ou aborto com consentimento (art. 124 CP); aborto provocado por terceiro sem o consentimento da gestante (art. 125 CP) e aborto provocado por terceiro com o consentimento da gestante (art. 126 CP). 1. auto-aborto e aborto consentido (art. 124) Duas são as condutas dessa figura típica: “provocar aborto em si mesma” e “consentir que outrem lho provoque”. Na primeira, a própria gestante pratica atos executórios do aborto, sozinha. Na segunda, terceira pessoa realiza o aborto na gestante, de forma consentida. Nesta última hipótese, não há apenas uma conduta inercial da gestante, mas esta age de fato na prática abortiva, seja colocando-se em posição obstétrica, seja realizando movimentos corpóreos facilitadores da manobra por terceira pessoa. Consentimento válido O consentimento pode vir expresso (aquele de modo explícito, por palavras) ou tácito (que se infere do comportamento da gestante, vindo subentendido, dedutível). Mas, o consentimento da gestante deve ser válido (capaz), sob pena do sujeito que realizar o aborto executar o crime do artigo 125 (sem o consentimento). Tal advém da leitura do parágrafo único do artigo 126, onde, é invalidado o consentimento advindo de: a) gestante não maior de 14 anos; b) gestante alienada ou débil mental; c) consentimento obtido mediante fraude (serve suco com abortivo), grave ameaça ou violência. Concurso de agentes Em ambas as formas (auto-aborto ou aborto consentido) é admitido o concurso de agentes. Há, contudo, que se observar o seguinte: na modalidade “provocar em si mesma” pode haver apenas participação (induzimento, instigação ou auxílio) quando o terceiro apenas assessora a gestante, e ela individualmente realiza a manobra abortiva[footnoteRef:36]. Já na coautoria onde ambos realizam a manobra abortiva, inviável a participação em virtude de incriminação autônoma da conduta do terceiro através do artigo 126. Assim, na situação em que a gestante, ajudada por terceiro realiza (executa) o aborto, esta responderá pelo artigo 124 enquanto o terceiro será responsabilizado na forma do artigo 126. Dessa forma, verificamos o duplo crime, exceção à regra da aplicação da teoria monista vigente em nosso sistema, onde todos que praticam o crime respondem pelas penas a este crime cominadas (art. 29, CP). Assim, aplicação teoria pluralista onde cada qual responde por crime autônomo, a gestante pelo artigo 124 e o terceiro que auxiliou pelo artigo 126. Agora, quanto ao terceiro que realiza a manobra abortiva junto a outro (v.g., médico e enfermeira), poderá haver o concurso de agentes no artigo 126 entre ambos, enquanto a gestante ainda responderá pelo disposto no artigo 124. [36: “Paciente que não teve qualquer participação no ato físico, material ou cirúrgico, de aborto. Sua condição de co-réu no crime da abortante, não no crime de execução material de aborto. Delito classificável no art. 124 e não no art. 126 ou 127 do CP. Habeas corpus deferido.” (STF – HC nº 52.479 – Tribunal Pleno – rel. Min. Leitão de Abreu, j. 24.10.1974 – RTJ 79/11) ] 2. aborto provocado por terceiro sem o consentimento da gestante (art. 125) É aquele cuja gestante não consentiu. Comporta duas formas: a) não concordância real: o aborto se faz mediante violência, grave ameaça ou fraude; b) não concordância presumida:gestante menor de 14 anos, alienada ou débil mental (art. 126, § único) 3. aborto provocado por terceiro com o consentimento da gestante (art. 126) Como visto acima, este tipo servirá à incriminação do sujeito que realiza o aborto (provocador) anteriormente consentido pela gestante, onde esta responderá pelo artigo 124, enquanto o sujeito pelo artigo 126. Sempre lembrando que, se a gestante for menor de 14 anos, alienada ou débil mental ou o consentimento foi obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência (art. 126, § único) aplica-se a pena do artigo 125 (presunção de ausência de consentimento). 4. aborto qualificado (art. 127) As circunstâncias qualificadoras do aborto podem advir somente das práticas abortivas praticadas por terceiro, ou seja, apenas incidem as hipóteses qualificadas nos crimes previstos nos artigos 125 e 126. Assim, se em consequência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, sofre a gestante: a) lesão corporal de natureza grave: o rol das lesões dessa natureza encontra-se no artigo 129, § 1º. Sobrevindo qualquer destes resultados, a pena deste crime será aumentada em 1/3; b) sobrevém a morte: em qualquer dos casos, a pena (art. 125 ou 126 CP) será duplicada. Obs.: 1. verificado que a intenção do sujeito era de praticar a lesão corporal grave ou mesmo a morte, ainda que eventualmente (dolo eventual), responderá de forma autônoma pelo crime de lesão corporal ou de homicídio, em concurso material com o aborto (art. 69, CP). Trata-se então de resultados que sobrevêm preterdolosos (dolo na conduta de abortar, culpa no resultado mais grave (lesão corporal ou morte). 2. observe-se que o tipo do artigo 127 fala “em consequência do aborto ou os meios empregados para provocá-lo” querendo isto dizer que consumado o aborto ou mesmo que o feto resista e nasça com vida (tentativa de aborto), incidirão as qualificadoras. 3. as lesões que conquanto sejam graves, possam ser consideradas “inerentes” ou “necessárias” para consumação do aborto (lesões no útero) são absorvidas pelo aborto e não se prestam a exasperar a sua punição pelo artigo 127. 5. aborto legal (art. 128, I e II) São as hipóteses em que o legislador declara lícito o aborto, excluindo sua antijuridicidade (causas excludente da ilicitude). Trata-se de um tipo penal permissivo do aborto praticado por médico, mas, se enfermeira, parteira, ou qualquer pessoa praticar o aborto para salvar a vida da gestante que corre perigo atual e iminente, incidirá o artigo 24 do Código Penal (estado de necessidade). Agora, se o perigo não for atual, a conduta será criminosa uma vez que o permissivo legal do artigo 128, inciso I tem como destinatário exclusivo o médico, apontado pelo legislador como o único detentor do conhecimento técnico ato a efetivar um prognóstico de detecção do perigo futuro à vida da gestante. A obstetriz (enfermeira) que detecte algum perigo futuro deve submeter a questão ao profissional da medicina. Hipóteses de aborto legal: 1. “se não há outro meio para salvar a vida da gestante” (I): trata-se do aborto necessário ou terapêutico. É aquele praticado quando não há outro meio pra salvar a vida da gestante. Assim, o médico tem permissão legal para agir se a interrupção da gravidez (e consequente morte do feto) se afigurar como único meio apto a salvar a vida (e não a saúde) da mulher, seja derivado de um perigo atual, seja futuro. Não há necessidade de prévia colheita do consentimento da gestante tampouco de qualquer familiar ou representante. 2. “se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal” (II): trata-se do aborto sentimental ou humanitário. É aquele que leva em consideração a saúde psíquica da mãe decorrente do trauma causado pelo crime sexual de que foi vítima. Exige-se: a) gravidez decorrente de estupro: basta que exista prova do estupro, sem que seja exigida sentença condenatória do agente. Após a alteração advinda pela Lei 12.015, de 1.08.2009, não existe mais a diferença que ocorrida entre Estupro que era capitulado no artigo 213 e Atentado violento ao pudor, que era capitulado no artigo 214. O tipo Estupro agora previsto no artigo 213 abrange tanto a conjunção carnal (ato sexual que consiste na cópula pênis e vagina) quanto outro ato libidinoso (qualquer ato sexual diverso da conjunção carnal como sexo oral, anal, masturbação, coito interfemuras etc.). Logo, em ambos os casos poderá a gestante estar autorizada a abortar, mesmo que não tenha havido conjunção carnal, v.g., sujeito que obriga a vítima a masturbá-lo para posteriormente introduzir o esperma em sua vagina, sem conjunção carnal. Eventual gravidez derivado disso deve permitir o aborto sentimental. Antes dessa lei, era utilizada analogia in bonam partem para estender o direito à prática do aborto pelo médico para gravidez resultante do antigo atentado violento ao pudor (art. 214), hoje considerado estupro (art. 213). Um médico pode cercar-se de dados e indícios que lhe apontem ou não o estupro. Serve boletim de ocorrência, testemunhos colhidos perante autoridade policial, atestado médico asseverando lesões defensivas próprias de submissão à força etc. Mas, agirá errado o médico que se valer apenas da palavra da vitima, podendo vir a ser responsabilizado pelo artigo 126 se comprovado que não houve estupro e ele não se cercou de provas mínimas. Salvo, claro, um erro justificável (art. 20, CP). b) prévio consentimento da gestante ou de seu representante legal: não se exige autorização judicial, e a intervenção fica ao inteiro arbítrio do médico, observados os cuidados acima ditos. c) inexistência de prazo ou limite da gravidez: a Resolução nº 2.378/2024 do Conselho Federal de Medicina que proíbe médicos de realizarem o procedimento da assistolia fetal (emprego de medicamentos para interromper gravidez) em gestações com mais de 22 semanas decorrentes de estupro. A legalidade dessa resolução é enfrentada no Supremo Tribunal Federal através de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF nº 1.141), onde houve liminar suspensão da resolução aguardando o julgamento do mérito da ação. A fundamentação gravitou a respeito desrespeito à competência regulamentar do Conselho, impondo ao profissional de medicina e à gestante vítima de um estupro uma restrição de direitos não prevista em lei. De fato, além do consentimento da vítima e da realização do procedimento por médico, a legislação brasileira não estabelece expressamente quaisquer limitações circunstanciais, procedimentais ou temporais para a realização do chamado aborto legal. Vedação de denúncia do aborto O médico não pode denunciar a gestante às autoridades na hipótese de tomar ciência da prática de um aborto. Trata-se de interpretação jurisprudencial considerando que se trata de confidente necessário e, por isso, está proibido de revelar segredo de que tem conhecimento em razão da profissão bem como de depor sobre o fato. Exegese esta oriunda da redação do artigo 154 do Código Penal que tipifica a violação de sigilo profissional, e do artigo 207 do Código de Processo Penal que proíbe de depor pessoas que devam guardar segredo em razão da profissão[footnoteRef:37]. [37: “(...) 3. Caso em que se encontra incontroverso nos autos que o médico que realizou o atendimento da paciente — a qual estaria supostamente grávida de aproximadamente 16 semanas e teria, em tese, realizado manobrasabortivas em sua residência, mediante a ingestão de medicamento abortivo — teria acionado a autoridade policial, figurando, inclusive, como testemunha da ação penal. 4. Segundo o art. 207 do Código de Processo Penal, são proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho. O médico que atendeu a paciente se encaixa na proibição legal, uma vez que se mostra como confidente necessário, estando proibido de revelar segredo de que tem conhecimento em razão da profissãointelectual, bem como de depor sobre o fato como testemunha. 5. Incontrovertido nos autos que a instauração do inquérito policial decorreu de provocação da autoridade policial por parte do próprio médico, que além de ter sido indevidamente arrolado como testemunha, encaminhou o prontuário médico da paciente para a comprovação das afirmações, encontra-se contaminada a ação penal pelos elementos de informação coletados de forma ilícita, devendo ser trancada. Precedente. 6. Ordem concedida para trancar a ação penal que atribui à paciente o crime de provocar aborto em si mesma (...), devendo o Juízo de primeiro grau encaminhar os autos do inquérito policial e ação penal para o Conselho Regional de Medicina pertinente, bem como ao Ministério Público local, para a tomada das medidas que entenderem pertinentes quanto à conduta do médico que ] Gravidez resultante de estupro tendo mulher como autora Com as alterações advindas pela Lei nº 12.015, de 1.08.2009, o artigo 213 engloba as condutas referentes a conjunção carnal (cópula pênis x vagina) e ato libidinoso diverso (coito anal, sexo oral, masturbação, etc.). Antes dessa alteração, o artigo 213 era reservado o crime de estupro quando havia contexto de conjunção carnal, enquanto que o atentado violento ao pudor (art. 214) era reservado para todas as hipóteses diferentes da conjunção carnal. Por isso,vítima no artigo 213 era só a mulher e autor ser somente o homem, enquanto que para relações sexuais diversas e relações homossexuais violentas eram reservadas ao artigo 214. Pois bem, hoje, tudo é estupro, artigo 213. Como vimos, a autorização do aborto se dá no artigo 128 quando a gravidez resultar de crime de estupro. Muito fácil quando a própria vítima é a gestante. Porém, com a alteração legislativa advinda pela Lei nº 12.015/09, como vimos, o homem agora pode ser vítima de um crime de estupro. Como ficaria, então, se a mulher que o estuprou (autora do crime) engravidasse, seja por descuido, seja maliciosamente, por exemplo, visando laço afetivo ou pensão? A estupradora teria direito ao aborto? E quanto ao homem estuprado, poderia pretender o aborto?Ainda que se resolva qualquer problema jurídico envolvendo sua paternidade, isto é, ainda que se exclua sua paternidade legal, jamais será excluída sua paternidade biológica. O homem vítima de um crime sexual violento saberá que existe no mundo um filho seu e, não dificilmente, viverá um dilema ético de assumir a paternidade indesejada, deixando para trás as marcas do crime, ou manter-se distante do filho que é seu para não ter qualquer tipo de associação entre sua figura e a da prática criminosa. Não se podendo olvidar, ainda a condição da criança que veio da concepção, por sua vez, oriunda da prática de um crime. Cedo ou tarde ela saberá que a gravidez foi criminosa, indesejada pelo pai, o que pode interferir na sua formação. Além disso, terá ela, em tese, todo o direito de querer conhecer seu pai, ter contato com ele. Surge novamente o problema de o homem ter de enfrentar as consequências do delito. Outros abortos Aborto eugênico ou eugenésico: a eugenia é a ciência que estuda as condições mais propícias à reprodução da raça humana visando ao seu aprimoramento. Em nosso sistema não existe hipótese de excludente de ilicitude, em que se pretende a realização do aborto ante a perspectiva de que o bebe nasça portador de anomalias graves (má formação congênita), que incompatibilizarão com a vida. A matéria tem bastante publicidade quanto ao assunto anencefalia (ausência de cérebro ou parte dele), onde casais tem se socorrido a autorizações judiciais para interrupção da gravidez em face da demonstração médica dessa deformação. Nosso Código Penal não disciplina essa prática. Mas, pode-se suscitar a excludente de culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa (art. 22, CP), onde não pode a gestante ser obrigada a suportar os danos psicológicos de tão imenso padecimento, assistindo inutilmente ao desenvolvimento de uma gestação vã, e mesmo por parte do médico que não pode ser compelido a prolongar o sofrimento tanto da mulher, quanto do marido e dos familiares próximos. Ainda, há que se argumentar que espera-se que todo ser humano tenha uma vida viável e independente pós o nascimento, inclusive este é um interesse social. A questão foi objeto de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal atendeu a paciente e realizou a notícia do crime. (STJ, HC nº 783.927/MG, relator Min. Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, j. 14/3/2023). No mesmo sentido: STJ, RHC nº 181907/MG, Rel. Min. Daniela Teixeira, j. 12/01/2024). mediante ação proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde através de uma ação de Arguição de Descumprimento Fundamental - ADPF nº 54 – STF, suscitando os seguintes dispositivos em favor do direito da mulher: art. 1º, III, CF (Princípio da dignidade da pessoa humana); art. 5º, II, CF (Princípio da legalidade); art. 6º, caput, CF (piso vital mínimo de direitos); art. 196, CF (direito da saúde). ADPF trata-se de uma ação que visa evitar ou reparar lesão a preceito fundamental da Constituição Federal, resultante de ato do Poder Público (art. 1º, L. 9.882/99). Assim, o Tribunal Pleno do Supremo reconheceu inconstitucional a interpretação dada por alguns juízos de que a interrupção da gravidez em caso de anencefalia se trataria de crime de aborto, de modo a reconhecer tal prática como hipótese de excludente de antijuridicidade[footnoteRef:38]. Recentemente em razão da epidemia do Zika vírus, novamente o assunto entrou em pauta no Supremo após o ajuizamento da ADI 5581, movida pela Associação Nacional de Defensores Públicos onde se buscava extensão da autorização para aborto prevista no artigo 128, inciso I do Código Penal reconhecimento de autorização para aborto por estado de necessidade específico[footnoteRef:39]. Não obstante foi julgada prejudicada em razão da perda do objeto. Recentemente o Tribunal de Justiça de São Paulo concedeu a ordem de habeas corpus para autorizar o aborto onde a feto apresentou Síndrome de Edwards[footnoteRef:40], expressamente reconhecendo o direito a autonomia da mulher na decisão[footnoteRef:41]. [38: Estado – Laicidade. O Brasil é uma República Laica, surgindo absolutamente neutro quanto às religiões. Considerações. Feto Anencéfalo – Interrupção da gravidez – Mulher – Liberdade sexual e reprodutiva – Saúde – Dignidade – Autodeterminação – Direitos Fundamentais – Crime – Inexistência. Mostra-se inconstitucional interpretação de a Interrupção da gravidez de feto anencéfalo ser conduta tipificada nos artigos 124, 126 E 128, Incisos I e II, do Código Penal. (STF – ADPF nº 54 – Rel. Min. Marco Aurélio – Tribunal Pleno, j. 12.4.2012) ] [39: “Dentre diversos pedidos, destaca-se: “(...) omissão sobre a possibilidade de interrupção da gravidez nas políticas públicas do estado brasileiro para mulher grávida infectada pelo vírus zika”, argumenta a necessidade de se dar “interpretação conforme a Constituição dos artigos 124, 126 e 128, I e II, do Código Penal” para assentar que “a situação de mulher grávida com diagnóstico de infecção por vírus zika enquadra-se no art. 128, I, do Código Penal, como estado de necessidade específico, ou no arts. 23, I, e 24 do mesmo Código, como estado de necessidade justificante geral”. Afirma que “a síndrome congênita do vírus zika, em algumas gestações, causa a inviabilidade do prosseguimento da gravidez devido à morte do embrião ou do feto. Nessas situações, a possibilidade de interrupção da gravidez amolda-se perfeitamente ao precedente firmado na ADPF nº. 54”. (...) “a síndrome congênita do zika pode em outras situações apesar de não produzir a morte do embrião, do feto ou do recém-nascido, causar danos neurológicos e impedimentos corporais permanentes e severos. Em verdade, todos os efeitos nocivos causados por essa infecção ainda não são conhecidos pela literatura médicae científica, porém já se sabe que muitas crianças terão capacidades de desenvolvimento livre e autônomo substancialmente diminuídas, sendo dependentes de cuidados permanentes e tratamentos médicos contínuos para os mais sutis progressos”. ] [40: Trissomia livre do cromossomo 18, denominada Síndrome de Edwards, trata-se de alteração genética que leva a acentuada redução da expectativa de vida em razão de múltiplas malformações físicas e neurológicas do feto, ensejando comprometimento mental grave, além de diversas outras malformações cardíacas e gastro-intestinais que indicam a frequência de óbito fetal em 43%, óbito de 50% dos nascidos até 1 mês de vida e 100% em até 1 ano de vida. ] [41: Habeas corpus nº 2136944-77.2020.8.26.0000 – 16ª c. criminal – J. 18.08.2020. ] Aborto incestuoso: a gravidez decorrente de incesto é aquela derivada de relação havida entre pai contra filha não havendo violência real ou presumida, mas cujo pode derivar insuportável sofrimento psíquico que essa situação pode causar na vítima de incesto. O inciso II do artigo 128 não abrange este aborto, apesar disso pode-se sustentar o aborto como uma causa de exclusão da culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa (art. 22, CP), pelos motivos acima aduzidos ao aborto eugênico derivado da má formação do feto (anencéfalo) Aborto econômico ou social: aquele decorrente da miserabilidade da gestante. Este não conta com o beneplácito da lei, é crime. Aborto honoris causa (defesa da honra): aquele par esconder gravidez extra conjugal. Não conta com autorização legal. Aborto até 3º Trimestre de gestão O Supremo Tribunal Federal reconheceu inconstitucional a criminalização de aborto praticado por gestante no primeiro trimestre da gravidez[footnoteRef:42]. Tal decisão é oriunda da Primeira Turma do Supremo e decidiu descriminalizar (reconhecer como atípico) o aborto quando praticado neste período. Segundo voto do relator, ministro Luís Roberto Barroso, o colegiado entendeu que são inconstitucionais os artigos do Código Penal que criminalizam o aborto neste período. Não se trata de uma decisão geral (era omnes), mas se refere a um habeas corpus que revogou a prisão preventiva de cinco pessoas que trabalhavam em uma clínica clandestina, mas, importante precedente para outros casos semelhantes. Tal decisão tem fundamento aspectos científicos em que informam que na gestação até três meses trata-se da primeira etapa onde existe apenas um embrião, tratando-se de organismo imaturo incapaz de sobrevivência por si só, não havendo vida propriamente dita. Ainda constou no acórdão a necessidade de reforço do direito de igualdade entre homens e mulheres, considerando uma estrutura machista e desigual: “Na medida em que é a mulher que suporta o ônus integral da gravidez, e que o homem não engravida, somente haverá igualdade plena se a ela for reconhecido o direito de decidir acerca da sua manutenção ou não. Além disso, a criminalização do aborto causa uma discriminação contra as mulheres pobres, que não podem recorrer a um procedimento médico público e seguro, enquanto as que têm condições pagam clínicas particulares.” Ainda foi referenciado no acórdão aspectos inerentes aos custos e as complicações dos abortos ilegais, onde o sistema público acaba precisando disponibilizar remédios para tratamentos, centro cirúrgicos (que têm alto custo) e deslocar médicos e enfermeiros, indicando que se fossem realizados em condições adequadas as complicações e os custos seriam menores, de modo que a questão do aborto ultrapassou qualquer questão individual ou convicção religiosa, e se tornou um problema de saúde pública. [42: HC 124.306, Relator Luís Roberto Barroso, J. 29.11.2016. ] Consumação e tentativa Como se trata de um crime material (exige o resultado aborto) a consumação dá-se com a destruição do produto da concepção, cuja prova se dá através do exame de corpo de delito direto (material retirado do útero), mas é suprível por prova testemunhal ou documental (exame de corpo de delito indireto). Trata-se de delito instantâneo. Praticas abortivas em um feto pré-morto, ou em mulher não grávida face à gravidez psicológica, levará ao crime impossível pela impropriedade do objeto material (art. 17 CP): no primeiro caso porque se já morto, não há mais vida para se resguardar; no segundo porque nunca existiu vida a ser resguardada – impropriedade absoluta do objeto material (feto). A tentativa é possível seja porque a manobra abortiva não desencadeou a interrupção da gravidez, seja porque o processo de aborto deu-se em fase final de gravidez quando se tornou viável a vida extrauterina, situação em que o feto nasce precocemente, resiste e sobrevive. Mesmo que a superveniente morte do feto dê-se já fora do claustro uterino, se em consequência da manobra abortiva cometida, o delito de aborto estará caracterizado, não homicídio (Teoria do tempo do crime: teoria da ação ou da atividade - art. 4º do Código Penal. “Considerase praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro o momento do resultado”) Ação Penal Ação penal é pública incondicionada. Trata-se de delito de competência do Tribunal do Júri (art. 5º, XXXVIII, “d” CF e art. 74, § 1º do CPP). Pena Auto aborto (art. 124, 1ª parte CP): detenção de 1 a 3 anos (responde a gestante). Aborto consentido (art. 124, 2ª parte): detenção de 1 a 3 anos. (responde a gestante). Aborto provocado sem o consentimento (art. 125, CP): reclusão de 3 a 10 anos (responde quem fez o aborto). Aborto provocado com consentimento (art. 126, CP): reclusão de 1 a 4 anos. (responde quem fez o aborto). Formas qualificadas (art. 127, CP): se resulta lesão corporal grave à gestante: aumento da pena em 1/3; se resulta morte da gestante: duplica-se a pena. Obs.: 1. a circunstância agravante genérica prevista no artigo 61, inciso II, alínea “h” do Código Penal – crime praticado contra mulher grávida – não incide sobre a pena aplicada ao crime de aborto já que trata-se de elementar constitutiva deste delito, ou seja, é circunstância que já constitui o crime, e não pode ser novamente considerada, sob pena de bis in idem. 2. é contravenção penal, punível com multa, “anunciar processo, substância ou objeto destinado a provocar aborto” – artigo 20 do decreto lei 3.688/41 (LCP). Este material é fruto de pesquisa e trabalho intelectual de Danilo Pereira. Foi encaminhado aos alunos com fins de complementação de estudos. É proibida a reprodução, comercialização, utilização, encaminhamento, cópia, uso ou disponibilização por quaisquer meios sem autorização do Autor. Este material é fruto de pesquisa e trabalho intelectual de Danilo Pereira. Foi encaminhado aos alunos com fins de complementação de estudos. É proibida a reprodução, comercialização, utilização, encaminhamento, cópia, uso ou disponibilização por quaisquer meios sem autorização do Autor. Este material é fruto de pesquisa e trabalho intelectual de Danilo Pereira. Foi encaminhado aos alunos com fins de complementação de estudos. É proibida a reprodução, comercialização, utilização, encaminhamento, cópia, uso ou disponibilização por quaisquer meios sem autorização do Autor.(Projeto 236/SF) traz a seguinte tipificação no artigo 122: “Matar, por piedade ou compaixão, paciente em estado terminal, imputável e maior, a seu pedido, para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável em razão de doença grave:Pena – prisão, de dois a quatro anos.” O Código de Ética Médica que entrou em vigência em setembro/2009 através da resolução 1931/09 do Conselho Federal de Medicina enseja uma autonomia maior ao paciente, inclusive no sentido de autorizar ou recusar determinado tratamento. Ainda, em estados terminais é expresso que ao médico competirá evitar a realização de procedimentos desnecessários: “XXII - Nas situações clínicas irreversíveis e terminais, o médico evitará a realização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos desnecessários e propiciará aos pacientes sob sua atenção todos os cuidados paliativos apropriados (Cap. I – Princípio Fundamentais). Ainda, é vedado ao medido: (...) “Art. 41. Abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal. Parágrafo único. Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal.” (Cap. V – Relação com pacientes e familiares). Ainda com relação à “ortotanásia”, a posição da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) é aquela já manifestada mais vezes em documentos da Igreja. Especialmente, à Encíclica Evangelium vitae (O Evangelho da vida, 1995), de João Paulo II, onde o papa, após ter afirmado a clara posição contrária à eutanásia, afirma: “Distinta da eutanásia é a decisão de renunciar ao chamado ‘excesso terapêutico’, ou seja, a certas intervenções médicas já inadequadas à situação real do doente, porque não proporcionadas aos resultados que se poderiam esperar, ou ainda porque demasiado pesadas para ele e para sua família. Nessas situações, quando a morte se anuncia iminente e inevitável, pode-se em consciência renunciar a tratamentos que dariam somente um prolongamento precário e penoso da vida, sem contudo interromper os cuidados normais devidos ao doente em casos semelhantes” (n° 65). Mais adiante, no mesmo documento, depois de recomendar que seja feito um sério discernimento, por parte dos médicos, sobre as condições do paciente e dos meios terapêuticos à disposição, o Papa afirma: “A renúncia a meios extraordinários ou desproporcionados não equivale ao suicídio ou à eutanásia; exprime, antes, a aceitação da condição humana diante da morte” (n° 65). Quanto aos cuidados e meios paliativos, para aliviar o sofrimento e a dor do doente terminal, o mesmo papa João Paulo II afirma: “Ora, se pode realmente ser considerado digno de louvor quem voluntariamente aceita sofrer renunciando aos meios lenitivos da dor, para conservar a plena lucidez e, se crente, participar de maneira consciente na Paixão do Senhor, tal comportamento ‘heróico’ não pode ser considerado obrigatório para todos. Já Pio XII (1957) afirmava que é lícito suprimir a dor por meio de narcóticos, mesmo com a consequência de limitar a consciência e abreviar a vida, ‘se não existem outros meios e se, naquelas circunstâncias, isso em nada impede o cumprimento de outros deveres religiosos e morais’. É que, neste caso, a morte não é querida ou procurada, embora por motivos razoáveis se corra o risco dela: pretende-se simplesmente aliviar a dor de maneira eficaz, recorrendo aos analgésicos postos à disposição pela medicina. Contudo, não se deve privar o paciente da consciência de si mesmo, sem motivo grave, quando se aproxima a morte, as pessoas devem estar em condições de poder satisfazer as suas obrigações morais e familiares, e devem sobretudo poder preparar-se com plena consciência para o encontro definitivo com Deus” (n° 65). Na verdade, a problematização do assunto tomou maior volume em razão da associação da Eutanásia com Eugenia, ou seja, higienização social para aperfeiçoamento de raças. Maiores os questionamentos da civilização atual que presenciou o Programa Nazista cujo interesse era “eliminar vida que não merecia ser vivida”. Direito comparado Como vimos, no Brasil, a polêmica ainda induz o assunto à imputação do crime de homicídio, aplicando a hipótese privilegiadora do relevante valor moral. No mundo essa questão tem sobressalto, inclusive acompanha a história das civilizações. Os Celtas matavam seus velhos e doentes. Na Índia, os doentes incuráveis eram levados ao Ganges, as narinas e boca eram obstruídas com barro e lançados naquele rio. Na Grécia antiga, Platão e Sócrates defendiam a ideia de que uma doença dolorosa justificava o suicídio. No Egito, Cleópatra (69 aC a 30 aC) criou uma Academia de estudos de formas de morte menos dolorosas. Atualmente, como já dito, existem muitas incertezas sobre o assunto, como esclarece o professor José Roberto Goldim[footnoteRef:4]. [4: https://www.ufrgs.br/bioetica/euthist.htm ] Uruguai: não autoriza Eutanasia. O Código Penal Uruguaio prevê em seu art. 37 a possibilidade de isenção de pena no caso de homicídio piedoso, assim entendido aquele em que o autor do homicídio é embuído de motivo honroso, aliado à sua piedade após súplicas da vítima. Dessa forma, pode o juiz isentá-lo de pena. Holanda e Bélgica: ambos são países que legalizaram a Eutanásia, até para menores de idade. Exigem prova de doença incurável, pedido do paciente e segunda opinião médica. Colômbia: em 1997 sua Corte Suprema passou a autorizar o homicídio piedoso. Porém, há uma grande insegurança pois o Código Penal colombiano (art. 326) prevê pena de 6 meses a 3 anos para essa hipótese. EUA: a competência estadual na legislação americana fez com que apenas alguns estados autorizem o suicídio assistido. Oregon e Washington o fizeram mediante referendo popular, enquanto Vermont possui lei específica autorizando este procedimento, que exige avaliação psicológica do paciente e o prazo de 17 dias antes da ingestão da droga letal. Em Montana a autorização apenas se dá mediante processo judicial. Já o Texas autoriza a eutanásia passiva “para evitar tratamentos inadequados e fúteis”. Suíça: sua Corte Federal reconhece o direito de morrer. Autorizam a morte assistida. Inclusive há um conhecido “turismo da morte” na Suíça onde duas associações locais promovem morte rápida e indolor através da ingestão de pentobarbital de sódio, a “Dignitas” e “Exit”, inclusive a estrangeiros. Exigem documentos comprovando o diagnóstico de doença terminal[footnoteRef:5]. [5: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft1507200908.htm; http://brasil.elpais.com/brasil/2014/08/20/sociedad/1408561734_989413.html ] Espécies de Homicídio 1. Simples (art. 121, caput); 2. Privilegiado (art. 121, § 1º); 3. Qualificado (art. 121, § 2º); 4. Culposo (art. 121, § 3º). 5. Agravado (causa de aumento de pena – art. 121, §§ 4º, 6º e 7º): Homicídio simples (art. 121, caput) Na verdade, não há uma definição científica do que seja o homicídio simples. Basta verificar que o próprio legislador, dividiu este artigo 121 em parágrafos, e, num destes reconheceu o homicídio privilegiado (§ 1º), o homicídio qualificado (§ 2º) e em outro o homicídio culposo (§ 3º). Assim, todos são homicídio, e a diferença entre suas espécies encontra-se nas circunstâncias eleitas pelo próprio legislador no parágrafo 1º, 2º ou 3º, que, por entender ora mais mitigadas (homicídio privilegiado), graves (homicídio qualificado), ora mais atenuada (homicídio culposo), apenou de forma diferente do caput. Então, a definição de homicídio simples se dá por exclusão, ou seja, quando não for privilegiado, qualificado ou culposo, diferenciando, inclusive, quanto a pena aplicada, que é de 6 a 20 anos. Ou seja, quando não preenchidas quaisquer das hipóteses estabelecidas nos parágrafos 1º, 2º e 3º do art. 121 CP, o crime será capitulado no caput. O homicídio simples só será considerado crime hediondo quando for praticado em atividade típica degrupo de extermínio, conforme expresso no art. 1º, inciso I da L. 8.072/90. Homicídio Privilegiado (art. 121, § 1º) Como o próprio nome já diz trata-se de privilegio, ou seja, que suaviza a retribuição penal, de modo a reconhecer uma causa de redução de pena ao homicídio simples e qualificado em razão dos motivos que levaram o sujeito a praticar o crime. Ou seja, através do “porquê” do crime, identificando sua menor ou mais anti-sociabilidade pode-se aplicar a causa de diminuição de pena prevista neste § 1º. Com efeito, privilegiado é o homicídio praticado por motivo de relevante valor social ou moral ou sob o domínio de violenta emoção logo em seguida a injusta provocação da vítima. Hipóteses de cabimento do privilégio 1. sujeito comete o homicídio impelido por motivo de relevante valor social: · relevante: é o importante, considerável, significativo, digno de apreço · valor social: referente a interesse da coletividade, suscitado por preocupações caras à sociedade. Ex.: por desejo de paz e segurança faz o sujeito matar um bandido que aterroriza a comunidade com a prática de tráfico de drogas e homicídios; sujeito mata o estuprador de um bebe de meses etc. 2. sujeito comete o homicídio impelido por motivo de relevante valor moral: - valor moral: reflete interesse particular do agente. Ex.: a piedade do filho que anima a eutanásia do próprio pai com doença terminal; a mãe que verificando o filho adolescente reiterar práticas criminosas e tendo esgotado os recursos que dispunha, resolveu matá-lo a ter que presenciar a vida errante de bandido que o aguardava; o pai que mata o estuprador da filha etc. 3. sujeito comete o homicídio sob o domínio de violenta emoção logo em seguida a injusta provocação da vítima: Reclama três requisitos: a) injusta provocação da vítima: a injustiça deve ser analisada objetivamente, ou seja, não segundo o juízo de quem reagiu, mas de acordo com consciência ético social, analisando o contexto de vivência dos envolvidos e sua condição pessoal. A provocação não precisa ser uma agressão física, podendo vir sob a forma de escárnio, ofensa à honra, ameaça, revelação de segredos, abuso de direito ou autoridade. É admitido em crimes passionais, reação de uma pessoa que foi agredida por outra etc. b) violenta emoção desencadeada: emoção é um estado de ânimo ou consciência caracterizado por uma excitação do sentimento. É uma forte e transitória perturbação da afetividade ligadas a certas variações particulares da vida orgânica de cada indivíduo. Exige-se emoção violenta, que é aquela que retira o autocontrole do ser humano, produz estado de exaltação emocional. c) reação logo em seguida (imediata): significa sem intervalo, imediato à provocação. Não há uma delimitação de tempo, mas, a demora, o passar do tempo é contrário a atenuação pelo privilégio, pois, como visto, a violenta emoção é um estado transitório. Pena do homicídio privilegiado O sujeito responderá pelo crime de homicídio e incidirá a redução de 1/6 a 1/3 (3ª fase). Importante frisar que na parte geral é prevista mesma atenuante de pena: ter o agente “cometido o crime por motivo de relevante valor social ou moral” (art. 65, III, “a” CP). Uma vez reconhecido o homicídio privilegiado por esta mesma motivação, não há como se aplicar esta atenuante uma vez que implicaria isso em bis in idem – dupla valoração das mesmas circunstâncias, o que é vedado em direito penal, tanto para agravar a pena, como para atenuá-la. Homicídio qualificado (art. 121, § 2º CP) Chama-se circunstância qualificadora aquela cujo legislador elegeu como de maior gravidade face à reprovabilidade da conduta praticada pelo sujeito onde os motivos do crime ou os meios de sua execução revelam uma maior lesividade social do agente. Diferentemente das causas de aumento de pena ou agravantes de pena, verifica-se nas qualificadoras uma pena autônoma, com um mínimo e um máximo abstratamente previsto. O homicídio qualificado trata-se de crime hediondo, por força do art. 1º, inciso I da Lei nº 8.072/90. Pela ordem de enumeração legal, temos as seguintes circunstâncias que qualificam o crime de homicídio: I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe. Fórmula casuística trazida pelo legislador: enseja as duas hipóteses casuísticas (paga ou promessa de pagamento, que já são torpes) para depois ensejar uma cláusula genérica (ou por ‘outro’ motivo torpe). - Paga ou promessa de pagamento revelam o motivo mercenário. · Paga é a remuneração já recebida. · Promessa de recompensa é aquela em perspectiva após realização do crime. Há necessidade de ser promessa econômica, ou seja, em pecúnia? Não, o legislador fala “recompensa”, ou seja, algo que recebe em razão do ato praticado, logo, qualquer vantagem auferida pelo agente configura este crime, desde que a razão de seu recebimento seja a prática de um homicídio torpe. Assim, a promessa de dar a mão da filha em casamento se um pistoleiro matar o desafeto, e essa morte envolver motivação ‘torpes’, qualifica o homicídio. · Motivo torpe é o motivo abjeto, repugnante, que revela extrema vileza, que ofende duramente os princípios de ética e moralidade da população. Ex.: a intenção de lucro caracteriza o motivo torpe; a morte do traficante rival para tomada da “boca” e aumento dos lucros; a vontade de obter recompensa como dinheiro, aumento de salário, promoção no emprego, a cobiça por herança etc. Ciúme não é considerado motivo torpe[footnoteRef:6]. [6: “Apontado o móvel do agente como reação exagerada a sentimento de perda da pessoa querida, revelando o comportamento exacerbado, sentimento de posse instigado pela suspeita de infidelidade, tem-se a motivação como ciúme, que não caracteriza motivo torpe por se tratar de aspecto subjetivo inerente ao ser humano.” (TJMG - 4ª Câm. Criminal; RSE nº 1.0418.07.006537-4/001-MG; Rel. Des. Ediwal José de Morais; J. 25/3/2009; v.u.) ] Questões: 1. O mandante que paga ou promete responde por esta qualificadora? Há duas correntes: 1ª. Sim, pois, uma vez que é elementar do tipo qualificado, logo, em regência com o artigo 30 do Código Penal (“Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime” – no homicídio qualificado a “paga” ou “promessa de pagamento” é elementar (constitui) o crime. 2º. Não, pois, paga e promessa de recompensa não são elementares do homicídio. As elementares do homicídio são apenas “matar e “alguém”, enquanto que a paga e a promessa são circunstâncias subjetivas que, existentes, qualificam o homicídio, mas, para configuração de um crime de homicídio desnecessário a presença destas. E, as circunstâncias subjetivas não se comunicam neste caso (art. 30, CP). 2. vingança configura motivo torpe? Nem sempre, pois pode o sujeito agir com vingança contra o estuprador de sua filha, ensejando, inclusive, o relevante valor moral para configurar o homicídio privilegiado (art. 121, § 1º). Assim, a vingança pode ser considerada motivo torpe pelas razões que levaram o sujeito a matar, v.g., o traficante que mata o viciado porque este último lhe deve. II - por motivo fútil. Fútil: é o motivo desproporcional, insignificante, de ninharia, pequeno. Jamais poderia levar alguém ao ato extremo de matar. Claro que para se verificar a futilidade deve-se verificar os padrões sociais (homem médio), e não os motivos do sujeito, pois, aquele que mata sempre terá uma justificativa, que em seu modo de ver não é fútil. Ex.: discussões banais por discórdia no trânsito; após a vítima rir do sujeito; após desavenças corriqueiras entre cônjuges. Questões: 1. o homicídio passional causado por ciúme não é considerado motivo fútil pois não se pode negar a importância da perturbação ao agente que comete um crime derivado deste sentimento. Ademais, o “amor” sentido por um homem ou uma mulher é sentimento nobre, e não pode ser considerado motivo pequeno. 2. a ausência de motivo: não qualifica o homicídio para não se fazer analogia in malam partem. Apesar de que existe corrente minoritáriaque diz que a própria ausência de motivo para matar alguém já é fútil. III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum. Verifica-se que esta qualificadora pune mais gravemente considerando os meios utilizados pelo agente. Neste inciso o legislador se utilizou da fórmula casuística, listando expressamente as causas mais comuns, para, ao final colocar uma cláusula genérica, garantindo a abrangência do enunciado uma vez que não há como se antever todo e qualquer ato possível de advir da mente humana. Novamente, o legislador considerou todas as hipóteses casuísticas (veneno, fogo, explosivo, asfixia e tortura) como meios “insidiosos ou cruéis”, pois se utilizou da terminologia “ou outro meio insidioso ou cruel”. Venefício: trata-se do homicídio praticado mediante a ministração de veneno. Veneno é toda substância que, introduzida no organismo, lesa a saúde ou destrói a vida por ação química intoxicante. Geralmente, a vítima envenenada não tem ciência do mal que lhe fazem, o sujeito age mediante dissimulação (insidiosamente). O envenenamento violento, pensamos caracterizar o meio cruel como qualificadora. Da mesma forma, se a vítima pede e permite a aplicação de um veneno letal em si pelo agente, não configura essa qualificadora, pois, como dito, exige-se meio insidioso (enganoso). Acena parte da doutrina que alguma pessoa pode vir a óbito ao ingerir substâncias que não se constituem veneno, mas que acabam matando. Tal ocorreria no caso do açúcar dado ao diabético. Discordamos, pois “veneno” trata-se de elemento normativo do tipo, cuja definição buscamos na medicina, e trata-se de substância intoxicante, e, por natureza, letal. Não é o caso do açúcar. Mas, neste caso, o sujeito não escaparia da qualificadora, cujo pensamos melhor se amoldar em “outro meio insidioso”. Fogo: a morte por meio de fogo revela extrema crueldade, havido, v.g., no ato de atirar a vítima em uma fornalha, ou queimá-la dentro de pneus banhados de gasolina. Explosivo: é a substância capaz de brusca decomposição com violento deslocamento de ar e detritos. Também pode resultar crime de perigo comum (art. 251 CP). Asfixia: é o impedimento da respiração (absorção de oxigênio e eliminação de gás carbônico). Pode advir por ação mecânica (enforcamento, estrangulamento, afogamento, soterramento, esganadura e sufocação), e por ação intoxicante (submeter a vítima a inalação de gases tóxicos). Tortura: é infligir suplício, padecimento físico ou psíquico, é judiar, causar tormento cujo óbito advém desse sofrimento impingido. Meio insidioso ou cruel: esta é a cláusula geral de que falamos acima, onde o legislador acabou abrangendo infinitas condutas. Insidioso é o meio enganoso, aquele aplicado sem que a vítima perceba, é a ação que se caracteriza nas armadilhas, nas sabotagem nos freios do veículo, colocar pó de vidro na comida do marido, etc. Meio cruel é aquele que causa um mal ou sofrimento desnecessário àquele que vai morrer, é o meio bárbaro, que martiriza. Ex.: pisoteamento, mutilações antes do golpe final. Facadas podem ou não ser consideradas meio cruel, dependendo dos golpes que se sigam fazendo com que a vítima sofra. Não qualifica o homicídio um primeiro disparo na cabeça, e vários outros pelo corpo, pois os demais atingiram um cadáver. Idem para o primeiro golpe cuja vítima perdeu os sentidos, não padecendo suplício algum até sua morte com os demais golpes. Meio de que pode resultar perigo comum: outra cláusula geral. É aquele que extrapolando o atingimento da vítima, causa risco a outras pessoas indeterminadas, causando perigo à incolumidade social. O legislador contentou-se com o “meio”, ou seja, a potencialidade do meio empregado, ainda que não resulte o perigo comum, o que qualifica não é o perigo comum, mas o meio que pode resultar. Ex.: sujeito retira escora de uma encosta para soterrar a vítima, sendo o local um bairro com varrias famílias. Havendo o efetivo perigo comum, há concurso formal (art. 70, CP) do homicídio qualificado com os crimes de perigo comum (art. 250 a 259, CP). IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido. Nova fórmula casuística (exemplificativa) que revelam a norma genérica para abranger casos semelhantes: “ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa”. Traição: é o ataque sorrateiro, normalmente atinge as vítimas pelas costas, ou numa ação súbita, surpreendente. Há relação de confiança entre vítima e agente. Quando não há essa relação, falamos de surpresa. Emboscada: é a tocaia, forma dissimulada de colher a vítima despreocupada, aguardando-a o agente escondido em local por onde ela passará. Dissimulação: é a ocultação do propósito, iludindo a vítima para parecer inofensivo. Outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa: trata-se de cláusula geral, onde o legislador pretendeu abarcar qualquer outra conduta que torne a vítima indefesa, v.g., homicídio de pessoas dormindo, embriagadas, feridas etc. Aqui se amolda a surpresa, quando por não esperar o ataque a vítima é colhida indefesa. V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime. Nesta qualificadora existem quatro hipóteses de conexão do homicídio com outro crime, trazendo um dolo específico à conduta do agente, ou seja, um especial fim de agir. Vale relembrar que a extinção da punibilidade do crime anterior, não impede a agravação da pena decorrente da conexão (art. 108 CP). Assim, imaginando que o sujeito pratica o homicídio para evitar que a pessoa testemunhe contra ele num crime de roubo, mesmo extinguindo a punibilidade neste crime, prevalecerá a qualificadora do homicídio. Execução de outro crime: almeja executar um crime não realizado. Ex.: mata marido para estuprar sua esposa. Ocultação de outro crime: visa garantir que o crime já cometido permaneça oculto. Ex.: falsifica um documento e mata a única testemunha que sabe que o fez. Impunidade de outro crime: visa ocultar não a realidade, mas a autoria do crime. Ex.: mata a testemunha que viu o sujeito destruir um orelhão. Vantagem de outro crime: a vantagem pode ser produto (coisa furtada), preço (valor recebido pelo crime), especificação (transformação do objeto material do crime: transforma a barra de ouro em canetas de ouro), ou qualquer proveito, patrimonial ou não. Questões: 1. Se o homicídio é realizado para assegurar uma contravenção penal, por exemplo, jogo do bicho, ensejará essa qualificadora? Não, pois não podemos fazer analogia in malam partem uma vez que o tipo é expresso na expressão “crime”. 2. Sujeito pratica o homicídio para assegurar a execução de crime impossível. Ex.: mata enfermeira de hospital para ter acesso a remédio abortivo para ministrá-lo à namorada. Descobrindo que a namorada não estava grávida, não incide essa qualificadora porque o crime impossível é fato atípico (art. 17 CP). VI - contra a mulher por razões da condição de sexo feminino. Essa hipótese qualificadora foi recentemente incluída no rol do artigo 121 através da Lei 13.104, de 10.03.2015. O chamado “Feminicídio” pode ser entendido como o homicídio doloso praticado contra a mulher por “razões da condição de sexo feminino”, ou seja, desprezando, menosprezando, desconsiderando a dignidade da vítima enquanto mulher, como se as pessoas do sexo feminino tivessem menos direitos do que as do sexo masculino. Entendemos que tal proteção não se trata de verdadeira novidade. Antes da Lei 13.104/2015, a morte de “seres humanos” com desprezo por alguma condição própria (homem, mulher, pobre, rico, branco, índio, negro, criança, idoso, deficiente físico, homossexual etc.) evidentemente era punido e cuja motivação poderia tipificar forma qualificada, v.g., por motivo torpe (inciso I do § 2º do art. 121 CP) ou fútil (inciso II) ou, ainda, em virtude de dificuldade de defesa da vítima (inciso IV). Ou seja, mesma classificação penal (crime qualificado e hediondo)objeto deste inciso VI. Porém, certo é que não existia a previsão expressa de uma pena maior para o fato de o crime ser cometido contra a mulher por razões de gênero. Fato é que a L. 13.104/15 trouxe essa inovação a respeito do feminicídio. Em qual hipótese ocorrerá? O legislador prescreveu conteúdo interpretativo do que vem a ser “razões da condição de sexo feminino” para aplicação dessa qualificadora. Assim, em conformidade com o §2º-A: “Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve: I - violência doméstica e familiar: essa redação é perigosa uma vez que uma leitura apressada leva a crer que o legislador ampliou bastante o conceito de feminicídio, já que, pela redação literal do inciso I não seria necessário discutir os motivos que levaram o autor a cometer o crime, e não seria indispensável que o delito tivesse relação direta com razões de gênero. Tendo sido praticado homicídio (consumado ou tentado) contra pessoa do sexo feminino envolvendo violência doméstica, haveria feminicídio. Não foi este o intuito da lei, sendo necessário contextualizar buscando a definição de “violência doméstica e familiar” encontrada no artigo 5º da Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), que assim a conceitua: “Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Fica evidente que para configuração do feminicídio é indispensável que o crime envolva motivação baseada no gênero (“razões de condição de sexo feminino”). II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher: a motivação do crime deve ter relação com o menosprezo ou discriminação à condição de mulher, eventuais hipóteses que não tenham relação com isso não podem configurar essa qualificadora, mesmo que a vítima seja mulher[footnoteRef:7]. Exemplos de incidência dessa qualificadora: a) o marido agride a esposa por não concordar que ela trabalhe; b) o companheiro agride a companheira por ela ter usado roupas curtas; c) o marido agride a mulher porque ela o traiu. Exemplos de não incidência do feminicídio: a) o marido que agride a mulher por razões financeiras; b) o ex-marido que agride a ex-mulher pelo fato de ela não cumprir a ordem judicial que lhe concedia o direito de visitar o filho menor; c) irmão que agride a irmã, por discussão sobre herança. Ademais, sujeito passivo só pode ser mulher. Na hipótese de vítima travesti (sexo biológico masculino) não haverá feminicídio, considerando que o sexo físico continua sendo masculino. Da mesma o homossexual masculino que assume relação homoafetiva “no papel ou função feminina”. Isso se dá, por que o legislador pretendeu destacar e proteger a mulher, isto é, pessoa do sexo feminino, pela sua condição de mulher, quer para evitar o preconceito (machismo enraizado na sociedade), quer por razões de evidente fragilidade física em razão de uma compleição menos avantajada, ou mesmo para impedir o prevalecimento de homens fisicamente mais fortes etc. No tocante ao Transsexual a questão é controversa. Há corrente admitindo a viabilidade de aplicação da qualificadora ao transexual feminino desde que tenha realizado cirurgia de redesignação sexual (transgenitalização), outros apenas exigindo que tenha adotado identidade de gênero feminino[footnoteRef:8]. Outros admitem a qualificadora, ainda que não submetida à cirurgia de transgenitalização e sem a alteração definitiva do registro civil[footnoteRef:9]. Por outro lado, existe corrente conservadora que não admite a aplicação dessa qualificadora ao transexual em nenhuma hipótese. Esta última corrente fundamenta que a inviabilidade de aplicação dessa qualificadora homenageando a interpretação restritiva da norma, uma vez que a proteção pretendia pelo legislador corresponde a proteção da mulher. Assim, a transsexualidade é analisada sob o ponto de vista estritamente genético. Continua sendo pessoa do sexo masculino, mesmo após a cirurgia. Não se discute que devem ser assegurados todos os direitos como mulher, eis que esta é a expressão de sua personalidade, é assim que se sente e se vê, por isso, tem direito, inclusive, de alterar seu nome e documentos, considerando que sua identidade sexual é feminina. Trata-se de um direito fundamental e inquestionável. Não obstante, tão fundamental como o direito à expressão de sua própria sexualidade, é o direito a liberdade e às garantias contra o poder punitivo do Estado por parte do indivíduo acusado. Em direito penal somente se admitem equiparações que sejam feitas pela lei, em obediência ao princípio da estrita legalidade, sob pena de interpretação extensiva, sendo proibido imputar ao agente que pratica crime contra homens essa punição específica que é destinada a autores de homicídios contra mulheres no exato contexto expresso no §2º-A do artigo 121. Outra fosse a intenção do legislador, teria colocado a qualificadora com a seguinte redação: “contra pessoa por razões de gênero”, assim abarcando quaisquer vítimas, homens ou mulheres. Aliás, redação essa original no projeto, mas que ficou enfraquecida e alterada por pressão de parte dos congressistas. Não obstante, tratando-se de crime contra vida, de competência de julgamento pelo Tribunal do Júri, há entendimento onde competem aos jurados a análise de aplicação dessa qualificadora na hipótese de vítima transsexual[footnoteRef:10]. [7: “Homicídio Triplamente Qualificado. Tentativa contra a enteada, de apenas dois anos de idade, agredida pelo acusado após ter matado a genitora da infante. Materialidade e indícios de autoria. Prova pericial e oral. Afastamento da qualificadora do feminicídio. Delito supostamente praticado para garantir a impunidade do crime anterior. Vítima atacada por ter presenciado o homicídio da mãe, não pela mera condição do gênero feminino. Provimento parcial do recurso defensivo.” (TJSP – Rec. Sentido Estrito nº 1500331-33.2020.8.26.0542 – 16ª C. Criminal – Rel. Des. Otávio de Almeida Toledo – J. 03.09.2021). ] [8: TJSP - Recurso Em Sentido Estrito nº 1500874-85.2019.8.26.0052 – 15ª C. Criminal. Rel. Des. Ricardo Sale Junior. J. 09.10.2020. ] [9: TJDF - Acórdão n. 1089057, 20171610076127RSE, Relator: GEORGE LOPES 1ª TURMA CRIMINAL, Data de Julgamento: 05/04/2018, Publicado no DJE: 20/04/2018. Pág.: 119/125. ] [10: “Direito penal. tribunal do júri. Feminicídio tentado. Vítima transexual. Pedido de exclusão da qualificadora. Tese a ser apreciada pelo conselho de sentença. princípio in dubio pro societate. Exclusão da qualificadora. Improcedente. Habeas corpus não conhecido. 1. Diante da hipótese de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, a impetração sequer deveria ser conhecida. Porém, considerando as alegações expostas na inicial, razoável o processamento do feito para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal. 2. A sentença de pronuncia deve se ater aos limites estritos da acusação, na justa medida em que serão os jurados os verdadeiros juízes da causa, razão pela qual as qualificadoras somente devem ser afastadas quando evidentemente desalinhadas das provas carreadas e produzidas no processo. 3. No caso, havendo indicativo de prova e concatenada demonstração de possível ocorrência da qualificadora do feminicídio, o debate acerca da sua efetiva aplicação ao caso concreto é tarefa que incumbirá aos jurados na vindoura Sessão de Julgamento do Tribunal do Júri. 4. Habeas Corpus não conhecido”. (STJ - HC 541237/DF – 5ª Turma – Rel. Min.Joel Ilan Parciornik. J. 15.12.2020.) ] Constitucionalidade do feminicídio Essa qualificadora violaria o princípio da igualdade? De fato, ao analisar precedentes verificaremos que esse tipo de enfrentamento já foi analisado pela doutrina e jurisprudência. O Supremo Tribunal Federal ao julgar a Ação Direta de Constitucionalidade nº 19 (ADC nº 19/DF) proposta em relação à Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/2006) decidiu que é possível existir proteção penal maior para o caso de crimes cometidos contra a mulher por razões de gênero. Assim, não haveria violação do princípio constitucional da igualdade pelo fato de haver uma punição maior no caso de vítima mulher. Segundo nossa Corte, a Lei Maria da Penha é instrumento que promove a igualdade em seu sentido material. Isso porque, sob o aspecto físico, a mulher é mais vulnerável que o homem, além de, no contexto histórico, ter sido vítima de submissões, discriminações e sofrimentos por questões relacionadas ao gênero. Em verdade, é uma ação afirmativa (discriminação positiva) em favor da mulher[footnoteRef:11]. Obviamente o entendimento firmado a respeito da Lei Maria da Penha tem aplicação ao Feminicídio, e dessa forma certa é a constitucionalidade da Lei 13.104/15. Ademais, a criminalização especial e mais gravosa do Feminicídio é uma tendência mundial, adotada em diversos países do mundo. [11: Plenário. Rel. Min. Marco Aurélio, 9/2/2012. ] Vigência e irretroatividade A Lei 13.104/2015 entrou em vigor no dia 10.03.2015, de forma que se a pessoa, a partir desta data, praticou o crime de homicídio contra mulher por razões da condição de sexo feminino responderá por feminicídio, ou seja, homicídio qualificado, nos termos do artigo 121, § 2º, inciso VI. Trata-se de uma lei mais gravosa e, por isso, não tem efeitos retroativos. Mesmo assim, como dito anteriormente, poderá o sujeito responder por homicídio qualificado, com mesma pena do feminicídio, uma vez que essa motivação (homicídio contra mulher por razões da condição de sexo feminino) pode ser tanto considerada como motivo torpe (art. 121, § 2º, inc. I) ou mesmo pela impossibilidade de defesa da vítima na hipótese de comprovada desproporcionalidade de força ou meio empregado (art. 121, § 2º, inc. IV) Qualificadora objetiva ou subjetiva? Num primeiro momento, a doutrina indicou tratar-se o feminicídio de qualificadora subjetiva, pois pressupõe motivação especial consistente na expressão “por razões da condição de sexo feminino”. Dessa forma, não é o homicídio contra a mulher que atrai a qualificadora, mas o homicídio cometido porque se trata de uma mulher. Matar mulher, na unidade doméstica e familiar ou em qualquer ambiente ou relação, sem menosprezo ou discriminação à condição de mulher é femicídio, conduta que não atrai a qualificadora do feminicídio. Se a conduta do agente é movida pelo menosprezo ou discriminação à condição de mulher, aí sim temos feminicídio. Porém, atualmente, a tese não tem mais prevalecido. Os Tribunais tem decidido diversamente, dizendo que se trata de qualificadora de natureza objetiva. O argumento se dá com fundamento na essência da norma, pois, do contrário, afastam-se outras circunstâncias que qualificam o homicídio pelo motivo (torpe ou fútil) e desprestigia-se o esforço legislativo para tornar mais grave a pena do homicídio praticado contra a mulher em razão de sua condição. Dizem que a Lei nº 13.104/2015 veio a lume na esteira da doutrina inspiradora da Lei Maria da Penha, buscando conferir maior proteção à mulher brasileira, vítima de condições culturais atávicas que lhe impuseram a subserviência ao homem. Resgatar a dignidade perdida ao longo da história da dominação masculina foi a ratio essendi da nova lei, e o seu sentido teleológico estaria perdido se fosse simplesmente substituída a torpeza pelo feminicídio. Assim, entendendo que se trata de qualificadora objetiva, os Tribunais permitem que ambas as qualificadoras (torpeza e feminicídio) podem coexistir perfeitamente, porque é diversa a natureza de cada uma: a torpeza continua ligada umbilicalmente à motivação da ação homicida, e o feminicídio ocorrerá toda vez que, objetivamente, haja uma agressão à mulher proveniente de convivência doméstica familiar[footnoteRef:12]. O Superior Tribunal de Justiça tende a aderir à mesma tese ao entendimento de que qualificadoras do motivo torpe e do feminicídio não são incompatíveis porque não têm a mesma natureza: enquanto a primeira é subjetiva, esta última é dotada de índole objetiva[footnoteRef:13]. Sobre o assunto, Guilherme de Souza Nucci, ao tratar do feminicídio esclarece que se trata de uma qualificadora objetiva, pois se liga ao gênero da vítima: ser mulher, advertindo que “o agente não mata a mulher somente porque ela é mulher, mas o faz por ódio, raiva, ciúme, disputa familiar, prazer, sadismo, enfim, por motivos variados que podem ser torpes ou fúteis; podem, inclusive, ser moralmente relevantes, não se descartando, por óbvio, a possibilidade de o homem matar a mulher por questões de misoginia ou violência doméstica; mesmo assim, a violência doméstica e a misoginia proporcionam aos homens o prazer de espancar e matar a mulher, porque esta é fisicamente mais fraca, tratando-se de violência de gênero, o que nos parece objetivo, e não subjetivo’”[footnoteRef:14]. Ademais, pensamos que o principal efeito prático dessa discussão consiste no fato de a qualificadora objetiva ser compatível com a lesão corporal privilegiada pelo domínio de violenta emoção, logo após a injusta provocação da vítima, prevista no §1° do artigo 121, que reduz a pena de um sexto a um terço. [12: TJDF, SER nº. 904781, 20150310069727, Rel. George Lopes Leite, 1ª Turma Criminal, j. 29/10/2015. ] [13: HC nº 430.222/MG, J. 15.03.2018; REsp 1.707.113/MG ] [14: Curso de Direito Penal. Parte Especial. Volume 2. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 46/47 ] VII -contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição: (incluído pela Lei 13.142, de 6.07.2015): A Lei 13.142/15 modificou três importantes artigos da legislação penal: os art. 121 e 129 do Código Penal e o art. 1º da Lei 8072/90 (Lei dos Crimes Hediondos). No tocante ao homicídio incluiu este inciso VII na forma qualificada, aumentando a punição dos crimes de homicídio cometidos contra os integrantes das Forças Armadas e das forças de segurança às quais aludem os artigos 142 e 144 da Constituição Federal. Não há dúvida alguma que é mais uma lei fruto do “pacote” que visa transformar todos os crimes mais graves em crimes hediondos, com a já conhecida vontade do legislador brasileiro em utilizar o direito penal como soluções imediatistas para os males sociais do Brasil. Assim, essa qualificadora não protege a pessoa da autoridade ou a gente da segurança pública, mas sim a função pública desempenhada por essas autoridades é, de fato, o bem jurídico tutelado pela Lei 13.142/15. Dessa forma, para aplicação dessa qualificadora deve-se observar: integrantes da segurança pública: 1. das forças armadas: constituídas pela Marinha, Exército e Aeronáutica (art. 142, CF); 2. da segurança pública: constituída pelos seguintes órgãos: polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal, polícias civis, policias militares, corpos de bombeiros (art. 144, caput CF). Notese que o legislador fez expressa referência ao artigo 144. Como as guardas municipais estão descritas no artigo 144, no § 8º, e são considerados agentes de segurança pública lato senso, e a lei não fez restrição aos parágrafos do artigo 144, incluem-se na qualificadora os crimes praticados contra guarda municipal. Como reforço é de bom alvitre frisar que o Estatuto Geral dos Guardas Municipais (Lei n.° 13.022/2014) prevê, dentre suas competências, também existe a sua atuação em prol da segurança públicadas cidades (arts. 3º e 4º da Lei). Como embasamento neste argumento, a qualificadora deve abranger crime de homicídio praticado contra agentes de segurança viária, os quais, igualmente, integram a segurança pública do País, nos estritos termos do § 10 do artigo 144: “A segurança viária, exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do seu patrimônio nas vias públicas: I - compreende a educação, engenharia e fiscalização de trânsito, além de outras atividades previstas em lei, que assegurem ao cidadão o direito à mobilidade urbana eficiente; e II - compete, no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, aos respectivos órgãos ou entidades executivas e seus agentes de trânsito, estruturados em Carreira, na forma da lei.” 3. do sistema prisional: a Emenda Constitucional nº 104, de 04.12.2019 criou a Polícia Penal Federal, Estadual e Distrital, inserindo o incido VI[footnoteRef:15] ao artigo 144 da Constituição Federal bem como o parágrafo 5º-A[footnoteRef:16] neste mesmo dispositivo esclarecendo que a competência da polícia penal se refere a segurança dos estabelecimentos penais.Em São Paulo a Secretaria da Administração [15: VI - polícias penais federal, estaduais e distrital. ] [16: § 5º-A. Às polícias penais, vinculadas ao órgão administrador do sistema penal da unidade federativa a que pertencem, cabe a segurança dos estabelecimentos penais. ] Penitenciária(SAP) prescreve que seus funcionários são responsáveis por garantir a tutela e ressocialização dos presos, possuem a função de exercer a vigilância dentro dos presídios, escolta para fóruns, transferências, apresentações médicas, etc. Segundo a L. 11.473, de 10.05.2007, que trata da cooperação federativa para fins de segurança pública, exercem “atividades e serviços imprescindíveis à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”. Dessa forma, integram o sistema prisional não só os agentes de segurança penitenciária ou agentes de escolta e vigilância penitenciária, que realizam a guarda, vigilância e custódia de presos. Demais autoridades que atuam nas execuções das penas devem ser também consideradas como os Diretores dos Presídios, membros da Comissão Técnica de Classificação que é composta por chefes de serviços, psicólogos, psiquiatras e assistente social (art. 7º, L. 7.210/84), do Conselho Penitenciário (art. 69/70, L. 7.210/84) etc. 4. força nacional de segurança pública: A Força Nacional é formada pela integração das polícias ostensiva e judiciária, além de bombeiros e profissionais de perícia dos estados membros (art. 4º, § 2º do Decreto Presidencial nº 5.289 de 2004), indicados pelas Secretarias de Segurança de seus respectivos Estados. É acionada quando um Governador ou um Ministro de Estado (art. 4º, Decreto 5.289/04) requisita auxílio federal para conter atos que atentam contra a lei e a ordem e que perigam sair do controle das forças de segurança locais. contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau: uma verdadeira e absurda ampliação da tipificação para alcançar também os familiares da autoridade, mas que, obviamente, o interesse do sujeito ativo é atingir, ainda que indiretamente, o integrante da Segurança Pública. Por razões óbvias, essa prova será difícil, e não se pode simplesmente imputar alguém nessa qualificadora pela morte de uma pessoa só porque é parente de alguém que faça parte do rol deste inciso VII. Não obstante, quando se lê cônjuge ou companheiro inclua-se o homoafetivo. No tocante aos “parentes consanguíneos até 3º grau” abrange: ascendentes (pais, avós, bisavós); descendentes (filhos, netos, bisnetos); colaterais até o 3º grau (irmãos, tios e sobrinhos). Diante a omissão do legislador e por interpretação restritiva, não estão abrangidos os parentes por afinidade, ou seja, aqueles que a pessoa adquire em decorrência do casamento ou união estável, como cunhados, sogros, genros, noras etc. Assim, se o delinquente assassinar sogro, cunhado, genro, nora etc. de um policial que o investigou não cometerá o homicídio qualificado do artigo 121, § 2º, inciso VII. Nada impede que possa se configurar outra qualificadora, mas não esta. no exercício da função ou em decorrência dela: trata-se da condição para classificação correta dessa qualificadora. Exige-se exercício da função ou que o homicídio ocorra em razão dela. Dessa forma, a morte de um policial num dia de folga, e em circunstância sem qualquer relação com a função que exerce não enquadrará a qualificadora, mesmo que no contexto da morte o sujeito ativo saiba de que se trata de um policial. Basta que a circunstância “ser policial” não seja a causa da morte. Da mesma forma o “exercício da função” exclui a qualificadora na hipótese da vítima já aposentada. Porém, a locução “ou em decorrência dela” permite que a vítima possa não estar exercendo a função, mas o crime ocorreu em razão da função exercida. Assim, na hipótese do policial já aposentado e que foi alvejado por vingança por ter prendido alguém no passado, faria incidir essa qualificadora. VIII – com emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido Essa hipótese qualificadora foi incluída pela L.13.964, de 24.12.2019. O Presidente da República, no uso de suas atribuições acabou vetando o acréscimo dessa hipótese qualificadora, conforme mensagem de veto nº 726, cuja justificativa residiu no princípio da proporcionalidade e preocupação com eventuais processos criminais contra gentes de segurança pública, ao qual empregam armas de uso restrito para combate ao crime, o que levaria a serem processados e terem as penas exasperadas pelo uso dessas armas[footnoteRef:17]. Não obstante, o Congresso Nacional acabou rejeitando o veto presidencial à inclusão dessa qualificadora, de modo afastá-lo, e assim tornando vigente este inciso VIII[footnoteRef:18]. Dessa forma, a qualificadora terá aplicabilidade apenas após o afastamento do veto presidencial, a partir do dia seguinte à sessão ocorrida em 19.04.2021 que aprovou a nova qualificadora, ensejando-lhe a irretroatividade da norma penal. [17: O Projeto de Lei mantinha a seguinte redação: “VIII - com emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido:”. A mensagem de veto nº 726, de 24.12.2019 fundamenta o veto a este inciso: “A propositura legislativa, ao prever como qualificadora do crime de homicídio o emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido, sem qualquer ressalva, viola o princípio da proporcionalidade entre o tipo penal descrito e a pena cominada, além de gerar insegurança jurídica, notadamente aos agentes de segurança pública, tendo em vista que esses servidores poderão ser severamente processados ou condenados criminalmente por utilizarem suas armas, que são de uso restrito, no exercício de suas funções para defesa pessoal ou de terceiros ou, ainda, em situações extremas para a garantia da ordem pública, a exemplo de conflito armado contra facções criminosas.” ] [18: Veto nº 56/2019. Sessão do Congresso Nacional ocorrida em 19.04.2021. In https://www.congressonacional.leg.br/materias/vetos/-/veto/detalhe/12945/1 ] Arma de uso restrito e arma de uso proibido Evidente que é uma norma penal em branco, cuja definição dessas armas vem esclarecidas através do artigo 2º do Decreto 9.847, de 25.06.2019 que regulamenta o Estatuto do Desarmamento, que assim, considera: I - arma de fogo de uso permitido - as armas de fogo semiautomáticas ou de repetição que sejam: a) de porte, cujo calibre nominal, com a utilização de munição comum, não atinja, na saída do cano de prova, energia cinética superior a mil e duzentas libras-pé ou mil seiscentos e vinte joules; b) portáteis de alma lisa; ou c) portáteis de alma raiada, cujo calibre nominal, com a utilização de munição comum, não atinja, na saída do cano de prova, energia cinética superior a mil e duzentas libras-pé ou mil seiscentos e vinte joules; II - arma de fogo de uso restrito - as armas de fogo automáticas e as semiautomáticas ou de repetição que sejam: a) não portáteis; b)de porte, cujo calibre nominal, com a utilização de munição comum, atinja, na saída do cano de prova, energia cinética superior a mil e duzentas libras-pé ou mil seiscentos e vinte joules; ou c) portáteis de alma raiada, cujo calibre nominal, com a utilização de munição comum, atinja, na saída do cano de prova, energia cinética superior a mil e duzentas libras-pé ou mil seiscentos e vinte joules; III - arma de fogo de uso proibido: a) as armas de fogo classificadas de uso proibido em acordos e tratados internacionais dos quais a República Federativa do Brasil seja signatária; ou b) as armas de fogo dissimuladas, com aparência de objetos inofensivos; Armas de uso restrito por extensão O artigo 16, §1º, inc. I da L. 10.826/2003 expressamente equipara armas com numeração alterada, suprimida ou raspada àquelas de uso restrito[footnoteRef:19]. Tal equiparação seria empregada quanto a qualificadora do homicídio? Prima facie, o emprego de arma de fogo de uso permitido poderá ensejar a qualificadora em razão dessa regra da lei especial, diante da equiparação legal advinda do estatuto do desarmamento. Mas, discordamos posto que a matriz da extensão da definição de arma de uso restrito para permitido reside em aspectos administrativos de cadastramento, identificação e circulação de armas legais no Brasil, além segurança pública. Enquanto que esta qualificadora no crime de homicídio, crime contra vida que o é, reside na maior lesividade de armas de uso restrito ou proibido dada sua maior potencialidade em relação às permitidas, de modo que a essência da maior reprovação reside na maior proteção da vida. De fato, quisesse o legislador compreender na qualificadora do homicídio armas de uso permitido, o teria expressamente previsto. [19: Art. 16. Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição de uso restrito, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa. § 1º Nas mesmas penas incorre quem: I – suprimir ou alterar marca, numeração ou qualquer sinal de identificação de arma de fogo ou artefato; II – modificar as características de arma de fogo, de forma a torná-la equivalente a arma de fogo de uso proibido ou restrito ou para fins de dificultar ou de qualquer modo induzir a erro autoridade policial, perito ou juiz; III – possuir, detiver, fabricar ou empregar artefato explosivo ou incendiário, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar; IV – portar, possuir, adquirir, transportar ou fornecer arma de fogo com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado; V – vender, entregar ou fornecer, ainda que gratuitamente, arma de fogo, acessório, munição ou explosivo a criança ou adolescente; e VI – produzir, recarregar ou reciclar, sem autorização legal, ou adulterar, de qualquer forma, munição ou explosivo. §2º - Se as condutas descritas no caput e no § 1º deste artigo envolverem arma de fogo de uso proibido, a pena é de reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos. ] Absorção do crime de porte de arma de fogo O porte de arma de fogo é punido pela L. 10.826/2003, seja a arma de uso restrito (art. 16), como de uso permitido[footnoteRef:20]. Aquele que emprega arma de fogo na execução do crime de homicídio, também será responsabilizado pelo crime porte? A jurisprudência é dividida sobre o tema. A Quinta Turmado Superior Tribunal de Justiça decidiu que a absorção do crimede porte ilegal de arma de fogo (seja de uso restrito ou permitido) pelo delito de homicídiopressupõe que as condutas tenham sido praticadas em um mesmo contexto fático, guardando entre si uma relação de dependência ou de subordinação. Desse modo, o porte da arma de fogo deve ter como fim exclusivo a prática do crime de homicídio para ser absorvido como ante factum impunível. Ausente essa vinculação com o crime fim, não há falar em consunção, havendo, pois, crime autônomo de porte ou posse de arma de fogo21. Segundo este entendimento, ao qual vem prevalecendo, a absorção do crime de porte de arma de fogo depende do contexto fático. Se o porte é anterior ao fato e o sujeito já mantinha a arma em sua posse, deverá responder por ambos os crimes em concurso. Por outro lado, se o porte de arma ocorrer simultaneamente aos disparos, haverá absorção, pois constituirá em parte integrante da execução da ação mais ampla de homicídio. Temos que, se após uma calorosa discussão o agente busca uma arma, volta ao local e efetua os disparos fatais, há liame causal direto entre o fato de pegar a arma e a realização do homicídio, cuidando-se de um único contexto fático, uma única ação composta por atos em sequência e, portanto, o homicídio. Agora, na hipótese do sujeito já trazer consigo a arma de fogo sem licença da autoridade quando se iniciou a discussão, o porte foi anterior ao homicídio, devendo o agente também ser responder pelo crime de porte de arma de fogo. [20: Art. 14. Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, ] IX- contra menor de 14 (quatorze) anos Trata-se de hipótese qualificadora incluída pela Lei nº 14.344, de 24.05.2022 que criou mecanismos para a prevenção e o enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a criança e o adolescente em situação de violência doméstica e familiar, similar à Lei Maria da Penha. Foi inspirada na morte de uma criança de quatro anos de idade em 2021, Henry Borel, que foi vítima de violência praticada em ambiente doméstico, por espancamentos no apartamento em que morava com a mãe e o padrasto. Importante frisar que esta lei entrou em vigor apenas 45 dias após sua publicação, conforme exsurge do disposto em seu artigo 34 de modo que a aplicação da qualificadora. Considerando as normas contidas na Lei Complementar nº 95, de 1998, artigo 8º, § 1º, segundo a qual, a contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação (25.05.22) e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subsequente à sua consumação integral, a nova hipótese qualificadora ao crime de homicídio passará a ter aplicação aos fatos ocorridos partir de 09.07.2022. sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar:Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.Parágrafo único. O crime previsto neste artigo é inafiançável, salvo quando a arma de fogo estiver registrada em nome do agente. 21“1. A absorção do crime de porte ilegal de arma de fogo pelo delito de homicídio pressupõe que as condutas tenham sido praticadas em um mesmo contexto fático, guardando entre si uma relação de dependência ou de subordinação. Desse modo, o porte da arma de fogo deve ter como fim, exclusivo, a prática do crime de homicídio para ser absorvido como ante factum impunível. Ausente essa vinculação com o crime fim, não há falar em consunção, havendo, pois, crime autônomo de porte ou posse de arma de fogo. 2. A jurisprudência desta Corte firmou o entendimento de que somente é possível a aplicação do princípio da consunção quando o acórdão recorrido descreve, suficientemente, a situação fática que demonstra a presença dos seus requisitos. 3. Não restando evidenciada a relação de subordinação entre as referidas condutas, não é possível a aplicação do referido princípio por esta Corte, em sede de habeas corpus, pois tal exame demandaria a análise do acervo fático-probatório dos autos, providência que cabe ao Tribunal do Júri, órgão competente para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida e os a eles conexos. 4. Agravo regimental