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A linguística e o ensino de língua portuguesa 2

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Araraquara, 30 de dezembro de 2012 m " y • , 1 „ \ 
Tribuna Impressa IO LlIjcICIO • A23 
ESPAÇO UNESP 
Gladis Massini Cagliari é doutora em Ciências (Lingüística) pela Unicamp, Livre Docente em Fonologia 
pela Unesp - Araraquara, docente do Departamento de Lingüística e do Programa de Pós-Graduação err 
Lingüística e Língua Portuguesa da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp, câmpus de Araraquara 
Lingüística e ensino de Língua Portuguesa na escola 
O ensino de gramática tem sido 
apontado, por professores e profissio-
nais ligados à área, mas também — e 
principalmente — por alunos e ex-
-alunos, como responsável pelo forte 
sentimento de rejeição que alguns sen-
tem pelas aulas de Língua Portuguesa. 
No entanto, esses mesmos alunos, ao 
saírem da escola, sentem que algo lhes 
falta, para que possam desempenhar 
seu papel de cidadãos, de maneira 
mais plena, em termos lingüísticos. 
E este sentimento de falta acaba por 
fazer com que essas mesmas pessoas, 
no futuro, quando se transformam em 
pais e mães, temam que seus filhos 
não recebam uma formação adequada 
em língua materna. Entretanto, con-
traditoriamente, e talvez por não co-
nhecerem outro caminho, acabam por 
exigir que as escolas deem aos seus 
filhos o mesmo tipo de ensino de gra-
mática que eles próprios receberam. E, 
assim, o ciclo se fecha, e a sensação de 
frustração se perpetua, fazendo com 
que, nós, brasileiros, continuemos a 
manifestar o profundo complexo de 
incompetência lingüística, que nos 
faz sentir sempre inaptos na nossa 
própria língua, e que já é parte carac-
terística de nossa (baixa) autoestima. 
Passamos, inclusive, por um momento 
em que se fixa uma percepção de que 
o desempenho do brasileiro em ter-
mos de produção de textos escritos e 
orais tem piorado. 
Acreditamos que esse negativo 
complexo poderia ser minimizado 
pelo menos em parte se pudéssemos 
levar à escola conhecimentos desen-
volvidos recentemente pela ciência 
lingüística no Brasil. Entretanto, al-
gumas dificuldades têm impedido a 
chegada dessa nova abordagem no 
ambiente escolar. O mais forte deles 
diz respeito ao desconhecimento ge-
neralizado que há sobre a natureza da 
linguagem. Tal fator leva a uma série 
de preconceitos, que tendem a ser re-
forçados pela ação da mídia, através 
de livros, colunas em jornais, sites na 
internet e revistas e programas televi-
sivos, que prometem "soluções" para 
"erros" pontuais de gramáticas, nunca 
suficientes para resolver os proble-
mas de desempenho lingüístico oral 
e escrito que tanto preocupam pais e 
alunos, porque o problema é de base, 
muito mais profundo do que errinhos 
de gramática poderiam sugerir. 
Em reação aos estudos tradicionais 
de Gramática (normativos), a Lingüís-
tica oferece uma alternativa cientí-
fica, que busca nos múltiplos usos 
efetivos da linguagem no dia a dia 
da sociedade a descrição do seu fun-
cionamento. Dessa descrição resulta 
também uma gramática, mas em ou-
tro sentido, não em termos apenas de 
ditar o que é "certo" e "errado", mas 
no sentido de compreender e expli-
car todas as manifestações lingüísti-
cas que convivem no espaço social. 
Trata-se, portanto, de uma mudança 
total de atitude, na tentativa de ex-
plicar por que uma pessoa se expres-
sa de uma determinada maneira em 
uma situação específica. 
Por este motivo, algumas pessoas 
acabam por interpretar erroneamen-
te a atitude científica dos lingüistas 
como a proposta uma espécie de "vale-
-tudo", em que "tudo é certo" e "nada é 
errado". Nada mais falso, porém, por-
que o que se prega não é, simplesmen-
te, a supressão do ensino gramatical, 
' mas uma ampliação de horizontes, na 
direção de um ensino gramatical que 
leve em consideração a língua de uma 
maneira mais completa. Outra crítica 
comum quando se propõe uma mu-
dança de enfoque nos estudos gra-
maticais diz respeito ao fato de pais 
e professores costumarem interrogar: 
se retirarmos a gramática da escola, c 
que iremos colocar em seu lugar? C 
que se propõe é a colocação do textc 
no centro das atividades escolares e £ 
consideração da leitura como traba-
lho intelectual mais relevante, atravé; 
do qual a reflexão lingüística se dá a 
partir de manifestações reais e fun-
cionais da língua, e não a partir de 
listas de "decoreba" de fatos isoladoí 
e de exercícios "de fixação". Trata-se 
da proposta de outro tipo de trabalhe 
gramatical, em que a descoberta ds 
diversidade como fator constitutivo 
da riqueza lingüística é crucial. Tra-
ta-se de banir as concepções de "cer-
to" e de "errado", substituindo-as poi 
noções de "adequado"e "inadequado' 
a situações funcionais de linguagem 
das quais participam pessoas reais, err 
situações reais de uso da linguagem 
Recentemente, alguns lingüistas têrr 
se dedicado à proposição de ativida-
des que podem levar os alunos "mui 
to além da gramática"; entre os vário? 
nomes que poderiam ser citados, su-
giro inicialmente a leitura de obras dc 
Maria Helena de Moura Neves, Máric 
Perini, Irandé Antunes, Sírio Possenti 
José Luiz Fiorin e Marcos Bagno.

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