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LIVRO - Sociologia para não sociólogos - Annie Dymetman

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1 
 
 
 
 
 
 
 
SOCIOLOGIA PARA NÃO-SOCIÓLOGOS 
 
ENCONTROS COM A SOCIOLOGIA 
 
 
 
 
 
 
 
 
Annie Dymetman 
 
2007 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 2 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
 
 
 
INTRODUÇÃO 
ENCONTRO 1: Sociologia para não sociólogos 
ENCONTRO 2: Apresentação do curso e “dicas” da disciplina 
ENCONTRO 3: Formas do conhecer. 
ENCONTRO 4: A “cabeça” das novas tecnologias. 
ENCONTRO 5: A ciência e a modernidade. 
ENCONTRO 6: Interdisciplinaridade: o hipertexto das disciplinas, o 
hipertexto das ciências. 
ENCONTRO 7: Trabalho concreto e trabalho abstrato. 
ENCONTRO 8: Produção Material e Produção Imaterial. 
ENCONTRO 9: Indústria Cultural, “da mão ao olho”. 
ENCONTRO 10: Conhecendo a Dialética. 
ENCONTRO 11: A inclusão pela exclusão. 
ENCONTRO 12: Karl Marx e Max Weber, uma comparação. 
ENCONTRO 13: A razão dualista brasileira. 
 
 
 
 
 
 
 
 3 
INTRODUÇÃO 
Este livro visa colocar o leitor, em geral, e o aluno das disciplinas 
sociais e humanas em particular, em contato com as grandes mudanças por que a sociedade 
contemporânea atravessa, apresentando os temas e as questões na pauta das discussões 
atuais. Justamente devido à atualidade de parte dos temas, eles não estão inteiramente 
contemplados nos manuais de sociologia disponíveis, que serviriam de base para um curso 
introdutório. Assim, decidimos escrever, nós mesmos, o “nosso” manual. 
O texto, na sua maior parte, é o produto dos cursos de Sociologia realizados ao 
longo do ano letivo de 2006 aos alunos dos primeiros anos noturnos de Direito e de 
Comércio Exterior, da Universidade São Judas Tadeu. 
A partir de um roteiro experimental, a aula era ministrada e, com a participação dos 
universitários, por meio de questionamentos e dúvidas que um material tão novo suscitava, 
traçamos as linhas gerais e os exemplos que comporiam o texto. No momento de redação 
de cada um dos nossos encontros, as sugestões, perguntas e críticas dos estudantes eram 
inseridas no roteiro inicial. Nossa escrita, portanto, tem o perfil de um hipertexto que se 
constrói à medida que vai sendo escrito. Como diz a música, é “o caminho que se faz ao 
andar”. Trata-se de um texto democrático, em que a voz de todos está presente. 
Cada encontro tinha um objetivo específico a ser atingido. A didática 
tinha a forma de uma construção, o que exigiu a concentração e a participação intensa dos 
alunos, a quem são dirigidos aqui os nossos agradecimentos. 
Os estudantes e pessoas interessadas em aprofundar suas leituras encontrarão no 
final do nosso texto parte da relação bibliográfica que serviu de base para os encontros, e 
que estão indicadas nas notas de rodapé, sempre que citados. Como se trata de bibliografia 
recomendada, são textos fáceis de encontrar e interessantes. 
ENCONTRO 1: Sociologia para não-sociólogos 
Para que serve um curso de sociologia para o aluno que pretende ser advogado, juiz, 
delegado, empresário, administrador, consultor de negócios, médico, enfermeiro, 
fisioterapeuta, educador, assistente social ou mesmo atendente de alguma ONG? E por que 
esses mesmos profissionais não precisam de um curso de Engenharia para não engenheiros 
ou de Física pra não físicos, de Medicina para não médicos ou, ainda, de Química para não 
químicos? 
 4 
Seria para preencher a grade acadêmica? Ou para dar emprego aos sociólogos? Ou 
seria simplesmente porque a Sociologia, que lida com as relações entre os homens, é uma 
disciplina interessante à formação cultural dos alunos? 
Obviamente, nenhuma das respostas será a verdadeira. 
Então, se os futuros profissionais mencionados acima não pretendem fazer o que os 
sociólogos fazem, por que o curso de Sociologia é obrigatório? E além de obrigatório, 
ministrado logo no 1º ano, juntamente com as outras disciplinas introdutórias específicas? 
O que justifica um extenso curso de Sociologia, e que pode não ser óbvio num 
primeiro momento, é que o Direito, assim como a Administração e o Comércio Exterior, a 
Medicina, a Enfermagem, a Assistência Social, a Educação são, todas elas, ciências sociais. 
Embora, na sua maior parte, sejam disciplinas operacionais, práticas, quase técnicas, todas 
ocorrem dentro do contexto social geral. Em outras palavras, nenhuma delas é uma bolha 
solta no espaço, nenhum desses saberes é auto-suficiente como, por exemplo, a Aritmética 
e a Geometria. 
Embora, de um lado, o nascimento da Aritmética - as operações simples - se deva à 
necessidade de contagem da propriedade – o número de cabras de um rebanho, por 
exemplo – para fins de troca e, de outro, os fundamentos da Geometria se devam à 
necessidade de demarcação da propriedade territorial, esses corpos de conhecimento foram 
construídos numa lógica interna própria, desligada da realidade da natureza e dos homens. 
Assim, pode-se dizer que suas verdades independem da época histórica em que foram ditas. 
A equação 1+1=2, por exemplo, dentro do contexto da Aritmética, é sempre verdadeira, 
assim como na Geometria, a área de um retângulo é sempre a base multiplicada pela altura. 
Eram verdadeiras na Grécia Antiga, na Idade Média, nos tempos da Revolução 
Francesa, assim como hoje, na Idade Contemporânea. Tampouco dependem do sistema 
político em vigor, seja ele democrático ou totalitário, seja ele monarquia ou república. Nem 
dependem do tipo de tecnologia adotada pela sociedade, seja ela a artesanal das tribos 
antigas ou das sociedades mais modernas com a energia do vapor, do motor de explosão, da 
eletricidade ou da atual, a tecnologia digital, da informática, da Internet. 
Sistemas de saber abstratos que, enquanto sistemas, existem apenas na cabeça dos 
homens, conservam-se sempre os mesmos, porque não são tocados pela realidade concreta 
e cotidiana da vida. O mesmo não ocorre quando os sistemas de saber são resultado da 
 5 
vontade, das opiniões, dos desejos, dos valores, dos julgamentos, das paixões e dos sonhos 
dos homens. 
Neste sentido, os números da Aritmética ou as leis da Geometria, por não estarem 
diretamente relacionadas à realidade concreta e empírica, em si mesmos, não têm valor. 
Eles são neutros. Não se pode dizer que o número 7 seja mais bonito que o número 8, por 
exemplo. Ou mais justo, ou melhor. Os números, em si, não têm valor algum. Se, 
entretanto, eu os coloco dentro da realidade concreta, como a nota de uma prova, ou como 
o preço de um carro novo, como valor, então sim, o 8 pode ser melhor que o 7 e pior que o 
9. Assim, o que transforma o número - que, em si, não tem valor - em valor é o significado 
que os homens lhe atribuem. 
Outro exemplo, embora exagerado, é a piadinha: “quando é que 1+1=3?”. Ora, 
“quando uma mulher e um homem jovens e saudáveis estão numa ilha deserta”. Em outras 
palavras, até mesmo a verdade absoluta da Aritmética, que 1+1=2, quando colocada dentro 
de um contexto social específico, pode ser refutada. 
É neste sentido que a Sociologia - que trabalha com as relações entre os grupos e as 
sociedades humanas - é fundamental para dar contexto e, através do contexto, dar sentido e 
atribuir significado específico a todas as disciplinas sobre as quais falamos anteriormente. 
É a Sociologia que vai desvendar os contextos sociais gerais, os processos históricos, 
políticos e econômicos que desenvolveram e continuam desenvolvendo as técnicas e o 
modus operandi das diversas profissões, a fim de torná-las de fato eficientes e trazer 
resultados cada vez mais positivos e atualizados. 
Justamente por isso, a Sociologia, por dever de profissão, está sempre com o dedo 
no pulso da realidade sociale, portanto, é uma das disciplinas que mais acompanham as 
mudanças sociais, atualizando-se constantemente. 
Entretanto, há já alguns anos, os cursos de Sociologia Geral, bem como os manuais, 
têm soado obsoletos. Há uma sensação de “descompasso” entre o que ocorre na sociedade 
contemporânea, o estudo que dela fazemos e, principalmente, o sentido que damos ao 
estudo, devido ao enorme impacto e velocidade das mudanças. Nas duas últimas décadas, 
temos a impressão cada vez maior de estar dentro do olho do furacão das mudanças. É 
como se o próprio ritmo acelerado das transformações tivesse, também ele, se 
 6 
transformado, fugido ao nosso controle, no sentido de que vivemos hoje um tempo de 
aceleração da própria aceleração. 
As mudanças, que ocorrem nas dimensões mais importantes da vida dos homens e 
das suas instituições, acontecem tão rapidamente que parecem atropelar umas às outras. 
Quando assistimos ao noticiário na televisão, por exemplo, que dá suas informações em 
tempo real, com diferença de poucas horas entre o ocorrido e a notícia, esta parece chegar 
já envelhecida e superada. Sequer temos o tempo e o gostinho de comentá-la, como 
fazíamos no passado, porque logo depois de apresentada, é substituída por outra, mais 
importante, mais urgente, mais significativa. 
 Uma causa central dessa “aceleração da aceleração”, dessa sensação de perda de 
controle do próprio ritmo das mudanças em nossa atualidade, como se o maquinista da 
locomotiva do nosso presente tivesse saltado para fora do trem, está na revolução 
permanente dos meios de comunicação, conseqüência produzida pelas novas tecnologias da 
informação, pela revolução digital, que atinge todos os setores da vida humana. 
Vejam só como são grandes as mudanças e como elas envolvem todos os aspectos 
não só do nosso cotidiano, como da leitura que fazemos, até das gerações que nos 
antecederam; mudanças que nos deixam perplexos em relação ao rumo que as coisas ainda 
podem tomar no futuro próximo e longínquo. Antes de citar alguns exemplos dessas 
mudanças, queremos tranqüilizá-los em relação à avalanche de informação dos parágrafos a 
seguir, pois no decorrer dos nossos encontros abordaremos cada uma delas, em seu devido 
tempo. 
No setor da economia, o grande acontecimento introduzido pela revolução digital 
foi a globalização financeira, através da qual, diariamente, dois trilhões de dólares – dois 
trilhões de dólares! - são aplicados e transferidos de um país a outro, de um continente a 
outro, através do simples clique de um mouse, num “piscar de olhos”. Através dessa 
globalização financeira, podemos falar em um mercado global homogeneizado, do qual 
todas as nações participam. 
No setor da política, o grande acontecimento, os eventos que serviram de 
detonadores da mudança foram a queda do Muro de Berlim em 1989, a conseqüente 
dissolução da União Soviética e o fim da Guerra Fria, que trouxe um novo reparto mundial 
do poder, com novos atores e parceiros internacionais – novas nações, grandes 
 7 
organizações não-governamentais, as ONGs, grupos empresariais multinacionais e blocos 
de nações como a União Européia -, homogeneizando a política global e possibilitando, 
através das novas tecnologias de informação, a visibilidade permanente de todos estes 
novos atores. 
No reino da cultura – com fortes reflexos na economia - assistimos à globalização e 
à homogeneização do consumo e, portanto, da produção, que inclui desde marcas de 
alimento e refrigerantes, estilos de vestir, de decorar nossas casas, até artefatos tecnológicos 
como o computador (Internet, Orkut, Wikipédia), o celular, o CD, o MP3, o MP4 e a 
globalização e a homogeneização das músicas que ouvimos, dos filmes e seriados a que 
assistimos, e assim por diante. 
No reino do trabalho, tivemos grandes mudanças, das quais as principais são, sem 
dúvida, a flexibilização – principalmente o trabalho sem carteira assinada -, a terceirização 
– o trabalho que, ao invés de ser realizado por operários assalariados, é feito por uma outra 
empresa, como serviço prestado - e o desemprego – resultante da substituição dos homens 
por máquinas e da informatização do trabalho. Em todo o mundo, com fortes repercussões 
políticas, de forma quase que globalizada, a todo instante ficamos sabendo de 
manifestações – umas mais, outras menos violentas -contra a desregulação do trabalho ou 
reivindicando melhora na legislação trabalhista. 
No reino do comércio, em todo o mundo, por conta da informatização, compramos 
mercadorias cada vez mais virtuais, menos tangíveis, menos concretas. Ao invés de objetos, 
compramos o acesso a serviços, por exemplo, na forma de assinatura mensal ou anual, 
como é o caso da Internet ou da telefonia celular. Ou, então, ao invés de comprarmos a 
roupa, compramos a marca da roupa, a etiqueta; assim, embora vistamos a roupa, na 
verdade estamos usando a etiqueta. Em outras palavras, a roupa é só um pretexto para 
usarmos a etiqueta. 
No reino do consumo, da demanda, falamos de um cliente cada vez mais exigente, 
informado, conectado. O produto - objeto concreto, acesso, atendimento ou prestação de 
serviço - deve ser cada vez mais personalizado e individualizado. O cliente faz do consumo 
uma relação pessoal, quase que amorosa, de reconhecimento de sua própria identidade, 
enfim, de “seu lugar no mundo”. 
 8 
No reino do direito, além das mudanças advindas por conta da desregulação do 
trabalho, outras duas grandes mudanças importantes vêm ocorrendo: uma na área do direito 
internacional, com o surgimento dos novos atores políticos a que nos referimos 
anteriormente, e a outra, não menos importante, o aprofundamento dos direitos humanos 
que, dos direitos fundamentais – conhecidos como direitos de primeira geração, tais como o 
direito à vida – se estenderam aos direitos sociais – direitos ao trabalho decente, de segunda 
geração - e, atualmente, aprofundam-se nos direitos civis. 
No reino da vida, o desenvolvimento da farmacêutica e da medicina nos possibilita 
viver muito, muito mais. Não só a mortalidade infantil diminuiu significativamente, como a 
longevidade aumentou de forma vertiginosa. Os “velhos” do passado (aos 50, 60 anos), 
com uma expectativa de vida muito maior, estão hoje “recomeçando” suas vidas, entrando 
em novas profissões, em novos cursos e mesmo em novas relações amorosas, constituindo-
se em novo nicho de consumidores. 
Como vêem, justifica-se plenamente a sensação de que um curso de Sociologia, tem 
de acompanhar todas essas mudanças, atualizar-se, renovar sua própria forma, fazendo 
parte deste novo momento histórico, em que tudo é novo, a fim de assimilar os “novos 
ritmos” e a “nova cabeça” da sociedade contemporânea. 
Neste novo mundo, com o surgimento de novas relações comerciais e de prestação 
de todo tipo de serviços, com o novo direito, as novas demandas, o novo reparto mundial, 
também uma nova sociologia se faz necessária. 
A inspiração para inovar este trabalho foi a frase de um artigo da revista semanal do 
jornal Folha de São Paulo, muito sugestiva, sobre o forte impacto das novas tecnologias da 
informação, e que dizia: “a nova geração é nativa de um país no qual a velha geração fala 
com sotaque”. Tratava-se de uma metáfora, em que “o país” era justamente a nova 
sociedade da informação, a sociedade digital, também denominada sociedade da 
inteligência ou mesmo sociedade do conhecimento. Neste país, a nova geração, a geração 
dos nossos alunos, é apresentada como totalmente integrada às novas tecnologias - do 
computador ao celular e aos games sofisticados -, enquanto a velha geração ainda encontra 
dificuldades de adaptação: a velha geração fala a nova linguagem, a linguagem da 
informação, com“sotaque”. 
 9 
Quantos jovens não têm, ainda hoje, de ajudar os pais na resolução de algum 
problema de computador, do DVD, ou da Internet. Quantas vezes ouvimos os mais velhos 
se queixarem de não acompanhar todas essas inovações, e quantas vezes ouvimos dizer que 
a nova geração já vem, “de fábrica”, sabendo acionar todos os novos equipamentos! 
Foi nessa direção que o nosso trabalho foi transformado. Ao invés de iniciarmos lá 
atrás, no passado distante, na formação da Sociologia como disciplina, para explicar como 
chegamos aonde estamos, tomamos como ponto de partida o presente, a nossa atualidade, o 
mundo contemporâneo. Iniciamos, portanto, de dentro do próprio “olho do furacão”, 
perguntando-nos sobre as conseqüências trazidas pela revolução digital, pelo que 
denominamos anteriormente a aceleração da aceleração, esta sensação de estarmos sempre 
correndo atrás do tempo, correndo atrás deste nosso presente que já chega em 
transformação. 
 * * * * 
Neste ponto, para fechar nosso primeiro encontro, vamos falar dos dois paradoxos 
da Sociologia para aqueles que dela se aproximam pela primeira vez. 
O primeiro deles reside no fato de que todos nós, por vivermos em sociedade, 
conhecemos de antemão os fenômenos que a Sociologia estuda: a desigualdade, o poder, a 
violência, a família, a amizade, o casamento, a educação, o trabalho, a pobreza, e tudo 
aquilo que é humano e socialmente significativo. Não só conhecemos, como temos e 
emitimos opiniões a respeito de todos eles. Este é o primeiro paradoxo: vamos estudar algo 
que já sabemos. 
Como resolvê-lo? Como transformar algo já “manjado, degustado e deglutido” 
numa nova experiência? Pois a resposta está implícita no que até aqui dissemos que é a 
própria função da Sociologia: a de encararmos a nossa “velha sabedoria”, nossas opiniões 
já formadas e cristalizadas sobre os fenômenos sociais do nosso cotidiano, como uma 
sabedoria parcial e contingente, fruto de um determinado momento histórico, de uma 
determinada sociedade, de uma determinada camada social, fruto, enfim, da biografia de 
cada um de nós. A postura que faz a diferença, portanto, é ao invés do “já sabemos”, 
passarmos para o “supomos que já sabemos, mas vamos conhecer como é que pessoas de 
outros grupos sociais do nosso próprio tempo e da nossa própria sociedade sabem”. 
 10 
 É como se nós, com nossas crenças, opiniões, julgamentos e desejos, nos 
tornássemos o objeto do nosso próprio estudo. Dito de outra forma, a nossa atualidade, o 
mundo no qual estamos inseridos, ao invés de ser por nós vivido, torna-se o tema do nosso 
ponto de partida. Nós nos debruçaremos sobre nós mesmos, refletiremos sobre nossas 
próprias vidas, sobre as diversas formas do nosso viver atual, sobre as nossas instituições, 
nossas organizações e as formas de relações. Trata-se, portanto, de uma atitude reflexiva, 
em que somos o sujeito e o objeto do nosso próprio conhecimento. 
O segundo paradoxo está relacionado com a definição da Sociologia. Afinal, o que é 
Sociologia? Nas páginas anteriores, embora não tivéssemos definido exatamente o que é a 
Sociologia, já começamos a praticá-la, ao fazermos nosso rápido sobrevôo sobre algumas 
das dimensões mais importantes da nossa vida em sociedade: a política, a economia, o 
comércio, a tecnologia, e assim por diante. Este é o segundo paradoxo: por vivermos nossa 
vida em sociedade, fazemos sociologia antes mesmo de saber o que ela é. 
ENCONTRO 2: Apresentação do curso e “dicas” da disciplina 
Como vimos no nosso primeiro encontro, faremos sociologia sem sabermos 
exatamente o que ela é, de forma que recomendamos algumas dicas que, aliás, serão 
retomadas várias vezes ao longo dos nossos encontros, a fim de facilitar ao leitor a reflexão 
sobre os fenômenos sociais aqui em discussão e a fim de que essas mesmas dicas se 
tornem, cada vez mais, parte do cotidiano do estudante, uma postura com a qual ele se 
familiarizará cada vez mais. 
Em primeiro lugar, de forma geral, o “objeto da Sociologia é a 
sociedade”. Entretanto, é recomendável não usar expressões do tipo “a sociedade 
brasileira”, ou “a sociedade é contra o crime”, “a sociedade é a favor da democracia” etc., 
pois elas colocam as perguntas: “de quem é que estamos falando?”, “quem é a sociedade 
brasileira?”. 
A sociedade brasileira são os cidadãos brasileiros? E os estrangeiros que 
vivem no Brasil, não pertencem à sociedade brasileira? E aqueles que não estão registrados 
como cidadãos? Aqueles não têm carteira de identidade? Veremos que, na verdade, a 
sociedade brasileira é formada por uma multiplicidade de segmentos. Portanto, quando 
falarmos de algum coletivo, devemos ter o cuidado de indicar claramente a qual segmento 
nos referimos. 
 11 
Exemplo: “os jovens das camadas mais elevadas dos grandes centros urbanos no 
Brasil são os maiores consumidores de marcas da moda”. 
 
Dica 1: Uma das dificuldades para os que estão se iniciando no 
pensamento sociológico é de que os temas sobre os quais a sociologia versa são os mesmos 
do “cidadão comum”, do “indivíduo do cotidiano”, do ator social, como violência, 
desemprego, desigualdade, política etc. A diferença, entretanto, é de postura. O ator social 
emite a sua opinião sobre um fato violento, enquanto que ao sociólogo interessa a opinião 
do ator social sobre aquele fato. Ou seja, quando em Sociologia falamos em violência, 
referimo-nos às diversas falas dos diferentes segmentos da sociedade sobre a violência. 
Nossa opinião sobre a violência só é relevante quando somos atores sociais e não quando 
somos sociólogos. 
Portanto, poderíamos resumir a diferença entre o sociólogo – o cientista 
social – e o homem do cotidiano, segundo o esquema a seguir: 
O ator social pensa a liberdade – o objeto de pensamento do ator social é a 
liberdade. 
O sociólogo pensa a liberdade, refletindo sobre o pensamento do ator social sobre a 
liberdade – o objeto de pensamento do sociólogo é o ator social. 
 
A grande vantagem de discutirmos uma questão social - por exemplo, o 
Estado de direito - a partir de “como o outro pensa esta determinada questão”, é de ver com 
mais clareza de onde é que cada um está falando, quais são os interesses ou quais os valores 
que os levam a pensar a questão desta ou daquela maneira, o que nos dá uma visão muito 
mais ampla da questão em si e do contexto social e político no qual está inserida. 
Para entender a diferença entre “estar tomado pelo tema em questão” - 
estar envolvido emocionalmente - e “analisar de fora” – ter uma postura neutra -, tomemos 
como exemplo um acontecimento da recente da realidade brasileira, o segundo turno da 
eleição para presidente do Brasil, que tinha como candidatos, de um lado, o presidente em 
exercício e, de outro, o ex- governador de São Paulo, licenciado do governo justamente 
para participar das eleições à presidência. O exemplo aqui sugerido é o de uma mesa 
redonda para discutir os resultados do segundo turno, da qual participavam vários cientistas 
sociais. 
Pois bem: a discussão da mesa estava em torno do eleitor brasileiro. Um 
 12 
participante colocou que a questão central para o eleitor estava entre de um lado, a ética, 
representada pelo candidato ex-governador, que a todo momento, durante a campanha das 
eleições, atacava seu oponente, acusando seu governo de inúmeros atos imorais de 
corrupção e compra de votos de parlamentares. E, de outro lado, o social, a luta pela 
igualdade, representada pelo candidato-presidente que, durante toda a campanha eleitoral, 
lembrava as grandes quantias de dinheiro que seu governo havia investido em programas 
sociais. 
Tão logo a opção entre a ética e o social foi colocada para debate, os participantes,que além de cientistas sociais eram também atores sociais, isto é, eleitores com partidos de 
sua preferência, começaram a discutir ética e igualdade. 
Os participantes que apoiavam o candidato ex-governador atacaram os projetos 
sociais do presidente, no sentido de que “dão o peixe, mas não ensinam a pescar”, enquanto 
os que apoiavam o candidato-presidente atacaram a postura ética do outro candidato, 
lembrando que seu partido, de há muito tempo, estava mergulhado em corrupções. Todos 
os participantes, portanto, estavam atuando como atores sociais e não como cientistas. 
Quando a discussão parecia não ter fim, um dos participantes, que até então se 
mantivera em silêncio, tomando a postura de um cientista e não de ator social, redirecionou 
o debate, lembrando que todos eles não estavam ali para expressar suas próprias 
preferências sobre qual dos dois candidatos era o melhor, mas sim para tentar entender o 
eleitor brasileiro, para tentar explicar por que ele havia preferido o candidato-presidente, 
apesar dos casos de corrupção que vieram à tona no último ano e meio de seu mandato. 
A conclusão desse exemplo é que enquanto o ator social emite opiniões, julga 
situações e expressa preferências, o cientista social analisa, constrói hipóteses ou elabora 
teorias que expliquem as razões que levaram o ator social a ter esta ou aquela opinião, esta 
ou aquela preferência ou a julgar uma situação de determinada maneira e não de outra. 
 Dica 2: A Sociologia, como já dissemos, tem por objeto de estudo a 
sociedade. Como a sociedade está em perpétua mudança, e como os fenômenos sociais 
podem ocorrer num amplo espectro de dimensões – familiar, cultural, institucional, 
governamental, jurídica, econômica, comercial etc. -, para entendê-los é recomendável usar 
três critérios gerais: a. do conhecimento; b. da economia; c. da política. 
Em outras palavras, sempre ajuda nos perguntarmos: 
 13 
a. Critério do conhecimento 
Que mudanças o fenômeno estudado traz em relação à maneira pela 
qual em determinada época e em determinada sociedade as pessoas decidem o que é 
verdadeiro? 
b. Critério da economia 
Que mudanças o fenômeno estudado traz em relação à maneira pela 
qual em determinada época e em determinada sociedade as pessoas produzem, distribuem e 
consomem bens e riquezas? 
c. Critério da política 
Que mudanças o fenômeno estudado traz em relação à maneira pela 
qual em determinada época e em determinada sociedade as pessoas exercem seu poder de 
mando, sua influência e suas relações de dominação? 
Exemplo: na sociedade contemporânea, que mudanças a tecnologia da 
informação trouxe para a) o conhecimento; b) a economia e c) a política? 
 
 Como o ingresso na universidade é, em si mesmo, um fenômeno social, fica aqui a 
sugestão para uma primeira prática sociológica: que cada um reflita sobre as mudanças que 
espera ocorrerem em seu primeiro ano de curso na instituição, em termos de formas de 
conhecimento, formas de produção de riquezas e formas de exercício de poder. 
 E, para completarmos este segundo encontro, vejamos como aplicar as nossas dicas 
sociológicas: 
 1. Voltando à questão “quem é a sociedade brasileira?”, vale lembrar que ela não é 
homogênea; ao contrário, é constituída por uma multiplicidade de segmentos. Essa 
diversidade é tão verdadeira, que até mesmo um único indivíduo representa uma 
multiplicidade de segmentos, porque cada um de nós tem, “dentro de si”, internalizada, a 
sociedade. 
 Do momento em que nascemos, somos criados por nossos pais, pela família e, 
depois, pela escola, pelo grupo de amigos e assim por diante, de forma que ao longo de toda 
a nossa vida, estamos num processo contínuo e constante no qual “a sociedade entra em 
nós”, no qual interiorizamos vários aspectos da cultura que vivemos e dos grupos a que 
pertencemos. Esse processo contínuo e constante que nos torna e nos reafirma como seres 
sociais é a socialização. 
 14 
Se não, como poderíamos falar em cultura? Como poderíamos ser entendidos ao 
falar? O espectador solitário de um programa de televisão não faz parte da sociedade? Não 
está ele inter-agindo com muitos aspectos criados pela sua cultura (língua, música, 
propaganda, moda, jogos, esportes etc.)? 
Na verdade, são tantos os segmentos sociais quanto as possibilidades de categorizar 
as pessoas. Inclusive, com o passar do tempo e com o desenvolvimento da sociedade, 
alguns segmentos sociais vão se transformando, outros desaparecem e, ainda, novos 
segmentos vão surgindo. 
Por exemplo, até recentemente, todos os especialistas ligados ao mundo da 
informática, denominados analistas simbólicos, os programadores e os hackers, não 
existiam. Tampouco existiam os investigadores especializados nos crimes de informática. 
O conceito de segmento social é importante porque nos dá uma visão, entre outras, 
de segmentos ou nichos de mercado, de tribos urbanas e de grupos sociais. Da mesma 
maneira que novos segmentos sociais são criados, também surgem, de acordo com o nosso 
exemplo, novos nichos de mercado. 
 Falamos das categorias etárias – infância, adolescência e juventude – e de como 
essas categorias têm seu sentido transformado em função, justamente, da segmentação do 
mercado. A categoria “jovem” tem se tornado cada vez mais ampla, incluindo um número 
cada vez maior de pessoas. As crianças tornam-se adolescentes mais cedo – hoje temos 
maquiagem e moda “badalada” para “consumidoras a partir dos oito anos de idade” -, 
enquanto os adultos “esticam” a juventude cada vez mais, por conta dos avanços da 
medicina, da indústria farmacêutica e da indústria cosmética. 
 Novas categorias trazem em seu bojo novos segmentos de mercado. Os movimentos 
sociais, que defendiam direitos iguais para as mulheres, para os homossexuais e para os 
negros, terminaram, entre outras conseqüências, desembocando em um mercado voltado 
para essas questões, desde produção cultural - como revistas, literatura especializada etc. - 
até uma série de produtos de consumo ligados à aparência, por exemplo. 
2. Voltando à questão da diferença entre o sociólogo e o ator social, vimos a 
diversidade de discursos – a diversidade de interpretações - que um fato social pode ter e 
como ao sociólogo interessam, justamente esses discursos diferentes, pois eles permitem 
ver os valores que estão por trás deles e, portanto, a diversidade de segmentos também. 
 15 
 Tomemos como exemplo a narrativa, feita em classe, por um de nossos 
alunos, da cena a que assistiu no ônibus a caminho da faculdade: “o caso da mendiga 
idosa”. Tratava-se de uma senhora que se queixava aos demais passageiros, de sua difícil 
situação econômica e social e que, para driblar a fome, via-se obrigada a comer comida da 
rua. Em meio ao relato, a senhora pegou algumas migalhas de comida do chão do ônibus e 
comeu-as. 
 Os alunos deram algumas interpretações do fato, todas elas representando 
importantes conceitos que veremos ao longo dos encontros, como: 
1. “Cadê o Estado que deveria cuidar de seus cidadãos?” (sic). 
 Comentamos o fim do Estado de bem estar, do estado intervencionista. 
2a. “A indiferença das pessoas, a falta de solidariedade”. 
Comentamos o recente fortalecimento da sociedade civil e o enorme aumento no 
número de ONGs – organizações não governamentais. 
3a. “A mendicância como profissão e a mendiga como profissional”. 
 Comentamos como a dimensão de espetáculo, a imagem, a marca, tem se tornado uma 
característica cada vez mais presente na sociedade atual. 
 3. Finalmente, à guisa de apresentação do plano do curso, retomemos os três 
critérios de análise dos fatos sociais e as questões a que nos referimos no primeiro 
encontro: 
“Quaisas mudanças que a tecnologia da informação trouxe à sociedade 
contemporânea, em termos de a) conhecimento, b) economia e c) política?” 
No nível do conhecimento, veremos os conceitos que envolvem a sociedade em 
rede e a era do acesso. 
No nível da economia, veremos a questão do desemprego, da auto-gestão da 
carreira e a noção de Eu s/a (Eu Sociedade Anônima). 
No nível da política, veremos a idéia de grupos transnacionais e de organizações 
não governamentais – ONGs. 
 ENCONTRO 3: Formas do conhecer. 
Como anunciamos anteriormente, neste encontro damos propriamente início ao 
curso de sociologia com a pergunta: quais as mudanças que as novas tecnologias da 
informação e da comunicação trouxeram para a construção do conhecimento? 
 16 
 Antes de começar a responder, devemos esclarecer como é que, neste nosso contexto, 
se processa o “conhecimento”. Como é que conhecemos? De um modo geral, quais as 
formas pelas quais conhecemos? 
1. A primeira resposta que nos vem à mente é: conhecemos através da 
experiência concreta. Qualquer nova situação por que passamos, qualquer nova 
experiência, acrescenta-nos algum novo conhecimento. 
As novas experiências, por exemplo como universitários, têm trazido uma série de 
novos conhecimentos sobre os vários departamentos da universidade, sobre os professores, 
os colegas, os horários etc. e, a cada repetição de experiência, o conhecimento adquirido vai 
sendo reforçado e confirmado. O conhecimento que nos vem através da experiência, que 
também pode ser chamado de conhecimento da vida vivida, é do tipo: “saiu na chuva, é 
para se molhar”, ou seja, ao entrarmos em contato com o mundo, a todo momento, podem 
surgir situações desconhecidas, novos desafios, que demandam soluções e respostas 
inovadoras. Ao longo da vida vamos, portanto, aumentando o nosso arcabouço de desafios 
e soluções, o que nos torna cada vez mais experientes, cada vez mais “sábios”. 
2. Uma outra forma de conhecimento é aquela que vigorava, sobretudo, na 
Idade Média: o conhecimento dado, ou melhor, revelado, através da fé. Ao clero, à Igreja 
cabia interpretar a revelação divina e transmiti-la às pessoas simples e iletradas que eram a 
maioria da população. Era a revelação divina que ditava o conhecimento do mundo. Esse 
tipo de conhecimento, dado por outrem e a partir de um princípio estranho à razão, ao qual 
as pessoas deviam se submeter, é um conhecimento heteronômico, ou seja, as regras = 
nomos, são dadas por outrem = hetero, enquanto que o conhecimento científico, que 
veremos em seguida, é autonômico ou autônomo, ou seja, as regras desse conhecimento = 
nomos, são dadas pelo próprio homem = auto. 
 3. E, finalmente, uma terceira forma de conhecimento é aquela que, por excelência, 
caracteriza a Modernidade, é o conhecimento científico, o conhecimento da razão 
científica, o conhecimento racional. Ele é geralmente adquirido através da pesquisa e está 
ligado à experiência concreta, ao mundo empírico. A pesquisa científica segue uma série de 
normas metodológicas que lhe asseguram a validade. Trata-se de um conhecimento que 
pode ser realizado por diferentes formas de observação, de medição e de experimentos, e 
que inclui, dentre outras possibilidades, verificação, reprodução e objetividade. 
 17 
De uma forma geral, portanto, podemos falar em três fontes do conhecimento – a 
experiência própria, a religião (pelo princípio da fé) e a ciência (pelo princípio da razão). 
Embora o conhecimento científico caracterize a nossa época, não impede que as 
outras duas fontes - da vida vivida e da religião - também estejam presentes, embora com 
menor legitimidade e em âmbitos mais específicos. 
Voltaremos a falar com mais profundidade sobre as formas do conhecimento em 
outra fase do trabalho, ao discutirmos o nascimento da Modernidade. 
Vemos que experiência, religião e ciência, além de serem as fontes do 
conhecimento, são também as formas pelas quais adquirimos um conhecimento confiável, 
um conhecimento que consideramos verdadeiro. 
 Dizemos: 
a. “Sei que isso é verdade, porque confirmei através da minha própria 
experiência”. 
b. “Sei que isso é verdade, porque confirmei através de pesquisas 
científicas, realizadas por cientistas reconhecidos”. 
c. “Sei que isso é verdade, porque assim está escrito nas Sagradas 
Escrituras”. 
Assim sendo, podemos dizer que, quando falamos em diferentes formas de 
conhecimento, estamos, em outras palavras, falando em construção da verdade. E como em 
diferentes épocas e em diferentes sociedades, mudam-se as formas de conhecer, podemos 
concluir que existem diferentes formas de se construir a verdade e que, portanto, a verdade 
é uma construção social. 
Voltemos então à pergunta com que abrimos este encontro: que mudanças a 
tecnologia da informação trouxe para a construção da verdade, do conhecimento 
verdadeiro? 
Levando em consideração o que afirmamos no início deste trabalho, de 
 que o objeto da Sociologia é pensar como os homens de uma determinada sociedade 
pensam, nossa pergunta agora é: quais as mudanças que a tecnologia da informação trouxe 
para o conhecimento e para o pensamento da nossa época? 
Enumeramos uma longa lista de mudanças: a velocidade, o bombardeio de 
informações, o controle e o anonimato, o controle e, ao mesmo tempo, o descontrole, a 
 18 
dependência e a independência, as liberdades de opinião, de interpretação e de escolha, a 
democratização da informação, inclusão e exclusão digital, a virtualidade e a 
imaterialidade, a comodidade, a rede, o acesso etc. Dentre essas mudanças, as mais 
importantes, passaremos a considerar com mais profundidade, no nosso próximo encontro. 
ENCONTRO 4: A “cabeça” das novas tecnologias. 
Neste encontro, como prometido ao encerramos o anterior, vamos nos deter um 
pouco mais nas principais inovações produzidas pelas novas tecnologias digitais. 
Velocidade (1) 
Pode-se conseguir conhecimento e informações em grande velocidade. 
Por conta dos desenvolvimentos da informática e da eletrônica, inclusive com as diversas 
mídias se informatizando – o nome desse processo em que uma mídia alimenta e 
desenvolve uma outra mídia, é sinergia - podemos, à hora do jantar, sentados com a família 
ao redor da mesa assistir, pela televisão, aos acontecimentos ao mesmo tempo em que estes 
ocorrem, simultaneamente. Por ocasião da Guerra do Golfo, por exemplo, assistíamos aos 
bombardeios em tempo real, como se estivéssemos dentro da cabine do avião, e não ao 
redor da mesa, jantando com a família. Uma das conseqüências dessa altíssima velocidade 
– da simultaneidade – dos eventos é que a percepção do tempo está se transformando, como 
afirma Zygmunt Bauman1. O tempo começa a perder a sua forma, diz Bauman, 
confundindo-se o que anteriormente conhecíamos como presente, passado e futuro. É, diz o 
autor, como se o tempo se liquidificasse, perdendo sua forma própria e tomando a forma de 
seu receptáculo. 
Velocidade (2) 
O mesmo que ocorre com o tempo, que se torna líquido, por conta da 
velocidade, acontece com o espaço. Ora, se estou simultaneamente à mesa de jantar em São 
Paulo e sobrevoando o Iraque; ou se, juntos em classe, escrevermos um poema e, antes 
mesmo do término do nosso encontro, ele já poderá ter sido lido pela classe de uma 
universidade no Japão; ou se, ainda, dois trilhões de dólares mudam de continente 
diariamente, ao clique de um mouse, então a percepção do espaço, do território, das 
fronteiras, está passando por uma transformação tão grande quanto a do tempo. O espaço, 
diz Bauman, está se desterritorializando. 
 
1 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeirio: Jorge Zahar, 2001.19 
 Acesso, democratização da informação, inclusão e exclusão digitais 
A liquidificação do tempo e a desterritorialização do espaço, entretanto, só são 
possíveis para aqueles que têm acesso às novas tecnologias da informação. Assim, nossa 
atualidade criou uma categoria de desigualdade absolutamente nova: a inclusão e a 
exclusão digitais. Estamos vivendo, segundo Jeremy Rifkin2 (uma das personalidades mais 
importantes da área de gestão da atualidade), na era do acesso. A propriedade, diz Rifkin, 
o possuir, é cada vez menos importante do que ter acesso, do que estar incluído na 
tecnologia digital, pois a informação é, cada vez mais, a grande produtora de riquezas. 
Antigamente, um produtor de algodão de alguma fazenda perdida no meio da África era 
obrigado a aceitar pelo seu produto o preço que seu comprador europeu ou americano 
estava disposto a pagar-lhe, acreditando ser aquele o preço de mercado. Hoje, a qualquer 
hora, esse mesmo fazendeiro perdido pode acessar a bolsa de algodão e ter seu preço 
atualizado em tempo real. Mas, para isto, deve-se fazer parte da ainda minoria mundial que 
tem acesso às novas tecnologias. 
Se pensarmos na educação, a importância do acesso fica ainda mais forte, graças à 
grande mudança que este deverá trazer – e que em parte já está trazendo. Até muito 
recentemente, quanto maior erudição o professor demonstrasse, tanto mais valorizado ele 
era. Isto porque a educação estava assentada sobre a transmissão de saber, de informação. 
Uma aula que rendesse muito era uma aula em que alunos e professor tivessem “dado e 
recebido muita matéria”. 
Entretanto, com o desenvolvimento da informática e com a transcrição de quase 
todos os textos relevantes já escritos – e ainda chegaremos lá! -, a educação passa a 
valorizar um outro tipo de conhecimento, não aquele que pode ser passado formalmente, 
visto estar quase que na íntegra no computador (nossa caixinha “inteligente”) e, portanto, 
acessível a qualquer um – é a democratização da informação -, mas o conhecimento que 
não pode ser transmitido formalmente. É o que atualmente o MEC (Ministério de Educação 
e Cultura) denomina habilidades e competências. 
Em outras palavras, um curso de sociologia, mais do que “socar informações” e 
“exibir erudição”, deve ensinar os alunos a pensar sociologicamente e, sobretudo, a 
articular e integrar as várias disciplinas do curso, seus conhecimentos anteriores e suas 
 
2 RIFKIN, Jeremy. A era do acesso. São Paulo: Makron, 2004.. 
 20 
experiências de vida. Enfim, um bom curso é aquele que ensina o aluno a pensar, articular 
e integrar todos os seus conhecimentos, de forma a utilizá-los da maneira mais hábil e 
competente. 
Rede 
Outra grande mudança produzida pelas novas tecnologias é a rede. Somos, diz Manuel 
Castells3 (um dos grandes sociólogos que escreveu uma trilogia sobre a sociedade 
contemporânea), uma sociedade em rede. Na verdade, a rede não é um conceito ou uma 
idéia nova. Conhecemos a rede desde sempre. 
Na infância – e mesmo depois -, nossas amizades são feitas em rede: conheço uma 
vizinha, que tem uma prima, que traz um amigo, e assim vamos constituindo nossa rede de 
amigos. 
Na Idade Média, os grandes banqueiros estavam dispersos por alguns países e 
regiões da Europa. Geralmente pertenciam à mesma família. Era a rede dos banqueiros. 
 Nosso poeta Carlos Drummond de Andrade tem um poema curto, “Quadrilha”4, que 
transcrevemos em seguida e serve para ilustrar o que poderíamos chamar de “o amor em 
rede”: 
 João amava Teresa que amava Raimundo 
 que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili 
 que não amava ninguém. 
 João foi para o Estados Unidos, 
Teresa para o convento, 
Raimundo morreu de desastre, 
Maria ficou para tia, 
 Joaquim suicidou-se e 
Lili casou com J. Pinto Fernandes 
 que não tinha entrado na história. 
Desde a década de 1950, falamos na rede de supermercados, na rede de 
fornecedores, na rede de distribuidores, e assim por diante. As franquias são redes, os hotéis 
constroem redes internacionais de hospedagem etc. etc. 
 
3 CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. São Paulo: Paz e Terra, 2003. 
4 DRUMMOND DE ANDRADE, Carlos. Antologia Poética. Rio de Janeiro: Record, 2001. 
 21 
Se a idéia não é nova, então o que há de novo na Sociedade em rede? Pois existe, 
sim, uma grande novidade, que está diretamente relacionada à globalização: a sociedade 
em rede é global, planetária. Ou, em outras palavras, ela é uma rede de redes. 
Para entender essa imagem, vale lembrar da rede do pescador, um emaranhado de 
cordas amarradas em nós, sem rumo definido, armando uma imensa teia, cuja singularidade 
está nos nós que constantemente se desfazem, e nos novos nós que constantemente são re-
amarrados, remendados, alterando e renovando as conexões, de forma que a rede não perca 
sua característica de conectar absolutamente todas as suas cordas e seus nós. 
O mesmo se dá com a globalização que, na verdade, apenas conectou entre si os 
mercados locais e nacionais já existentes. Em outras palavras, a globalização é uma rede de 
redes. As redes que conhecíamos até o desenvolvimento das novas tecnologias eram 
constituídas por um ou dois nós apenas, e estas não eram conectadas entre si: nossa rede de 
amigos, nossa rede hoteleira, nossa rede de bancos. 
 Atualmente, quando falamos em rede, queremos dizer conexão em rede, de tal forma 
que todas elas estão ligadas entre si. E é isso que torna possível a nossa globalização sem 
fronteiras, totalmente enodada, totalmente conectada, totalmente articulada, totalmente 
integrada. 
Pensamento em rede: o hipertexto 
Essa forma de olharmos para as nossas vidas (globais, coletivas e individuais) a 
partir da perspectiva de rede, ou seja, tentando articular – linkar - cada vez mais os vários 
departamentos, instituições, relações e aprendizados que experienciamos, é uma forma 
nova de pensar, conseqüência da idéia de rede e, sobretudo, resultado de uma prática que se 
torna cada vez mais cotidiana, a da “navegação pela Internet”, através do hipertexto. 
 Essa forma de pensar está se tornado tão arraigada entre nós, que Pierre Lévy,5 
renomado pesquisador das “tecnologias da inteligência,” propõe que o hipertexto seja 
considerado uma metáfora do nosso tempo. Ele propõe que usemos o mecanismo do 
hipertexto (número infinito de textos em rede, totalmente articulados entre si), para 
descrever um novo tipo de relação social, em que todos estariam linkados, conectados, 
articulados – de forma mais direta uns, e menos direta outros -, assim como os nós da rede 
de pescador. 
 
5 LÉVY, Pierre. As Tecnologias da Inteligência. São Paulo: Ed. 34, 1994. 
 22 
O hipertexto é um texto virtual, desenvolvido a partir da leitura de textos pela 
Internet. Ele contém um mecanismo de acesso que o diferencia dos textos “materiais”. E é 
justamente a esse mecanismo que denominamos “navegar na Internet”. 
 No texto material, quando queremos trazer alguma referência importante, um 
esclarecimento ou remeter a alguma obra relacionada com o tema que estamos discutindo, 
usamos a nota de rodapé. O hipertexto, ao invés da nota de rodapé, traz algumas de suas 
palavras em relevo – geralmente por meio de uma coloração diferente -, são os chamados 
links ou hiperlinks, de forma que, se assim o desejarmos, podemos “acessar” a referência 
com um clique do mouse sobre o link. Ao acessarmos o link que nos interessa, ao invés de 
depararmos uma nota, entramos em um novo texto que, por sua vez, também traz uma 
variedade de outros links, e assim por diante. Essemecanismo é impraticável no texto 
material. 
 É nesse sentido que falamos em “navegação”, pois é como se estivéssemos ao leme 
de um navio e fôssemos traçando nosso itinerário durante a viagem (lembrem-se de “o 
caminho faz-se ao andar”), mesmo se ao iniciarmos a viagem tivéssemos um destino 
determinado (assim como Chapeuzinho Vermelho que, desviando do caminho, ficou 
“navegando” no bosque). 
Na verdade, como o leitor já deve ter notado, o hipertexto seria um texto em rede, o 
que nos faz entender melhor a idéia de Pierre Lévy, quando lembramos que nossa 
sociedade globalizada é, cada vez mais, uma sociedade em rede. 
O hipertexto aponta uma nova direção na maneira de conhecer, de pensar e criar. Ao 
procurarmos uma informação no site de busca google, por exemplo, ou algum conceito na 
enciclopédia www.wikipedia.org, muitas vezes, terminamos transitando por uma série de 
outras informações e conceitos que não só não havíamos programado, como sequer 
sabíamos de sua existência. Como colocou com muita propriedade um aluno, é como se “a 
idéia central ficasse perdida”. De fato, podemos dizer que no hipertexto não há centro. É o 
que Pierre Levi denomina de princípio de mobilidade dos centros: 
a rede não tem centro, ou melhor, possui permanentemente diversos centros que 
são como pontas luminosas perpetuamente móveis, saltando de um nó a outro, 
trazendo ao redor de si uma ramificação infinita de pequenas raízes, de rizomas, 
finas linhas brancas esboçando por um instante um mapa qualquer com detalhes 
 23 
delicados, e depois correndo para desenhar mais à frente outras paisagens do 
sentido6. 
 
 Se, como dizíamos, a sociedade em rede tem o hipertexto como metáfora, será que 
isso significa que a sociedade está perdendo o seu centro? Ou que a sociedade possui 
permanentemente diversos centros? Esta é uma discussão que desenvolveremos mais 
adiante. Por enquanto, podemos adiantar que, de fato, muito se tem pensado em duas 
importantes perdas de centro na sociedade. Uma, em relação ao Estado, ao poder do Estado 
que, cada vez mais, parece estar dividindo suas funções com a sociedade civil. A outra, em 
relação à identidade dos indivíduos que cada vez mais parece diluída numa grande 
variedade de personas, como se durante o nosso dia-a-dia usássemos diferentes máscaras, 
cada uma delas envolvendo uma identidade e uma personalidade diferente. 
 Desmaterialização 
 Retomando nossa lista de características das novas tecnologias, queremos levantar a 
questão da desmaterialização que acompanha as características da desterritorialização do 
espaço e do acesso, substituindo a propriedade, sobre as quais já havíamos falado. 
 “Estamos nos tornando cada vez mais imateriais”. 
Até pouco tempo atrás, uma das evidências de riqueza, sobriedade e credibilidade de 
uma empresa eram seus bens físicos, imobiliários e mercadorias: o “chão da fábrica”, os 
grandes galpões de depósito, pois as grandes empresas trabalhavam com grandes estoques 
de mercadorias (porque quanto maior a quantidade comprada, tanto menor o custo de cada 
unidade). Atualmente, as empresas cada vez mais preferem alugar o espaço e aplicar o 
dinheiro em novos investimentos. Além disso, estão interessadas em ter alta mobilidade, 
pois, caso haja alguma mudança na legislação do país ou da cidade em que ela está 
estabelecida, não sendo proprietária do imóvel onde atua, ela pode rapidamente se deslocar 
para outro país que, por exemplo, ofereça melhores condições comerciais. 
No que se refere aos depósitos e aos estoques, as empresas preferem trabalhar pelo 
sistema just in time. Nesse sistema, uma peça, no caso de uma montadora de automóveis, 
ou uma mercadoria, no caso de um produto farmacêutico, por exemplo, só são pedidos à 
fábrica ou ao fornecedor, quando forem necessários ou quando já vendidos. Um dos 
melhores exemplos é a amazon.com, a maior loja virtual de livros do mundo, que não passa 
 
6 Pierre Lévy, op. cit. p. 26. 
 24 
de um escritório com terminais de Internet e que, realizada a venda – e o pagamento –, 
entra em contato com a editora, faz seu pedido, para só então remeter a mercadoria ao 
comprador. Sem estoque, sem loja, tudo virtual, desmaterializado. 
Mas a desmaterialização vai mais além, e sua mais exuberante manifestação é a 
marca. A marca, pura abstração, é hoje uma das grandes mercadorias, a ponto de dizermos: 
“o que eu quero é a marca tal e, portanto, resigno-me a levar o tênis ou o boné para casa”. 
Em outras palavras, a mercadoria comprada é a própria marca, mas, como ela precisa de 
suporte material, para ter a tal marca, aceitamos carregar o tênis. Outro bom exemplo é a 
loja de uma conhecida marca de refrigerante do aeroporto: ela só tem mercadorias – 
suportes materiais – com o logotipo da marca. Você leva o chaveiro ou a bolsa, mas o que 
você está realmente comprando é o logotipo. 
E, se estamos nos desmaterializando cada vez mais, como fica o contato físico entre 
as pessoas, o afago, o toque? Dizem os autores, cada vez mais distantes. Ou mesmo a luta? 
Dizem os autores, cada vez mais como espetáculo. E como fica o corpo, nosso último 
reduto material? O corpo parece ficar cada vez mais “ideal”, cada vez mais parece 
pertencer à dimensão da idéia: olhamo-nos no espelho e não conseguimos ver o nosso 
corpo; só conseguimos vê-lo comparado ao corpo imaginário que está na nossa cabeça ou 
na foto retocada do anúncio da revista. O corpo, hoje, torna-se cada vez menos natural: 
falamos em corpos esculpidos, programados, construídos, inventados. Desidentificamo-
nos. 
Retomando nossa metáfora do hipertexto, como dizíamos ao falar da educação, 
coloca-se a questão: será que a wikipédia e todos os textos científicos, cada vez mais fáceis 
de acessar pela Internet, não vão prejudicar ou mesmo acabar com a inovação do 
conhecimento? Para elaborar um trabalho de sociologia, por exemplo, antigamente o 
estudante tinha que consultar fontes, passar horas na biblioteca, ler grande quantidade de 
material, enquanto que hoje, é só acessar e... pronto! É imprimir o texto e entregar ao 
professor. 
Deixando de lado a questão da ilegalidade e da desonestidade de tal atitude, a 
pergunta, em termos de conhecimento puro, é: como é que dá para criar? Pois essa é uma 
criatividade que requer novas habilidades, justamente a habilidade do hipertexto, ou seja, 
agora a criação daquele que vai escrever um novo texto está na composição, nos recortes e 
 25 
nos links – conexões – que cada um de nós vai construir em relação ao tema do trabalho. É 
aí que está a criatividade, a forma absolutamente singular de cada um. 
O trabalho será, portanto, como a composição de um mosaico, em que as peças 
existentes vão criando novas formas, novos significados, novas articulações, dependendo 
de como o aluno-autor vai construindo a conexão entre elas. É como se, na nossa metáfora 
de navegação, cada um de nós, ao elaborar um trabalho de reflexão, fosse construindo a sua 
trajetória específica, o seu mapa singular. Trata-se, antes de mais nada, da habilidade de 
articulação entre as idéias e de integração entre os diferentes textos. 
Assim também, estes nossos textos, redigidos após os nossos encontros e que 
contemplam as questões – os desvios, as conexões, os links – bem como os exemplos 
trazidos em aula – tanto pela professora como pelos próprios alunos -, são compostos à 
moda do hipertexto, cujos autores somos todos nós. 
Essa nova habilidade – de articulação e de integração das partes – é também o 
caminho que as ciências sociais e humanas têm tomado nos últimos anos. E essa é 
exatamente a questão da interdisciplinaridade que, em última instância, é um trabalho de 
integração earticulação entre as várias disciplinas. 
Mas, nem sempre as ciências procuraram essa integração entre as suas várias 
disciplinas. Ao contrário, houve um tempo em que o avanço de uma ciência ou de uma 
disciplina científica era medido pelo seu grau de especialização. E, claro, quanto mais 
especializada a disciplina, mais focada em seus próprios métodos e objetos, de forma que 
menos vinculada e articulada às outras disciplinas. 
Para melhor entendermos a interdisciplinaridade, portanto, vale a pena falarmos um 
pouco sobre esses desenvolvimentos das ciências e do conhecimento, o que faremos no 
nosso próximo encontro. 
ENCONTRO 5: A ciência e a modernidade. 
Podemos dizer que a história do conhecimento na civilização ocidental é a história 
do desmembramento contínuo das ciências de seu amplo corpo inicial, a Filosofia. Num 
rápido sobrevôo, o critério desse desmembramento, até recentemente, era o da proximidade 
entre os temas que cada uma das ciências estuda e os homens, ou seja, o critério era do 
quão próximos ou distantes dos homens estão os objetos de estudo de cada uma das 
ciências. 
 26 
Começamos lá atrás, na Grécia antiga, com o mais distante dos temas, o céu, aquele 
universo distante que os gregos, pastoreando seus rebanhos, ou como homens do mar, 
observavam nas suas noites ao relento. A primeira ciência, portanto, foi a astronomia, com 
a observação de padrões regulares nos movimentos especialmente do Sol, da Lua, das 
estrelas e dos planetas vistos a olho nu. Estudavam, por exemplo, a mudança da posição do 
Sol no horizonte ao longo do dia, ou o aparecimento de estrelas ao longo do ano, o que 
ajudava na criação de um calendário agrícola ou para marcar os rituais religiosos. 
Depois, baixando dos céus à terra, aproximando-se mais da vida dos homens, 
surgiram as ciências da natureza: a Física e a Química. E, muito mais tarde, muito mais 
próxima ainda dos homens, surgiu a Biologia, ciência da vida, e a Anatomia, ciência do 
corpo humano. 
Foi só bem mais tarde, com o advento da modernidade, que nos aproximamos ainda 
mais dos homens e penetramos a sua interioridade e as relações entre eles: surgiram então a 
Psicologia – ciência da alma - e as ciências sociais – a Antropologia, a Sociologia, as 
Ciências Políticas e a Economia. 
E, num ritmo muito mais acelerado, no último século, as ciências foram se 
aprofundando e subdividindo, num processo de constante especialização, com disciplinas 
cada vez mais específicas, e as próprias disciplinas se ramificando cada vez mais e, por isso 
mesmo, com pouca ligação entre elas. No início do século XX, aparece a Psicanálise – a 
ciência do inconsciente -; depois da Segunda Guerra Mundial, as ciências do mercado – 
Marketing e Administração e Comunicação Social - e, por conta da globalização, a partir da 
década de 90, a mais recente das ciências sociais, as Relações Internacionais. 
As novas tecnologias também aceleraram o processo de especialização das ciências, 
principalmente aquelas ligadas aos ramos da comunicação, da medicina e da genética. Mas, 
ao mesmo tempo, trouxeram mudança na trajetória da especialização, pois atualmente, o 
conhecimento tem investido muito na articulação entre as mais variadas disciplinas e na 
integração de todo este saber. Ainda considerando o hipertexto como metáfora, é como se o 
conhecimento estivesse investindo na hipertextualidade das ciências. Essa intertextualidade 
é, em outras palavras, o que denominamos interdisciplinaridade. 
Antes de entrarmos nas particularidades das ciências sociais e humanas, entretanto, 
justamente para entender como ocorreram os desenvolvimentos que precederam os tempos 
 27 
atuais, faremos uma rápida digressão para expor o contexto da época moderna (da 
Modernidade) nas nossas já conhecidas três dimensões: do conhecimento, da política e da 
economia. 
A Modernidade é um processo. Um processo revolucionário, na medida em que 
trouxe profundas mudanças, tão profundas, que os homens mudaram sua forma de pensar, 
agir, sentir, trabalhar, produzir e até de sonhar. Tão profundas, que inaugurou uma nova era 
na história da humanidade. Foi um processo longo que se iniciou na Europa e que, além de 
se dar em várias dimensões, foi se expandindo por toda a civilização ocidental. 
Como todo processo histórico de longa duração, convencionou-se tomar alguns 
acontecimentos históricos como marco, a fim de estabelecer algumas datas mais ou menos 
definidas para o seu início. 
Na perspectiva da economia, o grande marco foi a Revolução Industrial, ocorrida na 
Inglaterra, entre 1760 e 1830. A Revolução Industrial, através das novas tecnologias – as 
primeiras máquinas, a exploração do carvão mineral, o minério de ferro, o fabrico do aço-, 
favoreceu a passagem da oficina artesanal ou da manufatura para a fábrica. Uma das 
conseqüências dessa revolução foi o aparecimento de um novo sistema produtivo, dando 
forte ímpeto ao desenvolvimento do capitalismo. Através desse sistema, os homens 
ganharam a liberdade de produzir e consumir bens até então impensáveis. O capitalismo 
industrial trouxe também a transformação das relações sociais, agora relações entre o 
capital e trabalho, pois pela primeira vez o homem pôde vender livremente a sua força de 
trabalho, em troca de um salário, diferentemente do servo da Idade Média, e mais, o 
homem, em princípio, teve a liberdade de escolher o patrão para o qual quer, ou não, 
trabalhar. 
Assim, no nível da economia, a Modernidade foi “libertária”: liberdade de produção 
e consumo e, sobretudo, trabalho livre. 
Na perspectiva da política, a Revolução Francesa (marcada pela queda da Bastilha 
em 1789), baseada em princípios liberais, foi o marco da instauração da democracia 
representativa. Em grego demos = povo e kratos = poder. Com ela, os homens obtiveram a 
maior das conquistas políticas em relação ao passado: a autonomia, no sentido de que a 
partir de então poderiam, eles mesmos, escolher as suas leis, a sua constituição, e não 
 28 
recebê-las da Igreja ou da revelação divina. E, poderiam, eles mesmos, tomar as decisões 
em relação a todas as suas questões, através do debate e do acordo. 
Entretanto, aquela não foi a primeira vez na história que os homens usufruíram a 
democracia. A primeira foi na Grécia antiga. A democracia grega, no entanto, era uma 
democracia direta, em que os cidadãos se reuniam na ágora – que em grego significa praça 
pública – para discutir e decidir suas questões políticas. A democracia moderna é 
representativa, isto é, o povo elege seus representantes que se encontram no congresso, a 
fim de defender os interesses dos vários segmentos da população que eles representam, para 
debaterem e, juntos, tomarem as decisões. 
Na Grécia antiga, a democracia direta foi possível, porque dela participavam apenas 
os cidadãos, ou seja, os homens livres, o que não incluía nem os escravos, nem as mulheres. 
Para que os cidadãos pudessem discutir na ágora, o trabalho nos campos era realizado 
pelos escravos, e o trabalho doméstico, pelas mulheres. Desde a Modernidade, com o 
trabalho livre, ou seja, com o trabalho assalariado, em que o trabalhador pôde escolher 
livremente para que patrão ou empresa quer trabalhar, não há mais escravos. Quanto às 
mulheres, ao menos juridicamente – mas sem dúvida, não de fato -, elas hoje desfrutam de 
igualdade de condições. Portanto, seria impossível toda a população discutir e decidir todas 
as suas questões. 
Assim, também na dimensão política, a Modernidade foi libertária no sentido de que 
os homens, a partir de então, estão livres para decidir as leis que os governam e o tipo de 
Constituição que melhor lhes aprouver. 
E, finalmente, na perspectiva do conhecimento, o grande fatorde transformação não 
foi um acontecimento, mas uma corrente de pensamento: o Iluminismo. Este nome, 
Iluminismo, é justamente para indicar que esta corrente de pensamento se opõe de forma 
absoluta à que prevalecia na Idade Média. Lembremos que a Idade Média é também 
conhecida como a Idade das Trevas. Pois é para se diferenciar dela que temos o Iluminismo 
na Modernidade, no sentido de “trazer luz às trevas”. É tão importante a sua oposição à 
Idade Média, que o Iluminismo tem outras duas denominações que também fazem 
referência à questão do fim das trevas. Alguns autores preferem Ilustração, cuja origem é 
“lustre”, ou “lustro”, que significa brilho, e outros ainda preferem a denominação 
Esclarecimento, cuja origem é “claro”, “claridade”. 
 29 
A grande transformação trazida pelo Iluminismo foi a substituição da Fé pela Razão 
como base para o conhecimento verdadeiro do mundo e dos homens. O conhecimento, que 
na Idade Média que era “teocêntrico”, isto é, tinha como centro Deus, a revelação divina 
(theos em grego = Deus), na Modernidade, passa a ser “antropocêntrico”, ou seja, tem 
como centro o homem (antropos em grego = homem). Shakespeare, o grande dramaturgo 
inglês - que escreveu entre outras obras famosas: Romeu e Julieta, A megera domada e 
Sonho de uma noite de verão -, tem uma frase muito boa sobre a passagem da Idade Média 
para a Modernidade: “Os deuses desceram dos céus para a Terra”. 
Essa substituição da Fé pela Razão teve várias conseqüências. Duas delas são 
extremamente importantes. Em primeiro lugar, como todos os homens têm a possibilidade 
do uso da Razão, a partir da Modernidade, todos os homens serão considerados iguais; 
todos eles têm igualmente a possibilidade do uso da Razão. 
Em segundo lugar, a partir de então, os homens tornam-se os forjadores de sua 
própria história, de seu próprio destino, pois suas vidas não dependem mais dos desígnios 
de Deus; elas estão em suas próprias mãos. Libertam-se, portanto, das correntes que os 
prendiam à revelação divina. Assim, também na dimensão do conhecimento, a 
Modernidade revela-se um movimento libertário. 
E nesse contexto de liberdade, autonomia e profundo otimismo e esperança nas 
capacidades humanas, neste contexto revolucionário, em que uma nova ordem política – 
através da democracia representativa -, econômica – através do capitalismo industrial – e do 
conhecimento – através da Razão -, é que as Ciências Sociais e a Psicologia vão emergir, 
florescer e desenvolver-se. 
 ENCONTRO 6: Interdisciplinaridade: o hipertexto das disciplinas, o 
hipertexto das ciências. 
Neste encontro, falaremos um pouco sobre as ciências sociais mais relevantes para o 
Direito, para o Comércio Exterior e para a Administração, e veremos como elas se 
articulam ou, na nossa linguagem metafórica, como elas se hipertextualizam. 
 Havíamos dito que o primeiro grande critério do surgimento das ciências foi o da 
aproximação dos temas à vida dos homens: do conhecimento dos céus à natureza física, 
dela para a vida e o corpo humanos e, finalmente, para a sua interioridade e para as relações 
 30 
entre os homens – a Psicologia e as Ciências Sociais. Estas últimas, relembrando, surgiram 
juntamente com a Modernidade e se desenvolveram a partir dela. 
 Retomamos, pois, a partir do contexto no qual as ciências sociais e humanas se 
originaram, um contexto de transformações profundas – revolucionárias mesmo -, 
resultantes do surgimento e desenvolvimento do capitalismo industrial, da democracia 
representativa e do uso predominante da Razão. Vale ressaltar que transformações de tal 
porte, de uma forma ou de outra, são sempre ambivalentes, ou seja, vêm carregadas de 
duplicidade, de uma espécie de crise, em que as velhas formas de ser, agir e pensar ainda 
não desapareceram – e muitas vezes nunca desaparecerão totalmente -, e em que as novas 
formas ainda não estão totalmente claras e definidas. 
Esse caráter ambivalente também aparece nas próprias ciências sociais, pois estas 
são fruto de uma época, como se verá em seguida, quando falarmos dos aspectos mais 
relevantes para nós de algumas delas. 
Antropologia 
A primeira e a mais antiga das Ciências Sociais, a Antropologia foi produto das 
novas tecnologias e do desenvolvimento das grandes navegações iniciadas na Europa, no 
século XV e XVI e, portanto, do contato cada vez maior com os povos da África, Ásia e 
América. Esses povos, apesar do famoso princípio universal Iluminista de La Bruyère, “a 
Razão é de todos os climas”, representavam uma grande surpresa e um grande enigma, pois 
diferiam tanto dos colonizadores e comerciantes europeus que, tendo estes como única 
referência a si próprios – eram eurocêntricos -, não conseguiam atinar com o “tipo 
humano” encontrado no além-mar. Era o choque cultural. “Selvagens”, “primitivos”, “não 
totalmente humanos”, são algumas das expressões empregadas pelos cronistas e viajantes 
da época, que não sabiam exatamente em que categorias encaixar tanta diferença. 
 Imbuídos que estavam da certeza da primazia da Razão, e por conta dos interesses 
coloniais que viam nas colônias consumidores de produtos e fornecedores de mão-de-obra, 
os europeus investiram no conhecimento dos costumes e da cultura desses povos, bem 
como na transmissão dos valores europeus. 
 Assim, a Antropologia nasceu como ciência de culturas “estranhas”, “primitivas”, 
“ultrapassadas”, como ciência do outro, da alteridade. Essa forma preconceituosa de olhar 
para o outro tendo a si próprio como única referência, de olhar para o outro como inferior, 
 31 
como o fizeram os colonizadores europeus, teve seu reflexo na primeira teoria 
antropológica, o evolucionismo que, inspirado na teoria da seleção natural das espécies de 
Charles Darwin, desenvolveu o “darwinismo social”, que considerava a história da espécie 
humana como uma série contínua de culturas, no sentido da mais simples à mais complexa, 
tendo, evidentemente, a cultura européia como o pólo superior e mais evoluído. 
 Foi através desse estranhamento do europeu em relação aos colonizados - choque 
cultural -, reforçado pela própria ciência antropológica e pelo darwinismo social, que se 
constituíram as bases do racismo, mal de que padecemos até hoje. Do ponto de vista 
externo, sofremos o racismo do Primeiro Mundo – Europa e Estados Unidos - em relação 
ao Terceiro Mundo e, internamente, da população branca em relação à de origem afro-
americana e à indígena. 
 Mas a antropologia se desenvolveu muito desde então. O evolucionismo foi 
sucedido pelo funcionalismo, que tinha uma abordagem muito mais científica e que tentava 
ser menos preconceituoso. Tratava-se de considerar a sociedade a ser estudada como uma 
totalidade em si mesma, com sua cultura própria, e não como um estágio para atingir as 
sociedades mais complexas. O funcionalismo passou a estudar as sociedades a partir de 
suas instituições e, sobretudo, a partir de sua cultura. Foram desenvolvidos trabalhos hoje 
considerados clássicos da antropologia sobre sociedades de além-mar, como o estudo de 
Bronislaw Malinowski, das ilhas Trobriand, no Pacífico, e o estudo de Radcliffe-Brown 
sobre os habitantes das ilhas Andaman, no Golfo de Birmânia. 
 Esses autores estudaram desde funções básicas desses povos, tais como 
alimentação, defesa e moradia, até suas funções sociais, tais como as relações de parentesco 
e os tabus, seus usos e costumes, seus modos de vida, suas bases de produção e seus rituais 
religiosos. Este tipo de estudo, que é uma ramificação da Antropologia, é a Antropologia 
Cultural, que tem como célula básica o conceito de cultura, cuja definição clássica nos é 
dada por Edward Taylor, e data de 1891: “cultura é o conjunto que inclui conhecimento,crenças, arte, moral, lei, costumes e quaisquer outras capacidades e habilidade adquiridas 
pelo homem enquanto membro de uma sociedade”. 
 Devemos lembrar, entretanto, que há também uma Antropologia Física que, em 
parte, é uma ciência biológica, fazendo a ponte, ou melhor, a interdisciplinaridade entre a 
ciência social e a biológica. Através do estudo de fósseis e de artefatos antigos, fragmentos 
 32 
de ossos, a Antropologia Física estuda as origens, evoluções e características físicas dos 
grupos étnicos, as origens biológicas e suas variações e as diferenças raciais. 
 Desde seu início, um tipo de estudo freqüente da antropologia, justamente por lidar 
com sociedades e coletivos distintos daquele do pesquisador, é o estudo comparativo. Nos 
dias de hoje, parte destes estudos é capitalizada – imaginem só! - pela indústria do turismo, 
seja em relação a objetos, comida e arte típicos de culturas diferentes, seja como pacotes de 
viagem a “culturas exóticas”. Entretanto, essa singularidade vem sendo colocada em dúvida 
em nosso mundo globalizado, por conta do processo de total indiferenciação e de 
homogeneização cultural. 
Atualmente, a antropologia não se dedica apenas a sociedades antigas ou não-
modernas. Como ciência da alteridade que é, ela tem desenvolvido trabalhos também na 
sociedade industrial moderna, trabalhos de antropologia urbana, estudos sobre coletivos e 
segmentos sociais com estilos de vida diferentes, tais como as tribos urbanas – punks, 
hipppies, carecas do ABC, góticos -, as minorias – étnicas, sexuais, periferias das grandes 
metrópoles -, as comunidades – assentamentos de sem-terra, comunidades da nova era -, 
todos eles denominados subculturas, ou seja, não culturas inferiores, mas culturas distintas 
da cultura predominante. Um exemplo recente deste tipo de estudo e que pertence ao ramo 
da Antropologia Visual – porque se trata de um filme -, é o documentário Falcão sobre o 
narcotráfico no morro carioca7. 
Um outro ramo da Antropologia, e que interessa de perto ao Comércio Exterior, é a 
Antropologia do Consumo que, como diz a antropóloga Mary Douglas8, a primeira a 
escrever sobre esta disciplina, “o consumo é algo ativo e constante em nosso cotidiano e 
nele desempenha um papel central como estruturador de valores que constroem identidades, 
regulam relações sociais, definem mapas culturais”9. E ainda, diz ela, “os bens são neutros, 
seus usos são sociais; podem ser usados como cercas ou como pontes”10. Na verdade, a 
Antropologia do Consumo considera como texto a ser lido e interpretado as formas pelas 
quais as pessoas gastam (ou poupam) o que compram, por que são, ou não, exigentes em 
 
7 Ainda sobre o tema do narcotráfico no morro carioca, uma excelente obra da Antropologia Cultural é o 
Cabeça de Porco, que tem um conjunto interessante de autores: um ex-Secretário de Segurança do Rio de 
Janeiro, um rapper e um jornalista. MV BILL, ATHAYD, Celso e SOARES, Luiz Eduardo. Cabeça de 
Porco. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005. 
8 DOUGLAS Mary e ISHERWOOD, Baron. O Mundo dos Bens. Rio de Janeiro: UFRJ, 2004. 
9 idem, ibidem, p.8. 
10 idem, ibidem, p. 17. 
 33 
relação ao que compram, o que comunicam através do que compram, que identidades 
constroem e que relações com outros estabelecem. 
 E, dos últimos tempos, um novo ramo, que interessa diretamente ao Direito, é a 
Antropologia Jurídica que, segundo a antropóloga Ana Lúcia Pastore, em entrevista ao 
jornal Forense, de fevereiro de 2005, 
estuda as lógicas que comandam os processos de judicização próprios 
de cada sociedade, através da análise de discursos (orais e/ou escritos), 
práticas e/ou representações. Processos de judicização envolvem a 
importância que cada sociedade atribui ao direito no conjunto da 
regulação social, qualificando (ou desqualificando), como jurídicas, 
regras e comportamentos já incluídos em outros sistemas de controle 
social, tais como a moral e a religião. 
 
Na verdade, a evidência para a qual a Antropologia Jurídica aponta é o 
reconhecimento de outros sistemas jurídicos que não o direito posto, que não o nosso – dos 
Estados nacionais - ordenamento jurídico. E mais, como mostram os estudos comparativos 
do direito (é o que faz a Antropologia Jurídica), numa sociedade como a nossa, em que 
coexistem tantas subculturas, coexistem também, lado a lado com o “direito oficial”, outros 
ordenamentos jurídicos. É o caso, por exemplo, da “lei da prisão”, em que vigoram normas 
ali criadas – inclusive pena de morte, que não existe fora dela, aplicável, por exemplo, aos 
estupradores. 
A essa possibilidade de existirem distintas “formas de direito posto”, de 
coexistirem, é o pluralismo jurídico, isto é, o convívio entre códigos e normas particulares 
e diferentes entre si. Isso, sem dúvida, traz reflexões sobre o alcance do direito. Se, por 
exemplo, os grupos e as facções do tráfico no Rio de Janeiro, e se as relações entre eles são 
regidas por um código particular, então pode concluir-se que há um território no Brasil – o 
do tráfico -, sobre o qual o Estado perdeu a sua soberania. O que ameaça a própria 
existência da nação. O território do tráfico seria, portanto, uma “jurisdição à parte”, o que 
realmente soa como um absurdo. Então, é como se esse território estivesse fora do Estado 
brasileiro, embora geograficamente, esse mesmo território fizesse parte do Estado 
brasileiro? Então, é como se o estado brasileiro tivesse perdido a soberania interna, dentro 
de sua própria casa? 
A pergunta que fica dessa rápida discussão é se o pluralismo jurídico amplia ou 
reduz o próprio âmbito do Estado de direito, ao reconhecer a existência de “outros 
 34 
discursos de direito”. O que, ao mesmo tempo, mostra como são complexas as relações 
entre estes discursos plurais. 
Como podem ver e como já foi dito em encontro anterior, no século XX, sobretudo, 
as ciências passaram a ter alto grau de especialização. O mesmo ocorreu com a 
Antropologia que vem desenvolvendo uma grande quantidade de subdisciplinas, como 
Antropologia Urbana, Antropologia Visual, Antropologia do Consumo, Antropologia 
Jurídica, e assim por diante. 
Sociologia 
A sociologia recebeu forte influência da Antropologia. Como nosso trabalho trata 
em particular da Sociologia, por ora apenas diremos que, grosso modo, pode-se falar em 
duas grandes correntes distintas na sociologia, em duas Sociologias. Uma, seguindo em 
grande parte o modelo funcionalista da antropologia, é a sociologia que fotografa a 
sociedade e as relações sociais como elas são. Ela parte do princípio de que todas as 
sociedades têm determinados elementos em comum, as instituições. 
Para entender melhor o que é a instituição para o funcionalismo, devemos ressaltar 
que, em Sociologia, a instituição não é algo material, não é uma casa ou uma fundação 
como, por exemplo, uma instituição de ensino. Trata-se de uma abstração, de um conceito. 
Imaginemos que a sociedade é composta por uma multiplicidade de redes, todas elas se 
interpenetrando. Qualquer ponto dessa imagem multidimensional é uma posição social. 
Qualquer posição social imaginável: pai, mãe, moto-boy, empresário, réu, juiz, cantor, 
mendigo, deputado, aluno etc, recebe o nome de status – devemos ter cuidado em não 
confundir o sentido de status na Sociologia com o da linguagem cotidiana, pois, no dia-a-
dia, dizer “ele tem status” significa “ele é importante”. Ser empresário bem sucedido é um 
status, assim como ser mendigo também é um status. 
Toda e qualquer posição social, todo status, tem pelo menos um parceiro. O 
universitário, por exemplo, tem inúmeros parceiros: os outros alunos, os professores, o 
coordenador, o diretor, o motorista do ônibus que

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