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Brasília-DF, 2011. Processo Civil – Processo de Conhecimento Pr oc es so C iv il – Pr oc es so d e Co nh ec im en to 2 Elaboração: Coordenação do Curso de Direito Produção: Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração Pó s- Gr ad ua çã o a Di st ân ci a 3 Apresentação ........................................................................................................................................... 05 Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa ................................................................................... 06 Organização da Disciplina ...................................................................................................................... 08 Introdução ............................................................................................................................................... 11 Unidade I – Teoria Geral do Processo Civil ........................................................................................... 13 Capítulo 1 – Processo Civil ........................................................................................................ 13 Capítulo 2 – Princípios do Processo Civil .................................................................................... 15 Capítulo 3 – Norma Processual Civil ........................................................................................... 25 Capítulo 4 – Novos Rumos do Processo Civil .............................................................................. 33 Unidade II – Dos Sujeitos Processuais .................................................................................................. 35 Capítulo 5 – O Estado-Juiz ......................................................................................................... 35 Capítulo 6 – Os Auxiliares da Justiça ......................................................................................... 38 Capítulo 7 – As Partes ............................................................................................................... 40 Capítulo 8 – O Advogado ............................................................................................................ 42 Capítulo 9 – O Ministério Público ................................................................................................ 43 Unidade III – Jurisdição .......................................................................................................................... 45 Capítulo 10 – Conceituação, Características e Princípios ............................................................ 45 Capítulo 11 – Espécies e Limites ................................................................................................. 49 Capítulo 12 – Funções, Estrutura e Órgãos do Poder Judiciário ................................................... 51 Unidade IV – Competência ...................................................................................................................... 53 Capítulo 13 – Conceito, Espécies e Critérios Determinativos ....................................................... 53 Capítulo 14 – Prorrogação da Competência – Continência e Conexão .......................................... 56 Unidade V – Teoria Geral da Ação ......................................................................................................... 59 Capítulo 15 – Teoria Geral ......................................................................................................... 59 Unidade VI – O Processo ......................................................................................................................... 63 Capítulo 16 – Conceito e Natureza Jurídica ............................................................................... 63 Capítulo 17 – Pressupostos Processuais .................................................................................... 65 Sumário Pr oc es so C iv il – Pr oc es so d e Co nh ec im en to 4 Unidade VII – Atos Processuais .............................................................................................................. 67 Capítulo 18 – Forma e Classificação dos Atos Processuais ......................................................... 68 Capítulo 19 – Lugar e Tempo dos Atos Processuais ..................................................................... 71 Capítulo 20 – Vícios dos Atos Processuais .................................................................................. 73 Capítulo 21– Preclusão Processual ............................................................................................. 76 Unidade VIII – Teoria da Cognição Processual ....................................................................................... 79 Capítulo 22 – Cognição Processual .............................................................................................. 79 Capítulo 23 – Espécies ............................................................................................................... 81 Capítulo 24 – Questões Preliminares, Prejudiciais e de Mérito ...................................................... 83 Unidade IX – Atos Jurisdicionais ............................................................................................................ 87 Capítulo 25 – Noções Gerais ....................................................................................................... 87 Capítulo 26 – Sentença e Decisão Interlocutória ......................................................................... 89 Capítulo 27 – Despachos ............................................................................................................ 93 Unidade X – Sentenças e Coisa Julgada ................................................................................................ 103 Capítulo 28 – Sentença e Princípio da Adstrição ......................................................................... 103 Unidade XI – Quadro Geral dos Meios de Impugnação .......................................................................... 125 Capítulo 29 – Impugnação .......................................................................................................... 125 Capítulo 30 – Teoria Geral do Recurso ........................................................................................ 127 Capítulo 31 – Natureza Jurídica dos Recursos ............................................................................. 129 Capítulo 32 – Princípios Gerais dos Recursos .............................................................................. 131 Capítulo 33 – Efeito da Interposição dos Recursos ...................................................................... 134 Capítulo 34 – Recursos de Apelação ........................................................................................... 145 Capítulo 35 – Recursos de Agravo .............................................................................................. 155 Capítulo 36 – Embargos Infringentes .......................................................................................... 163 Capítulo 37 – Embargos de Declaração ....................................................................................... 167 Capítulo 38 – Recurso Ordinário ................................................................................................. 172 Capítulo 39 – Recurso Especial e Recurso Extraordinário ............................................................ 175 Capítulo 40 – Embargos de Divergência ......................................................................................189 Capítulo 41 – Ação Rescisória .................................................................................................... 190 Referências ............................................................................................................................................... 199 Sumário Pó s- Gr ad ua çã o a Di st ân ci a 5 Apresentação Caro aluno, Bem-vindo ao estudo da disciplina <inserir nome do módulo, conforme folha de rosto>. Este é o nosso Caderno de Estudos e Pesquisa, material elaborado com o objetivo de contribuir para a realização e o desenvolvimento de seus estudos, assim como para a ampliação de seus conhecimentos. Para que você se informe sobre o conteúdo a ser estudado nas próximas semanas, conheça os objetivos da disciplina, a organização dos temas e o número aproximado de horas de estudo que devem ser dedicadas a cada unidade. A carga horária desta disciplina é de <00> (...zero..) horas, cabendo a você administrar o tempo conforme a sua disponibilidade. Mas, lembre-se, há uma data-limite para a conclusão do curso, incluindo a apresentação ao seu tutor das atividades avaliativas indicadas. Os conteúdos foram organizados em unidades de estudo, subdivididas em capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, que farão parte das atividades avaliativas do curso; serão indicadas, também, fontes de consulta para aprofundar os estudos com leituras e pesquisas complementares. Desejamos a você um trabalho proveitoso sobre os temas abordados nesta disciplina. Lembre-se de que, apesar de distantes, podemos estar muito próximos. A Coordenação Pr oc es so C iv il – Pr oc es so d e Co nh ec im en to 6 Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa Apresentação: Mensagem da Coordenação. Organização da Disciplina: Apresentação dos objetivos e da carga horária das unidades. Introdução: Contextualização do estudo a ser desenvolvido por você na disciplina, indicando a importância desta para sua formação acadêmica. Ícones utilizados no material didático Provocação: Pensamentos inseridos no material didático para provocar a reflexão sobre sua prática e seus sentimentos ao desenvolver os estudos em cada disciplina. Para refletir: Questões inseridas durante o estudo da disciplina para estimulá-lo a pensar a respeito do assunto proposto. Registre sua visão sem se preocupar com o conteúdo do texto. O importante é verificar seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. É fundamental que você reflita sobre as questões propostas. Elas são o ponto de partida de nosso trabalho. Textos para leitura complementar: Novos textos, trechos de textos referenciais, conceitos de dicionários, exemplos e sugestões, para lhe apresentar novas visões sobre o tema abordado no texto básico. Sintetizando e enriquecendo nossas informações: Espaço para você fazer uma síntese dos textos e enriquecê-los com sua contribuição pessoal. Sugestão de leituras, filmes, sites e pesquisas: Aprofundamento das discussões. Praticando: Atividades sugeridas, no decorrer das leituras, com o objetivo pedagógico de fortalecer o processo de aprendizagem. Para (não) finalizar: Texto, ao final do Caderno, com a intenção de instigá-lo a prosseguir com a reflexão. Referências: Bibliografia consultada na elaboração da disciplina. Pó s- Gr ad ua çã o a Di st ân ci a 7 Organização da Disciplina Ementa: Noções teóricas e principiológicas introdutórias acerca do Processo Civil como disciplina autônoma do Direito. Sujeitos da relação processual civil e as espécies de ações possíveis. Procedimento de cognição até o momento do ajuizamento da ação em juízo. Estabelecimento da jurisdição e da competência. Processo Civil em Juízo. Atos Jurisdicionais. Despachos e decisões Interlocutórias. Sentença e Coisa Julgada. Recursos. Regras gerais. Recursos em Espécie. Meios de Impugnação. Objetivos: • Verificar os conceitos básicos que formam o Processo Civil. • Conhecer a Teoria Geral do Processo. • Conhecer a Teoria Geral da Ação. • Proporcionar, ao aluno, a revisão crítica do Processo Civil em juízo, iniciando pela apresentação cuidadosa dos atos processuais possíveis no Código de Processo Civil e suas respectivas regras, passando pela atividade instrutória e decisória e finalizando pelos recursos e meios de impugnação. Unidade I – Teoria Geral do Processo Civil Carga horária: 5 horas Conteúdo Capítulo Processo Civil 1 Princípios do Processo Civil 2 A Norma Processual Civil 3 Novos Rumos do Processo Civil 4 Unidade II – Dos Sujeitos Processuais Carga horária: 5 horas Conteúdo Capítulo O Estado-Juiz 5 Os Auxiliares da Justiça 6 Partes 7 O Advogado 8 O Ministério Público 9 Pr oc es so C iv il – Pr oc es so d e Co nh ec im en to 8 Unidade III – Jurisdição Carga horária: 5 horas Conteúdo Capítulo Conceito, Características e Princípios 10 Espécies e Limites 11 Funções, Estrutura e Órgãos do Poder Judiciário 12 Unidade IV – Competência Carga horária: 4 horas Conteúdo Capítulo Conceito, Espécies e Critérios Determinativos 13 Prorrogação da Competência – Continência e Conexão 14 Unidade V – Teoria Geral da Ação Carga horária: 2 horas Conteúdo Capítulo Teoria Geral 15 Unidade VI – O Processo Carga horária: 4 horas Conteúdo Capítulo Conceito e Natureza Jurídica 16 Pressupostos Processuais 17 Unidade VII – Atos Processuais Carga horária: 5 horas Conteúdo Capítulo Forma e Classificação dos Atos Processuais 18 Lugar e Tempo dos Atos Processuais 19 Vícios dos Atos Processuais 20 Preclusão Processual 21 Unidade VIII – Teoria da Cognição Processual Carga horária: 4 horas Conteúdo Capítulo Conceito 22 Espécies 23 Questões Preliminares, Prejudiciais e de Mérito 24 Organização da Disciplina Pó s- Gr ad ua çã o a Di st ân ci a 9 Unidade IX – Atos Jurisdicionais Carga horária: 4 horas Conteúdo Capítulo Noções Gerais 25 Sentença e Decisão Interlocutória 26 Despachos 27 Unidade X – Sentenças e Coisa Julgada Carga horária: 2 horas Conteúdo Capítulo A Sentença e o Princípio da Adstrição 28 Unidade XI – Quadro Geral dos Meios de Impugnação Carga horária: 20 horas Conteúdo Capítulo Impugnação 29 Teoria Geral do Recurso 30 Natureza Jurídica dos Recursos 31 Princípios Gerais dos Recursos 32 Efeito da Interposição dos Recursos 33 Recursos de Apelação 34 Recursos de Agravo 35 Embargos Infrirgentes 36 Embargos de Declaração 37 Recurso Ordinário 38 Recurso Especial e Recurso Extraordinário 39 Embargos de Divergência 40 Ação Rescisória 41 Pr oc es so C iv il – Pr oc es so d e Co nh ec im en to 10 Introdução Modernamente, apresenta-se o processo como uma espécie de procedimento, entendido este último como uma atividade preparatória de um ato final, atividade esta devidamente regulada por uma estrutura normativa e composta por uma sequência de atos e de posições subjetivas, que se desenvolvem em uma dinâmica específica até que seja atingido esse almejado ato final. Conquanto todo e qualquer procedimento possa ser compreendido como uma sucessão ordenada de atos; juridicamente entende-se por procedimento aquela atuação por parte do Estado que, no exercício de suas funções típicas, administrativa, legislativa e jurisdicional, culmina com a edição de atos de poder, isto é, de atos de império, provocando efeitos na esfera dos administrados, da sociedade, dos jurisdicionados. O procedimento é, pois, uma atividade preparatória de um ato de poder, ato este que, na linguagem processual moderna, denomina-se provimento. Provimento é, assim,um ato do Estado, de caráter imperativo, produzido pelos seus órgãos no âmbito de sua competência, seja um ato administrativo, um ato legislativo ou um ato jurisdicional. É, em suma, o ato final buscado por meio do procedimento. Nesse contexto, identifica-se o processo como uma espécie de procedimento destinado à formação do provimento jurisdicional. Destarte, o processo é uma espécie de procedimento, mas não é qualquer procedimento, senão um procedimento que visa à prestação jurisdicional por parte do Estado, atendidos determinados pressupostos. No processo, como em qualquer procedimento, a lei se ocupa de determinar os atos que devem compor a atividade de formação do provimento, prevendo quando tais atos são necessários ou simplesmente consentidos, assim como a forma como devem ser coordenados e combinados entre eles. Outrossim, a atividade preparatória do provimento envolve atos do próprio autor deste e dos outros sujeitos que devem concorrer para a sua formação. É que, no processo, é indispensável a participação dos interessados no provimento final. Mais do que isso, é necessária sua participação especial, em contraditório entre eles, realizando-se esse contraditório, como acentua ELIO FAZZALARI1, em “simétrica paridade”, porque seus interesses em relação ao ato final são opostos, ou porque, como seus destinatários, sofrerão seus efeitos, tudo concorrendo para a criação de um verdadeiro modelo normativo de atuação. 1 FAZZALARI, Elio. Istituzioni di Diritto Processuale, 5. ed., Padova, Cedam, 1989, p.80. No original: “Como ripetuto, il “processo” è un procedimento in cui partecipano (sono abilitati a par- tecipare) coloro nella cui sfera giuridica l´atto finale è destinato a svolgere effetti: in contrad- dittorio, e in modo che l´autore dell´atto non possa obliterare le loro attività. ..Tale struttura consiste nella partecipazione dei destinatari degli effetti dell´atto finale alla fase preparatória del medesimo: nella simmetrica parità delle loro posizioni..”. Pó s- Gr ad ua çã o a Di st ân ci a 11 Introdução Muito embora esse modelo normativo não seja exaustivo, sendo necessária, muitas vezes, a utilização de recursos de interpretação para integrá-lo, é fato que os diferentes módulos legais podem ser separados ou distinguidos em grupos, subgrupos ou famílias, em razão da classificação dos provimentos que visem a formar, donde correspondem os vários ramos de processo, notadamente o Processo Civil e o processo penal. É verdade que o processo, como instrumento compositivo de litígio, é um só. É por meio do processo que o Estado desenvolve sua atividade jurisdicional. Nesse diapasão, o Processo Civil e o processo penal não passam de faces de um mesmo fenômeno, ramos de um mesmo tronco. É inegável, mesmo, que os fundamentos do ordenamento processual são comuns aos dois tipos de processo: a) ambos têm a mesma finalidade (atuação do Poder Jurisdicional); em ambos a intervenção do Poder Jurisdicional é condicionada ao exercício da ação; e, finalmente, c) ambos se iniciam, se desenvolvem e se concluem com a participação de três sujeitos: autor, réu e juiz. Na realidade, a distinção que se faz entre jurisdição penal e jurisdição civil assenta, única e exclusivamente, na divisão de trabalho. Determinados órgãos jurisdicionais são incumbidos de dirimir conflitos intersubjetivos de natureza civil, enquanto outros se encarregam de equacionar os de natureza penal. Em outras palavras, é o Direito Material que regula o conteúdo, a matéria da atividade jurisdicional, e porque o Direito Processual é instrumental, será civil ou penal consoante tenha por objeto, no dizer de UGO ROCCO2, “relações substanciais de Direito Civil ou relações substanciais de Direito Penal”. Não obstante o caráter instrumental do Direito Processual, seja civil ou penal, porque visa à realização do Direito Material correspondente, é reconhecida a autonomia do Direito Processual em relação ao Direito Material que se propõe a tornar efetivo, o que se dá não somente por fins didáticos, nem porque existem códigos processuais separados dos códigos materiais, mas essencialmente porque o Direito Processual está sujeito a princípios reguladores que não têm nenhum ponto de contato com os princípios que disciplinam o Direito Material. 2 ROCCO, Ugo, Trattato di diritto processuale civile, Parte Geral, Volume 1, Turim, UTET, 1964, p. 186. No original: La differenza tra diritto processuale civile e diritto processuale penale con- siste in cio: tanto l´uno quanto l´altro sono diritto statuale perchè promano dallo Stato; sono diritto pubblico, perchè regolano l´attività di organo dello Stato investiti di potere sovrano; sono diritto formale in quanto le norme giuridiche, nel disciplinare l´attività degli organi giurisdizionali, no solo ni vinculano nella forma, ma anche nel contenuto. Ma, poichè le norme que regolano il contenuto, la matéria o la sostanza dell´attività giurisdizionale sono di diritto sostanziale, il dirit- to processuale se distingue in diritto processuale civile e diritto processuale penale. La seconda che abbia per oggetto rapporti sostanziali di diritto civile o rapporti sostanziale di diritto penale”. Pr oc es so C iv il – Pr oc es so d e Co nh ec im en to 12 Nos últimos anos, o Direito Processual Civil vem sendo objeto de uma severa revisão doutrinária e legislativa. Enquanto conceitos outrora tidos como definitivos, como a própria definição de processo, foram revistos e alterados pela doutrina; o legislador pátrio tratou de modificar normas e incluir novas leis ao ordenamento, sempre na busca de modernizar e levar o processo ao seu objetivo precípuo: a prestação jurisdicional ao cidadão. Nesta torrente de novidades, o operador do Direito se vê na premente necessidade de se atualizar, de renovar seus conhecimentos e acompanhar as transformações que se lhe impõem. Isso tudo sob pena de, ao quedar-se inerte, perder o rumo da história e, como consequência final, não conseguir se firmar no mercado de trabalho. O Código de Processo Civil de 1973, conquanto tenha constituído modernização legislativa em relação ao vetusto CPC de 1939, entrou em vigor sem romper com a formalista sistemática processual de então, em uma época em que a moderna doutrina processual já concebia, em Itália, as bases de um mais novo Processo Civil, centrado na proteção dos interesses coletivos e mais preocupado com a efetividade da prestação jurisdicional. Ao contrário, o CPC de 1973 manteve o processo eminentemente formalista e individualista do Século XIX e dos primeiros três quartos do Século XX, que respondia aos anseios de um Direito Material igualmente individualista, permanecendo o Juiz inerte e neutro. Destarte, como retrato de um pensamento jurídico-processual mais tradicional, cujas bases haviam sido lançadas desde o pós-guerra, o CPC de 1973 não tardou a merecer reformas, as quais se iniciaram, não obstante, no Processo Civil pátrio, com a entrada em vigor da Lei da Ação Civil Pública, em 1985, quando se introduziram novos instrumentos processuais, para a tutela de interesses coletivos. Quando ao CPC de 1973, as reformas legislativa, focadas sempre no objetivo de ampliar acesso à jurisdição, bem como a torná-la mais célere e efetiva, se não implodiram por completo com a sistemática processual original, modificaram-na substancialmente, tendo a primeira reforma importante ocorrido a partir de 1994, com a Lei nos 8.952/1994, que inseriu o instituto da chamada tutela jurisdicional diferenciada, ou seja, procedimento sumário e de cognição superficial necessário a assegurar a fruição do bem, antes que o tempo corroa o Direito ou seu objeto, no caso, a denominada tutela antecipada. Na mesma linha e época, o Processo Civil também evoluiu para encurtaro tempo do processo, com a Lei do Agravo (Lei nº 9.139/1995), a Ação Monitória, a Lei nº 9.079/1995 e a Lei dos Juizados Especiais. Uma segunda fase de reforma de CPC de 1973 ocorreu por meio da edição das Leis nº 10.352/2001, 10.358/2001 e 10.444/2002, com a punição dos atos atentatórios ao exercício da jurisdição (art. 14), a maior amplitude emprestada ao instituto da tutela antecipada (art. 273), inclusive com a adoção da fungibilidade entre medidas antecipatórias e cautelares e, no campo dos recursos, com a permissão de que o tribunal julgasse desde logo a causa por completo, em caso de extinção do processo sem julgamento de mérito na primeira instância, em se tratando de questão de Direito, bem como a diminuição do campo de admissibilidade do agravo de instrumento e dos embargos infringentes. Ainda, uma terceira fase de reforma seguiu-se a partir da Emenda Constitucional nº 45/2004, a assim denominada “Reforma do Judiciário”, que erigiu à categoria de princípio constitucional a duração razoável do processo (artigo 5, LXXVIII, CRFB). Encaminhadas pelo Poder Executivo, ao ensejo do “Pacto do Estado em Favor de um Judiciário mais Rápido e Republicano”, as Leis nº 11.187/2005, 11.277/2006 e 11.280/2006 forma endossadas por representantes dos três Poderes da República e integraram o chamado “pacote republicano”, apresentado pelo Presidente da República Pó s- Gr ad ua çã o a Di st ân ci a 13 Introdução ao Congresso Nacional em 15.12.2004. Já a Lei nº 11.232/2005 baseou-se em projeto de lei elaborado pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), que foi encampado pelo Poder Executivo e se agregou aos demais. As alterações introduzidas nessa terceira fase de reformas foram de tal monta que efetivamente buscaram romper com o estereótipo do Processo Civil moroso, sendo exemplos a simplificação do processo de execução e os remédios contra os processos repetitivos, entre outras importantes modificações. Nesse diapasão, é importante fazer uma releitura do Processo Civil atual, não mais se considerando os processos de conhecimento e executivo como necessariamente distintos e estanques. Urge, pois, prezados alunos, aprofundarmo-nos nesta vital área do Direito Processual, que ora se apresenta diante de nós e que é o procedimento processual em juízo nos dois graus ordinários da jurisdição, onde foram introduzidas todas essas recentes mudanças legislativa, as quais serão oportunamente comentadas, à medida que o estudo exegético for sendo conduzido. Pr oc es so C iv il – Pr oc es so d e Co nh ec im en to 14 Teoria Geral do Processo Civil Unidade I Pó s- Gr ad ua çã o a Di st ân ci a 15 Teoria Geral do Processo Civil Unidade I Teoria Geral do Processo Civil Unidade I Capítulo 1 – Processo Civil Processo civil é o ramo da ciência jurídica que trata do complexo das normas reguladoras do exercício da jurisdição civil. Ubi societas ibi ius – Só existe sociedade se houver Direito. O Direito é produto da vida comunitária, da vida em sociedade, ou seja, é um produto cultural. A partir do instante em que o homem passou a se agrupar, normas de conduta naturalmente foram estipuladas para a regulação desse convívio. A complexidade do Direito de cada povo, de cada época, reflete com fidedignidade o correspondente estágio de evolução ou de complexidade da sociedade. A autotutela expressa comportamento incompatível com o estágio atual da estrutura social, razão por que só é admitida em caráter excepcional. Os conflitos de interesses são solucionados coercitivamente pelo Estado mediante o exercício da função jurisdicional. E o processo é justamente o mecanismo de que se vale o Estado para resolver os litígios por meio da aplicação impositiva das regras do Direito Material. Dessa síntese, depreende-se que o Estado edita duas espécies de normas: as que tutelam os bens da vida, isto é, que disciplinam a vida em sociedade, e as que possibilitam a sua atuação coativa caso haja alguma desobediência a seus preceitos. As primeiras integram o chamado Direito Material, ao passo que as segundas integram o chamado Direito Processual. Nessa linha de pensamento, o Direito Processual é justamente o ramo do Direito que aglutina esta segunda espécie de normas e que, no dizer de ALEXANDRE FREITAS CâMARA1 , estuda e regulamenta o exercício, pelo Estado, da função jurisdicional. O mesmo autor adverte que, nada obstante a nomenclatura utilizada para o ramo a ser estudado (Direito Processual), não se deve entender que o processo é o conceito central e mais importante desta ciência, quando na verdade, o processo é meramente um meio de que se vale o Estado para exercer a função jurisdicional. É válido realçar que o Direito Material e o Direito Processual, embora sejam ramos distintos da ciência jurídica, são complementares e habitam o mesmo terreno científico. Nas palavras de JOSÉ ROBERTO DOS SANTOS BEDAQUE, o processo, não obstante autônomo em relação aos vários ramos do Direito Material, é simples meio para efetivação das regras existentes naquele plano do ordenamento jurídico, tornando possível a convivência social. Verificada a crise no Direito Material, representada pela não observância da norma, pela lide, pela pretensão insatisfeita, pensa-se na maneira mais civilizada de solucioná-la. O Estado criou um mecanismo com essa finalidade. É o processo, o método estatal de solução de controvérsias2. 1 CâMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, vol. 1. 16. ed. Rio de Janeiro: Editora Malheiros, 2007. páginas 5 e 6. 2 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do Processo e Técnica Processual. 2.ed. Editora Malheiros. p.19. Pr oc es so C iv il – Pr oc es so d e Co nh ec im en to 16 Teoria Geral do Processo Civil Unidade I Conquanto a jurisdição seja una e o Direito Processual possa também ser visualizado dentro dessa unidade, por razões de ordem prática o legislador optou por concentrar as normas processuais de acordo com a natureza das regras aplicáveis à solução dos conflitos, nascendo, então, as divisões conhecidas do Direito Processual: Direito Processual Penal; Civil; Trabalhista etc. Exatamente por isso, os princípios fundamentais da jurisdição e do processo são compartilhados por todos os ramos de Direito Processual existentes, muito embora o Direito Processual Civil, em razão da sua amplitude, ocupe um lugar de destaque, porquanto aplicável aos domínios civis, comerciais e matérias públicas não penais, que não caibam em outros ramos especializados do Direito Processual. Tem o Direito Processual Civil outra função relevante: é aplicado subsidiariamente por todos os demais ramos de processo. O Direito Processual Civil, portanto, é o ramo do Direito que abarca as normas e os princípios básicos que subsidiam os diversos ramos do Direito Processual. Em resumo, e tomando por empréstimo a definição de Direito Processual Civil dada por HUMBERTO THEODORO JúNIOR3 , pode-se dizer que ele é o ramo da ciência jurídica que trata do complexo das normas reguladoras do exercício da jurisdição civil. 3 THEODORO JúNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, vol. 1. 42. ed. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2005, p. 6. Pó s- Gr ad ua çã o a Di st ân ci a 17 Teoria Geral do Processo Civil Unidade I Capítulo 2 – Princípios do Processo Civil Nos moldes de todos os ramos do Direito, o Direito Processual também é orientado por princípios, que servem de fundamento e de referência para a interpretação de todas as normas e institutos que o integram. Os princípios do Direito Processual Civil encontram-se delineados na Constituição Federal e na legislação processual ordinária. Importa destacar, nesse passo, a aguda influência do DireitoConstitucional no Direito Processual Civil, como de resto em todos os ramos do Direito. Isso se deve ao fenômeno da constitucionalização do Direito Processual Civil decorrente da previsão de normas processuais na Lei Maior e, sobretudo, da importância hermenêutica cada vez mais acentuada dos princípios. Conquanto a doutrina aponte uma infinidade de princípios, aqui eles serão resumidos aos essenciais, de onde todos os demais buscam sua legitimidade e justificativa. Do Devido Processo Legal O mais relevante e complexo dos princípios que regem o Processo Civil, o Devido Processo Legal, que surgiu pela primeira vez na Magna Carta inglesa de João Sem Terra, de 1215, está consagrado no artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal de 1988. Trata-se, a rigor, de uma cláusula geral aberta a ser preenchida de acordo com determinado momento jurídico-histórico. É certo que dele decorrem todos os outros princípios processuais. Em verdade, mesmo que não previstos de maneira expressa no ordenamento jurídico, os demais princípios não estariam excluídos, pois que, por força do due process of law, também se fariam presentes no sistema. Em face desta larga abrangência, o Devido Processo Legal é classificado por alguns como um “super princípio”. Para que se possa falar em justa composição da lide, ou seja, solução equânime de um conflito, a tutela jurisdicional deve ser prestada à luz de normas processuais estabelecidas previamente pelo Direito Processual Civil. Esta exigência, que se dá, em primeiro plano, por força do disposto na Constituição de República Federativa do Brasil, art. 5 º, incisos XXXV, LIV e LV, mostra a exata extensão do que vem a ser o devido processo legal. Em um momento inicial, este princípio era visto apenas como uma garantia processual, mas este entendimento evoluiu, e hoje é forçoso concluir que ele também abrange ao que se chama de devido processo legal substancial ou material, que pode ser definido como uma garantia ao trinômio “vida-liberdade-propriedade” , que assegura à sociedade a regência via leis razoáveis. Assim, para a correta aplicação do princípio do devido processo legal, não basta a mera regularidade formal das decisões (sentido formal); elas necessitam ser substancialmente razoáveis e corretas (sentido material). Diante disso, é que se pode falar nos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, consoante decidiu o Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário nº 374.981 – Informativo STF nº 381. O devido processo legal em sentido formal pode, assim, ser tomado como o Direito de processar e ser processado de acordo com as normas previamente estabelecidas de maneira legítima e nos moldes constitucionais. É deste princípio que se desdobram outros: acesso à justiça; juiz natural; publicidade dos atos processuais; razoabilidade do prazo para Pr oc es so C iv il – Pr oc es so d e Co nh ec im en to 18 Teoria Geral do Processo Civil Unidade I a tutela jurisdicional etc. Na síntese de MARCUS VINICIUS RIOS GONÇALVES4, o substantive due process constitui autolimitação ao poder estatal, que não pode editar normas que ofendam a razoabilidade e afrontem as bases do regime democrático. Em sentido processual, o princípio obriga a que se respeitem as garantias processuais e as exigências necessárias para a obtenção de uma sentença justa. Contraditório e Ampla Defesa Os princípios do contraditório e da ampla defesa estão densificados no art. 5º, LV, da Constituição Federal. Traduzem a prerrogativa, assegurada a ambas as partes da relação processual, de utilizarem todos os instrumentos legítimos de defesa e de serem ouvidas sobre todos os fatos que possam interferir na solução do litígio. Pode-se dizer que democracia no processo recebe o nome de contraditório. (Fredie Didier Jr. Curso de Direito Processual Civil, 42). Na arena processual, às partes são disponibilizados iguais poderes e Direitos. Diante disso, por exemplo, busca-se assegurar a assistência judiciária aos que não têm condições de arcar com os gastos de um processo. Ocorre que, o principal instrumento na busca desta igualdade é o contraditório, que as partes, sem qualquer privilégio para uma delas, precisam ser ouvidas pelo magistrado, sendo-lhes garantidos o Direito à defesa plena e o direto de se pronunciar durante todo o processo; aliás, também lhes será garantido o Direito de produzir provas. O princípio em foco pode ser vislumbrado sob dois aspectos: um formal e um material. No aspecto formal, busca garantir a participação das partes em todos os atos processuais, por meio da prévia comunicação. O pensamento clássico entendia que bastava o cumprimento dessa exigência para que se garantisse, com plenitude, o contraditório. Hoje, porém, deve-se completar esse conceito com o aspecto material, que cuida do poder de influência, poder de interferir na decisão final. Assim, além de ser chamada aos autos, deve-se garantir à parte o Direito de manifestar-se, de trazer ideias, fatos novos e argumentos jurídicos que possam modificar o entendimento do julgador. Decidiu, sobre a matéria, o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL5 , que a Corte fixou jurisprudência no sentido de que os princípios do contraditório e da ampla defesa, ampliados pela Constituição de 1988, incidem sobre todos os processos, judiciais ou administrativos, não se resumindo a simples Direito, da parte, de manifestação e informação no processo, mas também à garantia de que seus argumentos serão analisados pelo órgão julgador, bem assim o de ser ouvido também em matéria jurídica. Em função do prestígio constitucional do princípio da ampla defesa e do contraditório, diz-se que ele é absoluto, e sua observância obrigatória, sob pena de nulidade. Todavia, há que se ter presente que os princípios constitucionais estão no mesmo plano jurídico, sem relação de supremacia. Logo, em dadas circunstâncias, o contraditório pode ceder em certa medida à efetividade jurisdicional, como acontece nas hipóteses de antecipação de tutela e de medidas cautelares inaudita altera partes. Não se trata, é bom ressalvar, de supressão do contraditório, mas apenas de sua postergação, caso em que se diz que o contraditório é diferido. Oportuno não perder de vista que tanto o contraditório quanto a ampla defesa são adaptados pela legislação ordinária à luz do procedimento, da complexidade da causa e de outras variantes processuais. Isso significa que existem parâmetros para o seu exercício e que as partes não dispõem de poderes ilimitados para alegar e provar os fatos suscitados no processo. Como adverte FRANCISCO GÉRSON MARQUES DE LIMA6, o Direito de defesa, assegurado constitucionalmente, tem suas adaptações pelo legislador ordinário, a fim de atender ao primado da adequação processual, conforme a natureza do interesse regulado pelo processo. Há uma inerência da defesa, segundo o 4 RIOS GONÇALVES. Marcus Vinicius. Novo Curso de Direito Processual Civil. Volume 1, Ed. Saraiva, 2004. p. 36. 5 STF, AGRG. no RE 527.814/PR, 2ª T., rel. Min. Eros Grau, Dje 162, de 28.08.2008. 6 LIMA, FRANCISCO GÉRSON MARQUES DE. Fundamentos Constitucionais do Processo. Ed. Malheiros, 2002, p. 188. Pó s- Gr ad ua çã o a Di st ân ci a 19 Teoria Geral do Processo Civil Unidade I processamento disciplinado pela lei, de modo racional. O que não pode é o Direito de defesa ser suprimido, porquanto é garantia genérica constitucional. Na mesma direção, anota HENRY GONÇALVES LUMMERTZ7 que o processo deve ser estruturado de forma tal que assegure que as atividades dos sujeitos processuais possam ser exercidas de forma eficaz, mas a garantia do contraditório não pode ser de pretexto para uma inútil e danosa dilação processual, não sendo admitidas, em nome de um pretenso contraditório, defesas fúteis e pretextuosas, sem qualquer relaçãocom o objeto do processo. A tanto não se presta o princípio do contraditório. Em sede jurisprudencial, é ilustrativa dessa contextualização do princípio do contraditório e da ampla defesa a seguinte decisão do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL8: Este Tribunal tem decidido no sentido de que o indeferimento de diligência probatória, tida por desnecessária pelo juízo a quo, não viola os princípios do contraditório e da ampla defesa. FREDIE DIDIER JR.9 afirma que há que se abrir parênteses no tema para lembrar que o sistema jurídico brasileiro permite que o magistrado atue e conheça matérias de ofício; contudo, não lhe é permitido agir sem ouvir as partes. Para o autor, agir de ofício é agir sem provocação e isso não se confunde com agir sem ouvir as partes. Neste caso, caberia ao juiz, antes de agir, abrir prazo para que as partes falem nos autos, sob pena de violar o contraditório. Em resumo, deste princípio decorrem três consequências básicas: a) a sentença só afeta as pessoas que foram parte no processo, ou seus sucessores; b) só há citação completa após regular citação do demandado; c) toda decisão só pode ser proferida depois de ouvidas as partes. Boa-Fé e Lealdade Processual Não é lícito a nenhum cidadão agir de má-fé para com o Estado-Juiz. O processo representa o instrumento pelo qual o Estado, resolvendo a lide, devolve a paz ao convívio social. Em virtude da magnitude desse propósito, possui forte conteúdo ético que se mostra incondizente com atitudes pautadas pela temeridade. Na esteira do que decidiu o E. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL10, o ordenamento jurídico brasileiro repele práticas incompatíveis com o postulado ético-jurídico da lealdade processual. O processo não pode ser manipulado para viabilizar o abuso de Direito, pois essa é uma ideia que se revela frontalmente contrária ao dever de probidade que se impõe à observância das partes. O litigante de má-fé – trate-se de parte pública ou de parte privada – deve ter a sua conduta sumariamente repelida pela atuação jurisdicional dos juízes e dos tribunais, que não podem tolerar o abuso processual como prática descaracterizadora da essência ética do processo. Os arts. 14 a 18 do Código de Processo Civil prescrevem os deveres a serem observados pelas partes quanto ao aspecto da lealdade processual e as penalidades passíveis de aplicação à parte que sucumbe à má-fé. A interpretação desses preceitos legais acenam com clareza no sentido de que a litigância temerária afronta a dignidade jurisdicional e por isso deve ser reprimida pelo juiz que preside a relação processual. A propósito, assinala JEFFERSON ISIDORO MAFRA11 , que a dignidade da justiça, como valor moral e constitucional, repugna a conduta desleal e de má-fé. A jurisdição, como função pública do Estado, destinada a dirimir os conflitos sociais, merece tratamento condizente com o seu caráter social e publicista. Por conseguinte, o processo, como instrumento de atuação da jurisdição, exige comportamento ético contínuo daqueles que nele atuam. O respeito aos deveres éticos expressos no art. 14 do Código de Processo Civil é uma obrigação constante de todos que participam do processo. 7 LUMMERTZ, HENRY GONÇALVES. Processo e Constituição. Forense, p. 56. 8 AGRG. no AI 616.277/MG, 1ª T., rel. Min. Ricardo Lewandowski, Dje 177, de 18.09.2008 9 DIDIER JúNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Volume 1. 7ª edição. Salvador: Ed. JusPODIVM, 2007, p. 46. 10 EDCL. no AGRG. no AI 193.779/PR, 2ª T., rel. Min. Marco Aurélio, DJU 08.06.2001, p. 14. 11 MAFRA, JEFFERSON ISIDORO. Dever de Cumprir Ordem Judicial. RF 378/452. Pr oc es so C iv il – Pr oc es so d e Co nh ec im en to 20 Teoria Geral do Processo Civil Unidade I O princípio da lealdade processual impõe deveres inspirados na probidade que se estendem a todos os que participam, direta ou indiretamente, da relação processual (o que inclui, além das partes, serventuários, membros do MP, peritos, advogados etc.). Evidentemente que os dispositivos que moldam as atitudes consideradas agressivas à boa-fé processual e legitimam a aplicação das reprimendas legais devem ser aplicados com temperança, máxime porque a má-fé não pode ser presumida. Contudo, o juiz não deve hesitar em punir, à luz do devido processo legal, a parte que transita em juízo mediante subterfúgios e alegações contrárias a fatos eloquentes dos autos. A litigância temerária desafia princípios éticos que norteiam a atividade processual e deve ser reprimida dentro dos parâmetros da legislação vigente. Na mesma ordem de ideias, aparta-se dos princípios éticos que norteiam a dogmática processual, revelando litigância temerária, a parte que recorre mediante argumentação contrária aos fatos incontroversos dos autos e alheia às circunstâncias da causa, em claro intuito protelatório. Acerca do tema, colha-se o seguinte julgado do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL12: 1. RECURSO. Extraordinário. Inadmissibilidade. Jurisprudência assentada. Ausência de razões consistentes. Decisão mantida. Agravo regimental improvido. Nega-se provimento a agravo regimental tendente a impugnar, sem razões consistentes, decisão fundada em jurisprudência assente na Corte. 2. RECURSO. Agravo. Regimental. Jurisprudência assentada sobre a matéria. Caráter meramente abusivo. Litigância de má-fé. Imposição de multa. Aplicação do art. 557, § 2º, cc. arts. 14, II e III, e 17, VII, do CPC. Quando abusiva a interposição de agravo, manifestamente inadmissível ou infundado, deve o Tribunal condenar o agravante a pagar multa ao agravado. Da Instrumentalidade das Formas O objetivo maior do processo não é o cumprimento exato de todos os procedimentos, mas a solução adequada das lides. Sendo o processo o instrumento pelo qual o litígio é dissipado mediante a aplicação do Direito ao caso concreto, urge procurar a maximização dos atos processuais com vistas à consecução desse objetivo. O art. 154 da Lei Processual Civil, que mais ilustra a adoção do princípio da instrumentalidade das formas pela ordem jurídica vigente, estatui que “os atos e termos processuais não dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente a exigir, reputando-se válidos os que, realizados de outro modo, Ihe preencham a finalidade essencial”. Interpretando com propriedade esse dispositivo legal, CASSIO SCARPINELLA BUENO13 expõe que a forma dos atos processuais deve ser compreendida como garantia de que há fins (exteriores e estranhos aos sujeitos do processo) a serem atingidos. Se eles, os fins, forem atingidos, mesmo sem a forma previamente estabelecida na lei, não há por que declarar qualquer defeito no plano do processo. O intérprete jamais deve abandonar a ideia de que o processo não é um fim em si mesmo; ao contrário, representa o meio de que se vale o Estado para desempenhar a jurisdição. Por via de consequência, repugna à consciência jurídica atual a celebração do formalismo em detrimento dos objetivos centrais do processo. Em decisão que espelha com propriedade essa nova visão do processo, assentou o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA14 que na contraposição entre o formalismo processual rigoroso de um lado e a efetividade das decisões processuais e a instrumentalidade das formas de outro, estes devem prevalecer. Há nítido interesse social na solução de mérito dos litígios, mesmo que, para tanto, se faça necessária a simplificação dos dispositivos processuais. 12 AGRG. no AI 238.696/MG, 2ª T., rel. Min. Cezar Peluso, Dje 232, de 04.12.2008 13 BUENO, CASSIO SCARPINELLA. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil, Vol. 1, Editora Saraiva, 2007, p. 438. 14 REsp. 1.037.429/SP, 3ª T., rela. Mina. Nancy Andrighi, DJe 26.09.2008. Pó s- Gr ad ua çã o a Di st ân ci a 21 Teoria Geral do Processo Civil Unidade I Nessa contextura jurídica, tanto as nulidades processuaisquanto os requisitos dos atos processuais devem ser enfocados sob o prisma da instrumentalidade, de sorte a preservar o processo e, consequentemente, favorecer a resolução do mérito, isto é, do conflito de interesses levado ao Poder Judiciário. É por isso, exempli gratia, que as exigências da petição inicial devem ser aferidos sob a lente do princípio da instrumentalidade das formas, levando em conta que o seu indeferimento, por deixar insolúvel o litígio, frustra os desígnios institucionais do processo. Na mesma concepção, aplica-se o princípio da instrumentalidade das formas, inscrito nos arts. 249 e 250 do Código de Processo Civil, quando da nulidade do ato não resultar prejuízo para a defesa das partes, consoante vem decidindo reiteradamente o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA15. O mesmo Tribunal Superior16, noutro julgado, assentou: “Pacificou-se nesta Corte entendimento de que, em respeito ao princípio da instrumentalidade das formas, considera-se sanada a nulidade decorrente da falta de intervenção, em primeiro grau, do Ministério Público, se posteriormente o Parquet intervém no feito em segundo grau de jurisdição, sem ocorrência de qualquer prejuízo à parte.“ Duplo Grau de Jurisdição O princípio do duplo grau de jurisdição faculta a revisão dos julgados de modo a possibilitar a sua reapreciação por órgão jurisdicional hierarquicamente superior. O natural inconformismo da parte vencida, aliado à falibilidade do ato de julgamento, justificam esse princípio fundamental do Processo Civil. O princípio do duplo grau de jurisdição é instrumentalizado pelo sistema recursal moldado no Código de Processo Civil e na legislação extravagante. É por meio dos recursos, taxativamente catalogados na legislação (CPC, art. 496), que a parte pode pleitear a revisão do julgamento contrário ao seu interesse. São os recursos, portanto, o mecanismo pelo qual o princípio do duplo grau de jurisdição é concretizado no Direito Processual Civil. Na precisa observação de MARCUS VINICIUS RIOS GONÇALVES17, não existem recursos que não tenham sido criados por lei. As partes intervenientes ou o próprio juiz não têm poderes para criar mecanismos de impugnação das decisões judiciais além daqueles estabelecidos pelo legislador. Daí dizer que o rol dos recursos é numerus clausus. Controverte-se sobre a estatura constitucional do princípio do duplo grau de jurisdição. Muito embora o art. 5º, inciso, LV, da Constituição Federal, disponha que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”, grande parte da doutrina entende que a Lei Maior não o consagra em seu texto. ROBERTOS ROSAS18, por exemplo, afirma que o princípio do duplo grau de jurisdição não está inscrito em nenhuma regra constitucional, apenas deduz-se da estrutura constitucional da duplicidade de pronunciamentos que o mesmo pertence à estrutura do Poder Judiciário. Noutro norte, NELSON LUIZ PINTO19 assevera que está o princípio do duplo grau de jurisdição implicitamente contido na Constituição Federal como uma das facetas do próprio Direito constitucional de ação e de defesa. O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL20 inclina-se pelo reconhecimento do princípio do duplo grau de jurisdição, sem contudo conceder-lhe o status de princípio constitucional, como se colhe do seguinte julgado: 1. Para corresponder à eficácia instrumental que lhe costuma ser atribuída, o duplo grau de jurisdição há de ser concebido, à moda clássica, com seus dois caracteres específicos: a possibilidade de um reexame integral da sentença de primeiro grau e que esse reexame seja confiado à órgão diverso do que a proferiu e de hierarquia superior na ordem judiciária. 2. Com esse sentido próprio – sem concessões que o desnaturem – não é possível, sob as sucessivas Constituições da República, erigir o duplo grau em princípio e garantia constitucional, tantas são as previsões, na própria Lei Fundamental, do julgamento de única instância ordinária, já na área cível, já, particularmente, na área penal. 3. A situação não se alterou, com a incorporação ao Direito brasileiro da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José), 15 REsp. 1.018.614/PR, 2ª T., rela. Mina. Eliana Calmon, DJe 06.08.2008 16 AgRg. no Resp. 457.407/RO, 6ª T., rela. Mina. Maria Thereza de Assis Moura, Dje 06.10.2008. 17 GONÇALVES, MARCUS VINICIUS RIOS. Novo Curso de Direito Processual Civil, Volume 2, Saraiva, 2005, p. 55. 18 ROSAS, ROBERTO. Direito Processual Constitucional, 3. ed., Editora RT, p. 21. 19 PINTO, NELSON LUIZ. Manual dos Recursos Cíveis, 2. ed., Editora Malheiros, p. 80. 20 ROHC 79.785-7/RJ, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU 22.11.2002, p. 57 Pr oc es so C iv il – Pr oc es so d e Co nh ec im en to 22 Teoria Geral do Processo Civil Unidade I na qual, efetivamente, o art. 8º, 2, h, consagrou, como garantia, ao menos na esfera processual penal, o duplo grau de jurisdição, em sua acepção mais própria: o Direito de “toda pessoa acusada de delito”, durante o processo, “de correr da sentença para juiz ou tribunal superior”. 4. Prevalência da Constituição, no Direito brasileiro, sobre quaisquer convenções internacionais, incluídas as de proteção aos Direitos humanos, que impede, no caso, a pretendida aplicação da norma do Pacto de São José: motivação. Impende reconhecer a existência de causas que não estão sujeitas ao duplo grau de jurisdição, como acontece nos feitos de competência originária do Supremo Tribunal Federal. Isso, porém, não invalida a presença marcante do princípio do duplo grau de jurisdição no ordenamento jurídico vigente mediante a estrutura recursal engenhada com o propósito nuclear de possibilitar a ampla revisão dos julgados. Interessa ressalvar, ainda, que a permissão de julgamentos monocráticos em feitos de competência recursal dos tribunais não conspurca o princípio em voga, desde que circunscritos às hipóteses exaustivamente contempladas no Direito vigente. Conforme decidiu o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA21, o julgamento monocrático pelo relator da causa, ao utilizar os poderes processuais do art. 557 do CPC, não ofende o princípio do duplo grau de jurisdição, desde que o recurso se manifeste inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou jurisprudência dominante do respectivo Tribunal, deste Superior Tribunal de Justiça, ou do Supremo Tribunal Federal. Princípio da Isonomia Estipula o art. 125, I, do Código de Processo Civil, inspirado no princípio da isonomia substancial consagrado em sede constitucional, que o juiz deve “assegurar às partes igualdade de tratamento”. A imparcialidade do juiz impõe tratamento idêntico às partes, de maneira a possibilitar-lhes o uso de todas as ferramentas jurídicas legítimas para a alegação e prova dos fatos e do Direito relevantes ao julgamento da causa. É o que a doutrina chama de “paridade de armas” no embate inerente ao palco processual. Sobre o tema, CASSIO SCARPINELLA BUENO22 assevera que a isonomia ou igualdade deve ser entendida no sentido de que o Estado-Juiz (o magistrado, que o representa) deve tratar de forma igualitária os litigantes. Seja dando-lhes igualdade de condições de manifestação ao longo do processo, seja criando condições para que esta igualdade seja efetivamente exercitada. A presença marcante do princípio da igualdade não invalida as situações, devidamente justificadas sob o prisma da razoabilidade, de tratamento diferenciado em razão de circunstâncias peculiares a uma das partes da relação processual. É o que se verifica, por exemplo, na concessão de prazos mais elásticos à Fazenda Pública (CPC, art. 188). Contudo, as desequiparações só podem ser consideradas compatíveis com o cânone da igualdade quando não exorbitam as raias do princípio da razoabilidade. Veja, a propósito,a seguinte decisão do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL23: Ação rescisória: arguição de inconstitucionalidade de medidas provisórias (MPr 1.703/98 a MPr 1798-3/99) editadas e reeditadas para a) alterar o art. 188, I, CPC, a fim de duplicar o prazo para ajuizar ação rescisória, quando proposta pela União, pelos Estados, pelo DF, pelos Municípios ou pelo Ministério Público; b) acrescentar o inciso X no art. 485 CPC, de modo a tornar rescindível a sentença, quando “a indenização fixada em ação de desapropriação direta ou indireta for flagrantemente superior ou manifestamente inferior ao preço de mercado objeto da ação judicial”: preceitos que adoçam a pílula do edito anterior sem lhe extrair, contudo, o veneno da essência: medida cautelar deferida. 1. Medida provisória: excepcionalidade da censura jurisdicional da ausência dos pressupostos de relevância e urgência à sua edição: raia, no entanto, pela irrisão a afirmação de urgência para as alterações questionadas à disciplina legal da ação rescisória, quando, segundo a doutrina e a jurisprudência, sua aplicação à rescisão de sentenças já transitadas em julgado, quanto a uma delas – a criação de novo caso de rescindibilidade – é pacificamente inadmissível e quanto à outra – a ampliação do prazo de decadência – é pelo menos duvidosa: razões da medida cautelar na ADIn 1753, que persistem na presente. 2. Plausibilidade, ademais, da impugnação da utilização de medidas provisórias para alterar a disciplina legal do processo, à vista da definitividade 21 AgRg. no Resp. 835.423/RS, 6ª T., rela. Mina. Maria Thereza de Assis Moura, Dje 10.11.2008. 22 BUENO, CASSIO SCARPINELLA, Curso Sistematizado de Direito Processual Civil, Vol. 1, Saraiva, 2007, p. 127/128. 23 ADI-MC 1.910/DF, Pleno, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU 27.02.2004, p. 19. Pó s- Gr ad ua çã o a Di st ân ci a 23 Teoria Geral do Processo Civil Unidade I dos atos nele praticados, em particular, de sentença coberta pela coisa julgada. 3. A igualdade das partes é imanente ao due process of law; quando uma das partes é o Estado, a jurisprudência tem transigido com alguns favores legais que, além da vetustez, têm sido reputados não arbitrários por visarem a compensar dificuldades da defesa em juízo das entidades públicas; se, ao contrário, desafiam a medida da razoabilidade ou da proporcionalidade, caracterizam privilégios inconstitucionais: parece ser esse o caso na parte em que a nova medida provisória insiste, quanto ao prazo de decadência da ação rescisória, no favorecimento unilateral das entidades estatais, aparentemente não explicável por diferenças reais entre as partes e que, somadas a outras vantagens processuais da Fazenda Pública, agravam a consequência perversa de retardar sem limites a satisfação do Direito do particular já reconhecido em juízo. 4. No caminho da efetivação do due process of law – que tem particular relevo na construção sempre inacabada do Estado de Direito democrático – a tendência há de ser a da gradativa superação dos privilégios processuais do Estado, à custa da melhoria de suas instituições de defesa em juízo, e nunca a da ampliação deles ou a da criação de outros, como – é preciso dizê-lo – se tem observado neste decênio no Brasil. Princípio da Motivação O art. 165 do Código de Processo Civil reza que “as sentenças e acórdãos serão proferidos com observância do disposto no art. 458; as demais decisões serão fundamentadas, ainda que de modo conciso”. Tal dispositivo afina-se com o art. 93, IX, da Carta Política, que em sua primeira parte estatui que “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade”. É de se notar que a própria validade dos atos decisórios proferidos no processo está adstrita à indispensável fundamentação. Mas é imperativo advertir que a motivação exigida legalmente não se traduz em ampla justificação jurídica por parte do magistrado. Como vem decidindo o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA24, a nulidade só alcança decisões ausentes de motivação, não aquelas com fundamentação sucinta, mormente quando possibilita o amplo Direito de defesa por parte daquele que se sentiu prejudicado. Em igual sentido, decidiu o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL25 que a exigência do art. 93, IX, da Constituição, não impõe seja a decisão exaustivamente fundamentada, bastando que o julgador informe, de forma clara e concisa, as razões de seu convencimento, tal como ocorreu no caso em tela. Princípio da Publicidade O processo, dentro do Estado Democrático de Direito, deve consistir em método transparente da solução das contendas levadas à apreciação do Poder Judiciário. O art. 5º, inciso LX, da Constituição Federal, reza que “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”, ao passo que o art. 93, inciso IX, também é enfático ao prescrever que “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes”, sendo no mesmo sentido a dicção do art. 155 do Código de Processo Civil. Descortinando esse viés democrático que sustenta o princípio da publicidade no âmbito processual, VICENTE GRECO FILHO26 explana que os atos processuais são públicos, em princípio, a fim de que a todos seja dado acompanhar a distribuição da justiça, que é um bem jurídico que transcende ao próprio interesse individual das partes discutido em determinada causa. A publicidade é garantia democrática de liberdade no que concerne ao controle do uso da autoridade. Se, porém, o strepitus processus puder causar prejuízo às partes, desenvolve-se a causa em segredo de justiça (art. 155). Jamais, porém, o processo é secreto, ou seja, excluído do exame das partes e seus advogados. Frise-se que o segredo de justiça franqueado pelo Direito positivo diz respeito aos atos processuais e não à própria existência do processo. Na lição de LUIZ MANOEL GOMES JUNIOR, JUSSARA SUZI ASSIS BORGES NASSER FERREIRA 24 REsp. 782.901/SP, 3ª T., rela. Mina. Nancy Andrighi, Dje 20.06.2008. 25 AGRG. no AI 653.010/DF, 1ª T., rel. Min. Ricardo Lewandowski, Dje 162, de 28.08.2008 26 FILHO, VICENTE GRECO, Direito Processual Civil Brasileiro, 2º Volume, 16ª Ed., Editora Saraiva, p. 86. Pr oc es so C iv il – Pr oc es so d e Co nh ec im en to 24 Teoria Geral do Processo Civil Unidade I e MIRIAM FECCHIO CHUEIRI27, no Código de Processo Civil, o segredo de justiça é disciplinado no art. 155, incisos I e II e seu parágrafo único, até de forma limitada, o que se justifica em decorrência da exceção de tal tipo de restrição à regra da publicidade dos atos processuais frente ao texto constitucional. Contudo, deve ser anotado que o segredo de justiça refere-se aos atos do processo, e não à sua própria existência, que sempre será pública. Princípio da Persuasão Racional Ao dispor em seu art. 131 que “o juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que Ihe formaram o convencimento”, o Código de Processo Civil opta nitidamente pelo princípio da persuasão racional, ou do livre convencimento motivado, o que mais guarda fidelidade, dentre aqueles que versam sobre a liberdade do juiz na aplicação do Direito, com o caráter democrático inerente ao processo. O Estado Democrático de Direito é inconciliável com poderes arbitrários, razão por que a legitimidade das decisões judiciais não prescinde da explicitação dos fundamentos que lhe servem de alicerce fático e jurídico. É de LUIZ GUILHERME MARINONI28 a lição segundo a qual a legitimidadeda decisão jurisdicional depende não apenas de estar o juiz convencido, mas também de o juiz justificar a racionalidade da sua decisão com base no caso concreto, nas provas produzidas e na convicção que formou sobre as situações de fato e de Direito. Ou seja, não basta o juiz estar convencido – deve ele demonstrar as razões de seu convencimento. Isso permite o controle da atividade do juiz pelas partes ou por qualquer cidadão, já que a sentença deve ser o resultado de um raciocínio lógico capaz de ser demonstrado mediante a relação entre o relatório, a fundamentação e a parte dispositiva. Como destinatário das provas, cabe ao juiz delimitar os meios probatórios necessários à formação do seu convencimento, expungindo aqueles irrelevantes ao desfecho do litígio. Mas duas condicionantes lhe são impostas pelo princípio da persuasão racional: fundamentação e restrição ao conteúdo dos autos. Nesse sentido, destaca ALEXANDRE FREITAS CâMARA29 que o juiz não pode tomar em consideração, a fim de formar sua convicção acerca das alegações sobre a matéria de fato, nenhum elemento além das provas carreadas para os autos. É a aplicação do brocardo quod non est in acti non est in mundo (o que não está nos autos não está no mundo). Além de basear sua decisão nas provas existentes nos autos, o juiz deverá apresentar no decisum os motivos que o levaram a decidir desta ou daquela forma. É o princípio da motivação das decisões judiciais, já estudado. Princípio da Efetividade O princípio da inafastabilidade da jurisdição, insculpido no art. 5º, XXXV, da Constituição de 1988, não garante apenas o acesso à Justiça: assegura que o processo, instrumento vocacionado à prestação jurisdicional, seja adequado à efetiva tutela do Direito violado ou ameaçado. Noutras palavras, o legislador constituinte assumiu o compromisso de dotar o processo de meios adequados à salvaguarda do Direito da parte vencedora tal como previsto no Direito Material. Segundo HUMBERTO THEODORO JúNIOR30, deve-se lembrar que o Estado, assumindo o monopólio da Justiça, afastou a parte do terreno da autotutela. Logo, se a pessoa não pode se defender do perigo por seus próprios meios, a jurisdição tem o dever de socorrê-lo, sempre que correr risco de prejuízo por ter de aguardar o resultado da prestação jurisdicional satisfativa. Criou-se, assim, para o Estado um “dever legal de segurança”, como “consectário da vedação da autotutela”. O tema da tutela de segurança enraíza-se na garantia constitucional de inafastabilidade da proteção judicial, que encontra apoio no art. 5º, XXXV, da Carta Magna, e que compreende não apenas “Direito à ampla defesa e ao contraditório, mas também Direito a uma tutela efetiva, ou Direito a um procedimento adequado à realidade de Direito Material” 27 JUNIOR, LUIZ MANOEL GOMES, FERREIRA, JUSSARA SUZI ASSIS BORGES NASSER e CHUEIRI, MIRIAM FECCHIO CHUEIRI, Segredo de justiça – Aspectos processuais controvertidos e liberdade de imprensa, in Revista IOB de Direito Civil e Processual Civil, nº 54/120. 28 MARINONI, LUIZ GUILHERME, Curso de Processo Civil, Volume 1, Editora RT, p. 104. 29 ALEXANDRE FREITAS CâMARA, Lições de Direito Processual Civil, Vol. I, 8. ed., Lumen Juris, p. 399/400. 30 JUNIOR, HUMBERTO THEODORO, Execuções das Medidas Cautelares e Antecipatórias, in: PROCESSO DE EXECUÇÃO, Série Processo de Execução e Assuntos Afins, v. 2,Editora RT, 2001, p. 475. Pó s- Gr ad ua çã o a Di st ân ci a 25 Teoria Geral do Processo Civil Unidade I O princípio de que se trata revelaria uma promessa vã se simplesmente assegurasse o acesso à jurisdição. Dada a sua real dimensão, ele endereça ao legislador e ao juiz a tarefa de proporcionar a solução dos conflitos de interesses mediante o resguardo efetivo do Direito violado ou ameaçado. Inexcedível, a propósito, o ensinamento de DANIEL FRANCISCO MITIDIERO31 de que não basta, para o pleno atendimento ao comando constitucional, prestar-se qualquer tutela jurídica: é de rigor que esta tenha o condão de curar as enfermidades de forma adequada, em tempo hábil, tornando-se efetivo o desiderato de pacificação social e aplicação do ordenamento jurídico. Em realidade, o art. 5º, XXXV, da Constituição deve ser compreendido como o título que possibilita o acesso não a qualquer ordem jurídica, mas a uma ordem jurídica justa, tempestiva e efetiva: o alcance desta meta reclama a adoção de diversos expedientes, entre eles a especificação procedimental em atenção às diversas situações existentes na órbita material (constribuindo-se procedimentos com níveis de cognição compatíveis com as situações passíveis de tutela, meios executórios adequados, sendo que a inexistência dos mesmos significa verdadeira afronta ao princípio da inafastabilidade da tutela) e uma maior preocupação com o acesso à justiça dos menos favorecidos. A moderna compreensão da temática da inafastabilidade da tutela jurisdicional envolve, como se vê, questões referentes ao acesso ao Judiciário e à efetividade do processo, verdadeiras tônicas do novo modelo processual. A legislação processual vem passando por várias reformas inspiradas no princípio da efetividade, podendo ser lembradas aquelas que instituíram a tutela antecipada, a tutela das obrigações de fazer e não fazer, da tutela das obrigações de entrega de coisa, a unificação das tutelas cognitivas e executivas etc. Todas, não é demasiado remarcar, comprometidas com a celeridade e justiça das decisões judiciais. Daí a precisão de KAZUO WATANABE32 ao dizer que o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, inscrito no inc. XXXV do art. 5º da CF, não assegura apenas o acesso formal aos órgãos judiciários, e sim o acesso à Justiça que propicie a efetiva e tempestiva proteção contra qualquer forma de denegação da justiça e também acesso à ordem jurídica justa. Calha finalizar aduzindo que em nível constitucional, o Direito Processual Civil gravita sob os princípios da segurança jurídica e da efetividade. O primeiro, ancorado nos princípios da ampla defesa e do contraditório em toda a sua extensão; o segundo, calcado na ideia de que o processo deve proporcionar resposta eficaz ao Direito subjetivo. Da tensão e da concordância entre esses princípios, nasce o instituto da tutela antecipada e os demais institutos que lhe são afins, que outorga prevalência, à luz de rígidos pressupostos, ao princípio da efetividade, contra o qual conspira incessantemente o tempo. E o tempo não conspira contra a eficácia normativa da sentença, de cunho eminentemente jurídico; conspira, em realidade, contra a eficácia da sentença no plano dos fatos, da sua repercussão social. O instituto da tutela antecipada tem o intuito basilar de proteger a eficácia social da sentença, isto é, os consectários que ela pode produzir concretamente e que, se não precipitados temporalmente, provavelmente perder-se-ão ante a ação fatal do tempo. Princípios Informativos do Processo Pode-se afirmar que os princípios informativos do processo são aqueles princípios que apontam para um processo ideal, ou seja, indicam qual caminho deve ser seguido na aplicação dos demais princípios para que se chegue a um melhor aproveitamento técnico da causa. ADA PELLEGRINI GRINOVER, ANTôNIO CARLOS DE ARAúJO CINTRA E CâNDIDO RANGEL DINAMARCO33 os apresentam como aspiração de melhoria do aparelhamento processual e delineando quatro regras: • o princípio lógico – seleção de meios mais eficazes e rápidos de procurar e descobrir a verdade e evitar, assim, o erro; • o princípio jurídico – igualdade no processo e justiça na decisão; • o princípio político – máximo de garantia social, com o mínimo de sacrifício individual da liberdade; • o princípio econômico – processo acessível a todos, com vista ao seu custo e duração. 31 MITIDIERO, DANIEL FRANCISCO, Notas sobre o art. 1º do Código de Processo Civil, RF 374/51. 32 WATANABE,KAZUO Tutela Antecipatória e Tutela Específica das Obrigações de Fazer e Não Fazer – arts. 273 e 461, CPC, RDC 19/77. 33 GRINOVER, Ada Pellegrini. CINTRA, Antõnio Carlos de Araújo. DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 23 ed. São Paulo: Malheiros Ed. 2007. Pr oc es so C iv il – Pr oc es so d e Co nh ec im en to 26 Teoria Geral do Processo Civil Unidade I Capítulo 3 – Norma Processual Civil Fontes da Norma Processual Civil O Direito Processual Civil é guarnecido pelas mesmas fontes normativas dos demais ramos do Direito em geral. Logo, tem-se basicamente a lei e o costume como fontes imediatas e a doutrina e a jurisprudência como fontes mediatas. Sobretudo em função do caráter público do processo, a lei é sua principal fonte normativa, adotando-se o primado da prevalência da lei sobre as outras fontes do Direito. Não é por outro motivo que o art. 126 do Código de Processo Civil estabelece que “o juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de Direito.” Na síntese exegética de ANTONIO DALL’AGNOL34, o artigo, de modo mais amplo do que seu antecedente imediato (art. 125), anuncia o sistema adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro para o julgamento das causas cíveis – é o da legalidade. Em outros termos, embora inexistente preceito superior – como se dá, verbi gratia, na Itália, segundo o disposto no art. 101, segundo parágrafo, da Constituição – o juiz cível brasileiro está submetido à solução da lei, quando a lei a ofereça. Esta é ideia que preside o regime democrático de governo: submissão às leis, e não aos homens – com o que o cidadão em geral tem condições de saber, previamente, como comportar-se e, principalmente, como se comportam, ou se comportarão, os representantes dos diferentes poderes estatais. Isso é primário, mas fundamental. Cai a lanço chamar a atenção para o fato de que o sistema da legalidade inscrito no citado art. 126 não invalida as amplas possibilidades exegéticas cometidas ao juiz no ato de aplicação do Direito, inclusive a que o habilita a reconhecer incidentalmente a inconstitucionalidade de determinada norma jurídica ou de interpretá-la sob a filtragem constitucional. LUIZ GUILHERME MARINONI35 faz essa abordagem ao afirmar que o juiz não é mais a boca da lei, como queria Montesquieu, mas, sim, o projetor de um Direito que toma em consideração a lei à luz da Constituição e, assim, faz os devidos ajustes para suprir as suas imperfeições ou encontrar uma interpretação adequada, podendo chegar a considerá-la inconstitucional no caso em que a sua aplicação não é possível diante dos princípios de justiça e dos Direitos fundamentais. A rigor, o ordenamento jurídico é dotado de completude, na medida em que ele mesmo prevê as fontes subsidiárias que devem municiar o juiz para a aplicação do Direito ao caso concreto. Fala a doutrina, por isso mesmo, que a ordem jurídica pode ser estaticamente incompleta, mas que é sempre dinamicamente plena. Com autoridade, EDUARDO J. COUTURE36 ensina que não podemos falar de lacunas na lei ou do Direito, porque não há, na finalidade lógica deste último, uma situação que não possa ser resolvida pelo métodos próprios de sua aplicação. Não pode haver, virtualmente, um problema jurídico que seja insuscetível de solução, ou por via da realização espontânea ou por via jurisdicional, em virtude do processo natural que se denomina força de expansão da lei. A Constituição Federal O Capítulo III da Constituição Federal trata amplamente do Poder Judiciário, que é uma das expressões da soberania nacional (art. 2º, CF) e, por isso, deve encontrar no estatuto político supremo do Estado as suas linhas mestras. Além disso, a Carta Magna também traz normas processuais em sentido restrito e, ainda, normas de índole substancialmente constitucional (substancial e formalmente constitucionais), quais sejam, as estruturadoras do Poder Judiciário. Apenas em caráter exemplificativo, pode-se, citando CâNDIDO RANGEL DINAMARCO37, apontar as seguintes normas processuais constantes da CF/88: 34 DALL’AGNOL, ANTONIO. Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. 2, 2. ed., Editora RT, p. 123. 35 MARINONI, LUIZ GUILHERME, Curso de Processo Civil, Volume 1, Editora RT, p. 54. 36 COUTURE, EDUARDO J., Interpretação das Leis Processuais, 4. ed., Editora Forense, p. 31/32. 37 DINAMARCO, Rangel Cândido. Instituições de Direito Processual Civil, 4. ed. São Paulo: Malheiros Ed., 2004, p. 71. Pó s- Gr ad ua çã o a Di st ân ci a 27 Teoria Geral do Processo Civil Unidade I a) as normas integrantes da tutela constitucional do processo, portadoras de garantias que expressam os princípios fundamentais do sistema (controle jurisdicional, isonomia, juiz natural, contraditório e ampla defesa, devido processo legal etc.); b) as normas que estruturam a jurisdição constitucional (conjunto de medidas jurisdicionais asseguradas pela CF para a tutela a pessoas ou grupos em certas situações específicas – ADC, ADI, Ação Popular, HC, MS, HD, Mandado de Injunção, Ação Civil Pública – jurisdição constitucional das liberdades); c) as que asseguram e dão a medida da independência do Poder Judiciário como um todo e dos juízes individualmente; d) as que ditam a estrutura e competência do STF e Tribunais Superiores; e) as que dispõem sobre a competência e estrutura das diversas Justiças; f) as que fixam critérios para a legislação infraconstitucional sobre o processo, sobre procedimentos e sobre organização judiciária. Acrescente-se que o art. 5º da Constituição, portador do maior catálogo de Direitos fundamentais do ordenamento jurídico pátrio, condensa uma série de normas voltadas direta ou indiretamente ao Direito Processual Civil. Neste diapasão, pode-se citar em caráter exemplificativo: • art.5º, inciso II (princípio da legalidade); • art.5º, inciso XII (sigilos resguardados constitucionalmente); • art.5º, inciso XXVI (impenhorabilidade da pequena propriedade rural); • art.5º, inciso XXXIV (Direito de petição); • art.5º, inciso XXXV (princípio da inafastabilidade da jurisdição); • art.5º, inciso XXXVI (garantia do Direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada); • art.5º, inciso, XXXVII (princípio do juiz natural); • art.5º, inciso LIV (princípio do devido processo legal); • art.5º, inciso LV (princípios do contraditório e da ampla defesa); • art.5º, inciso LVI (vedação de provas ilícitas); • art.5º, inciso LX (princípio da publicidade dos atos processuais); • art. 5º, inciso LXVII (vedação da prisão civil por dívida); • art. 5º, inciso LXIX (Mandado de Segurança); • art. 5º, inciso LXX (Mandado de Segurança Coletivo); • art. 5º, inciso LXXI (Mandado de Injunção); • art. 5º, inciso LXXII (Habeas data); • art. 5º, inciso LXXIII (Ação Popular); Pr oc es so C iv il – Pr oc es so d e Co nh ec im en to 28 Teoria Geral do Processo Civil Unidade I • art. 5º, inciso LXXIV (assistência jurídica gratuita); • art. 5º, inciso LXXVIII (duração razoável do processo). As consequências da inclusão destes preceitos na Constituição são muitas, com destaque para a sua observância obrigatória por todos os entes da federação, a criação de vários Direitos processuais fundamentais e a fixação de um norte interpretativo para as normas infraconstitucionais. Desse sentir é MISAEL MONTENEGRO FILHO38, para quem as normas do CPC – fonte inferior – apenas são válidas se, em cotejo com a CF – fonte superior por excelência –, demonstrarem respeito a essa, não havendo divergência entre elas. O raciocínio deve ser aplicado, de forma escalonada, a todas as
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