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FEEVALE Disciplina: Direitos Reais Texto 6 Prof. Luis Augusto Stumpf Luz DIREITO DE PROPRIEDADE (continuação) FORMAS DE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE IMÓVEL: O Direito pátrio admite duas formas de aquisição da propriedade: originária e derivada. Assim, quando há ato de transferência da propriedade do antigo para o atual proprietário, trata-se de forma derivada; quando não o há, a forma é originária. Formas originárias: são originárias quando desvinculada de qualquer relação com o titular anterior, ou seja, não existe relação jurídica de transmissão entre o antigo e o atual proprietário. Aliás, ou inexiste um antigo proprietário ou, se o existe, é juridicamente irrelevante em relação ao atual proprietário. Não há ato de transmissão de ´A´ para ´B´. Em síntese: a) existe um antigo e um novo proprietário, mas não há ato de transferência da propriedade entre ambos, como é o caso da usucapião, em que o atual proprietário não recebe a transferência da propriedade do seu antigo; b) o atual proprietário é o primeiro proprietário da coisa, como é a hipótese de a pessoa confeccionar uma peça e dela exercer a propriedade. É importante observar que a aquisição da propriedade pela forma originária implica adquirir a coisa livre de qualquer vício. Então, não são considerados os vícios anteriores da propriedade porque não existe anterior titular a ser levado em conta para fins jurídicos (mesmo que o exista, o Direito o ‘despreza’ para fins de aquisição da propriedade). Então, se a propriedade é adquirida de forma originária, hipótese da usucapião, o novo proprietário não é responsável pelos antigos tributos que recaiam sobre o imóvel. O mesmo raciocínio não serve para a aquisição derivada, pois na compra e venda o adquirente (atual proprietário) é responsável pelos tributos anteriores, mesmo que inerentes ao vendedor (antigo proprietário). Porém, há uma divergência: o Art. 34 do CTN prevê que o “Contribuinte do imposto é o proprietário do imóvel, o titular do seu domínio útil, ou o seu possuidor a qualquer título (grifo)”. Assim, se quem adquiriu a propriedade por usucapião já possuía a coisa ao tempo do tributo, deverá pagá-lo. Quanto à usucapião, também no âmbito do Direito Tributário, observa-se que há isenção de pagamento do ITBI (imposto de transmissão de bens imóveis) na aquisição de imóveis em razão de constituir-se na modalidade originária para o atual proprietário que usucapiu o imóvel. Assim, na usucapião, por ser modo originário de aquisição da propriedade, é indevido o pagamento do ITBI. Porém, as obrigações fiscais necessárias ao registro de imóveis são de outra qualidade, como o imposto territorial rural (ITR) ou o imposto predial territorial urbano (IPTU) Outra situação é a de um imóvel gravado por hipoteca, numa relação entre ´A´ x ´B´. Porém, se o imóvel for adquirido por ´C´, na forma da usucapião, a hipoteca será extinta, uma vez que a aquisição por ´C´ é da espécie originária. O mesmo não pode ser afirmado quanto à compra e venda, forma de aquisição derivada. Além da usucapião, as acessões – ilhas, aluvião, avulsão, álveo abandonado, plantações e construções – são formas de aquisição da propriedade, a seguir explicadas. Em síntese, são formas de aquisição originárias de bens imóveis: a) a usucapião (que será estudada em outra aula) e, b) as acessões (formação de ilhas, aluvião, avulsão, álveo abandonado, plantações e construções). Nesse sentido, estudar-se-ão as acessões naturais e artificiais: nos termos do Art. 1.248 do CC, as acessões constituem o modo originário de aquisição da propriedade imóvel em virtude do qual passa a pertencer ao proprietário tudo aquilo que foi incorporado de forma natural ou artificial. Acessão é um acréscimo (acessão, ‘acrescentar”) que surge no exterior da coisa e passa a integrá-la jurídica e fisicamente de modo duradouro. É um modo originário de aquisição da propriedade imobiliária em razão de ser a união de uma coisa à outra, à qual adere e se incorpora à outra em estado permanente por ação humana ou causa natural. São espécies de acessão: A) Da formação de ilhas: interessam ao Direito Civil somente as ilhas formadas em rios não navegáveis ou particulares, por pertencerem ao domínio particular, conforme constata o Código de Águas. Quanto às ilhas que se formaram em correntes comuns ou particulares, estas pertencem aos proprietários ribeirinhos fronteiros, devendo ser observadas as seguintes regras, nos termos do Art. 1.249 do CC: a -1) as ilhas que se formarem no meio do rio consideram-se acréscimos sobrevindos aos terrenos ribeirinhos fronteiros de ambas as margens, na proporção de suas testadas, até a linha que dividir o álveo em duas partes iguais; a -2) as ilhas que se formarem entre a referida linha e uma das margens consideram-se acréscimos aos terrenos ribeirinhos fronteiros desse mesmo lado; a -3) as ilhas que se formarem pelo desdobramento de um novo braço do rio continuam a pertencer aos proprietários dos terrenos à custa dos quais se constituírem. Assim, a ilha pertencerá ao proprietário que margeia esse novo desdobramento. B) Da aluvião: determina o Art. 1.250 do CC: “os acréscimos formados, sucessiva e ininterruptamente, por depósitos e aterros naturais ao longo das margens das correntes, ou seja, pelo desvio das águas destas, pertencem aos donos dos terrenos marginais, sem indenização”. O parágrafo único enuncia que: “o terreno aluvial, que se formar em frente de prédios de proprietários diferentes, dividir-se-à entre eles, na proporção da testada de cada um sobre a antiga margem”. Assim, a aluvião pode ser própria ou imprópria: b -1) aluvião própria: é o acréscimo paulatino de terras às margens de um curso de água, de forma lenta e imperceptível; depósitos naturais ou desvios das águas. Esses acréscimos pertencem aos donos dos terrenos marginais, seguindo a regra de que o acessório segue o principal. Didaticamente, pode-se dizer que na aluvião própria a terra vem. Ex:. ´A´ tem um rancho à beira de um rio, destinado às suas pescarias. Aos poucos a sua propriedade vai aumentando, em razão de um movimento de águas traz terra para a sua margem. b -2) aluvião imprópria: as partes descobertas pelo afastamento das águas de um curso são assim denominadas, hipótese em que a água vai, ou seja, o rio vai embora. Ex: ´A´ percebe que adquiriu propriedade, pois o rio que fazia frente ao seu rancho recuou. C) Da avulsão: nos termos do Art. 1.251 do CC, quando, por força natural violenta, uma porção de terra se destacar de um prédio e se juntar a outro, o dono deste adquirirá a propriedade do acréscimo, se, em um ano, ninguém houver reclamado. Pode-se afirmar que a avulsão é uma faixa de terra avulsa, que se desloca de um terreno, por força natural de corrente, para se juntar a outro. O dono da parte de terra perdida poderá pleitear reparação de danos, no prazo decadencial de um ano, a contar da sua ocorrência. Dispõe o parágrafo único do Art. 1.251 do CC que, se recusando ao pagamento de indenização, o dono do prédio a que se juntou a porção de terra deverá concordar que se remova a parte acrescida. Em suma, a regra é a indenização, e não sendo esta paga por quem a deve, caberá uma ação de obrigação de fazer (fazer a remoção da terra). Porém, se o dono do imóvel para o qual houve o deslocamento da terra indenizar, será o proprietário do volume de terra que se deslocou ao seu terreno. E, passado um ano sem ter sido pleiteada a indenização, será o proprietário do volume de terra. D) Do álveo abandonado: pelo que consta do Art. 9º do Código de Águas, o álveo é a superfície que as águas cobrem sem transbordar para o solo natural e ordinariamente enxuto. Assim sendo, o álveo abandonado é o rio ou a corrente de água que seca (rio que desaparece). O Art. 1.252 do CC prevê que o álveo abandonado de corrente pertence aos proprietários ribeirinhos das duasmargens, sem que tenham indenização os donos dos terrenos por onde as águas abrirem novo curso, entendendo-se que os prédios marginais se estendem até o meio do álveo. E) Das plantações e das construções: (acessões artificiais). Como regra fundamental, dispõe o Art. 1.253 que toda construção ou plantação existente em um terreno presume-se relativamente feita pelo proprietário e à sua custa, até que se prove o contrário. As construções e plantações têm natureza acessória, uma vez que constituem bens imóveis por acessão física artificial, seguindo a sorte do principal. Assim, prevê o Art. 1.254 que “aquele que semeia, planta ou edifica em terreno próprio com sementes, plantas ou materiais alheios, adquire a propriedade destes; mas fica obrigado a pagar-lhes o valor, além de responder por perdas e danos, se agiu de má-fé”. Ainda, aquele que semeia, planta ou edifica em terreno alheio perde, em proveito do proprietário, as sementes, plantas e construções; se procedeu de boa-fé, terá direito a indenização. Se a construção ou a plantação exceder consideravelmente o valor do terreno, aquele que, de boa-fé, plantou ou edificou, adquirirá a propriedade do solo, mediante pagamento da indenização fixada judicialmente, se não houver acordo (Art. 1.255 do CC). Esse dispositivo considera como principal a plantação ou a construção, fazendo com que o terreno o acompanhe, consagração do que de denomina de acessão inversa ou invertida, o que está de acordo com o princípio da função social da propriedade. Formas derivadas: são derivadas quando resultam da relação jurídica com o antecessor, ou seja, existe a transmissão da propriedade de um sujeito a outro. Quando se adquire de modo derivado, por uma relação negocial, por ex.: ´A´ transmite para ´B´ e, por consequência, ´B´ adquire com os mesmos vícios e virtudes que ´A´ detinha sobre a coisa. Então, se ´B´ adquire um imóvel com IPTU em atraso, por conta do antigo proprietário, assume a obrigação de pagá-los ao fisco (fato que não o impede de, após pagar ao fisco, cobrar os valores do vendedor). As formas derivadas resultam dos atos inter vivos, tais como a compra e venda, a doação e a dação em pagamento. Também resultam dos atos causa mortis, quando se trata da sucessão de bens do de cujus aos herdeiros (Arts. 1.784 a 2.027 CCB). Outra forma de aquisição derivada de aquisição da propriedade é a desapropriação e o casamento pelo regime da comunhão universal de bens. Porém, tratando-se de ato inter vivos (compra e venda e doação), a constituição do direito real de propriedade requer, obrigatoriamente, o registro no Ofício do Registro de Imóveis (não basta o ato de compra e venda ou da doação, pois é necessário o registro para o comprador e o donatário serem proprietários... “quem não registra não é o dono”). Incide, então, o princípio da publicidade. Assim, o registro é fator constitutivo do direito real no sistema imobiliário brasileiro. Por isso, prevê o Art. 1.227 que “os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (Arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos neste Código”. No mesmo sentido, o CCB, sob o título “Da aquisição pelo Registro do Título”, traz as disposições dos artigos 1.245, 1.246 e 1.247. Não obstante, a observar que o Art. 1.227 prevê que devam ser registrados apenas os atos inter vivos e a título negocial derivado. Assim, exclui os atos originários da aquisição da propriedade imobiliária (usucapião e acessão) que, então, independem do registro, isto é, tem efeito meramente publicitário e regularizador, visando a permitir que terceiros tenham ciência do atual proprietário, bem como permitir que ulteriores alienações a título derivado tenham acesso ao registro, preservando a continuidade. Assim, o atual proprietário pela usucapião exercerá o direito de propriedade mesmo que não registre a sentença (precisará da sentença de procedência) da usucapião, mas se, após, resolver vender o imóvel usucapido, deverá registrar para que o comprador registre a compra e, assim, o comprador será o proprietário. Igual é o tratamento para as transmissões da propriedade imobiliária causa mortis por independerem de registro porque ocorrem no exato momento da morte, por força do instituto da SAISINE, consagrado no artigo 1.784 do CCB (“Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamenteiros”). O inventário, a partilha e o registro do respectivo formal de partilha ou escritura pública (arrolamento extrajudicial) têm o propósito de atribuir quinhões certo aos herdeiros, extinguindo ou modificando o condomínio criado pela morte do autor da herança, bem como o de permitir a disponibilidade dos imóveis herdados. Por meio do registro no Cartório do Registro de Imóveis é que se verifica a publicidade (princípio da publicidade) de quem é o dono. Em síntese, no Direito brasileiro, sem registro, não se adquire a propriedade de bem imóvel na modalidade inter vivos, ou seja, não basta o título (contrato ou escritura pública) para gerar efeitos translativos pois é necessário que esse título seja levado a registro. Assim, o registro do título gera a presunção de propriedade. Observa-se que o CCB prevê linhas gerais sobre o registro, conforme os artigos anteriormente indicados. Porém, a matéria é regulamentada pela Lei dos Registros Públicos – LRP (Lei. n. 6.015/73) a qual cria minuciosos mecanismos de segurança de acesso dos títulos (Arts. 167 a 288). Por todo o exposto, conclui-se que a propriedade de bens imóveis é adquirida pela forma derivada nas seguintes situações: se o ato é inter vivos (compra e venda, doação e dação em pagamento), requer o registro imobiliário; se o ato é causa mortis (sucessão hereditária), não depende do registro. Ademais, é lembrado que a aquisição pela forma originária (usucapião e acessão), também independe de registro. Então, tratando de imóveis, a forma de aquisição da propriedade é: acessão, usucapião, sucessão hereditária e o registro (quando é forma derivada inter vivos). Formas de aquisição da propriedade móvel: Quanto aos bens móveis, as formas de aquisição da propriedade também são a originária e a derivada, isto é, se há ou não ato de transferência entre o antigo e o novo proprietário. O conteúdo está previsto no Capítulo III do Livro III (Do Direito das Coisas) da Parte Especial do CCB (Arts. 1.260 e seguintes do CCB). São formas originárias de aquisição da propriedade de coisa móvel: A) Ocupação: Art. 1263 CCB, em que aquele que se assenhorear de coisa sem dono (res nullius) para logo lhe adquire a propriedade (ex.: caça e pesca). Ainda pode ser objeto de ocupação a coisa abandonada por alguém (res derelictae), nunca coisa perdida por alguém. B) Achado de tesouro: Art. 1.264 CCB, que trata o tesouro como sendo o depósito antigo de coisas preciosas, oculto e de cujo dono não haja memória. Para a aquisição da propriedade de um tesouro, incidem diversas normas jurídicas que disciplinam a propriedade. Porém, observadas as regras jurídicas, aquele que achou o tesouro tem a propriedade pela forma originária. C) Usucapião de coisa móvel: a propriedade poderá resultar da posse sobre a coisa pelo prazo de 3 anos (usucapião ordinária), quando o possuidor tem a coisa móvel consigo, como sua, contínua e incontestadamente, durante os três anos (no mínimo), com justo título e boa-fé. Será a usucapião extraordinária se a posse sobre a coisa móvel se prolongar por cinco anos (no mínimo), independentemente de título e boa-fé. As formas derivadas de aquisição da coisa móvel são: A) Especificação: Art. 1.269 CCB, que consiste na transformação da coisa em espécie nova, diante do trabalho do especificador, não sendo mais possível o retorno à forma anterior. Ex.: a escultura em relação àpedra. (v. Arts. 1.270 e 1.271 CCB). Porém, para que seja especificação, é imprescindível que a matéria-prima não pertença ao especificador, isto é, que seja transformada numa coisa nova e que não possa voltar à forma anterior. B) Confusão, comissão (comistão) e adjunção: previstas nos artigos 1.272 a 1.274 do CCB, são formas derivadas de aquisição da propriedade móvel e estão presentes quando coisas pertencentes a pessoas diversas se misturam de tal forma que é impossível separá-las. Assim temos os exemplos da mistura de álcool e gasolina (confusão), da areia e cimento (comissão ou comistão), do selo valioso em álbum de colecionador (adjunção). C) Tradição: Art. 1.267 CCB, que é a entrega da coisa pelo antigo ao atual proprietário. Assim, afirma-se que a propriedade das coisas não se transfere pelos negócios jurídicos antes da tradição. Trata-se da entrega de coisa móvel ao adquirente, com a intenção de lhe transferir o domínio, em razão de título translativo de propriedade. Assim, somente o contrato (que pode estar formalizado ou não) não é apto para transferir o domínio, pois contém apenas um direito pessoal. Com a tradição, essa declaração translatícia de vontade se transforma em direito real e o adquirente é considerado, efetivamente, proprietário. Excepcionalmente, pode incidir uma tradição ficta quando, por exemplo, o comodatário já estava na posse do bem e é contemplado com a doação (ex.: ´A´ empresta um automóvel para ´B´ e, após, enquanto o veículo estava com a posse direta do comodatário, o proprietário lhe faz a doação). Importa, também, registrar que nem sempre a tradição implica a transferência de propriedade, como é o caso de um contrato nulo. D) Sucessão hereditária: o direito sucessório pode gerar a aquisição derivada da propriedade móvel, seja por meio da sucessão legítima (quando o falecido não deixa testamento) ou da sucessão testamentária. Perda da propriedade móvel e imóvel: vide Art. 1.275 do CCB.