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- ,..... o quefazenl ospoetas comaspalavras .' por ROlJlao JnkobsoD ~. C(I/dqu/()/I.elrasorsulhll'$etio InsorirumtextodoRomanJakobsoD- eoutleusaç!lotia seguudacoufct~uciaque,em Novcmbrode 111'/2,pro- nunciouna Faculdadede Letrasde Usboa,peranremuHasccorenasde jovensque,ávidusda palavrado Meslre,se opiohar:unno anfilearro maior, iuvadindoinclusiv:unenrco palco.Agradecemosa JakobsoDo cuidadocomquereviua.traduçãoportuguesad= conferênciao o ler- -nos lIutorizado 11SUII publicação. A poesiaé umfacloinelutável.Dizemos anlropólogosquenãohá um sógrupoétnicodesprovidodepoesia,mesmonassociedadesdenominadas «primitivas».Trata-se,pois,dum{enómenouniversal,exactamcntecomo 11linguaL:em.Em cerlosgruposélnicosapenasexiste,11pardalinguagem quotidiana,n linguagempoética;desconhecem-se,porém,sociedadesem que,alémda linguagemcorrente,secultiveexclusivamentea prosaartls- tica.Estaéumasuperestrutura,algojá demaiscomplicado,ameio-caminho entren poesia,queé umdospólos,ea linguagemdetodososdias,que6 Ooutro.Note-se,poroutrolado,queemcertassociedadessóexistepoesia sobaformadepoesiacantada:éosinerelismoprimitivodapalavrapoética c damúsica,Mais:emcertastribosquenãopossuemmúsicainstrumental opõem-seo conjuntopoesia-músicadumladoc a linguagemcorrentedo oulro,Nastribosquepossuemmúsicavocalc mílsic3instrumentalobser- va-se,porviaderegra,umaestreitaligaçãoentrea músicainstrumentalc a dança,Logo,dois sincretismos:músicainstrumental-dançae milsica vocal-poesia.Se considerarmosos movimentosdo corpo, o fenómeoo 5 ganhanmiorcomplexidade:':1' .':ções scmiótica&dcsses1110"illlculosaBo .. dupl3s:signosda danç:lqueacompanhama músicaou por elasãoacom- panhados- emlmica.gestosqueacompanhamousubstituemalinguagem. É intercssanteregistarque.em princípio(pomosderemiss.1não poucos 1actosintcrmédios),são os movimentosda parteinferiordo corpo que maisse ligamà músio. e os da cabeçae dos braçosquese associamà linguagcm. Seja-mcpermitidopassaragora ao problemacssencialda poesia. Comosesabe,a palavrapoesia.queédeorigemgrega,prende-sea umverbo quesignifica«crian>,c, na verdade,a poesia,não sendoo únicoaspecto criador.éodominiomaiscriadorda linguagem.QuantoàpalavraI'aso.tem J mesmaraizqueprosa.vistoqueprosaderivadeprol'orsa.proversa;oraria prVI'Cfsaé aquelaquecaminharesolutamenteemfrente,comumadirecção estrita.Além disso,I'ersusquerdizer«retorno»,umdiscursoquecomporta regressos- c pensoseresteumfenómenofundamental,de quepodemos tirJr grandenúmerode ilações. Aqui, ao falardepoesia,refiro-meà poesiaemverso,não meocupo de formastransitivas,é semprepreferívelcomeçarpelospólos.Ora bem: quehá no versoquenãoseobservena linguagemquotidiana?No verso temosunidadeslinguísticasdetodaa espécie,mas,enquantona linguJgem correnteo seuregressonãoconta,abstraímosdarepetiçãodessasunidades, no versoa repetiçãodesempenhaum papelde que estamosconscientes. Projecta-sena lingU<lgempoéticao princípioda equivalênciana sequência; assílabas,osacentostornam-seunidadesequivalentes.No versolivrenão I sãoosacentos,nãosãoassílabas,masé a entoaçãodafrasequeserepete,If formandopor essareiteraçãoregulara própriabasedo verso.Dondevem a importânciada repetição?Cumprenãoesquecerqueas frasessãofeitas de palavrase gruposdepalavras,e se,por assimdizer,«vivemos»a repe- tição das sílabas,dos acentos,das entoações,as palavc:!$que se corres- pondempelasua posiçãoavaliamo-Iassubconscientementedo pontode vistada suaequivalência.Vejamosquesepassacomfi rima:o queimporta nãoé só a repetiçãodumgrupodefonemas,emfinaisdeverso,imporiam, sim,as palavrasa queessesfonemaspertencem.As palavrasquerimam podemsersubstantivoscomo mesmosufIxo (rcl'o/IIÇão.renol'ação.etc.), maspodemsertermosdecateg~riagramaticaldiferentequenadatenham quever unscomos outros.Há poetas,escolasque se orientamparaas rimasgramaticais,epoetas,escolasquevisamantesas rimasagramaticais, ou,maisexactamente,antigramaticais.A questãofundamentalreside,em poesia,nasrelaçOesentresome sentido.Age a cadamomento,estabele- cendoentreaspalavrasnovosnexos,metafóricosou metonimicos.Seaten- tarmos,por cxemplo,em FemandoPessoa,veremosque a rima é uma dascoisasfundamentaisna suapoesia,umadas razoesda suagrandeza, 6 pelo podcr de suscitarinesperadasaliançasde termos.de sentidos,que aceitamoscomonovosvalores.Fala-sede estruturasrítmicas.fala-sede -, ; 1 .', :1 " aliteraçãoou derima:são,semdúvida,realidades,masnãosetratasó demúsica,estásempreemjogoa relaçãoentresome sentido:tudona linguagemé, nosseusdh'mosniveis,significante. Umproblemaquemeimpressionouéo papeldagramáticanapoesia. .' Quandoestudante,li DOSD1Jl1uaisqueexistempoemas(de Puskine,por exemplo)semimagens,semlropos,cuja forçaúnicaresidena forçada ideiae do sentimento.Na alturaacreditei,depoistornei-mecéptico.Mas acreditei,devodizer,comcut:l surpresa.A profundidadedasideias!Mas não são textosmagníficos,:heiosde ideiasprofundas,a Declaraçãodos Direitosdo Homcmou a Teoriada Re/alividndedeEinstein?E alguémos classificaráde textospoéticos?Logo, parahaverpoesiaparecenecessário algomais.Li, por outrolado,comoventescartasdeamorou lancinantcs cartasde despedidade pcSSOJSqueiam mal<1r-se.Pois bem:eramtextos repassados,de sentimento,n:io erampoemas!E não se trataapenasda organizaçãodtmica:todaa organizaçãointernaest!lem caUS3. Voltei a pensarno assuntoquandotivedeorganizaralgunsvolumes de traduçõesde Pusldneemcheco.Os melhorespoetaschecospuseram mãosà obra.Conquantoentreas línguasrussae checaexistamgrandes semelhanças,comeceia obscr\'Jrcertasfaltasdecorrespondência.Alguns poemasforamtraduzidoscomperfeitaexactidãonoconcernenteà estrutura dosversos,à estruturadasrimas,à escolhadasimagens,ete.E, derepente, percebiquea traduçãonãoestlvabc~: manquejavaaquiouali. A razão estavanasdiferençasdeestruturagramaticalentreaslinguascslavas. 'Emcertoscasos,impõc-seumagrandeatençãoaopapeldascategorias gramaticais.Cito umexemplo.entretantosquepoderiaaduzir.Umatradu- çãodorusso,nãojá emcheco,masnoutralínguaeslava,opolaco:atradução dum poemade Puskine feit:!por um grandepoetapolaco,J. Tuwim, excelenteconhecedordo russocdotadodesingularsensibilidadelingulstica. O poema,<<Amei»,é daqudcsquese costumaconsiderardesprovidosde tropose figuras.Poisbem:a versãoempolacofalhoucompletamente. Porquê?Por nãoseprestara necessáriaatençãoa urnadiferençaqueexiste entreo russoc o polaco:em russoos pronomespessoaisacompanham normalmente,comosucedeem francês,as formasverbais;a omissãodos pronomespodeocorrer,m:1Stemumafunçãoenfática,denunciaumaforte emoção;em pol;1COdá-sejU5tarncnleo contrário:normalmenten;Io se empregamos 'pronomes,:LSdcsinênciasbastampara indior as pessoas, e usar os pronomesprovocauma impressãoafeetiva,envolveum tom retórico.Dostoievskicompãsumabrevenarrativaondediz,troçandodum publicistarusso:«Fizera-setão vaidosoqueomitiasempreo pronomeda primeirapessoa.»Ora no poemade Puskine,ondedialogamumherói c umaheroína,há umjogofundamenlalentreospronomeseuc "ós;con-. servJndo, na tradução.o pronomeda 1.. pessoa,dá-seao texloum carácter 7 excessivamenteretórico. - ~!Ir1~ __ ~. ""-" -- ,' .- ~.. 8 Sesurgemcomplicaçõcscoma J.. pessoa,o mesmosucedecoma 2.a, porqu:ulloem russo,COIUOcm francês,há duaspussibilidades:lu e I'ds. Tu. no poemade Puskine,seria,em polaco,demasiadointimo; quanto iI v/i.\'.,Úo existeempolaco:ouseempregalu uu entiioa 3.. pessoa.Assim, Tuwimencontrou-seperanteumdilema:ouusarummodode tratamCnlO intimodemais,queo poemanãopermite,ou a 3.. pessoa,tratamentotào cerimonioso,tão«oficia!»,quedestruiriao texto.Aqui está,bemevidente, a imporwnciadascategoriasgramaticaisem poesia. Dediquei-meao estudodos problemasde paralclismo,já detidamente analisadosnaChinado séc.IX coma penetraçãoquesediriadumlinguista do nossotempo.GerardManleyHopkins,grandepoetainglêsdo séc.XIX, incompreendidoem vida masconsideradohojeumclássico,e também excclent~teóricoda poesia.fez,aindaestudante,observaçõesmuitoagudas sobreo parclelismo,indicando;1repetiçãodesons,a repetiçãode cate- I goriasgramaticais,a repctiÇ410de construçõesfrásicas,fenómenosque"é f5cildescobrirnaBíbliamasque- acentuavaHopkins- semultiplicam tambémnapoesiacontemporânea,apenasa umníveldemaioreomplexi- d.1de.E éexactamentcassim.Nosmanuais(nuncasedeveacreditarnos manuais!)lê-sequeo paralelismocanónicoé monótono,outrasvezes que,bruscamente,é desrespeitado.Masnãosevêque,porexemplo,no fragmentomaisantigodo C4nticodos Omticos.nos versos«Vemdo Ubano,minhanoiva,I Vemdo Ubano,vem»,o paralelismonão foi quebrado,já qUI:o imperativo(vem)c o vocativo(minhalIoiva)secorres- pondemnafunçãoconativa;apoesiadoCánticodosCânticosémaissubtil queosmanuais...ObservamosaquifOnDasdiferentescomidênticovalor, a combinaçãodaidentidadecoma diferençaque,comojá notavaEdgar Allan Poe,geraa poesia. Encaremoso problemadosgénerosgramaticais.Aparentementenão temqualquerimportância,masa verdade.équenósrepartimostodasas coisJs,nãos6osseresanimadoscomoosinanimados,pelascategoriasdo masculinoe dofeminino,dividimoso mundosegundoestaperspectiva. Quando,painfância,li oscontosdeGrimm,ondea Morteassumeafigura dumvelho,protesteijuntodeminhamãe:«Masa Morteéumamulher!» SódepoisaprendiqueapalavraMorte(derTod)émasculinaemalemão. Maistarde,deparou-se-meocasodumatraduçãodospoemasdePastemak emcheco.O livro,emrusso,intitula-seSeslramojazh;zn«<MinhaIrmã, a Vida»).Masemchecoo vocábuloquesignifica<<Vida»é masculino; e eraimpossíveltraduzirMinhaIrmã,masigualmenteimpcnsávelMeu Irnujo.a Vida.O tradutor,JosefHora,poetadeelevada<t.raveira,ia dando emdoido...Um últimoexemplo:o poemade Heine(Ein Fichtenbaum sleM cillSal1l[...)Er trãumt,'ondl/erPalme...)emqueduasárvoresisoladas - umpinheiro,noNorte,rodeadodeneve,e umapalmeira,no Sul,envol- J:idanocalorrnerrdional-sonhamumacoma outra,exprimemum.amor - ~ ~ "-- /It- :.! "' .! 11 'I. . }. "~ 1 ", - - .'- ... , ~ .-.. quea distâncianãopermil!:saciJ!".Pois bem:traduzidoemrussoo poema fica adocicadode mais,um poucoperversoaté,porqueas palavrasque, emrusso,designamasduas:irvorcssãoambasfeminina.ç;naversãoiraneesa O efeitonãoé menosestranho,vistoqueasduasárvores(UIIpinsolitaire: IUIbl!aupalmkr) têmnOUlesmasculinos;semprequeli eSlaversãofrancesa semexplicaçãoprévia,os ouvintesacharam-nagrotesca... As consideraçõesqueestoua fazerlevantamo problemadasrelações entreLinguísticac Poética.DiziaSantoAgostinhoqueumhomemquenão tememcontaa poesiae nãocompreendea poesianãopodearrogar-sea qualidadedegramático.Estouinteiramentedeacordocomestagrande autoridade.Para sergramática- hojedizemoslinguista- é preciso conhecera lInguaemtodasass.Jasfunções,eafunçãopo!ticaéuniversal, coexistesempre.Comparecenapoesia,ondeorganiz:1todasasrestantes funções(nãoaselimina:organiza-as),e naprosa,nalinguagemcorrente, ondese tomasubalterna.Em SantoAgostinhonãoestáexpressamas pareeeimplícitaumaverdadecomplementar:nãonospodemosocupar depoesiasemteremcontaaocnciadalinguagem.Decerto,háJinguistas que,escravosdamatériaverbal,nãosemostramsensiveisaovaJorestético. Esses,porém,sãooslIlauslillguistas.Adoptandoumaatitudemccaniclsta, c:scapa-Ihcsa extraordináriaductilidadcdalinguagem,a grandevariedade dasfunçõesqueestadesempenh:!.aaro,énecessárioteroscntidodapoesia, saberdistinguirnadescriçãolinguisticadotcxtooqueépertineniceo que nãoépertinentedo pontodevistapoético. Poroutrolado,hácríticosouhistoriadoresdaliteraturaque,indife- rentesà arteverbal,apenasseinteressampelamensagememsi própría, peloqueaspalavrassignificam.Masessessãocríticosdefeituosos.Como no séculoXVI ponderavaSir PhilipSidney,umpoetanãopodementir; comefeito,só mentequemfazasserçOes,e umpoetanãofazasserç3es. O quedá valora um poema.convéminsistir,é a relaçãoentresonse scntidos,é a estruturadossignificados- problemasemântico,problema /inguisticonosentidomaisamplodo termo. 9