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ESTRUTURAS PSICANALÍTICAS 
AULA 3 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Prof.ª Juliana dos Santos Lourenço 
 
 
 
 
 
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CONVERSA INICIAL 
 Anteriormente em nossos estudos, vimos que o mito de Édipo foi a forma 
como Freud representou os acontecimentos psíquicos que vinculam o sujeito ao 
registro simbólico. O falo, em sua função imaginária, confronta o sujeito com a 
questão de sua própria sexualidade, ao se inscrever como falta (-φ). Assim, é diante 
da angústia de castração que o sujeito circunscreve a sua estrutura. 
 Lacan vai transcrever toda essa epopeia edipiana por meio da metáfora 
paterna, na qual institui o NP como o significante da lei que barra o gozo da mãe, 
metaforizando o desejo da mãe para a criança. 
 Começaremos com um estudo breve sobre a evolução do conceito de 
mecanismos de defesa, destacando a visão de Freud, que acreditava que a maneira 
como a defesa se formava era decisiva para determinar o tipo de neurose. Em 
seguida, analisaremos como Lacan introduziu a noção de estruturas na psicanálise, 
com o propósito de sistematizar o mecanismo específico de cada estrutura clínica. 
TEMA 1 – A CONCEPÇÃO DO ESTRUTURALISMO 
 Antes de entrarmos propriamente na teoria psicanalítica, cabe-nos destacar 
o que representa a ideia de estrutura: ela foi desenvolvida e explorada por vários 
autores renomados na época de Lacan, como Claude Lévi-Strauss, Roman 
Jakobson, Ferdinand de Saussure, entre outros; porém, este último foi um dos 
principais autores que influenciaram Lacan. 
O estruturalismo refere-se à ciência cujo objeto de estudo é a análise do 
sistema, em que partes interagem de maneira ordenada e passível de análise. Por 
exemplo: a linguagem é composta por elementos (como palavras, sons ou 
símbolos) que se organizam e interagem seguindo regras gramaticais específicas 
(como sintaxe, morfologia e semântica). 
Lacan incorpora a perspectiva do estruturalismo e a adapta ao campo da 
psicanálise, desenvolvendo uma abordagem própria e singular. Assim, ao 
reinterpretar Freud, ele utiliza a noção de estrutura como ferramenta para 
 
 
 
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compreender os fundamentos do funcionamento psíquico, identificando os 
elementos essenciais que sustentam e explicam seus mecanismos. Em outras 
palavras, Lacan se apropria do estruturalismo para introduzir uma compreensão 
mais aprofundada e sofisticada da linguagem no campo da psicanálise, visto que a 
fala é a principal ferramenta do psicanalista. 
O estruturalismo fornece a Lacan uma nova base para compreender o 
complexo de Édipo, lançando luz sobre as operações simbólicas. Isso lhe permite 
propor uma organização estrutural dos tipos clínicos, mostrando como o 
funcionamento psíquico se estrutura de formas distintas a partir da experiência do 
Édipo. Sobre isso, Estevão (2021, p. 57) escreve: 
o estruturalismo lhe permite, com base nas operações simbólicas que 
ocorrem durante o complexo de Édipo, propor uma organização dos tipos 
clínicos, ou modos de funcionamento psíquico (estruturas psíquicas), 
constituídos no processo do Édipo, a saber, psicose, perversão e neurose. 
É importante frisar que, para Lacan, tais modos de funcionamento não são 
patologias e que não há uma hierarquia estrutural entre eles: são antes de 
tudo modos de operar psiquicamente diante dos eventos da vida, não 
havendo como afirmar que um sofre menos ou mais que outro. 
Desse modo, quando utilizamos a expressão “estrutura psicanalítica”, 
estamos nos referindo a uma construção elaborada com base em uma análise 
detalhada da forma como o psiquismo de um determinado sujeito opera, cujo 
resultado é a forma como ele se posiciona na linguagem. 
Cada estrutura clínica – neurose, perversão e psicose – apresenta 
características próprias. O neurótico enfrenta um pai simbolicamente castrado, que 
impõe uma lei. O perverso, por outro lado, relaciona-se de forma distinta com o pai, 
organizando sua realidade sob outra lei. Já o psicótico exclui a lei do pai, sendo 
constituído pela ausência de castração no Outro. Assim, ao final de nossos estudos, 
perceberemos que cada tipo clínico na psicanálise se organiza em estruturas 
específicas, que podem ser analisadas de forma independente, mas juntas 
configuram um funcionamento psíquico particular. 
 
 
 
 
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TEMA 2 – UM BREVE ESTUDO SOBRE O DESEVOLVIMENTO DA TEORIA DOS 
MECANISMO DE DEFESA EM FREUD 
O estruturalismo ganhou destaque após Freud. Contudo, embora Freud não 
tenha tido acesso a esse saber para fundamentar sua teoria, é possível identificar 
elementos compatíveis com o pensamento estruturalista em suas formulações. 
Sabemos que Freud desenvolveu seu interesse ao observar o sofrimento das 
histéricas, cujos sintomas afetavam seus corpos de maneira que a medicina 
tradicional não conseguia explicar. Assim, atento aos sinais histéricos, Freud 
evidencia o inconsciente como uma instância psíquica que atua à revelia do sujeito. 
Com base nessa hipótese, Freud passou a investigar a organização do psiquismo, 
reconhecendo que as neuroses poderiam se manifestar de diversas formas, não se 
limitando apenas à histeria. Isso o levou a se concentrar no estudo da “escolha da 
neurose”. 
Na carta 125, dirigida a Fliess, Freud afirma: “Tenho diante de mim o 
problema da ‘escolha da neurose’. Quando é que uma pessoa se torna histérica em 
vez de paranoica?” (Freud, 1899, p. 331). Posteriormente, no texto A disposição à 
neurose obsessiva: uma contribuição ao problema da escolha da neurose (1913), 
Freud retoma a questão ao indagar: “Por que é que esta ou aquela pessoa tem de 
cair enferma de uma neurose específica e de nenhuma outra? Este é o problema 
da ‘escolha da neurose’” (Freud, 1913, p. 193). 
Portanto, ao examinarmos o desenvolvimento da teoria freudiana, 
constatamos que, inicialmente, a formação das neuroses ocupou um lugar central 
em suas pesquisas. Em textos pré-psicanalíticos, Freud já sugeria que cada tipo de 
neurose apresentava requisitos específicos que determinavam tanto sua origem 
quanto a natureza dos mecanismos de defesa envolvidos. Em correspondência a 
Fliess, encontramos uma de suas primeiras esquematizações: 
 
 
 
 
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Quadro 1 – Neuroses e suas características, segundo Freud 
 
Fonte: Freud, 1896, p. 278. 
Podemos verificar que, de acordo com o quadro de Freud, o momento em 
que ocorre o evento sexual traumático na infância seria determinante para a escolha 
da neurose. Cortês (2016, p. 28) descreve: 
Na histeria, as cenas ocorreriam no primeiro período da infância, época em 
que os resíduos de memória não são traduzidos em imagens verbais. 
Assim, o resultado do despertar dessas cenas nas fases A e B é sempre 
uma conversão, pois a tradução é impedida pela atuação conjunta da 
defesa como excesso de sexualidade. Na neurose obsessiva, as cenas 
seriam referentes a uma época em que já existe tradução em palavras, e 
seu despertar, nas épocas II e III, provoca a formação de sintomas 
psíquicos. Na paranoia, as cenas ocorrem na época II, sendo despertadas 
em III, na maturidade, e a defesa manifesta-se pela desconfiança. 
Nesse contexto, o trauma sexual na infância seria o fator precipitante para a 
ativação do mecanismo de defesa, cujo destino traçaria o modo operante da 
estrutura psíquica. No entanto, essa teoria não se sustentou por muito tempo, já 
que, para validá-la, Freud teria que pressupor a ocorrência de abuso sexual em 
todas as crianças. 
Em A Interpretação dos Sonhos (1900), Freud, com sua teoria mais 
desenvolvida, apresenta a ideia de que no contexto do adoecimento psíquico, as 
instâncias psíquicas (inconsciente, consciente e pré-consciente), devido a 
circunstâncias externas, entrariam em desarmonia. Esse entendimento leva Freud 
a desenvolver o conceito de recalque, destacando sua conexão com o desejo 
proibido, representado pelo complexo de Édipo. 
 
 
 
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O recalque passa a ser a principal referência psicanalítica para acompreensão da etiologia das neuroses, pelo qual o psiquismo se defenderia das 
representações insuportáveis por medida do recalque, afastando da consciência 
todo pensamento penoso. Contudo, a teoria do recalque contempla bem os 
sintomas neuróticos, mas não explicava os fenômenos presentes nas psicoses e 
perversões. 
Em 1911, ao analisar o Caso Schreber, Freud traz uma nova constatação, 
segundo a qual afirma que, no núcleo do conflito paranoico, está presente um 
desejo homossexual. Para explicar essa conclusão, Freud desenvolve o conceito 
de narcisismo, que descreve a fase em que o sujeito dirige seu amor para o próprio 
corpo, tomando-o como objeto amoroso antes de evoluir para a escolha de um 
objeto externo. Portanto, nesse contexto, a paranoia ocorreria por conta de uma 
fixação libidinal no estágio narcísico do desenvolvimento psíquico, sendo esta a 
causa de seus sintomas. 
Com base nessa nova descoberta, Freud depreende sob dois aspectos: a 
fixação e o recalque: 
• O recalque seria resposta de um sistema mais desenvolvido do eu, que opera 
por meio de um processo ativo. 
• Em contraste, a fixação se caracteriza como um processo passivo. 
Para que o recalque ocorra, é indispensável a repressão exercida pelo 
sistema consciente, que mantém uma relação de atração com o sistema 
inconsciente. O retorno do recalcado indica o fracasso desse mecanismo, 
manifestando-se como efeitos patológicos no sujeito, uma vez que os sintomas se 
formam no ponto de fixação da libido. Assim, quanto mais primitivo ou regredido for 
o ponto de fixação narcísica, menor será a eficácia do recalque, fazendo com que 
os fatores patológicos encontrem sua origem nesse ponto. 
Portanto, sob essa perspectiva, a origem das neuroses se daria a partir do 
funcionamento do recalque, cujo ponto de fixação mediria a sua eficácia. Perceba 
que neurose e psicose não se distinguem por mecanismos específicos, de modo 
que o recalque estava posto como o mecanismo necessário para explicar as 
 
 
 
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questões dos sintomas neuróticos, já que eles se produzem em relação intima com 
o retorno do recalcado. Contudo, os mecanismos que caracterizavam as psicoses 
não chegaram a ser sistematizados em suas pesquisas. 
No texto Neurose e psicose (1924), Freud revisita a instância do eu para 
analisar sua relação com o id e os demais elementos aos quais o eu se submete 
simultaneamente. Nesse contexto, ele estabelece uma nova distinção entre neurose 
e psicose, afirmando: “a neurose é o resultado de um conflito entre o eu e o id, ao 
passo que a psicose é o desfecho análogo de um distúrbio semelhante nas relações 
entre o eu e o mundo externo” (Freud, 1924, p. 89). Enquanto o conflito da neurose 
é interno, o da psicose é externo. 
Portanto, a busca por distinguir os mecanismos da neurose e da psicose 
sempre esteve presente no pensamento de Freud. No entanto, ele não conseguiu 
isolar mecanismos específicos da psicose, como fez com o recalque na neurose e 
o fetiche na perversão. Essa conceituação mais precisa foi desenvolvida 
posteriormente por Lacan. 
TEMA 3 – ESTRUTURAS CLÍNICAS EM LACAN 
Ao contrário do caminho de Freud, que iniciou suas pesquisas pela histeria, 
Lacan adentra a psicanálise pelo estudo da psicose. Todavia, ainda que tenha 
respeitado as descobertas de Freud sobre os funcionamentos das neuroses, 
perversões e psicose, Lacan vai além, explorando novas perspectivas e localizando 
as dimensões subjetivas com base em estruturas psíquicas. 
 Mesmo que a psicose não tenha ocupado um lugar central nas obras de 
Freud, ele nunca deixou de abordá-la ao longo de sua teorização. Desse modo, foi 
seguindo as pistas deixadas por Freud que Lacan encontrou os elementos 
necessários para desenvolver sua tese sobre o mecanismo específico da psicose. 
 Em 1955, Lacan dá início ao seminário sobre as psicoses e, a partir dos 
termos em alemão extraídos dos textos freudianos Verneinung (“negação”) e 
Verwerfung (“rejeição”), ele retoma a questão da etiologia pelo viés da linguagem. 
 
 
 
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Assim, Lacan se propõe a examinar minuciosamente o efeito da Verneinung, 
buscando diferenciá-la da Verwerfung, pois ambos os termos aparecem nos textos 
de Freud para abordar distintos aspectos dos processos psíquicos. Ele conclui que, 
no início da vida psíquica, a Verwerfung só poderia ocorrer antes de haver uma 
Verneinung, pois, a operação da Verwerfung precede o juízo e está na origem do 
recalque. 
Portanto, cabe-nos agora compreender, de forma mais detalhada, isso que 
Lacan localiza no início da vida psíquica, pois é a partir desses acontecimentos que 
ele desenvolverá sua tese sobre os processos de estruturação, na qual a psicose 
se constituiria em um momento anterior ao recalque e à formulação do juízo. 
3.1 Início da vida psíquica 
Lacan, assim como Freud, também procurou compreender o momento 
primitivo da origem da simbolização, ou seja, momento em que o sujeito entra na 
linguagem, pois, antes disso, a criança é situada por Lacan (1966, p. 555) em sua 
“inefável e estúpida existência”, isto é, apenas um pedaço de carne. Todavia, a partir 
do momento que algo se inscreve no sujeito, ele passa a existir em um mundo 
simbólico. No entanto, nesse processo de simbolização, algo pode ser excluído. Ele 
afirma: “Na relação do sujeito com o simbólico, há a possibilidade de uma 
Verwerfung primitiva, ou seja, que alguma coisa não seja simbolizada, e que vai se 
manifestar no real” (Lacan, 1956, p. 100). 
Freud havia colocado que, na origem da vida psíquica, ocorre a afirmação 
primitiva – Bejahung (“afirmação”). Assim, a Bejahung deve ser entendida como um 
processo primário, um primeiro juízo ou, em outras palavras, uma aceitação do 
simbólico, ou de uma realidade externa. Lacan (1956, p. 101), partindo do 
esclarecimento de Freud, afirma: "Há, portanto, na origem, Bejahung, isto é, 
afirmação do que é, ou Verwerfung". Desse modo, é na origem da vida psíquica que 
pode ocorrer toda sorte de acidente em relação aos quais o sujeito terá de se 
arranjar para o resto da vida, tentando se aproximar daquilo que ele admitiu ser. 
Nesse sentido, Lacan (1956, p. 389), sobre a Bejahung, declara: “não é outra coisa 
 
 
 
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senão a condição primordial para que, do real, alguma coisa venha a se oferecer à 
revelação do ser”. Dessa forma, pode-se compreender que a Bejahung é uma 
afirmação do simbólico, que se inscreve como um registro primordial. 
No caminho oposto à Bejahung (“afirmação”), em termos lógicos, o que 
ocorre é a Verneinung (“negação”). Trata-se de uma negação que, como Freud 
afirma no texto "A Negativa" (1925), só pode ser produzida a partir de algo que 
inicialmente foi afirmado. Em outras palavras, a negação só pode surgir após uma 
afirmação. 
Assim, a Verneinung é tributária da afirmação inicial e de ordem simbólica, 
não pelo seu valor simbólico, mas pelo seu valor de existência, isto é, não é que ele 
seja isso mesmo, mas ele aparece como tal. Portanto, Lacan vai explicar que ele se 
constitui a partir do que foi expulso, não como algo inexistente, mas como aquilo 
que foi negado. Por isso, pode ser encontrado, de forma lógica, pela palavra 
inconsciente, uma vez que pode se articular no discurso. Por exemplo, o paciente 
relata ao analista “tive um sonho erótico com uma mulher”; antes mesmo de 
qualquer intervenção do analista, ele exclama: “não era a minha mãe!”. 
Freud (1925) discerne que a negação se constitui como um modo de tomar 
conhecimento do recalcado pelo “não”; ou seja, o "não" tem o valor de signo da 
marca, visto que o juízo gera processos por meio dos quais é realizada a inclusão 
no eu ou a expulsão para fora do eu, tudo em conformidade com o princípio de 
prazer. Portanto, a Verneinung opera em consonância com a Bejahung, sendo que 
seu produto pode ser recortado pelo simbólico. 
Em concordância com Freud, Lacan (1956) pontua que a expulsão produzida 
pela Verneinung não podeser o mesmo que a expulsão produzida pela Verwerfung, 
pois esta é anterior a qualquer afirmação primitiva. “A Verwerfung não está no 
mesmo nível da Verneinung. Quando, no início da psicose, o não simbolizado 
reaparece no real, há respostas do lado do mecanismo da Verneinung, mas elas 
são inadequadas” (Lacan, 1956, p. 106). Isso significa dizer que, para o sujeito, ao 
se deparar com alguma coisa do mundo exterior que não foi primitivamente 
simbolizada, o seu valor de negação não é o mesmo que a produzida por uma 
 
 
 
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Verneinung, já que não se trata de um sentimento que originalmente suprimiu de 
uma Bejahung, mas, especificamente daquilo que nunca existiu. 
A Verwerfung não se encontra na história do sujeito, pois, como Lacan 
ensina, ela corta qualquer manifestação simbólica na abertura do ser, sendo aquilo 
que não existiu propriamente. Isso significa que não pode ser constituída como um 
saber inconsciente. Seu caráter é formado pela percepção da realidade do sujeito, 
ou, como Lacan diz, "o que não veio à luz do simbólico, aparece no real" (Lacan, 
1956, p. 390). No caso de O homem dos lobos, por exemplo, a alucinação aparece 
no real, pois não existe na pré-história do sujeito. Trata-se de um significante 
inconsciente, mas que permanecerá exterior ao sujeito, ao qual ele estará ligado. 
TEMA 4 – UMA VISÃO SOBRE O CONCEITO DA VERWERFUNG 
 A tese central de Lacan, a respeito do mecanismo da psicose, parte da ideia 
da Verwerfung (“rejeição”). Quando não há a Bejahung, o que se encontra lá é a 
Verwerfung, que opera uma rejeição primitiva, que se difere da Verneinung 
(“negação”) e se contrapõe de forma fundamental a Verdrangung (“recalque”), pois 
trata-se de uma ocorrência anterior à formação de juízo. Lacan (1956, p. 100) 
define: 
Ao nível dessa Bejahung pura, primitiva, que pode realizar-se ou não, 
estabelece-se uma primeira dicotomia – o que teria sido submetido à 
Bejahung, à simbolização primitiva, terá diversos destinos, o qual cai sob 
o golpe da Verwerfung primitiva terá um outro. 
Em Freud, o termo Verwerfung foi usado desde os Estudos sobre histeria 
(1895), para se referir à recusa do eu em relação às representações insuportáveis, 
de modo que se comportam como se elas nunca houvessem existido. No entanto, 
de acordo com o exemplo empregado por Freud, o preço pago por essa defesa 
implica em uma psicose (quadro de confusão alucinatória). Porém, ele não enunciou 
essa ideia nesses termos, pois o mecanismo da psicose ainda não tinha sido 
elaborado. 
Outra pista deixada por Freud a respeito da Verwerfung, é destacada por 
Imbriano (2010), em que ele faz uma distinção entre estímulos internos e externos: 
 
 
 
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“Enquanto as últimas podem ser aludidas por meio da fuga, os primeiros (estímulos 
pulsionais provenientes do interior do organismo) não são suscetíveis de uma 
evitação desse tipo” (Imbriano, 2010, p. 68, tradução nossa). Segundo a autora, 
Freud buscava aí uma equivalência, que ele encontra no exercício de repúdio do 
eu. Em outras palavras, a Verwerfung seria uma forma de rejeitar uma identificação 
no eu – ou seja, essa rejeição seria o resultado da expulsão de um conteúdo de 
experiência para fora do eu. 
Em 1918, Freud apresenta o caso O homem dos lobos, no qual a questão da 
castração está vinculada ao mecanismo em que o sujeito “nada quer saber”. Nesse 
contexto, o termo Verwerfung aparece pela primeira vez, sendo contraposto ao 
mecanismo da Verdrangung (“recalque”). 
Já nos é de conhecimento a atitude que o nosso paciente adotou, de início, 
em relação ao problema da castração. Ele a rejeitou e apegava-se à sua 
teoria de relação sexual pelo ânus. Quando digo que ele o havia rejeitado, 
o primeiro significado da frase é o de que ele não queria saber nada dela 
no sentido da repressão. Com isso não se pronunciava nenhum juízo sobre 
a sua existência, pois era como se não existisse. (Freud, 1918, p. 78) 
Freud (1918, p. 74) conclui em sua análise que “Todo processo se torna 
assim característico do modo como trabalha o inconsciente. Uma repressão 
(Verdrangung) é algo diferente de uma rejeição (Verwerfung)”. 
Lacan se interessa pelo caso de O homem dos lobos, porque encontra nele 
os elementos necessários para formular sua tese sobre o conceito de Verwerfung 
(“rejeição”). Assim, ao analisar a alucinação do dedo cortado, Lacan (1956) 
consegue demonstrar uma significação que era desconhecida para o sujeito, uma 
vez que se tratava de um inconsciente externo ao próprio sujeito. Isso permite a 
Lacan aprofundar sua compreensão do funcionamento psíquico, destacando a 
dinâmica entre o que é rejeitado e o que permanece no inconsciente. 
Em O homem dos lobos, o paciente, ainda criança, corta o dedo mindinho e 
fica angustiado, mas não consegue pedir ajuda à sua babá, que era sua confidente. 
Ele descreve uma total ausência de fala nesse momento, o que Lacan interpreta 
como uma suspensão da possibilidade de usar um significante. Além disso, há uma 
imersão temporal, na qual, apesar do esforço para retornar ao tempo comum, ele 
 
 
 
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não consegue superar a angústia. Lacan destaca a ideia de Freud sobre o “não 
saber nada” da situação, sugerindo que o que é recusado na ordem simbólica acaba 
ressurgindo no real. 
Porém, não se trata do retorno do recalcado, pois, ao contrário do recalcado 
e do retorno do recalcado, que são essencialmente a mesma coisa e se manifestam 
de forma articulada em sintomas e outros fenômenos, o que foi rejeitado no sentido 
de Verwerfung passa a ter um destino completamente distinto. 
TEMA 5 – A TESE DA FORACLUSÃO 
 A base da tese de Lacan sobre o mecanismo da psicose está fundamentada 
nos processos primitivos da Verwerfung (“rejeição”), pois é por meio desse termo 
freudiano que ele desenvolve o cerne de seu entendimento sobre a especificidade 
da psicose, a qual nomeia de foraclusão. Declara: “A Verwerfung será tida por nós, 
portanto, como foraclusão do significante” (Lacan, 1958, p. 564) 
 O termo foraclusão, como traduzido para o português, tem origem na palavra 
francesa forclusion, que possui um sentido relacionado ao campo jurídico. A 
tradução literal para o português é "prescrição", que significa a "perda do direito de 
exercer ou validar um ato". 
 Como vimos, Lacan considerou a Verwerfung pela ausência da Bejahung 
(“afirmação” primordial). Assim, a falta dessa afirmação primordial leva à “rejeição 
de um significante primordial em trevas exteriores, significante que faltará desde 
então nesse nível” (Lacan, 1956, p. 178). Nesse contexto, trata-se de um 
significante que surgiu, pois não é que ele nunca tenha existido, mas seu valor foi 
prescrito, perdendo a sua significação; dessa forma, ele é rejeitado, como se nunca 
tivesse existido. 
A foraclusão é uma operação psíquica com uma consequência estrutural no 
sujeito. Assim como o recalque (Verdrangung) na neurose, e a negação 
(Verleugnung) na perversão, a foraclusão refere-se a uma forma de acesso à 
linguagem que é específica da psicose. 
 
 
 
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E do que se trata a foraclusão? O que é rejeitado? Sua explicação pode ser 
encontrada na metáfora paterna, em que o significante do nome-do-pai é o 
significante primordial foracluído no lugar do Outro. 
O nome-do-pai (NP), estudado quando abordamos a metáfora paterna, é o 
significante fundamental que se inscreve na neurose como uma lei simbólica que 
barra o gozo do Outro. Na psicose, ele está foracluído. 
O pai, nos ensinamentos de Lacan, representa uma função, cujo significante 
é o NP. Essa função remonta a uma questão edipiana, que é o conceito central das 
diversas indagações clínicas. 
O NP, por ser o significante primordial que barra o gozo e subscreve a falta, 
torna-se a fonte de toda significação, pois garante que o significante possa ser atado 
ao significado, sustentando a realidade ao produzir sentido. Vamos considerar a 
seguinte representação: 
Figura 1 – O significantenome-do-pai (NP) 
 
Quando o significante do nome-do-pai ocupa o lugar no Outro, o sujeito pode 
dirigir as questões fundamentais sobre seu ser (como sexualidade, morte, entre 
outras) à função simbólica que ele representa. No entanto, na experiência psicótica, 
o significante do NP é foracluído, o que implica que a metáfora paterna não se 
 
 
 
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concretizou. Assim, o sujeito não alcança a linguagem por meio do simbólico, mas 
pela via imaginária. 
NA PRÁTICA 
 A série Bates Motel conta a história de Norma e Norman Bates, mãe e filho 
que se mudam para uma pequena cidade após a morte misteriosa do pai da família. 
Lá, eles adquirem um motel, buscando recomeçar a vida. Norma é retratada como 
uma mulher bonita e sedutora, mas emocionalmente instável, que dedica toda a sua 
atenção e cuidados ao filho mais novo, Norman. 
Figura 2 – Os personagens Norma e Norman Bates 
 
Crédito: PictureLux/The Hollywood Archive/Alamy/Fotoarena. 
Norman era um jovem inteligente, atraente e, às vezes, tímido, tendo sua 
identidade fortemente ligada à mãe. Esse vínculo revela uma dinâmica em que o 
desejo da mãe não é mediado pelo significante do nome-do-pai, deixando o sujeito 
à mercê do gozo do Outro (a mãe). Na psicanálise, entendemos que é a vivência 
edipiana que insere na cena o terceiro elemento, o NP, cuja função é a interdição 
 
 
 
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simbólica, permitindo que criança se separe da mãe e busque sua própria 
individualidade, distinguindo-se do Outro. 
Ao observar Norman, verificamos que o tempo todo ele era invadido pelo 
olhar da mãe, sentindo-se preso a esse olhar onipotente, que tudo via. Portanto, 
com a chegada de outro personagem em sua história, o xerife, Norman não 
consegue sustentar o eu que estava apoiado nessa relação dual com a mãe. A 
saída encontrada por Norman foi o surto. 
FINALIZANDO 
 Freud sempre se perguntou como uma pessoa se constitui dentro de uma 
estrutura clínica. Inicialmente, suas investigações focavam em eventos de ordem 
sexual. Mais tarde, ele diferenciou neurose e psicose: a neurose resulta de um 
conflito entre o eu e o id, enquanto a psicose decorre de um distúrbio nas relações 
entre o eu e o mundo externo. Contudo, não chegou a especificar um mecanismo 
especifico para a psicose, como havia feito com as neuroses. 
Lacan explora, na origem da vida psíquica, os mecanismos fundamentais que 
moldam a estrutura do sujeito. Assim, ele aprofunda os conceitos freudianos de 
Verwerfung e Verneinung, analisando suas implicações mais profundas. A 
Verwerfung é definida como uma rejeição primordial anterior a qualquer juízo, ligada 
à ausência da Bejahung (“afirmação” primordial) que resulta na falha da 
simbolização, fundamental. 
O sujeito, quando submetido ao golpe da Verwerfung, terá um destino 
completamente diferente de uma Verdrangung (“recalque”). Assim, Lacan interpreta 
a Verwerfung como foraclusão, destacando a rejeição do significante primordial, o 
nome-do-pai (NP), que faz estrutura na psicose. 
 
 
 
 
 
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REFERÊNCIAS 
CÔRTES, C. A. Psicose na psicanálise: escolha ou determinação? Curitiba: Juruá, 
2016. 
FREUD, S. (1899). Carta 125. In: FREUD, S. Obras completas. Rio de Janeiro: 
Imago, 1996. v. 1. 
FREUD, S. (1913) A disposição à neurose obsessiva: uma contribuição ao problema 
da escolha da neurose. In: FREUD, S. Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 
1996a. v. 12. 
FREUD, S. (1918) História de uma neurose infantil. In: FREUD, S. Obras 
completas. Rio de Janeiro: Imago, 1996d. v. 17. 
FREUD, S. (1924) Neurose e psicose. In: FREUD, S. Obras completas. Rio de 
Janeiro: Imago, 1996e. v. 19. 
IMBRIANO, A. Las enseñanzas de las psicoses. Buenos Aires: Letra viva, 2010. 
LACAN, J. (1958) De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose 
In: LACAN, J. Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. 
LACAN, J. (1955/1956) Livro 3: as psicoses. Rio de Janeiro: Zahar, 1988.

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