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CURSO DE DIREITO Direito Processual Penal III DIREITO PENAL - CRIMES EM ESPÉCIE I Prof. Wilian Sapito Jr. Aula 01 - Temas abordados: Conceitos Gerais Aplicados à Parte Especial; Critérios de Sistematização de Tipos Penais na Parte Especial; Classificação dos Crimes; 1. Introdução: O Código Penal Brasileiro foi inspirado no modelo do Código Penal Italiano de 1930, idealizado por Rocco, jurista italiano. Assim, da mesma forma que o Código Penal Italiano, o nosso Código Penal foi dividido em duas partes: - Parte Geral: contendo as regras gerais; - Parte Especial: contemplando os crimes e as respectivas penas; 2. Precedência histórica da Parte Especial: Na história do Direito Penal, primeiro surgiram os crimes em espécie, estudava-se especificamente os crimes. Somente posteriormente foram surgindo os institutos atinentes à aplicação prática desses crimes em espécie (dolo, culpa, tentativa, e demais regras que constam na parte geral). Historicamente, tem-se que o primeiro crime a surgir foi o crime de “lesa- majestade”. O homicídio foi o segundo crime a surgir. Crime de lesa-majestade: “traição cometida contra a pessoa do Rei, ou seu Real Estado, que ele de tão grave e abominável crime, e que os antigos sábios tanto estranharam, que o comparavam à lepra; porque assim como esta enfermidade enche todo o corpo, sem nunca mais se poder curar, e empece ainda aos descendentes de quem a tem, e aos que com ele conversam, assim que ele será apartado da sociedade: CURSO DE DIREITO Direito Processual Penal III assim o erro da traição condena o que a comete, e empece e infama aos de sua linhagem, posto que não tenham culpa.” — Do texto original das Ordenações Filipinas. Em outras palavras, é o crime de traição contra Sua Majestade, ou violação da dignidade de um soberano reinante ou contra o Estado. Em alguns casos os condenados eram punidos com execução pública por meio de tortura, seus bens se tornariam propriedade da Coroa e sua família condenada à infâmia. 3. Qual a importância prática da Parte Especial do Código Penal? A Parte Especial do Código Penal é a concretização do Princípio da Reserva Legal, o qual determina que só haverá crime se houver previsão legal, ou seja, a tipificação da conduta. É necessário compreender, no entanto, que a parte especial do Código Penal não esgota os crimes tipificados no Brasil, uma vez que existem diversas outras leis (legislação extravagante) que também tipificam determinadas condutas criminosas (ex: Lei de Drogas). 4. Título do crime: O título do crime, também chamado de nomen iuris, é o nome dado pelo legislador a determinado delito. O título do crime é concretizado pela rubrica marginal. Exemplo: A palavra “Roubo” escrito acima do artigo 157 do CP. Obs.: Diferente do que acontece no Código Penal, geralmente, os crimes previstos na legislação estravagante não possuem rubrica marginal. Exemplo: a Lei 11.343/2006 não faz menção ao nome do crime de “tráfico de drogas”. CURSO DE DIREITO Direito Processual Penal III 5. Apresentação da Parte Especial: A Parte Especial do Código Penal é dividida em títulos que são subdivididos em capítulos. Os capítulos também podem ser subdivididos em seções. - No Direito Romano (Roma Antiga), os crimes eram subdivididos em crimes públicos (que atingiam os interesses do Estado) e privados (que atingiam os interesses do particular). - No Direito Penal da Idade Média, os crimes eram subdivididos em crimes eclesiásticos (Crimes contra os valores da Igreja) e não eclesiásticos. - Os crimes também já foram subdivididos em ordem alfabética. Atualmente, a subdivisão leva em consideração o bem jurídico tutelado pela norma, por duas razões: 1) Técnica de construção legislativa – por exemplo, seria inviável criar um crime contra a dignidade sexual e inseri-lo entre os crimes contra o patrimônio. 2) Exigência científica - permite a sistematização da matéria e facilita o estudo. É exatamente por isso que o ponto de partida dessa subdivisão é o ser humano, por isso o primeiro crime a ser tutelado na parte especial do Código Penal é homicídio, inserido na seara dos crimes contra a vida. Desta forma, temos: Título I – Dos crimes contra a pessoa: Capítulo I – Dos crimes contra a vida. Capítulo II – Das lesões corporais. Capítulo III – Da periclitação da vida e da saúde. Capítulo IV – Da Rixa. Capítulo V – Dos crimes contra a honra. Capítulo VI – Dos crimes contra a liberdade individual CURSO DE DIREITO Direito Processual Penal III Seção I – Dos crimes contra a liberdade individual. Seção II – Dos crimes contra a inviolabilidade do domicílio. (...) (...) Título II – Dos crimes contra o patrimônio; (...) (...) Título XI – Dos crimes contra a Administração Pública; Título XI – Dos crimes contra o Estado Democrático de Direito. Obs: Percebam que os crimes contra a pessoa, sob a ótica sistêmica adotada pelo nosso Código Penal, têm preponderância sobre os crimes contra o patrimônio, bem como sobre os crimes contra a administração pública e os crimes contra o estado democrático de direito. Como esse tema pode ser cobrado no concurso público? IV - UFG – 2018 – Direito Penal – Crimes contra a administração pública – Prefeitura de Jataí – GO – Guarda Civil: A organização da parte especial do Código Penal brasileiro vigente está estruturada a partir do bem jurídico, objeto da tutela penal, classificando-se os crimes, entre outros, como contra a pessoa, contra o patrimônio, contra a fé pública e contra a administração pública. A partir dessa perspectiva, são classificados como crimes contra a administração pública os delitos de: A) advocacia administrativa, concussão, peculato culposo e violação de sigilo funcional. B) arrebatamento de preso, falsa identidade, uso de documento falso e tráfico de influência. C) adulteração de sinal identificador de veículo automotor, descaminho, concussão e prevaricação. D) abandono de função, condescendência criminosa, corrupção ativa e supressão de documento. CURSO DE DIREITO Direito Processual Penal III DIREITO PENAL - CRIMES EM ESPÉCIE I Prof. Wilian Sapito Jr. Aula 02 - Temas abordados: Crimes contra a pessoa e Crimes contra a vida (conceitos introdutórios). 1. Introdução – Dos crimes contra a vida: 1.1. Fundamento constitucional: Para a Teoria Constitucional do Direito Penal, a criação de crimes e a cominação de penas só é legítima quando se tutela um valor consagrado na Constituição Federal. Dessa forma, todo e qualquer crime deve ter fundamento constitucional. O fundamento constitucional dos crimes contra a vida é o art. 5º, caput, da Constituição Federal: CRFB/88, art. 5º, caput: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”. O direito à vida é considerado um “direito supraestatal”, ou seja, está acima do próprio Estado, por ser um direito reconhecido por todos os povos e nações, indispensável para a manutenção e desenvolvimento do indivíduo e da sociedade. O direito à vida é um direito fundamental em duplo sentido: sentido formal e sentido material. Sentido formal: está previsto no texto constitucional com a forma de norma constitucional. Sentido material: a matéria/conteúdo abordado merece ser tratado pela CRFB/88. CURSO DE DIREITO Direito Processual Penal III Desta forma, o direito à vida é considerado um direito fundamental. Por falar em direito fundamental, eu posso dizer que o direito à vida é um direito fundamental absoluto? Atenção: não existe direito fundamental absoluto! Isso quer dizer que até a mesmo o direito à vida pode serrelativizado. Exemplos de relativização do direito à vida: a pena de morte (admitida em caso de guerra declarada pelo Presidente da República) e a legítima defesa. 2. Espécies, ação penal e competência dos crimes contra a vida: • Espécies de crimes contra a vida: - Homicídio; - Participação em suicídio ou em automutilação (Redação dada pela Lei nº 13.968, de 2019); - Infanticídio; - Aborto. Crítica do professor: A participação em automutilação não é crime contra a vida porque atinge a integridade corporal, portanto, deveria ser trabalhada no capítulo 2, atinente aos crimes contra a dignidade corporal. No entanto, este fato típico foi inserido no ano de 2019 em decorrência dos “desafios da baleia azul”, onde havia automutilação e apenas o desafio final era a morte. Portanto, para este professor que vos fala, houve um erro por parte do legislador, afinal de contas, cortar um dedo não traz risco de vida, mas ofende a integridade corporal. 3. Crimes contra a vida – ação penal: Todos os crimes abordados neste capítulo são de ação penal pública incondicionada. Mas Professor Sapito, o que é ação penal pública incondicionada? Come com farinha? CURSO DE DIREITO Direito Processual Penal III Ação pública incondicionada é a regra no direito penal brasileiro. Nesta modalidade de ação penal, o exercício do direito de ação pelo Ministério Público não depende de qualquer condição especial. Basta que o crime investigado seja de ação pública e que existam indícios suficientes de autoria e materialidade para que o promotor esteja autorizado a oferecer a denúncia. Para que se conclua que determinado delito é de ação incondicionada basta verificar o próprio tipo penal. Caso a lei nada mencione, automaticamente a ação será pública incondicionada. Ao cuidar, por exemplo, dos crimes de homicídio doloso (art. 121 do CP), furto (art. 155 do CP), associação criminosa (art. 288) e corrupção passiva (art. 317 do CP), a lei nada menciona a respeito da modalidade de ação penal. Em consequência, tais delitos se apuram mediante ação pública incondicionada. A ação penal é pública, quando promovida e movimentada pelo Ministério Público, que é o dominus litis. Constitui, portanto, uma das funções institucionais privativas do Ministério Público (CF, art. 129, I). A ação penal pública é incondicionada porque, “para promovê-la, o órgão incumbido da persecutio criminis in judicio, independe de manifestação de vontade de quem quer que seja”. (Fernando da Costa Tourinho Filho, Processo penal, 1972, v. 1, p. 262).