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Brazilian Journal of Health Review ISSN: 2595-6825 1 Brazilian Journal of Health Review, Curitiba, v. 7, n. 4, p. 01-13, jul/aug., 2024 Dengue: epidemiologia, manifestações clínicas e abordagens para prevenção e tratamento Dengue: epidemiology, clinical manifestations and approaches to prevention and treatment Dengue: epidemiología, manifestaciones clínicas y enfoques de prevención y tratamiento DOI:10.34119/bjhrv7n4-362 Submitted: Jul 19, 2024 Approved: Aug 19th, 2024 Sibelly Vaz de Mello Loureiro Ferreira Graduada em Medicina Instituição: Faculdade de Medicina de Barbacena (FUNJOBE) Endereço: Barbacena, Minas Gerais, Brasil E-mail: sibelly.vaz@gmail.com Anna Elysa Barros Cabral de Almeida Amaral Graduanda em Medicina Instituição: AFYA Faculdade de Ciências Médicas (ITPAC) Endereço: Palmas, Tocantins, Brasil E-mail: annaelysarsp@outlook.com Gabriele Gonçalves Cordeiro Graduada em Medicina pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) - campus Teófilo Otoni Instituição: Hospital Risoleta Tolentino Neves Endereço: Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil E-mail: gabrielecordeiro@live.com Henrique Baduy de Ferreira Graduado em Medicina Instituição: Universidade de Uberaba (UNIUBE) Endereço: Uberaba, Minas Gerais, Brasil E-mail: henriquebaduy0@gmail.com Vitor Luís Aon Vieira Cardoso Graduado em Medicina pela Faculdade de Minas (FAMINAS) Instituição: Unidade Básica de Saúde Inah Vercesi dos Santos Endereço: Vespasiano, Minas Gerais, Brasil E-mail: vitor@digifarma.com.br RESUMO A dengue é uma infecção viral transmitida pelo mosquito Aedes aegypti e é uma preocupação significativa de saúde pública nas regiões tropicais e subtropicais. Causada por um vírus do gênero Flavivirus, a dengue possui quatro sorotipos distintos: DEN-1, DEN-2, DEN-3 e DEN- mailto:sibelly.vaz@gmail.com mailto:gabrielecordeiro@live.com mailto:henriquebaduy0@gmail.com mailto:vitor@digifarma.com.br Brazilian Journal of Health Review ISSN: 2595-6825 2 Brazilian Journal of Health Review, Curitiba, v. 7, n. 4, p. 01-13, jul/aug., 2024 4. A transmissão ocorre principalmente através da picada de mosquitos infectados, e a prevalência da doença é amplificada em áreas urbanas com alta densidade populacional e condições sanitárias inadequadas. Clinicamente, a dengue se apresenta em uma ampla gama de manifestações, desde formas leves, semelhantes à gripe, até formas graves, que podem evoluir para dengue severa. Esta forma grave é caracterizada por sintomas como sangramentos, choque e falência orgânica. Os sinais iniciais incluem febre alta, dor de cabeça, dor atrás dos olhos, mialgia e artralgia. O diagnóstico é feito com base nos sintomas clínicos e confirmado por testes laboratoriais, como sorologia e PCR, que detectam anticorpos ou o material genético do vírus. O tratamento da dengue é predominantemente sintomático, com foco na hidratação e alívio dos sintomas. Em casos graves, pode ser necessário suporte intensivo, incluindo administração de fluidos intravenosos e monitoramento rigoroso. Não existem antivirais específicos para a dengue, mas a gestão eficaz dos casos pode reduzir a mortalidade e melhorar os desfechos clínicos. A prevenção é essencial e inclui o controle dos criadouros de mosquitos, uso de repelentes e estratégias educativas para reduzir a exposição. As perspectivas futuras para o manejo da dengue incluem o avanço no desenvolvimento de vacinas, com uma vacina tetravalente já aprovada em alguns países, e a contínua pesquisa de novos tratamentos antivirais e métodos de controle vetorial. Essas medidas são fundamentais para enfrentar a dengue e melhorar a saúde pública global. Palavras-chave: Dengue, diagnóstico, epidemiologia, etiologia, tratamento. ABSTRACT Dengue fever is a viral infection transmitted by the Aedes aegypti mosquito and is a significant public health concern in tropical and subtropical regions. Caused by a virus of the Flavivirus genus, dengue fever has four distinct serotypes: DEN-1, DEN-2, DEN-3, and DEN-4. Transmission occurs primarily through the bite of infected mosquitoes, and the prevalence of the disease is amplified in urban areas with high population density and inadequate sanitation conditions. Clinically, dengue fever presents in a wide range of manifestations, from mild, flu- like forms to severe forms that can progress to severe dengue fever. This severe form is characterized by symptoms such as bleeding, shock, and organ failure. Initial signs include high fever, headache, pain behind the eyes, myalgia, and arthralgia. Diagnosis is based on clinical symptoms and confirmed by laboratory tests, such as serology and PCR, which detect antibodies or the genetic material of the virus. Treatment of dengue is predominantly symptomatic, with a focus on hydration and symptom relief. In severe cases, intensive support, including intravenous fluids and close monitoring, may be required. There are no specific antivirals for dengue, but effective case management can reduce mortality and improve clinical outcomes. Prevention is essential and includes controlling mosquito breeding sites, using repellents, and providing educational strategies to reduce exposure. Future prospects for dengue management include progress in vaccine development, with a tetravalent vaccine already approved in some countries, and continued research into new antiviral treatments and vector control methods. These measures are essential to address dengue and improve global public health. Keywords: Dengue, diagnosis, epidemiology, etiology, treatment. RESUMEN El dengue es una infección viral transmitida por el mosquito Aedes aegypti y constituye un importante problema de salud pública en las regiones tropicales y subtropicales. Causado por un virus del género Flavivirus, el dengue tiene cuatro serotipos distintos: DEN-1, DEN-2, DEN- 3 y DEN-4. La transmisión se produce principalmente a través de la picadura de mosquitos Brazilian Journal of Health Review ISSN: 2595-6825 3 Brazilian Journal of Health Review, Curitiba, v. 7, n. 4, p. 01-13, jul/aug., 2024 infectados, y la prevalencia de la enfermedad se amplifica en zonas urbanas con alta densidad de población y condiciones sanitarias inadecuadas. Clínicamente, el dengue se presenta en una amplia gama de manifestaciones, desde formas leves, similares a la gripe, hasta formas graves, que pueden evolucionar a dengue grave. Esta forma grave se caracteriza por síntomas como sangrado, shock e insuficiencia orgánica. Los signos iniciales incluyen fiebre alta, dolor de cabeza, dolor detrás de los ojos, mialgia y artralgia. El diagnóstico se realiza en base a los síntomas clínicos y se confirma mediante pruebas de laboratorio, como la serología y la PCR, que detectan anticuerpos o el material genético del virus. El tratamiento del dengue es predominantemente sintomático y se centra en la hidratación y el alivio de los síntomas. En casos graves, puede ser necesario un apoyo intensivo, incluida la administración de líquidos intravenosos y una estrecha vigilancia. No existen antivirales específicos para el dengue, pero el manejo eficaz de los casos puede reducir la mortalidad y mejorar los resultados clínicos. La prevención es esencial e incluye el control de los criaderos de mosquitos, el uso de repelentes y estrategias educativas para reducir la exposición. Las perspectivas futuras para el manejo del dengue incluyen avances en el desarrollo de vacunas, con una vacuna tetravalente ya aprobada en algunos países, y la continuación de la investigación sobre nuevos tratamientos antivirales y métodos de control de vectores. Estas medidas son esenciales para combatir el dengue y mejorar la salud pública mundial. Palabras clave: Dengue, diagnóstico, epidemiología, etiología, tratamiento.1 INTRODUÇÃO A dengue é uma doença viral transmitida pelo mosquito Aedes aegypti, uma das principais arboviroses que afeta milhões de pessoas ao redor do mundo. Causada pelo vírus da dengue, que possui quatro sorotipos distintos (DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4), a doença se manifesta com sintomas variados, desde febre alta e dor muscular até formas mais graves que podem levar a complicações severas. A relevância global da dengue é evidenciada pela sua ampla disseminação, especialmente em áreas tropicais e subtropicais, onde as condições climáticas favorecem a proliferação do vetor (HARAPAN HARAPAN et al., 2020; SUJATHA SUNIL et al., 2021). A distribuição geográfica da dengue é amplamente restrita às regiões endêmicas, principalmente na Ásia, América Latina e África. No entanto, nas últimas décadas, a doença tem mostrado uma crescente incidência em áreas urbanas e semi urbanas, refletindo a expansão das zonas de transmissão. O aumento da urbanização desordenada e das condições ambientais favoráveis à proliferação do Aedes aegypti contribui para a expansão da dengue para novas áreas geográficas, intensificando os desafios de controle e prevenção (SUDIPTA KUMAR ROY; BHATTACHARJEE, 2021; MUHAMMAD BILAL KHAN et al., 2023). Brazilian Journal of Health Review ISSN: 2595-6825 4 Brazilian Journal of Health Review, Curitiba, v. 7, n. 4, p. 01-13, jul/aug., 2024 A importância clínica da dengue não pode ser subestimada, dado o potencial da doença para evoluir para formas graves, como a dengue grave (anteriormente conhecida como dengue hemorrágica). Estas formas graves estão associadas a um aumento significativo na morbidade e mortalidade, impactando fortemente a saúde pública e os sistemas de saúde. A dengue grave pode levar a complicações como hemorragias, extravasamento de plasma e choque, exigindo uma vigilância e manejo adequados para reduzir as consequências potencialmente fatais (ANSHULA TAYAL; SUSHIL KUMAR KABRA; RAKESH LODHA, 2022; MONICA PALANICHAMY KALA; ST; RATHORE, 2023). O objetivo deste artigo é explorar aspectos críticos da dengue, abrangendo desde a transmissão do vírus até o manejo clínico da doença. A análise inclui a descrição detalhada do ciclo de vida do mosquito vetor, fatores que influenciam a disseminação da dengue, e as estratégias de controle e prevenção recomendadas. Além disso, o artigo visa fornecer uma visão abrangente sobre o tratamento e as abordagens terapêuticas para a dengue, contribuindo para um melhor entendimento e manejo da doença (NADER RAAFAT; BLACKSELL; MAUDE, 2019; BOON HUI KOK et al., 2023). 2 OBJETIVO O objetivo deste artigo é reunir informações, mediante análise de estudos recentes, acerca dos aspectos inerentes à dengue, sobretudo a etiologia, transmissão, manifestações clínicas, diagnóstico, tratamento, prevenção e perspectivas futuras. 3 METODOLOGIA Realizou-se pesquisa de artigos científicos indexados nas bases de dados Latindex e MEDLINE/PubMed entre os anos de 2019 e 2024. Os descritores utilizados, segundo o “MeSH Terms”, foram: dengue, etiology, diagnosis e management. Foram encontrados 1056 artigos, segundo os critérios de inclusão: artigos publicados nos últimos 5 anos, textos completos, gratuitos e tipo de estudo. Papers pagos e com data de publicação em período superior aos últimos 5 anos foram excluídos da análise, selecionando-se xx artigos pertinentes à discussão. Brazilian Journal of Health Review ISSN: 2595-6825 5 Brazilian Journal of Health Review, Curitiba, v. 7, n. 4, p. 01-13, jul/aug., 2024 4 ETIOLOGIA E TRANSMISSÃO O vírus da dengue é um arbovírus pertencente ao gênero Flavivirus, e é transmitido principalmente pelo mosquito Aedes aegypti. Existem quatro sorotipos distintos do vírus da dengue, denominados DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4, cada um com características virológicas próprias, mas que compartilham uma estrutura semelhante. Estes sorotipos são vírus envelopados com RNA de sentido positivo, que possuem uma alta capacidade de mutação e diversificação, o que contribui para a complexidade da imunidade e a dificuldade no desenvolvimento de vacinas. A infecção por um sorotipo não confere imunidade completa contra os outros, o que pode levar a infecções subsequentes com maior risco de formas graves da doença (HARAPAN HARAPAN et al., 2020; NANAWARE et al., 2021; KHANAM et al., 2022; BOON HUI KOK et al., 2023). O ciclo de transmissão da dengue envolve o mosquito Aedes aegypti como vetor primário. Este mosquito é caracterizado por sua capacidade de se reproduzir em pequenos reservatórios de água, como pneus, vasos de plantas e recipientes ao ar livre. Após a picada de um indivíduo infectado, o mosquito adquire o vírus e, após um período de incubação de aproximadamente 8 a 12 dias, pode transmitir o vírus a outros humanos através de novas picadas. O vírus se multiplica no mosquito e, quando ele pica um novo hospedeiro, o vírus entra na corrente sanguínea, iniciando a infecção. Este ciclo contínuo de transmissão é amplificado por condições que favorecem a proliferação do vetor (HARAPAN HARAPAN et al., 2020; SUJATHA SUNIL et al., 2021). Diversos fatores contribuem para a transmissão e disseminação da dengue. Condições ambientais, como a presença de água parada, são cruciais para a reprodução do mosquito vetor. Além disso, mudanças climáticas e urbanização desordenada têm um impacto significativo, pois aumentam as áreas de criadouros e a densidade populacional de mosquitos . O comportamento humano também desempenha um papel importante; por exemplo, a falta de medidas de proteção pessoal, como o uso de repelentes e roupas adequadas, pode aumentar o risco de picadas e, consequentemente, de transmissão do vírus (NADER RAAFAT; BLACKSELL; MAUDE, 2019; NANAWARE et al., 2021; SUDIPTA KUMAR ROY; BHATTACHARJEE, 2021). Para prevenir a transmissão da dengue, diversas estratégias são recomendadas. O controle da população de mosquitos é essencial e pode ser realizado através de programas de vigilância e controle de criadouros. Medidas como a eliminação de água parada e o uso de produtos larvicidas ajudam a reduzir a quantidade de mosquitos em potencial (ANSHULA Brazilian Journal of Health Review ISSN: 2595-6825 6 Brazilian Journal of Health Review, Curitiba, v. 7, n. 4, p. 01-13, jul/aug., 2024 TAYAL; SUSHIL KUMAR KABRA; RAKESH LODHA, 2022; MUHAMMAD BILAL KHAN et al., 2023). Além disso, a utilização de repelentes, mosquiteiros e a implementação de campanhas de conscientização são estratégias eficazes para reduzir o contato entre humanos e mosquitos. O sucesso dessas medidas depende da colaboração comunitária e do engajamento das autoridades de saúde pública na promoção e monitoramento dessas práticas (MONICA PALANICHAMY KALA; ST; RATHORE, 2023; JORGE B.A. SEIXAS; KLEBER GIOVANNI LUZ; VITOR PINTO JUNIOR, 2024). 5 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS E DIAGNÓSTICO A dengue é uma doença com um curso clínico que, quando sintomático, pode ser dividido em três fases distintas: febril, crítica e de recuperação. A fase febril, que tipicamente dura de 2 a 7 dias, é caracterizada por uma febre alta de início súbito, acompanhada de sintomas como mialgia, artralgia e cefaleia intensa. Em muitos casos, os pacientes manifestam apenas essa fase, sem progressão para as fases mais graves. Durante este período, é comum observar manifestações hemorrágicas leves, como petéquias e pequenos sangramentos de mucosas, sendo que a plaquetopenia é um achado laboratorial frequente. A progressão da doença leva à fase crítica, que ocorre logo após a defervescência da febre, durando aproximadamente 24 a 48 horas. Nesse estágio, a trombocitopenia se agrava e pode ser acompanhada por leucopenia. O extravasamento de líquidos para o terceiro espaço é uma característica marcante dessa fase, resultando em complicações como derrame pleurale ascite. Esse período é denominado crítico devido ao risco elevado de complicações graves, incluindo choque hipovolêmico, choque cardiogênico e disfunção de múltiplos órgãos, tornando-o um momento de grande atenção e intervenção médica intensiva. Finalmente, a fase de recuperação, que dura de 48 a 72 horas, é marcada por uma melhora progressiva do quadro clínico, com reabsorção dos líquidos e estabilização hemodinâmica, sinalizando o término do período de maior risco da doença (ARAIZA-GARAYGORDOBIL et al., 2021; ANSHULA TAYAL; SUSHIL KUMAR KABRA; RAKESH LODHA, 2022; TRIVEDI; CHAKRAVARTY, 2022). A classificação da gravidade da dengue é essencial para o manejo adequado dos pacientes e é feita com base na apresentação clínica, dividindo os indivíduos em grupos A, B e C. Essa classificação, no entanto, pode ser dinâmica, com possibilidade de reclassificação à medida que a infecção progride. O grupo A inclui pacientes sem comorbidades ou sinais de alarme, permitindo que o tratamento seja realizado de forma domiciliar, com foco em sintomáticos e hidratação oral. Pacientes do grupo B apresentam comorbidades que aumentam Brazilian Journal of Health Review ISSN: 2595-6825 7 Brazilian Journal of Health Review, Curitiba, v. 7, n. 4, p. 01-13, jul/aug., 2024 o risco de complicações e/ou exibem sinais de alarme, como dor abdominal intensa e desidratação. Nesses casos, a vigilância médica é necessária, podendo haver necessidade de internação para observação mais cuidadosa, especialmente se os sinais de alarme persistirem. O grupo C abrange os casos mais graves, caracterizados por instabilidade hemodinâmica, desidratação severa e sinais de disfunção orgânica. Pacientes desse grupo requerem internação imediata em unidades de terapia intensiva para monitoramento contínuo e suporte terapêutico agressivo, visando a estabilização clínica e prevenção de desfechos fatais (TRIVEDI; CHAKRAVARTY, 2022; JORGE B.A. SEIXAS; KLEBER GIOVANNI LUZ; VITOR PINTO JUNIOR, 2024). Em contextos de epidemias, o diagnóstico da dengue geralmente é clínico, suportado por exames complementares que confirmam a infecção. A confirmação pode ser obtida por meio da detecção direta do vírus, seja através de isolamento viral em cultura, RT-PCR ou detecção do antígeno NS1, ou pela sorologia, que mede a titulação de anticorpos IgG e IgM. A escolha do método diagnóstico depende da fase da doença e da disponibilidade dos testes. O RT-PCR e o isolamento viral são métodos aplicáveis até o quarto ou quinto dia após o início dos sintomas, enquanto o teste de antígeno NS1, amplamente utilizado, é eficaz até o nono dia da infecção, superando o período usual de viremia. No entanto, esses testes não identificam o sorotipo específico do vírus. A sorologia, considerada o padrão ouro para o diagnóstico de dengue, revela anticorpos IgM a partir do quarto dia, com pico entre o décimo e o décimo quarto dia, enquanto os anticorpos IgG surgem mais tardiamente. É importante ressaltar que a sorologia pode apresentar reatividade cruzada com outros ortoflavivírus, o que pode limitar a especificidade do diagnóstico. Apesar disso, esses testes são valiosos tanto para a confirmação clínica quanto para a vigilância epidemiológica, sendo fundamentais no controle da doença em áreas endêmicas (JORGE B.A. SEIXAS; KLEBER GIOVANNI LUZ; VITOR PINTO JUNIOR, 2024). 6 TRATAMENTO E MANEJO CLÍNICO O tratamento da dengue é uma abordagem complexa que varia de acordo com o grupo de classificação da doença, sendo essencialmente baseado na hidratação adequada, que é um dos pilares fundamentais. Essa hidratação deve ser ajustada de acordo com o grupo específico da doença (A, B sem ou com sinais de alerta, e C), complementada pelo controle da febre e um monitoramento rigoroso dos sinais vitais. Nos adultos, a primeira manifestação geralmente inclui febre alta, entre 39 ºC e 40ºC, de início súbito, acompanhada de cefaléia, mal-estar, dor Brazilian Journal of Health Review ISSN: 2595-6825 8 Brazilian Journal of Health Review, Curitiba, v. 7, n. 4, p. 01-13, jul/aug., 2024 retroorbitária, mialgia e petéquias. Nesses casos, é crucial manter a temperatura do paciente estável com o uso de antitérmicos e sintomáticos, enquanto se monitoram de perto as dores e os sinais vitais para evitar a progressão para quadros mais graves. No que diz respeito à hidratação, pacientes do grupo A recebem apenas fluidos orais. Pacientes do grupo B sem sinais de alerta podem ser hidratados com fluidos orais, mas a fluidoterapia intravenosa por 24 a 48 horas (com solução salina a 0,9% ou lactato de Ringer) na taxa de manutenção também é recomendada. Para o grupo B com sinais de alerta, a taxa de reposição de fluidos isotônicos é ajustada com base no hematócrito seriado do paciente, iniciando com 5–7 mL/kg/h por 1 a 2 horas, depois 3–5 mL/kg/h por 2 a 4 horas, e finalmente 2–3 mL/kg/h até que o paciente possa ser hidratado por via oral. Já para o grupo C, a ressuscitação volêmica intravenosa criteriosa com cristaloides ou coloides a 10-20 ml/kg/h é indicada até que a estabilidade hemodinâmica seja alcançada (ANSHULA TAYAL; SUSHIL KUMAR KABRA; RAKESH LODHA, 2022). A hidratação se destaca como um elemento central no manejo dos casos mais graves de dengue, especialmente na Síndrome do Choque da Dengue (SCD), a forma mais severa da dengue hemorrágica. Embora a reposição intravenosa com colóides possa ser uma opção, os cristalóides, como a solução salina normal (0,9%) e o lactato de Ringer, são geralmente preferidos devido à menor incidência de efeitos adversos. Em pacientes com níveis normais de cloreto (95–105 mmol/L), a solução salina normal é adequada. No entanto, para aqueles com hipercloremia, acidose hiperclorêmica ou hipernatremia, o lactato de Ringer se apresenta como a melhor escolha. Quando a reposição volêmica intravenosa não resulta em melhora, deve-se considerar a transfusão de hemoderivados, que, embora não haja evidências científicas robustas que comprovem seus benefícios em pacientes com dengue e sangramento, é uma prática comum transfundir plaquetas em casos de sangramento grave agudo da mucosa que não responde a outras medidas clínicas (ANSHULA TAYAL; SUSHIL KUMAR KABRA; RAKESH LODHA, 2022). A dengue, ao manipular a maquinaria do sistema imunológico do hospedeiro e alterar as defesas das células infectadas, pode agravar a gravidade da doença. Essa capacidade do vírus destaca a ausência de antivirais específicos para seu tratamento. Na falta de agentes antivirais e medicamentos específicos contra o DENV, os analgésicos e antitérmicos assumem um papel crucial no alívio dos sintomas. Fármacos geralmente utilizados para outras condições clínicas, como o antipirético paracetamol, amplamente empregado no tratamento da dengue, e o antiviral Sofosbuvir, originalmente usado para tratar a hepatite C, têm mostrado efeitos promissores na redução dos sintomas da dengue em estudos recentes (NANAWARE et al., 2021). Brazilian Journal of Health Review ISSN: 2595-6825 9 Brazilian Journal of Health Review, Curitiba, v. 7, n. 4, p. 01-13, jul/aug., 2024 Em 2009, a Organização Mundial da Saúde (OMS) atualizou as diretrizes nacionais para a prevenção e controle das epidemias de dengue, introduzindo uma nova classificação da doença que inclui o envolvimento do sistema nervoso central como uma forma mais grave da condição. Existem quatro sorotipos do vírus da dengue (DENV1 a DENV4), que são antigeneticamente distintos, embora compartilhem uma relação estreita. Em áreas endêmicas, é essencial realizar triagens e monitoramentos contínuos, pois cada sorotipo pode causar diferentes manifestações clínicas, necessitando de abordagens terapêuticas variadas. Por exemplo, o DENV2 e o DENV3 estão mais frequentemente associados a manifestações neurológicas, como mielite, encefalite e meningite. Além disso,no DENV4, o vírus pode ser detectado em células cerebrais por meio da imuno-histoquímica. Portanto, é crucial considerar as áreas endêmicas onde os quatro sorotipos circulam para direcionar adequadamente o manejo clínico, o tratamento e a prevenção de complicações graves (TRIVEDI; CHAKRAVARTY, 2022). 7 PREVENÇÃO E PERSPECTIVAS FUTURAS Devido à ausência de tratamentos específicos para a dengue e ao considerável impacto econômico que a doença impõe aos sistemas de saúde pública, a Organização Mundial da Saúde (OMS) considera o desenvolvimento de uma vacina eficaz contra a dengue como uma prioridade urgente. Nos últimos anos, avanços significativos foram feitos na criação de vacinas. A primeira vacina a ser comercializada foi a CYD-TDV (DENGVAXIA), uma vacina de vírus vivo atenuado e tetravalente, que demonstrou uma eficácia de 59,2% contra os quatro sorotipos do vírus da dengue. No entanto, essa vacina é recomendada apenas para indivíduos com idades entre 9 e 45 anos que já tenham histórico de infecção pelo vírus da dengue, devido ao risco potencial de desenvolvimento de formas graves da doença em indivíduos previamente infectados. Mais recentemente, foi lançada a vacina TAK-003 (QDenga), também tetravalente e de vírus vivo atenuado, que possui a vantagem de poder ser utilizada independentemente do estado sorológico prévio dos indivíduos, sendo recomendada para pessoas de até 60 anos de idade. Apesar desses avanços, permanecem dois desafios cruciais no desenvolvimento de vacinas contra a dengue: primeiro, a necessidade de oferecer proteção eficaz contra todos os sorotipos do vírus e, segundo, a preocupação com a Amplificação da Replicação Viral mediada por Anticorpos (ADE), um fenômeno onde a proteção induzida pela vacina contra um dos sorotipos pode paradoxalmente aumentar o risco de formas graves da dengue em infecções subsequentes. (ANSHULA TAYAL; SUSHIL KUMAR KABRA; RAKESH LODHA, 2022; Brazilian Journal of Health Review ISSN: 2595-6825 10 Brazilian Journal of Health Review, Curitiba, v. 7, n. 4, p. 01-13, jul/aug., 2024 MONICA PALANICHAMY KALA; ST; RATHORE, 2023; JORGE B.A. SEIXAS; KLEBER GIOVANNI LUZ; VITOR PINTO JUNIOR, 2024). Paralelamente ao desenvolvimento de vacinas, as estratégias de controle vetorial continuam a ser a principal ferramenta para a prevenção e controle dos casos de dengue. As recomendações atuais incluem tanto ações comunitárias quanto individuais, focadas em intervenções ambientais, como a redução e eliminação de criadouros de vetores, sejam eles naturais ou artificiais, por exemplo, a eliminação de água parada que serve de local de reprodução para os mosquitos. Além disso, o controle químico, que envolve o uso de inseticidas e larvicidas, continua sendo uma prática amplamente adotada, apesar do surgimento de resistência do vetor em algumas regiões, causada pelo uso prolongado de pesticidas. Esse método, apesar de suas limitações, ainda é considerado o principal meio de controle durante surtos de dengue. Nos últimos anos, no entanto, abordagens mais modernas têm sido exploradas, como o controle biológico, que inclui a produção de mosquitos geneticamente modificados e a aplicação de técnicas para a produção de mosquitos estéreis, o que pode contribuir para a redução da população de vetores de forma mais sustentável e com menor impacto ambiental. (HARAPAN HARAPAN et al., 2020; MUHAMMAD BILAL KHAN et al., 2023; JORGE B.A. SEIXAS; KLEBER GIOVANNI LUZ; VITOR PINTO JUNIOR, 2024). Além das medidas de controle vetorial, outras ações essenciais para a prevenção da disseminação do vírus da dengue envolvem a educação e conscientização da população. A disseminação de informações sobre o vetor e a doença é crucial, especialmente no que diz respeito ao reconhecimento de medidas preventivas, como a eliminação de focos de água parada, que são ambientes propícios para a reprodução dos mosquitos. A identificação precoce dos sintomas da dengue e a adoção de medidas comportamentais, como o uso de repelentes e roupas que cubram o corpo, também são fundamentais para a redução do risco de transmissão. Entretanto, o sucesso dessas estratégias depende amplamente da colaboração da comunidade e do comprometimento das autoridades de saúde pública na promoção dessas práticas. Em muitos países afetados pela dengue, a implementação eficaz dessas medidas ainda enfrenta desafios significativos, muitas vezes relacionados à falta de recursos e infraestrutura adequada. (HARAPAN HARAPAN et al., 2020; MUHAMMAD BILAL KHAN et al., 2023). Por fim, nos últimos anos, uma série de estudos tem sido conduzida com o objetivo de identificar tratamentos específicos para a dengue. Entre os avanços mais promissores está o JNJ-A07, uma nova terapêutica baseada em anticorpos monoclonais, além da exploração de compostos bioativos de origem vegetal, como o extrato da folha de Carica papaya, que tem Brazilian Journal of Health Review ISSN: 2595-6825 11 Brazilian Journal of Health Review, Curitiba, v. 7, n. 4, p. 01-13, jul/aug., 2024 demonstrado potencial em estudos preliminares. Além disso, esforços continuam no desenvolvimento de novas vacinas, como a TV003, e na melhoria das técnicas de controle vetorial, que incluem tanto métodos biológicos quanto químicos. Um exemplo é a esterilização de mosquitos por meio da infecção com bactérias específicas, além da criação de novos pesticidas que visam a superação da resistência dos vetores. O aperfeiçoamento dos métodos diagnósticos também é uma área de intensa pesquisa, com foco na identificação de biomarcadores relacionados ao extravasamento intravascular, na engenharia de anticorpos e no desenvolvimento de testes multiplexados que possam diferenciar a dengue de outras arboviroses, permitindo um diagnóstico mais preciso e oportuno. (BOON HUI KOK et al., 2023; MONICA PALANICHAMY KALA; ST; RATHORE, 2023; MUHAMMAD BILAL KHAN et al., 2023). 8 CONCLUSÃO A dengue, uma das arboviroses mais prevalentes no mundo, continua a ser um desafio significativo para a saúde pública, devido à sua etiologia complexa, mecanismos de transmissão eficientes e diversidade de manifestações clínicas. A etiologia da doença, causada pelos quatro sorotipos do vírus da dengue, é intrincada e facilita a propagação do vírus por meio de vetores altamente adaptáveis, como o Aedes aegypti. A transmissão ocorre principalmente em áreas tropicais e subtropicais, onde as condições ambientais favorecem a proliferação dos mosquitos, tornando a erradicação do vetor um dos maiores obstáculos no controle da doença. Clinicamente, pode variar de uma infecção assintomática a formas graves e potencialmente fatais, como a dengue hemorrágica e a síndrome do choque da dengue. As manifestações clínicas são influenciadas por fatores como a idade do paciente, estado imunológico e infecções prévias por diferentes sorotipos, o que complica ainda mais o manejo clínico da doença. O diagnóstico precoce, essencial para o tratamento adequado, baseia-se em uma combinação de critérios clínicos e exames laboratoriais, que incluem testes sorológicos e moleculares. Contudo, a similaridade dos sintomas da dengue com outras arboviroses desafia a precisão diagnóstica, exigindo melhorias contínuas nas técnicas de detecção e diferenciação. No que tange ao tratamento, a ausência de terapias antivirais específicas para a dengue destaca a importância do manejo sintomático e de suporte, focando na prevenção de complicações graves. O tratamento inclui desde a hidratação intensiva até o monitoramento rigoroso dos sinais vitais em casos graves. Paralelamente, o desenvolvimento de vacinas, como a CYD-TDV (DENGVAXIA) e a TAK-003 (QDenga), representa um avanço significativo, embora ainda Brazilian Journal of Health Review ISSN: 2595-6825 12 Brazilian Journal of Health Review, Curitiba, v. 7, n. 4, p. 01-13, jul/aug., 2024existam desafios relacionados à sua eficácia e segurança, especialmente devido ao fenômeno de Amplificação da Replicação Viral mediada por Anticorpos (ADE). A prevenção da dengue, além da vacinação, continua a depender fortemente do controle vetorial, que inclui a eliminação de criadouros de mosquitos e o uso de inseticidas, apesar das limitações impostas pela resistência dos vetores. Medidas educativas e a conscientização da população também desempenham papel crucial, mas necessitam de um esforço contínuo por parte das autoridades de saúde pública para garantir sua eficácia. Por fim, as perspectivas futuras para o controle e prevenção da dengue são promissoras, com investimentos em novas tecnologias para o controle vetorial, como mosquitos geneticamente modificados, e a busca por novas vacinas e tratamentos antivirais específicos. A continuidade da pesquisa científica é fundamental para superar as limitações atuais e melhorar as estratégias de combate à dengue, com o objetivo de reduzir a carga global da doença e evitar surtos futuros. Brazilian Journal of Health Review ISSN: 2595-6825 13 Brazilian Journal of Health Review, Curitiba, v. 7, n. 4, p. 01-13, jul/aug., 2024 REFERÊNCIAS ANSHULA TAYAL; SUSHIL KUMAR KABRA; RAKESH LODHA. Management of Dengue: An Updated Review. The Indian Journal of Pediatrics, v. 90, n. 2, p. 168–177, 27 dez. 2022. ARAIZA-GARAYGORDOBIL, D. et al. Dengue and the heart. Cardiovascular journal of South Africa/Cardiovascular journal of Southern Africa, v. 32, n. 5, p. 46–53, 28 out. 2021. BOON HUI KOK et al. Dengue virus infection – a review of pathogenesis, vaccines, diagnosis and therapy. Virus Research, v. 324, p. 199018–199018, 1 jan. 2023. HARAPAN HARAPAN et al. Dengue: A Minireview. Viruses, v. 12, n. 8, p. 829–829, 30 jul. 2020. JORGE B.A. SEIXAS; KLEBER GIOVANNI LUZ; VITOR PINTO JUNIOR. Atualização Clínica sobre Diagnóstico, Tratamento e Prevenção da Dengue. Acta Médica Portuguesa, v. 37, n. 2, p. 126–135, 1 fev. 2024. KHANAM, A. et al. 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