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48 Filologia, Filologia Românica e Crítica Textual Ceila Ferreira Martins* RESUMO: Partindo de reflexões provocadas pela leitura do artigo A palavra filologia e as suas diversas acepções: os problemas da polissemia, de Maximiano de Carvalho e Silva, o presente texto pretende chamar a atenção e propor soluções para o grave problema da flutuação terminológica e da falta de delimitação do campo de atuação da Filologia. PALAVRAS-CHAVE: Filologia, Filologia Românica, Crítica Textual, limites. ABSTRACT: Leaving of reflections provoked for the reading of the article A palavra e as suas diversas acepções: os problemas da polissemia, de Maximiano de Carvalho e Silva, the present text intends to call the attention and to propose solutions for the serious problems provoked for the many directions of de Philology word and the lack of delimitation of the field of performance of the Philology. KEY WORDS: Philology, Romanic Philology, Textual Criticism, limits. Como muito bem escreveu Maximiano de Carvalho e Silva, em instigante artigo publicado no número 23 da Revista Confluência, a palavra Filologia apresenta vários problemas advindos dos vários sentidos assumidos por tal vocábulo ao longo dos anos. Segundo Dona Carolina Michaëlis de Vasconcelos (MICHAËLIS, 1946, p. 123), também citada pelo Professor Maximiano, a palavra Filologia é formada por dois elementos: filo (“amor”, apreço, estima especial”) e logia (“doutrina, ciência, erudição, conhecimento ou estudo científico”). Contudo, tal palavra, desde seus primórdios, foi utilizada para nomear atividades e indagações que tinham a finalidade de preservar, fixar e interpretar textos. Vale lembrar o processo de registro por escrito, fixação, preservação, comentário e interpretação da antiga poesia grega, sobretudo Homero, na época helenística da Antiguidade grega, no terceiro século * Professora Adjunta da Universidade Federal Fluminense – UFF. 49 a.C., realizado por eruditos da Biblioteca de Alexandria e de textos sagrados do hinduísmo na Índia. Além disso, para designar os homens que se distinguiam por sua cultura, erudição, vastidão de conhecimentos e culto pelas ciências da linguagem, foi utilizada a palavra filólogo. Como exemplo, podemos citar o erudito Eratóstenes de Cirene, que considerava o adjetivo filólogo como o que melhor o caracterizava (BASSETTO, 2001, p. 21). Como pode ser observado, a palavra Filologia, pela ampla quantidade de significados que sugere ou que pode sugerir, é bastante ambígua. Nos meios universitários brasileiros, Filologia está bastante ligada ao adjetivo Românica. Tal expressão é comumente aceita para dar nome ao estudo histórico e comparativo das línguas advindas do latim. Entretanto, na prática, dá-se - muitas vezes - em seus domínios, o estudo das transformações do latim até a língua portuguesa. Porém, de acordo com as Lições de filologia portuguesa, de Leite de Vasconcelos, essa filologia portuguesa abarcaria: história da língua; estilística; metrificação; história da literatura; crítica literária e edição crítica (VASCONCELOS, 1959, p. 8). Segundo o Professor Maximiano de Carvalho e Silva, no já citado artigo publicado no número 23 da Revista Confluência, tal atitude, vinda de Leite de Vasconcelos e também de Dona Carolina Michaëlis, foi um elemento altamente perturbador no processo de especificação de uma terminologia mais exata para designar cada uma das várias ciências da linguagem. (SILVA, 2001, p. 58 ). O uso da palavra Filologia, nessa acepção mais geral, ainda perdura, por exemplo, em livros como o Manual de filologia portuguesa (1. ed.: 1952) e Fontes do latim vulgar (3. ed.: 1956) de Serafim da Silva Neto e em obras editadas no século XXI em nosso país e no exterior. Portanto, até hoje, no Brasil e em outros países, a palavra Filologia é utilizada como sinônimo de Lingüística, como uma série de estudos relacionados à língua e à literatura e como Crítica Textual. 50 Todavia, no Brasil, mais especificamente no estado do Rio de Janeiro, a palavra Filologia vem sendo utilizada como Crítica Textual por vários filólogos, inclusive foi assim entendida, durante muitos anos, pelo Professor Emérito do Instituto de Letras da Universidade Federal Fluminense, Maximiano de Carvalho e Silva, que protagonizou o processo de divisão da disciplina de Língua Portuguesa em dois setores: o de Estudos de Lingüística Especial Portuguesa e Estudos de Crítica Textual. Pouco depois, o Setor de Estudos de Crítica Textual foi alçado à disciplina autônoma. Tal disciplina recebeu primeiramente a denominação de Filologia Portuguesa para depois receber o nome de Crítica Textual. Inclusive, chegou a ser realizado, em 1973, na Universidade Federal Fluminense, um Congresso Internacional de Filologia Portuguesa. Contudo, o próprio Professor Doutor Maximiano de Carvalho e Silva, no referido artigo publicado no número 23 da Revista Confluência, afirma que o uso da palavra Filologia como Crítica Textual provocou (e continua provocando) muitas incompreensões por parte de colegas do magistério. Daí, o eminente professor dizer que os problemas advindos da polissemia da palavra Filologia são insolúveis e ser preferível a denominação de Crítica Textual à de Filologia para designar o conjunto de operações que preparam um texto para a publicação ou mesmo o aproxima da última vontade manifestada por seu autor ou autora. Atualmente, na UFRJ, a Filologia como Crítica Textual vem ganhando espaço através de eventos como o I Encontro Internacional de Filologia, realizado entre os dias 20 a 24 de setembro deste ano. Tal evento teve como tema principal a Filologia como Crítica Textual e exegese de textos. Dentro desse tema principal tiveram lugar os seguintes temas secundários: o trabalho Filológico de construção de edições críticas e crítico-genéticas; Crítica Textual e Crítica Genética; Filologia e preparação de fontes para pesquisas em Lingüística Histórica e em Literatura; Filologia e Crítica Literária; Filologia e História da Literatura e Filologia e Letras Clássicas. Também, neste ano de 2004, participaram, na XXV Jornada de Iniciação Científica da UFRJ, seis alunos com trabalhos na área da Crítica Textual, o que denota o crescimento do interesse pela respectiva disciplina entre os discentes. Entretanto, a disciplina oferecida pelo Setor de Filologia do Departamento de Lingüística e Filologia da Faculdade de Letras da UFRJ chama-se Filologia Românica e ainda tem um forte 51 componente voltado para a história da língua portuguesa, apesar de ministrar também conceitos de Crítica Textual. Portanto, pode ser depreendido destas linhas que a palavra Filologia, na acepção de Filologia Românica, é comumente entendida como estudo histórico e comparativo de línguas românicas. Nesse sentido é utilizada como sinônimo de Lingüística Românica e também como equivalente às definições de Filologia dadas por Leite de Vasconcelos e Carolina Michaëlis de Vasconcelos nas suas respectivas Lições de filologia portuguesa. Mas podemos considerar, em stricto sensu, Filologia Românica como o apuramento, interpretação e edição de textos em línguas românicas. A divulgação e aceitação dessa consideração solucionaria, em parte, a verdadeira confusão que há entre os termos Lingüística e Filologia. Porém, há o problema de que muitos filólogos e lingüísticas não aceitam essa delimitação de sentido do nome Filologia Românica. Quanto aos estudos históricos e comparados das línguas românicas, eles poderiam ser divulgados sob a denominação de Lingüística Românica. No entanto, também existem fortes resistências quanto a tal nomenclatura ser utilizada para nomear o que tradicionalmente recebeu e recebe o nome de Filologia Românica. Há ainda a possibilidade de considerarmos a Filologia como uma grandeárea que abarque linhas de pesquisa como a da Filologia Românica - entendida como estudo histórico e comparado das línguas românicas (inclusive, o estudo do romeno)- mas também a Crítica Textual e até mesmo outras formas de Filologia como a Germânica e a Clássica. A discussão sobre as delimitações da Filologia está longe de ter fim. Não podemos é ignorar a questão ou mesmo não nos posicionarmos a respeito de tão graves problemas - o da flutuação terminológica e de falta de delimitação de seu campo de atuação. Tais problemas atrapalham – e muito - o desenvolvimento e divulgação da Filologia. 52 REFERÊNCIAS BASSETTO, Bruno Fregni. Elementos de filologia românica. São Paulo: EDUSP, 2001. RONCAGLIA: Aurelio. Principi e applicazione di Critica Testuale. Roma: Bulzoni, 1975. SILVA, Maximiano de Carvalho e. A palavra filologia e suas diferentes acepções: os problemas da polissemia. Confluência n. 53, Rio de Janeiro, 2001, p. 53-70. SILVA NETO, Serafim da. Manual de filologia portuguesa. Rio de Janeiro: Livraria Acadêmica, 1952. ______. Fontes do latim vulgar. 3 ed. Rio de Janeiro: Livraria Acadêmica, 1956. VASCONCELOS, Carolina Michaëlis de. Lições de filologia portuguesa. Lisboa: Revista de Portugal, 1946. VASCONCELOS, Leite de. Lições de filologia portuguesa. 3. ed. Lisboa: Livros de Portugal, 1959.
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