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APOSTILA A VIAGEM - II ESTAÇÃO

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VIAGEM – II ESTAÇÃO
(Ou Filosofia Geral e Jurídica -I Estágio)
Prof.ª' Ms. Maria das Neves Franca - 2016.1
Mito e Filosofia
A Queda de Ícaro – Tela do pintor Peter Paul Rubens. 
 Pesquise sobre o mito de Dédalo e Ícaro e tente elaborar uma interpretação atual relacionando-o com a trajetória de um operador do Direito. 
 O que vamos examinar aqui: 
O mundo antes da filosofia 
O que é mito
A função do mito e o apelo ao sobrenatural
A consciência mítica
Os narradores
As genealogias míticas
A riqueza simbólica do mito
A perspectiva reducionista do positivismo
O perigo do etnocentrismo
O mito hoje
O surgimento da filosofia
Diferença entre mito e filosofia
Exemplos de narrativas míticas
Razões da perda de poder explicativo do pensamento mítico
O início da reflexão sobre os temas do direito
DIÁLOGOS: Direito e Arte. O sentido da JUSTIÇA na escultura de Jens Galschiot “Survival of the Fattest” Sobrevivência do mais Gordo)
 
 O mundo antes da filosofia 
Antes do surgimento do questionamento do tipo filosófico na Grécia, entre o final do século VII e o início do século VI AC., podemos dizer que a base do pensamento era a magia, isto é, os povos organizavam e dirigiam suas vidas não por meio de questionamentos, não utilizando a habilidade de pensar racionalmente, mas acreditando mais em sonhos, augúrios , presságios, predições. 
O mundo, antes da Filosofia, era um mundo encantado, animado por espíritos bons e maus, que se comunicavam com os humanos através de uma linguagem somente legível para poucos iniciados. O real era interpretado através do mito, forma espontânea de o homem situar-se no mundo e cujas raízes se prendem à realidade vivida, pré-reflexiva, das emoções e da afetividade.
O que é mito
 A palavra mito se origina do grego, mythos, e deriva de dois verbos: mytheyo , que significa contar, narrar e mytheo, que significa conversar, anunciar algo, nomear. Mito, portanto, é uma narrativa feita em público na qual a palavra é usada para transmitir e comunicar coletivamente a tradição oral, preservando sua memória e garantindo a continuidade da cultura. O mito expressa a capacidade inicial do homem de compreender o mundo. Admirado e perplexo diante da natureza que o cerca, sem entender o dia, a noite, o frio, o calor, a terra fértil ou árida, a origem da vida, a morte, a dor, o bem, o mal, o homem fabrica os mitos como uma fonte de explicação para o que vê e não consegue compreender. 
A função do mito e o apelo ao sobrenatural
A função do mito era não somente explicar a realidade, mas tranqüilizar o homem diante de um mundo que para ele era assustador. O desejo de afugentar a insegurança, o medo e a angústia diante do desconhecido, do perigo e da morte impregna a narrativa mítica. No esforço de desvendar a realidade ainda desconhecida e enigmática, forças sobrenaturais são invocadas, deuses se revestem de formas humanas, apela-se ao mistério, à magia. “ As causas dos fenômenos naturais, aquilo que acontece aos homens, tudo é governado por uma realidade exterior ao mundo humano e natural, superior, misteriosa, divina, a qual só os sacerdotes, os magos , os iniciados são capazes de interpretar, ainda que apenas parcialmente. São os deuses, os espíritos, o destino que governam a natureza, o homem, a própria sociedade.” O mito também tinha a função de reforçar a tradição, fixar os modelos exemplares de todos os ritos e de todas as atividades humanas significativas. 
A consciência mítica
A consciência mítica é pré-filosófica; é uma consciência ingênua, desprovida de problematização (o mito constitui a visão de mundo dos indivíduos pertencentes a determinada sociedade; ou o indivíduo é parte dessa cultura e aceita e adere ao mito como visão de mundo ou não pertence a ela. A aceitação se fazia pela crença ou pela fé). O saber era predominantemente dogmático, os comportamentos eram impostos pela crença ou pela tradição. É também uma consciência comunitária (o indivíduo se adapta sem crítica às normas da tradição), o homem não se percebia a si mesmo como sujeito e o coletivo tinha preponderância sobre o individual. 
Os narradores
O mito era narrado pelos poetas-rapsodos, a quem se atribuía autoridade porque sua palavra era sagrada, fruto da revelação divina. Eram, pois, recolhidos pela tradição e transmitidos oralmente. Um famoso poeta-rapsodo foi Homero, autor de dois poemas épicos, a Ilíada, que trata da guerra de Tróia, e da Odisséia, que trata do retorno de Ulisses a Ítaca, depois da guerra. 
As genealogias míticas
O mito narra a origem das coisas por meio de lutas, alianças e relações sexuais entre forças sobrenaturais que governam o mundo e o destino dos homens, ou encontrando recompensas e castigos que os deuses dão a quem lhes obedece ou desobedece. Na narrativa do mito de Pandora, por exemplo, encontra-se a explicação da origem dos males do mundo; no mito de Eros, a origem do amor. 
As narrativas míticas sobre a origem do mundo e de tudo que nele existe são as genealogias. As genealogias podem ser cosmogonias (narrativa da geração do mundo a partir de forças divinas geradoras) e teogonias (narrativa da origem dos deuses a partir de seus pais ou antepassados). ATENÇÃO: A filosofia nasce como COSMOLOGIA. COSMOLOGIA é uma palavra que vem de dois termos gregos: KOSMOS E LOGOS. KOSMO significa ordem, beleza, harmonia, universo (Daí a palavra COSMÉTICO!). Em filosofia, KOSMO significa mundo ordenado, organizado. LOGOS, LOGIA significa discurso racional, pensamento racional. COSMOLOGIA, portanto, significa conhecimento racional da ordem do mundo, conjunto das teorias que tratam das leis do universo. A cosmologia é a explicação do mundo natural baseado em causas naturais e não na realidade misteriosa e exterior ao próprio mundo. Supõe a possibilidade do conhecimento do mundo como sistema e de sua expressão num discurso sistemático. 
A riqueza simbólica do mito
O mito está presente em todas as culturas do mundo. É um equívoco pensar que são lendas e que nada têm a ver com a existência real dos indivíduos. Uma leitura apressada nos faz compreender os mitos como uma maneira fantasiosa de explicar a realidade ainda não justificada pela razão. O que deve ficar claro é que o mito expressa uma verdade; ele é muito mais complexo e rico do que supõe essa visão redutora. Ocorre que quando pensamos em verdade é comum nos referirmos à coerência lógica, garantida pelo rigor da argumentação e apresentação de provas. A verdade do mito é de outra ordem, é uma verdade intuída, isto é, que não se refere à coerência lógica, rigor na argumentação, apesentação de provas; é uma intuição compreensiva da realidade, cujas raízes se fundam nas emoções, na afetividade. Nesse sentido, antes de interpretar o mundo, o mito expressa o que desejamos, tememos, como somos atraídos pelas coisas ou delas nos afastamos. Autores importantes como Ernst Cassirer, Georges Gusdorf, Roland Barthes, Mircea Eliade, Sigmund Freud, entre outros, voltaram-se para a riqueza simbólica dos mitos. Entretanto, os mitos têm sua verdade mas precisam ser interpretados pelo pensamento livre dos homens. Quando são submetidos a interpretações religiosas dogmatizadas, fundamentalistas, o mito perde o seu valor metafórico, sua força e significado são empobrecidos. Seu poder não está em ser verdadeiro ou falso mas em ser efetivo, ou seja, confirmar uma proposta.
A perspectiva reducionista do positivismo
Augusto Comte, filósofo francês do século XIX, responsável pela corrente intitulada POSITIVISMO, opõe radicalmente mito e razão. Ele define a maturidade do espírito humano como o abandono das formas míticas de pensar. Ele critica o mito e exalta a ciência, mas ao fazer isso o positivismo faz nascer o “mito do cientificismo”, ou seja, a crença na ciência como a única forma de saber possível, de onde então surgem os mitos do progresso, da objetividade e da neutralidade científicas. O positivismo é uma visão redutora. Ele empobrece as possibilidades de abordagem do mundo porque a ciência não é a única interpretaçãoválida do real nem é suficiente, já que o mito é uma forma fundamental do viver humano. 
O perigo do etnocentrismo
Ao estudarmos os mitos, devemos evitar a tendência a considerar os povos tribais como inferiores, devemos evitar julgá-los a partir da perspectiva dos “civilizados”, a partir do ETNOCENTRISMO, aquela tendência do pensamento a considerar as categorias, normas e valores da própria sociedade ou cultura como parâmetro aplicável a todas as demais. Se procurarmos explicar esses povos tendo como referência a nossa própria sociedade, deixamos de compreender a sua realidade, o que acaba por justificar atitudes paternalistas, colonialistas, imperialistas que visam levar o “progresso”, a “cultura” e a “verdadeira fé” aos povos que consideram atrasados. 
O mito hoje
Negar o mito é negar uma das expressões fundamentais da vida humana. O MITO É A PRIMEIRA FORMA DE DAR SIGNIFICADO AO MUNDO: fundada no desejo de segurança, a imaginação cria histórias que nos tranquilizam , que dão exemplos e nos guiam no dia a dia. Independente do nosso desenvolvimento intelectual, nós continuamos a criar mitos pela vida afora. O mito é o ponto de partida para compreensão do ser. Tudo que pensamos e queremos tem como partida o horizonte da imaginação, está situado nos pressupostos míticos, cujo sentido existencial serve de base para todo trabalho posterior de investigação. Não são só os povos primitivos que elaboram mitos; a consciência mítica é indissociável da maneira humana de compreender a realidade.
Os meios de comunicação de massa estimulam os desejos e anseios que existem na nossa natureza inconsciente e primitiva:
No campo político certas figuras são transformadas em heróis, pregando um modelo de comportamento que promete privilegiar a ética, combater privilégios e levar o país ao desenvolvimento.
Artistas e desportistas também são mitificados; são considerados modelos de saúde, de sucesso profissional, excelentes pais, filhos, vivem num mundo pleno de luxo, beleza, glamour e riqueza. 
As novelas de TV também lidam com valores míticos. Os temas refletem a luta entre o Bem e o Mal, os astros são transformados em mito, o casamento é o grande anseio dos enamorados, solução de todos os problemas, apaziguamento de todos os conflitos. 
Os contos de fada remetem as crianças aos mitos universais do herói em luta contra as forças do mal, amenizando os temores infantis.
 No nosso comportamento também podemos observar “rituais”: as comemorações de “quinze anos”, o trote de calouros, os festejos de ano novo, todos esses eventos possuem ressonâncias míticas, lembram os “ritos de passagem” próprios da consciência primitiva. Rito é a celebração de um culto ou realização de cerimônia feita de acordo com certas regras baseadas na tradição religiosa ou sociocultural de um povo ou grupo social. Os “ritos de passagem” são aqueles que, em certas sociedades primitivas, marcam a entrada do indivíduo na vida adulta. 
Hoje o mito não se apresenta com a abrangência de antes; os mitos modernos não abrangem mais a totalidade do real. As pessoas escolhem seus mitos sem que haja coerência entre eles. Embora ainda tenha força para inflamar paixões, não se apresenta mais com o caráter existencial que tinha no mito primitivo. O aprimoramento da reflexão e da crítica racional permite-nos rejeitar os mitos prejudiciais, aqueles que levam a desumanização (quem pode se esquecer do “mito da raça ariana” defendido pelos nazistas?), rejeitar também a leitura dogmatizada , as interpretações literais que levam ao fundamentalismo. 
O surgimento da filosofia
Engessado pela casta sacerdotal que controlava a religião pública e fazia dele uma leitura dogmatizada, o mito vai perdendo seu valor e sua força. Já não respondia mais às legítimas indagações do espírito humano. Surge a idéia de um saber irrefutável, que não pode ser negado nem por homens, nem por deuses, nem pela mudança do tempo. A filosofia surge então como alternativa, como uma nova opção de conhecimento, propõe uma nova interpretação da realidade. Os primeiros pensadores designaram esse saber com palavras da língua grega: Sophia (saber), logos ( razão), aletéia (verdade), episteme (ciência). Como já foi dito, a Filosofia nasce não como cosmogonia ou teogonia, mas como cosmologia , “explicação da ordem do mundo pela determinação de um princípio original e racional que é origem e causa das coisas e sua ordenação. A ordem – cosmos – deixa de ser o efeito de relações sexuais entre entidades e forças vitais, deixa de ser uma genealogia, para tornar-se o desdobramento racional e inteligível de um princípio originário.” A filosofia, entretanto, não pretende negar o mito, mas propor uma nova interpretação da realidade. Ela surge como uma nova opção de conhecimento. Platão faz do mito um importante instrumento pedagógico. É conhecido o seu Mito da Caverna. A filosofia nega, destrói, desmascara os falsos mitos; com relação a esses desempenha mesmo um papel demolidor. O aprimoramento da reflexão e da crítica racional, como já dissemos, permite-nos rejeitar os falsos mitos, os prejudiciais, aqueles que levam a desumanização. Um exemplo desses falsos mitos é o MITO DA SUPERIORIDADE DA RAÇA ARIANA, teoria da superioridade racial aproveitada pelo programa político do nazismo, que identificava os alemães como raça superior. Um outro exemplo é o MITO DO CIENTIFICISMO. Augusto Comte, fundador do positivismo, opõe radicalmente MITO e RAZÂO. Inferioriza o mito como sendo uma explicação fracassada da realidade. O positivismo explica a evolução da espécie humana em três estádios: o mítico, o filosófico e o científico, sendo este último superior aos outros e considerado como o único válido para se chegar à verdade. Ao fazer isso, exalta a ciência , criando um novo mito: o “mito do cientificismo” , que é a crença na ciência como único saber possível, como única interpretação válida do real. O mito do cientificismo dá origem a outros mitos, como o mito do progresso, da objetividade e da neutralidade científicas. 
Características da filosofia nascente:
Somente a razão é critério de explicação para alguma coisa
O pensamento tem que apresentar regras de funcionamento
Recusa de explicações pre-estabelecidas; cada problema tem que ser investigado e terá soluções próprias.
Tendência a generalização. Os sentidos percebem variações mas o pensamento descobre semelhanças e identidades. Ex: a água aparece diferente para os nossos sentidos – gelo, nebline, vapor, chuva, rio – mas o pensamento é capaz de perceber que é sempre água passando por diversos estados e formas (líquido, gasoso, sólido). O pensamento ABSTRAI, quer dizer, separa e reúne traços semelhantes e mostra que apesar das diferenças se trata da mesma coisa, isto é, o pensamento é capaz de SÍNTESE. O pensamento é também capaz de ANÁLISE, quer dizer, de separar, de mostrar as diferenças de coisas que aparecem aos sentidos como iguais. 
Diferença entre mito e filosofia
Marilena Chauí aponta três importantes diferenças entre o mito e a filosofia:
O mito pretendia narrar como as coisas eram ou tinham sido no passado; voltava-se para o que era antes que tudo existisse tal como existe no presente. A Filosofia procura explicar como e por que as coisas são o que são na totalidade do tempo, isto é, no passado, no presente e no futuro.
 O mito narrava a origem através de genealogias ou alianças e rivalidades entre forças divinas sobrenaturais e personalizadas. A Filosofia explica a produção das coisas por causas naturais e impessoais. 
O mito não se importava com contradições, com o fabuloso e incompreensível. A filosofia não admite contradições, fabulações e coisas incompreensíveis. Exige que a explicação seja coerente, lógica e racional. 
	Mito
	Filosofia
	Volta-se para o passado
	As coisas são explicadas na totalidade do tempo
	Não se importa com contradições, com o fabuloso e incompreensível
	Exposição coerente, lógica, racional
	Narra através de genealogias ou alianças entre deuses e mortais. A natureza é sagrada,encantada.
	Explica por causas naturais e impessoais. A natureza é dessacralizada
	A inteligibilidade é dada
	A inteligibilidade é procurada
Vimos, portanto que a razão, o pensamento racional, esse modo de pensar que nos parece único, natural, normal, surge num certo momento histórico. A razão não existiu desde sempre. Então podemos nos perguntar: Se a razão nasce, não poderá morrer? Será que na história da humanidade não poderá surgir outra forma de pensamento que substitua o pensamento racional? Tudo somente pode ser explicado através da lógica e da ciência? A própria mitologia não poderia ser, ainda hoje, fonte de conhecimento? 
Exemplos de narrativas míticas
VEJAMOS AGORA DOIS EXEMPLOS DE NARRATIVAS MÍTICAS. O PRIMEIRO, É DE AUTORIA DO POETA GREGO HESÍODO: 
Primeiro que tudo surgiu o Caos, e depois Geia (terra) de amplo peito, para sempre firme alicerce de todas as coisas, e o brumoso Tártaro, num recesso da terra de largos caminhos, e Eros, o mais belo entre os deuses imortais, que amolece os membros e, no peito de todos os deuses e de todos os homens, domina o espírito e a vontade ponderada. Do Caos nasceram o Érebo e a negra Noite; e da Noite, por sua vez, surgiu o Éter e o Dia, que ela concebeu e deu à luz depois de sua ligação amorosa com Érebo. E a Terra gerou primeiro Urano ( o céu) constelado, igual a ela própria, para a cobrir em toda a volta, e para ser eternamente a morada segura dos deuses bem-aventurados. Deu à luz, em seguida, as altas montanhas, retiros aprazíveis das Ninfas divinas, que habitam nas montanhas arborizadas. Também deu à luz o mar estéril, que se agita com as sua vagas, o Ponto, sem deleitoso amor; e, seguidamente, tendo partilhado o leito com Urano, gerou o Oceano dos redemoinhos profundos, e Coió e Crio e Hipérion e Japeto. 
(Kirk, G S e Raven, J E. Os filósofos pré-socráticos. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 3ª ed.) 
 ESTE SEGUNDO EXEMPLO DE NARRATIVA MÍTICA se encontra no diálogo de Platão intitulado O Banquete, que é o diálogo platônico sobre o amor. O Banquete consiste numa série de discursos em que o amor é apresentado sobre diferentes aspectos. Esta passagem, uma das mais famosas dos diálogos de Platão, é a apresentação, por sócrates, do discurso de Diotima, sacerdotisa de mantinéia, sobre o amor como desejo de beleza, de imortalidade, de sabedoria. o amor como processo de elevação da alma em busca da perfeição.
A ORIGEM DO AMOR
	Quando Afrodite nasceu, os deuses fizeram uma grande festa e entre os convivas estava Poros, o deus da Riqueza, filho do Engenho (Metis). No final do banquete, veio a Penúria (Penia), mendigar, como sempre faz quando há alegria, e ficou perto da porta. Então, embriagado de néctar – pois vinho não existia ainda – Poros, o deus da Riqueza, entrou no jardim de Zeus e ali, vencido pelo torpor, adormeceu. Então Penúria, tão sem recurso de seu, arquitetou um plano de ter um filho de Poros e, deitando-se ao seu lado, concebeu Amor. 
Assim sucedeu que desde o início Amor serviu e assistiu Afrodite, por ter sido gerado no dia em que ela nasceu, e ser , além disso, por natureza, um amante do belo, e bela é Afrodite. 
Ora, como filho de Poros e da Penúria, Amor está numa situação peculiar. Primeiro é sempre pobre e está longe da suavidade e beleza que muitos lhe supõem: ao contrário, é duro e seco, descalço e sem teto; sempre se deita no chão nu, sem lençol, e descansa nos degraus das portas, ou à margem dos caminhos, ao ar livre; fiel à natureza da mãe, vive na penúria; mas herdou do pai os esquemas de conquista de tudo o que é belo e bom; porque é bravo, impetuoso, muito sensível, caçador emérito, sempre tramando algum estratagema; desejoso e capaz de sabedoria, a vida toda perseguindo a verdade; um mestre do malabarismo, do feitiço e do discurso envolvente. Nem imortal, nem mortal de nascimento, no mesmíssimo dia está cheio de vida quando a sorte lhe sorri, para logo ficar moribundo e em seguida renascer de novo por força da natureza paterna, mas os recursos que obtém sempre se perdem; de modo que o Amor nunca é pobre ou rico e, além disso, está sempre a meio caminho da sabedoria e da ignorância. A questão é que nenhum deus deseja tornar-se sábio porque já o é; e ninguém mais que seja sábio persegue a sabedoria. Nem o ignorante persegue a sabedoria ou deseja ser sábio; nisso, aliás, a ignorância é confrangedora: está satisfeita consigo mesma sem ser uma pessoa esclarecida nem inteligente. O homem que não se sente deficiente não deseja aquilo de que não sente deficiência. 
Confrangedora – que aflige, angustia, constrange
Estratagema – ardil.
Razões da perda do poder explicativo do pensamento mítico: 
A perda do poder explicativo do pensamento mítico resulta de um longo período de transição e transformação da própria sociedade grega que se secularizava ao tempo em que surgia uma nova ordem econômica baseada em atividades comerciais e mercantis. Jostein Gaarder, autor de O Mundo de Sophia, esclarece sobre esta passagem do mito à filosofia afirmando: “Nesta época, os gregos fundaram muitas cidades-Estados na Grécia e em suas colônias no Sul da Itália e na Ásia Menor. Nelas, os escravos faziam todo tipo de serviço braçal e os cidadãos livres podiam se dedicar exclusivamente à política e à cultura. Sob tais condições de vida o pensamento humano deu um salto: sem depender de nada nem de ninguém, cada indivíduo podia agora opinar sobre como a sociedade devia ser organizada. Desse modo, o indivíduo podia formular suas questões filosóficas sem ter que para isso recorrer à tradição do mito. Dizemos que naquela época ocorreu a evolução de uma forma de pensar atrelada aos mitos para um pensamento construído sobre a experiência e a razão. O objetivo dos primeiros filósofos gregos era o de encontrar explicações naturais para os processos da natureza”. 
De maneira resumida, podemos apontar algumas razões para a perda do poder explicativo do pensamento mítico e nascimento da filosofia: :
Transformações históricas e sociais. Decadência da civilização micênico-cretense, baseada em uma monarquia divina com forte poder dos sacerdotes ( os mitos engessados pelos sacerdotes já não respondiam às legítimas indagações do espírito humano; invasão dos dóricos e surgimento das cidades-estado com maior participação política dos cidadãos. Nas cidades estado o serviço braçal era feito pelos escravos e os homens livres se dedicavam à política e à cultura. O pensamento deu um salto. Passa a ser construído pela experiência e pela razão. Com o nascimento da polis desaparece a figura do antecessor do filósofo: o mestre da verdade, o poeta, o advinho, o rei-de-justiça, considerados homens inspirados, cuja fala é a interpretação de oráculos. Sua palavra é secreta e sagrada, é um dom que só os iniciados possuíam. É uma palavra soberana, reservada a homens excepcionais. Têm o dom da vidência, de fazer acontecer por meio da palavra. Essas figuras desaparecem com nascimento da polis, marcada por um discurso dialogal, compartilhado, decisional, humano, não inscrito no tempo dos deuses. , feito na capacidade de construir e desenvolver argumentos . Na cidade política surge a ÁGORA, espaço de discussão.
 A invenção da política. É introduzida a idéia de Lei, expressão da vontade humana; justiça não dependente da interpretação da vontade divina, da arbitrariedade dos reis. A palavra humana da discussão, do conflito, tem lugar na polis.
As viagens marítimas – As navegações promoveram o desencantamento do mundo e forçaram o surgimento de explicações racionais. Descobre-se que os locais que segundo o mito eram habitados pelos deuses, na verdade eram habitados por outros seres humanos.
A moeda – que revela uma nova capacidade de abstração; a moeda é um signo abstrato para a ação de troca, é uma convenção humana, um artifício racional. 
A invenção da escrita – A escrita é a transcrição abstrata da palavra e do pensamento. Fixa a palavra para além de quem a proferiu e possibilita o exame pelos outros, a ampliação da crítica. A partirde 700 a C Homero ( Ilíada e Odisséia) e Hesíodo registram por escrito boa parte da mitologia grega. 
Os primeiros filósofos vão criticar os deuses de Homero por sua semelhança com os homens. Xenófanes – 570 a C – “Os mortais acreditam que os deuses nascem, falam e se vestem de forma semelhante à sua própria forma. Os etíopes imaginam seus deuses pretos e de nariz achatados; os tracianos, ruivos e de olhos azuis; se as vacas, cavalos e leões tivessem mãos e pudessem pintar e produzir obras como os homens, criariam e representariam suas divindades à sua imagem e semelhança: os deuses dos cavalos teriam feições eqüinas, o das vacas se pareceriam com elas e assim por diante”. 
O início da reflexão sobre os temas do Direito
THEMIS E DIKÉ: A SIGNIFICAÇÃO MITOLÓGICA DA JUSTIÇA
De Homero e Hesíodo até o início do século VI os gregos viveram um período essencialmente mitológico e religioso. Ainda não se tratava de um pensamento de caráter filosófico; as práticas jurídicas eram marcadas pela visão mítica do mundo , e é nos poemas de Homero e Hesíodo que se encontra a primeira manifestação de reflexão sobre os temas do Direito. Nessa medida, podemos dizer que o mito traz em si o germe do saber jurídico, das primeiras concepções de justiça, cuja herança será recolhida pela filosofia para dele fazer seu objeto próprio de investigação, isento de qualquer referência aos deuses da religião comum. 
Podemos dizer que as primeiras manifestações do pensamento jurídico se encontram nos poemas de Homero e Hesíodo . O direito surge impregnado de religiosidade, provinha da divindade e fazia parte da ordem divina
 	No contexto social das realeza micênica, conforme nos explica Jean-Pierre Vernant, respeitado antropólogo e historiador, especialista em Grécia Antiga, notadamente em mitologia, a vida social aparece “centralizada em torno do palácio, cujo papel é ao mesmo tempo religioso, político, militar, administrativo e econômico.” Tratava-se de uma sociedade feudal, hierarquizada, girando em torno da figura do rei divino. O rei concentrava e unificava em sua pessoa todos os elementos do poder; era o representante da divindade na terra - um rei divino - e a ele cabia a administração da justiça, recebida diretamente de Zeus.” 
A palavra usada por Homero para dar nome ao direito é Themis. Na mitologia, Themis, filha de Gaia e Urano, é a conselheira de Zeus; a ele, Themis dava instruções para que fossem comunicadas ao soberano. Essas instruções eram as themistes, palavra que carrega a ideia de legalidade e normatividade do direito. O soberano recebia themis de Zeus e criava , segundo a tradição do direito costumeiro e seu próprio saber, as normas que devia aplicar. Nesse contexto, da sociedade micênica (1600 AC), o direito está, como todos os outros aspectos da vida social, impregnado de religiosidade. O rei recebia de Zeus “cetro e themis” e dispunha sobre a ordem e a harmonia da cidade. 
Hesíodo introduz no vocabulário filosófico-jurídico a palavra DIké, que expressa uma nova consciência social face às transformações sociais. Um enorme fosso separava os nobres dos cidadãos livres e enriquecidos e era notório o abuso do rei ao fazer valer a Themis.
Estudiosos afirmam que a introdução desse conceito está relacionada não somente aos acontecimentos reais da vida política grega (do séc. VIII ao séc. VI a.c.) mas também à própria trajetória pessoal de Hesíodo. O pai de Hesíodo imigrou para a Grécia para fugir da miséria. Chegando lá, entretanto, encontrou uma sociedade governada por grandes proprietários de terras, membros da aristocracia. Nessa sociedade, os destituídos de posses não tinham voz alguma. Os proprietários – eupátridas - legislavam sobre os tributos e legitimavam-se pelo fato de só eles possuírem o poder necessário para garantir a ordem pública, inclusive defendendo a pólis contra ataques externos. Os eupátridas eram também guardiães da justiça, que era proclamada sempre como vontade da deusa Themis.
 Num episódio de sua vida pessoal, o próprio Hesíodo sentiu na pele os efeitos dessa organização política. Após a morte do pai, teve de disputar judicialmente a herança com seu irmão Perses. Mas este, subornando os juízes, conseguiu ficar com a melhor parte. Sob a égide de Themis, a justiça realizava-se na forma de uma imposição violenta, baseada na autoridade divina. Tanto na Teogonia quanto em Os trabalhos e os dias, Hesíodo esforça-se por mostrar que Díke deve substituir Themis.
Diké representa uma nova consciência do Direito. Agora já não se trata de legalidade ou normatividade pura e simplesmente; diké significa muito mais o cumprimento da justiça, refere-se ao processo legal, a reparação do dano e a própria penalidade. O culpado dá dike, o que equivale a uma compensação ou idenização; o lesado recebe diké; o juiz reparte diké, o que significa dar a cada um o que é lhe é devido. Tudo isso acontece segundo uma certa igualdade, então diké também aspira a igualdade de todos perante a lei. Essa palavra tinha portanto um significado mais amplo: o de igualdade; diké era o poder de restabelecer o equilíbrio social. Hesíodo reconheceu que o direito não se esgota na legalidade. Antes de ser ditado, o direito deve ser buscado. A verdade jurídica que se encontra oculta deve ser descoberta e revelada.
Essa nova consciência do Direito, representada pela diké, deu origem à palavra dikaiosyne, que significa aquela realidade em que os limites da diké não são transgredidos, não são violados, ou seja, significa justiça. A intensificação do sentimento de justiça leva à exigência do nomos graphos, da lei escrita, sob a qual estava garantida a igualdade de todos. 
Do exposto resulta que não se pode falar hoje em Direito, Lei, Justiça sem se recorrer à civilização grega, referência fundamental para a compreensão do Ocidente. Ali, bem antes do surgimento dos primeiros filósofos, surge o vocabulário filosófico-jurídico que perdurará até os nossos dias. Primeiro Themis, que indica legalidade ou normatividade do direito; segundo, dike, que traduz a realidade mesma do direito, o processo, a decisão e a pena, e ainda a exigência implícita de igualdade; terceiro , a dikaiosyne, a justiça como suprema virtude do homem, e quarto, o nomos, a lei. 
 O DIREITO
Não existe uma consciência jurídica, entretanto há uma ordem social rígida, assentada no princípio de parentesco. Dentro da comunidade todos são parentes (comunicada organizada em famílias, clãs, grupos). 
Todo comportamento novo quebra as expectativas do grupo gerando incertezas, medo. Assim a preferência por mitos, símbolos , tradições é compreensível porque protege o presente de novas possibilidades. 
Não há instância supra familiar para decidir conflitos e disputas. As proibições eram TABUS, explicados de modo sobrenatural. A violação do TABU atingia toda a comunidade, que se via ameaçada pelas divindades. Para a sociedade se ver livre dos castigos pela quebra do tabu, realiza sacrifícios ou expulsa o transgressor do grupo. 
A expulsão faz notar a existência de um Direito, que se manifesta de modo maniqueísta: ou está dentro da sociedade e com o Direito ou se desrespeitá-lo está fora. O bem é visto como o jurídico e o mal como o antijurídico. Existe um Direito mas seu conhecimento e sua aplicação se confundem. A raiz mais profunda desse direito e anterior a ele era a ORDEM, vontade autoritária, determinação daquele que ordena e submissão daquele que obedece. O direito tem tudo a ver com a domesticação da ORDEM.
DIÁLOGOS: DIREITO, FILOSOFIA E ARTE. O sentido da JUSTIÇA na escultura de Jens Galschiot “Survival of the Fattest” Sobrevivência do mais Gordo)
Obra do escultor dinamarquês contemporâneo Jens Galschiot intitulada Survival
of the Fattest. Trata-se de uma imensa escultura em cobre, onde se vê uma
justiça representada como uma senhora obesa montada sobre um tipo esquálido
de aparência pobre. O artista sublinha a indiferença e o alheamento social da
justiça, expresso pelo desequilíbrio da diminuta balança que porta em suamão
direita.
Bibliografia:
ELIADE, Mircea. Mito e Realidade. São Paulo: Perspectiva, 2013.
JAEGGER, W. Paidéia. São Paulo: Herder.
VERNANT, Jean-Pierre. Mito e Pensamento entre os Gregos. São Paulo: Difusão Européia do Livro, Editora da Universidade de São Paulo, 1973
KIRK, G S & RAVEN, J E . Os Filósofos Pré-Socráticos. 3ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1990
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda & MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: Introdução à Filosofia. São Paulo: Editora Moderna, 1986
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 8ª edição. São Paulo: Ática, 1997
GAARDER, Jostein. O Mundo de Sofia.São Paulo: Companhia das Letras,1995
GUIMARÃES, R. Dicionário da Mitologia Grega. São Paulo: Cultrix, 1999 
MARCONDES, D. Iniciação à História da Filosofia – dos Pré-Socráticos a Wittgenstein. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000
_______________ . Textos Básicos de Filosofia. Dos Pré-socráticos a Wittgenstein.Jorge Zahar Editor, 2000
MOTTA, L. Filosofia, História e Educação. Fortaleza: UVA, 2001.
Sugestão de leitura: 
O surgimento da filosofia na Grécia antiga. 1º capítulo do livro:
MARCONDES, Danilo. Iniciação à História da Filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. 2ª edição. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. Páginas 19 a 29.
 http://pt.scribd.com/doc/22253562/Borges-Arnaldo-Origens-Da-Filosofia-Do-Direito

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