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1 2 SUMÁRIO 1 APRESENTAÇÃO .................................................................................... 3 2 DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM ........................................................ 4 3 FRACASSO ESCOLAR E DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM ......... 7 3.1 Desempenho acadêmico nas atividades escolares ................................ 13 3.2 Distúrbios de aprendizagem e desenvolvimento da linguagem.............. 15 3.3 Os distúrbios de comunicação ............................................................... 17 4 DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM E SEUS IMPACTOS PSICOSSOCIAIS ...................................................................................................... 20 5 CLASSIFICAÇÃO E INTERVENÇÃO NOS DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM ..................................................................................................... 24 5.1 Dislexia ................................................................................................... 28 5.2 Discalculia .............................................................................................. 32 5.3 Disgrafia ................................................................................................. 37 5.4 Dispraxia ................................................................................................ 41 5.5 Transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) ................ 46 6 ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS PARA OS DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM ..................................................................................................... 50 7 INFLUÊNCIA DA FAMÍLIA NA APRENDIZAGEM ................................. 53 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................. 59 3 1 APRESENTAÇÃO Prezado(a) aluno(a)! O Grupo Educacional FAVENI reafirma o compromisso de oferecer uma formação de excelência, reconhecendo que a modalidade de Educação a Distância (EAD) confere ao aluno autonomia e flexibilidade para organizar seus estudos de acordo com suas necessidades e rotina. Nesse contexto, é fundamental que o estudante estabeleça uma rotina de estudos disciplinada e consistente, reservando horários para leitura, reflexão e realização das avaliações propostas. Reiteramos ainda que o ambiente virtual é equiparável ao presencial no que concerne à troca de conhecimentos e esclarecimento de dúvidas. Assim como em sala de aula, onde a interação acontece espontaneamente, na EAD o diálogo deve acontecer por meio dos canais disponíveis no Portal do Aluno. Incentivamos você a utilizar esses recursos para questionar, esclarecer dúvidas e aprofundar seu entendimento sobre os conteúdos abordados, pois suas perguntas serão respondidas de forma ágil e eficiente pelo nosso suporte. Lembre-se de que a autonomia no processo de aprendizagem implica também responsabilidade. A gestão do seu tempo, o cumprimento dos prazos e a organização das tarefas são essenciais para o seu crescimento acadêmico. Aproveite a flexibilidade que o curso oferece, estabelecendo uma rotina compatível com seus compromissos pessoais e profissionais. Desejamos sucesso em sua jornada de estudos e reforçamos nossa disposição em apoiá-lo(a) na construção de um aprendizado sólido e significativo. Bons estudos! 4 2 DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM Os termos distúrbios, transtornos, dificuldades e problemas de aprendizagem possuem significados distintos. No entanto, na literatura especializada, bem como na prática clínica e escolar, essas expressões têm sido frequentemente empregadas de maneira imprecisa, sendo utilizadas de forma intercambiável para representar diferentes diagnósticos. Embora ainda não haja um consenso na literatura especializada sobre uma definição operacional clara, muitos profissionais, especialmente da escola norte-americana, já reivindicam definições mais precisas para possibilitar diagnósticos assertivos. No contexto brasileiro, entretanto, alguns pesquisadores conseguiram estabelecer distinções importantes. Os problemas de aprendizagem representam desafios enfrentados por indivíduos, mas com possibilidade de desenvolvimento ao longo do tempo. Esses problemas podem ser classificados em dois tipos principais: dificuldades de aprendizagem, que estão associadas a aspectos pedagógicos, e distúrbios ou transtornos de aprendizagem, relacionados a fatores neurológicos. Além disso, as dificuldades escolares podem ter um impacto amplo, englobando desde os conteúdos pedagógicos e métodos de ensino até o ambiente social e físico no qual o aluno está inserido (Lopes et al., 2019). Na perspectiva comportamentalista, os termos distúrbio e transtorno são considerados equivalentes. No entanto, de maneira mais específica, o conceito de "transtorno" refere-se a um conjunto de sinais e sintomas ou padrões de comportamento reconhecidos clinicamente, que estão associados ao sofrimento e à interferência no funcionamento pessoal. A definição mais amplamente aceita para distúrbios de aprendizagem apresenta uma abordagem médica e neurológica, relacionando essas dificuldades a disfunções no sistema nervoso central. Esse conceito descreve os distúrbios de aprendizagem como um conjunto de desordens que afetam a aquisição e o uso da audição, fala, escrita e raciocínio matemático, sendo condições intrínsecas ao indivíduo. Embora possam ocorrer simultaneamente com outros desafios, como distúrbios sensoriais, déficits intelectuais, questões emocionais e sociais, ou serem influenciados por fatores externos, como diferenças culturais e métodos de ensino 5 inadequados, os distúrbios de aprendizagem não são diretamente causados por essas circunstâncias. Dessa forma, sua identificação e intervenção devem levar em consideração sua origem neurológica e as particularidades de cada caso. Não há uma classificação única e padronizada para alunos com distúrbios de aprendizagem, pois esses indivíduos apresentam inteligência considerada dentro da média, mas enfrentam dificuldades para atingir o desempenho esperado em áreas como leitura, escrita e matemática. Em alguns casos, os desafios podem se estender para outras esferas, impactando o desenvolvimento acadêmico e social (Lopes et al., 2019). A Classificação Internacional de Doenças (CID-10) identifica os transtornos específicos do desenvolvimento das habilidades escolares sob o código F81, incluindo condições como dislexia (F81.0) e discalculia (F81.2). A disgrafia, por sua vez, é geralmente classificada sob o código F81.8, destinado a outros transtornos do desenvolvimento das habilidades escolares. Essas classificações auxiliam no diagnóstico e na implementação de estratégias educacionais adaptadas às necessidades desses alunos. Além disso, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM- V) também inclui os transtornos específicos de aprendizagem, destacando suas características e critérios para avaliação. Dessa forma, esses sistemas contribuem para uma compreensão mais detalhada das dificuldades enfrentadas e para a definição de abordagens eficazes de intervenção, analise a seguir: • Transtorno de leitura: esse distúrbio de aprendizagem se caracteriza por uma dificuldade específica na compreensão de palavras escritas. Os alunos diagnosticados com essa condição apresentam habilidades de leitura inferiores às daqueles com baixo rendimento acadêmico. Como leitura e escrita estão diretamente relacionadas, muitos desses estudantes também enfrentam desafios na produção textual. Com o avanço da complexidade escolar, a baixa proficiência nessas áreas dificulta o acompanhamento das demandas acadêmicas, comprometendo o desempenho educacional. • Transtorno da expressão escrita: esse tipo de dificuldade quanto a aprendizagem subjetiva, permitindo vivências que 37 envolvem desafios como ganhar ou perder. Essas experiências contribuem para a construção de competências matemáticas e sociais, tornando o processo educacional mais significativo para o estudante. 5.3 Disgrafia A disgrafia é um transtorno específico de aprendizagem que afeta a escrita manual e a organização de pensamentos em palavras escritas. Apesar de apresentarem inteligência dentro da média, indivíduos com disgrafia enfrentam dificuldades para expressar suas ideias no papel de forma clara e estruturada. Sua caligrafia pode ser irregular ou desorganizada, mesmo com esforço significativo, e há uma discrepância entre a fluência verbal e a produção escrita (Hudson, 2019). Embora a capacidade de leitura desses indivíduos seja preservada, a ortografia pode ser comprometida em alguns casos. Estima-se que a disgrafia afete aproximadamente 10% da população em diferentes níveis de intensidade, podendo atingir tanto meninos quanto meninas. Em algumas situações, ocorre em associação com outros transtornos de aprendizagem, mas também pode se manifestar isoladamente. Há indícios de predisposição familiar para a condição. A disgrafia pode se manifestar em três diferentes formas, e tanto os sintomas quanto as estratégias de intervenção variam conforme sua causa específica: • Disgrafia espacial: dificuldade no processamento visual e na percepção do espaço, o que interfere na organização da escrita. Pode afetar o alinhamento das palavras na linha e o espaçamento entre letras. Além disso, ações como desenhar e colorir também podem ser comprometidas. Tanto a escrita espontânea quanto a cópia tendem a ser desorganizadas e, muitas vezes, ilegíveis, embora a ortografia permaneça preservada. • Disgrafia motora: deficiência no controle motor fino dos músculos da mão e do punho, tornando o ato de escrever um processo exaustivo e pouco preciso. Isso pode resultar em uma caligrafia desalinhada ou ilegível, mesmo ao copiar textos. Apesar das dificuldades na execução gráfica, a ortografia não sofre alterações significativas. 38 • Disgrafia de processamento (também chamada disgrafia disléxica): dificuldade em visualizar mentalmente a formação correta das letras em uma palavra, levando a uma escrita desorganizada, com letras malformadas e na sequência errada. A produção original escrita costuma ser ilegível, enquanto a cópia apresenta qualidade relativamente melhor. A ortografia também é comprometida, dificultando a escrita correta das palavras. Um aluno com disgrafia geralmente demonstra inteligência e boa comunicação verbal, mas a qualidade de sua produção escrita não corresponde ao seu potencial. Seus trabalhos podem parecer desorganizados e abaixo do esperado, apesar do esforço empregado. Ao observá-lo escrever, é possível notar que o processo exige grande esforço, acompanhado de uma postura desalinhada e uma pegada inadequada da caneta. Além disso, ele tende a demorar para copiar conteúdos do quadro ou de um livro e pode relatar desconforto ou dor na mão ao escrever por períodos prolongados (Hudson, 2019). Analise na figura a seguir, alguns sintomas da disgrafia. Figura 5 – Sintomas da disgrafia Fonte: adaptado de Pereira, 2020. 39 A escrita é uma habilidade motora complexa, adquirida ao longo de um processo contínuo de aprendizado e prática. Um dos modelos mais aceitos para descrever esse processo divide a escrita em três etapas principais. A primeira etapa envolve a recuperação de programas motores internalizados, reunindo as informações necessárias para a produção dos caracteres a serem escritos. Na segunda fase, são definidos os parâmetros visuoespaciais, permitindo o posicionamento adequado das letras na página ou linha. A terceira etapa está relacionada à determinação do tamanho das letras, seguida pelo recrutamento dos músculos responsáveis pela estabilização corporal e pela manipulação da ferramenta de escrita. Esse ajuste envolve a aplicação da força necessária, a organização espacial dos movimentos e a correção de eventuais erros durante a execução. Esse modelo evidencia que a escrita manual depende de diversas funções motoras que atuam de forma coordenada para garantir fluidez e precisão. O processo da escrita tem início a partir de um estímulo, que pode ser interno, como a formulação de pensamentos que despertam o desejo de registrá-los, ou externo, como a necessidade de anotar informações importantes durante uma palestra. A partir desse estímulo, ativam-se dois grupos de processos: os centrais, relacionados à cognição e à linguagem, e os periféricos, responsáveis pelos aspectos motores da escrita (Gorla; Souza; Buratti, 2021). No nível central, diversas áreas do cérebro participam dessa atividade, incluindo o giro fusiforme, giro temporal inferior, médio e superior, giro frontal inferior, giro angular e giro supramarginal. Nessas regiões ocorrem funções essenciais para a escrita, como a memória ortográfica de longo prazo, a conversão fonema-grafema e a memória de trabalho ortográfica. Já no nível periférico, estão envolvidas estruturas como o córtex pré-motor dorsal, lobo parietal superior, cerebelo e componentes subcorticais, incluindo o caudado, o putâmen e o tálamo. Os processos que ocorrem nessas regiões garantem a execução dos movimentos motores necessários para a escrita, permitindo precisão e fluidez na produção textual. Os estudos sobre disgrafia indicam que indivíduos com esse transtorno apresentam comprometimento no controle motor fino e grosso, afetando diretamente a coordenação necessária para a escrita. Esses déficits estão relacionados a dificuldades no planejamento motor, tornando o processo de escrita menos preciso e 40 fluido. Além disso, há evidências de uma conexão entre a disgrafia e o sistema visuoespacial. Pesquisas mostram que alunos com disgrafia apresentam uma ativação cerebral mais ampla durante a escrita, tornando o processo menos eficiente em comparação com indivíduos sem o transtorno. Essa ativação elevada envolve o sistema visual, evidenciando a relação entre a integração visual-motora e as habilidades de escrita (Gorla; Souza; Buratti, 2021). Alterações no cerebelo também desempenham um papel significativo, interferindo na adaptação de parâmetros de movimento, como o tamanho da caligrafia e a coordenação rítmica. Dessa forma, as dificuldades motoras e perceptivas podem impactar tanto o produto final da escrita (a legibilidade das palavras) quanto o processo de execução dos traços, resultando em desafios na velocidade e clareza da produção textual. Existem diversas abordagens para a reabilitação da disgrafia, sendo essencial identificar qual método proporciona melhores resultados em tarefas de cópia. Modelos que apresentam informações adicionais, como a ordem correta e a direção do traço a ser seguido, demonstram maior eficácia em comparação a modelos estáticos. Da mesma forma, vídeos que mostram o processo de escrita em tempo real são mais eficientes do que representações estáticas sem orientações visuais. Por outro lado, estratégias como desenhar letras unindo pontos podem ser prejudiciais, pois exigem controle visual constante da trajetória, limitando a velocidade e a fluidez do movimento. Uma alternativa eficiente é mudar a percepção do escritor sobre sua caligrafia. O uso de uma caneta sem tinta, por exemplo, permite que o indivíduo se concentre no movimento da mão sem se fixar no traço visual, favorecendo uma escrita mais natural e fluida. O uso de novas tecnologias, como tablets gráficos e digitalizadores, representa uma abordagem inovadora e promissora para a reabilitação da disgrafia. Além de despertar o interesse das crianças, a escrita digital permite uma nova percepção sobre o processo de escrita, reduzindo a dependência de informações visuais do produto final e ampliando o acesso a estímulos sensoriais. Esse tipo de intervenção pode incluir recursos como feedback auditivo complementar ou ajustes em tempo real na cor da tinta, conforme determinadas variáveis cinemáticas. Essas adaptações tornam o processo de escrita mais dinâmico e criativo, favorecendo o desenvolvimento das 41 habilidades motoras de maneira mais interativa e envolvente (Gorla; Souza; Buratti, 2021). 5.4 Dispraxia A dispraxia é um distúrbio neurológico que afeta a coordenação e o controle dos movimentos, apesar do funcionamento normal dos músculos. Tanto a coordenação motora fina, responsável pelos movimentos precisos das mãos, quanto a coordenação motora grossa, que envolve o controle do corpo inteiro, pode ser comprometida. Além disso, dificuldades na fala também podem estar presentes. A condição pode ser classificada em diferentes tipos: • Dispraxia motora: caracterizada por dificuldades na coordenação dos músculos, afetando tarefas como vestir-se, comer ou andar. Em alguns casos, pode estar associada à lentidão para realizar movimentos simples. • Dispraxia da fala: dificuldade no desenvolvimento da linguagem, comprometendo a pronúncia das palavras, que podem ser faladas de forma incorreta ou imperceptível. • Dispraxia postural: impacto na capacidade de manter uma postura adequada, seja ao ficar de pé, sentado ou caminhando, podendo resultar em desalinhamento corporal. Esse transtorno impacta habilidades de função executiva, como organização, memória de curto prazo, planejamento e interação social, podendo variar em intensidade, de leve a grave. No entanto, a dispraxia não interfere na inteligência global. A causa do distúrbio ainda não é completamente compreendida, e diversos fatores podem estar envolvidos em seu desenvolvimento (Hudson, 2019). Há indícios de predisposição genética, e estudos sugerem que até 5% das crianças no Reino Unido apresentam algum grau de dispraxia, sendo diagnosticada com maior frequência em meninos do que em meninas. Embora seja frequentemente associada a crianças, a dispraxia também pode se manifestar em adultos que sofreram um acidente vascular cerebral (AVC) ou um traumatismo craniano, comprometendo a coordenação motora e outras funções neurológicas. 42 O Transtorno do Desenvolvimento da Coordenação (TDC) é um termo frequentemente utilizado como sinônimo de dispraxia, sendo ambos empregados de maneira intercambiável. O uso do termo "desenvolvimento" indica que essa condição está presente desde o nascimento, não resultando de lesões ou doenças adquiridas. Para facilitar a compreensão, ao longo deste capítulo será adotado o termo "dispraxia" para referir-se à condição. O TDC é uma condição que afeta a coordenação motora fina e grossa em crianças e adultos. Além das dificuldades motoras, indivíduos com dispraxia podem enfrentar desafios em áreas como memória, percepção e processamento de informações, o que pode impactar significativamente seu cotidiano. Outros aspectos comprometidos incluem planejamento, organização e a execução de movimentos na ordem correta, tornando tarefas diárias mais complexas. A abordagem multidisciplinar no acompanhamento desses indivíduos é essencial para promover estratégias eficazes de adaptação e desenvolvimento. Observe o aluno que pode entrar na sala apressado e ligeiramente atrasado. Ele tende a deixar objetos caírem, perder ou esquecer materiais, além de demonstrar inquietação no assento, chegando até a escorregar ou cair da cadeira. Apesar de participar ativamente das aulas, seu trabalho escrito costuma ser desorganizado e visualmente descuidado, não refletindo plenamente suas capacidades intelectuais. Além das dificuldades acadêmicas, ele pode apresentar desafios nos esportes, especialmente em atividades que envolvem bolas, sendo frequentemente preterido na escolha dos times. Essas características podem indicar a necessidade de um acompanhamento mais atento para compreender suas dificuldades e oferecer estratégias de apoio. Alunos com dispraxia podem manifestar alguns dos sinais mencionados nos quadros a seguir, mas não necessariamente todos. Além disso, é importante considerar que alguns podem apresentar outros transtornos de aprendizagem simultaneamente, o que pode influenciar suas dificuldades e estratégias de intervenção. A observação cuidadosa e o acompanhamento adequado são essenciais para garantir o suporte necessário ao desenvolvimento desses estudantes (Hudson, 2019). 43 Quadro 4 – Manifestação da dispraxia e condições relacionadas Fonte: adaptado de Hudson, 2019. Quadro 5 – Dispraxia e transtornos associados Fonte: adaptado de Hudson, 2019. 44 Quadro 6 – Desafios em testes e exames Fonte: adaptado de Hudson, 2019. Quadro 7 – Percepção sensorial e impactos Fonte: adaptado de Hudson, 2019. 45 Quadro 8 – Pontos fortes comuns em alunos com dispraxia Fonte: adaptado de Hudson, 2019. Um mentor pode desempenhar um papel fundamental ao auxiliar o aluno na identificação de estratégias de enfrentamento mais eficazes para suas necessidades. Esse suporte deve ser contínuo ao longo de toda a trajetória escolar, incluindo os últimos anos do ensino médio. À medida que novos desafios surgem, o estudante pode precisar de apoio adicional na organização da vida escolar, especialmente no desenvolvimento de habilidades de gerenciamento de tempo, como a definição de prioridades e o cumprimento de prazos (Hudson, 2019). Alunos com dispraxia podem se qualificar para ajustes especiais em exames públicos, que podem incluir tempo adicional, o uso de um processador de textos ou o auxílio de um escriba. Para garantir a implementação dessas medidas, é necessário passar por uma avaliação realizada por um especialista. O Senco (coordenador de necessidades educacionais especiais) da escola e o aplicador da prova são responsáveis por assegurar que as acomodações adequadas sejam devidamente aplicadas. Além disso, é essencial que esses alunos tenham acesso a esses ajustes 46 em provas e testes realizados dentro da própria escola, permitindo que se familiarizem com essas condições antes de enfrentar exames oficiais. 5.5 Transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) O Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) é caracterizado por três principais indicadores comportamentais: desatenção, hiperatividade e impulsividade. Trata-se de um distúrbio neurobiológico que, embora não tenha cura, pode ser gerenciado por meio de medicamentos, terapia comportamental e ajustes no estilo de vida (Hudson, 2019). Estima-se que até 5% das crianças e jovens sejam afetados pelo TDAH, tornando-o o distúrbio comportamental mais comum no Reino Unido, segundo o “NHS Choices”. Sua intensidade varia de casos leves a severos. Estudos indicam que o transtorno tende a ocorrer em membros da mesma família, sugerindo influência genética, embora fatores ambientais e relacionados ao estilo de vida também possam contribuir para seu desenvolvimento. Apesar de não comprometer o intelecto do indivíduo, pode impactar seu desempenho acadêmico e social se não for adequadamente acompanhado. Muitos indivíduos com TDAH apresentam comorbidades, incluindo dificuldades específicas de aprendizagem, como dislexia, além de transtornos do neurodesenvolvimento, como o transtorno do espectro autista (TEA). Problemas como insônia e ansiedade também são frequentes nesses casos. Durante muito tempo, o TDAH não foi amplamente reconhecido como uma condição médica legítima e foi erroneamente atribuído a falhas na educação familiar. Atualmente, o TDAH é oficialmente reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como um transtorno neurobiológico que requer acompanhamento especializado. 47 O TDAH é caracterizado por um padrão persistente de desatenção e/ou hiperatividade-impulsividade, impactando o desenvolvimento e comprometendo o desempenho social, acadêmico ou profissional. Os sintomas costumam se manifestar em diferentes ambientes, como na escola e em casa, e devem estar presentes antes dos doze anos de idade. O TDAH pode ser classificado em três tipos, de acordo com suas características predominantes: • TDAH predominantemente desatento: mais comum em meninas, envolve dificuldade de concentração e distração frequente. • TDAH misto (desatento e hiperativo/impulsivo): tipo mais recorrente, especialmente em meninos, combinando sintomas de desatenção com comportamentos impulsivos e inquietação. • TDAH predominantemente hiperativo: menos frequente, caracterizado por alta agitação e impulsividade. O termo "Transtorno do Déficit de Atenção" (TDA), que era utilizado anteriormente, foi substituído por "TDAH predominantemente desatento", reconhecendo melhor a natureza dos sintomas. O lobo frontal do cérebro desempenha um papel fundamental na regulação do comportamento racional e lógico. Ele permite que os indivíduos pensem antes de agir, aprendam com experiências passadas e inibam respostas emocionais impulsivas. Além disso, essa região é essencial para o planejamento, a definição de metas e a construção da personalidade, influenciando diretamente quem somos (Hudson, 2019). As células cerebrais se comunicam por meio de neurotransmissores, substâncias químicas que transmitem informações entre os neurônios. Estudos 48 indicam que pessoas com TDAH apresentam uma atividade reduzida desses neurotransmissores no lobo frontal, o que pode resultar em uma maior propensão à impulsividade, tomada de riscos e dificuldade de concentração. Identificar um aluno com TDAH pode variar conforme o tipo de manifestação do transtorno. Os alunos que apresentam hiperatividade e impulsividade costumam ter comportamentos mais evidentes, sendo aqueles que têm dificuldade em permanecer quietos, falam alto na sala de aula e constantemente buscam atenção. Apesar de serem brilhantes, espirituosos e criativos, necessitam de disciplina constante. Quando entediados, podem se tornar o palhaço da classe, mas também podem apresentar irritabilidade e explosões de raiva. O tipo desatento de TDAH, por outro lado, é mais difícil de reconhecer. Esses alunos podem parecer distantes e demonstrar dificuldades para acompanhar instruções ou prestar atenção ao que lhes é dito. Geralmente são desorganizados e apresentam baixa absorção de informações, evitando tarefas que consideram difíceis por sentirem que não conseguirão concluí-las (Hudson, 2019). Independentemente do tipo de TDAH, esses alunos costumam ter vontade de se sair bem e agradar seus professores, mas enfrentam obstáculos relacionados à organização e à execução das atividades escolares. Seu trabalho escrito pode acabar incompleto ou desorganizado, apesar de, muitas vezes, começarem com grandes ideias. Além disso, podem ter conflitos com colegas, que, em alguns casos, ocorrem devido a provocações e importunações. A depressão é um problema comum entre esses jovens, pois muitos sentem que nunca conseguirão fazer amigos ou alcançar um bom desempenho na escola, o que pode impactar sua autoestima e bem-estar emocional (Hudson, 2019). As funções executivas são fundamentais para a organização, o planejamento e a realização de tarefas de maneira eficiente. Elas auxiliam na definição de metas, na aprendizagem a partir de erros e no controle de impulsos. No entanto, alunos com TDAH frequentemente enfrentam desafios no desenvolvimento dessas habilidades, o que pode impactar seu desempenho escolar. Eles podem ter dificuldades com atividades como: • recordar detalhes e instruções, além de manter números na memória por tempo suficiente para realizar cálculos; 49 • manter o foco e a atenção de forma consistente; • organizar, planejar e estabelecer prioridades de maneira eficiente; • avaliar o tempo necessário para concluir um projeto; • aprender com experiências passadas e refletir sobre erros cometidos; • regular o comportamento considerando as possíveis consequências das ações; • tomar decisões de forma racional e consciente; • concluir tarefas iniciadas, apesar de terem ótimas ideias, podem ter dificuldade em persistir até o final; • reagir com lógica em vez de emoção, o que pode impactar as relações interpessoais, incluindo amizades e interações com professores; • controlar impulsos e evitar padrões de comportamento impulsivo; • administrar emoções acumuladas para evitar explosões de raiva. Os critérios para o diagnóstico do TDAH presentes no DSM-5 mantêm grande parte das diretrizes do manual anterior. Indivíduos com menos de dezessete anos precisam apresentar seis dos sintomas listados, enquanto aqueles acima dessa idade necessitam de cinco. Além disso, a exigência de que os sinais deveriam surgir até os sete anos foi alterada, estabelecendo-se um novo limite de doze anos. Outra mudança relevante no DSM-5 é a possibilidade de diagnosticar o TDAH simultaneamente com o transtorno do espectro autista (TEA), reconhecendo a coexistência entre essas condições. Esse transtorno é caracterizado como neurobiológico e de origem genética, manifestando-se na infância e acompanhando o indivíduo ao longo da vida. Os principais sintomas incluem desatenção, inquietude e impulsividade. O TDAH é um quadro heterogêneo de alterações neurológicas que podem aparecer durante o desenvolvimento humano, influenciado por fatores genéticos e ambientais. Crianças com o transtorno costumam ser descritas como sonhadoras, facilmente distraídas e com dificuldade para manter a atenção. Estudos indicam que, em atividades metalinguísticas e de leitura, escolares com TDAH tendem a apresentar desempenho inferior em tarefas mais complexas, como a manipulação de sílabas e fonemas e na leitura de palavras irregulares. No entanto, essas dificuldades não são resultado de um déficit cognitivo primário, mas 50 sim de um efeito secundário da desatenção, que impacta diretamente o aprendizado. Ainda há uma carência de instrumentos validados para a análise do perfil motor de crianças com TDAH no Brasil, tornando essa questão pouco explorada na população nacional. Ainda não há um consenso na literatura científica sobre quais áreas específicas do cérebro são afetadas pelo TDAH. No entanto, pesquisas indicam diferenças estruturais e funcionais significativas no cérebro de indivíduos com o transtorno, principalmente no hemisfério direito, córtex pré-frontal, gânglios da base, corpo caloso e cerebelo. Além disso, estudos apontam que o córtex pré-frontal medial e a amígdala desempenham um papel relevante na manifestação dos sintomas do TDAH. A neurotransmissão de catecolaminas nessas áreas está associada a dificuldades como distração, esquecimento, desorganização e impulsividade (Gorla; Souza; Buratti, 2021). Além disso, diversas teorias já foram propostas para explicar a neuropatologia do TDAH, mas as vias envolvidas ainda não foram totalmente esclarecidas. Isso reforça que os mecanismos neurobiológicos do transtorno são complexos e não dependem exclusivamente de um único neurotransmissor. Da mesma forma, não há evidências da existência de um único "gene do TDAH". Em vez disso, acredita-se que uma combinação de múltiplos genes com efeitos menores possa contribuir para uma predisposição ou vulnerabilidade ao desenvolvimento do transtorno. 6 ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS PARA OS DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM Na educação infantil, é fundamental proporcionar um ambiente de aprendizagem inclusivo desde os primeiros anos, estimulando o desenvolvimento integral e respeitando as características únicas de cada criança. Para alcançar esse objetivo, é necessário adotar práticas e intervenções que favoreçam a aprendizagem, garantindo um espaço acolhedor que valorize e respeite a diversidade individual. Além disso, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e a Lei n.º 12.764, de 27 de dezembro de 2012, que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, asseguram que a educação deve ser inclusiva, garantir atendimento 51 especializado e respeitar as diferenças individuais, promovendo a equidade no ensino (Brasil, 1996, 2012). No Brasil, a educação especial é voltada para o atendimento de alunos com diversas condições, incluindo deficiências físicas, sensoriais, intelectuais e múltiplas, além do Transtorno do Espectro Autista (TEA). No entanto, é essencial ressaltar que transtornos funcionais específicos, como TDAH, discalculia, disgrafia e dislexia, assim como dificuldades de aprendizagem, não são classificados como deficiência no censo escolar. Embora esses casos exijam suporte especializado para garantir o progresso acadêmico, eles não se enquadram nos critérios oficiais de deficiência. Portanto, para promover um ambiente educacional inclusivo e acolhedor, o papel de profissionais como psicopedagogos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e educadores especializados é fundamental, permitindo a adaptação do ensino às necessidades individuais dos alunos e incentivando seu pleno desenvolvimento. Na educação infantil, garantir a inclusão de alunos com necessidades educacionais específicas em turmas regulares requer práticas docentes adaptativas e inclusivas. Para que essas crianças recebam o suporte necessário e possam desenvolver plenamente suas habilidades, é fundamental adotar estratégias pedagógicas que considerem a diversidade e respeitem as particularidades de cada aluno. O planejamento diferenciado é um dos pilares da educação inclusiva, permitindo que os planos de aula sejam elaborados de forma a atender às variadas necessidades dos estudantes. Isso envolve o uso de diferentes metodologias e recursos, abrangendo diversas formas de aprendizagem e proporcionando oportunidades equitativas para todos. Em vez de seguir um único método, os educadores combinam abordagens visuais, auditivas e práticas, garantindo que cada aluno tenha acesso ao ensino de maneira eficaz. Dessa forma, o planejamento deve incluir atividades adaptadas e materiais de apoio que incentivem a participação ativa dos alunos, respeitando seus ritmos individuais e promovendo um ambiente de aprendizado acessível e acolhedor. Para atender às diferentes necessidades, como as das crianças com dislexia, os professores podem adotar atividades multissensoriais, tornando o aprendizado mais acessível e estimulante. Em aulas de linguagem, estratégias como escrever 52 letras na areia para estimular o tato, ler livros ilustrados para fortalecer a percepção visual e ouvir histórias gravadas para reforçar a audição mostram-se eficazes. Além disso, o uso de blocos de construção com letras e jogos de correspondência entre imagens e palavras facilita a associação dos conceitos e aprimora o reconhecimento das estruturas da linguagem. A adaptação de materiais didáticos também desempenha um papel fundamental no suporte aos alunos com dificuldades de leitura. Livros com textos ampliados e espaçados, recursos audiovisuais, como vídeos legendados, e ferramentas de leitura assistiva, que reproduzem o texto em áudio, podem contribuir significativamente para o desenvolvimento da alfabetização. Outras alternativas incluem softwares que destacam palavras à medida que são lidas, além da criação de materiais com fontes mais legíveis e alto contraste, garantindo uma melhor visualização e compreensão do conteúdo (Moreira, 2024). A implementação de estações de aprendizagem na sala de aula é uma estratégia eficaz para atender às diversas necessidades dos alunos. Cada estação pode ser planejada com um objetivo específico, como atividades práticas de matemática utilizando materiais manipulativos, jogos interativos para reforçar a leitura e práticas de escrita com apoio visual. Além disso, incluir uma estação voltada para atividades de movimento, como jogos educativos que permitam às crianças se movimentarem enquanto aprendem, torna o processo mais dinâmico e envolvente. A formação contínua dos professores também é essencial para garantir um ensino inclusivo e eficaz. A atualização constante sobre as melhores práticas e estratégias voltadas para alunos com necessidades educacionais especiais capacita os educadores a lidar com desafios e promover um ambiente escolar mais acessível e adaptado às diversas formas de aprendizagem. A capacitação contínua por meio de cursos, oficinas e a troca de experiências com especialistas é essencial para manter os conhecimentos atualizados e aprimorar práticas pedagógicas fundamentadas em evidências (Moreira, 2024). Para fortalecer a educação inclusiva, a organização e participação em cursos voltados para inclusão e necessidades educacionais especiais são fundamentais. Por exemplo, uma oficina focada em estratégias para o ensino de crianças com TDAH 53 pode oferecer técnicas específicas para promover a atenção e gerenciar a impulsividade de maneira eficaz. Acompanhar pesquisas e artigos atualizados é fundamental para ampliar o conhecimento sobre práticas inclusivas na educação. Isso envolve explorar novas abordagens para o ensino de crianças com disgrafia e analisar tecnologias assistivas que podem ser incorporadas ao ambiente escolar, favorecendo o aprendizado e a autonomia dos alunos. Além disso, a colaboração multidisciplinar desempenha um papel essencial nesse processo. O trabalho conjunto entre educadores, psicólogos, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos e outros especialistas proporciona um suporte mais completo e personalizado, garantindo que cada aluno receba a assistência necessária para seu desenvolvimento acadêmico e social. As intervenções pedagógicas para alunos atípicos exigem flexibilidade, criatividade e colaboração, com foco na personalização do ensino e na comunicação aberta para ajustes contínuos. A construção de um ambiente escolar inclusivo é essencial para garantir o desenvolvimento e o aprendizado de todos os alunos. Em síntese, práticas educacionais inclusivas, fundamentadas em uma abordagem teórica sólida, promovem um espaço que respeita e apoia a diversidade das necessidades dos estudantes. Ao adotar estratégias adaptativas e colaborativas, os educadores possibilitam que todas as crianças, independentemente dos desafios que enfrentam, tenham acesso a um aprendizado significativo. Considerando os objetivos propostos, como o reconhecimento dos principais distúrbios e transtornos em crianças pré-escolares, a relação desses desafios com o desenvolvimento da aprendizagem e a identificação de intervenções pedagógicas adequadas, os exemplos práticos demonstram como a inclusão pode ser aplicada de maneira eficaz no contexto educacional. 7 INFLUÊNCIA DA FAMÍLIA NA APRENDIZAGEM Para Meneghetti e Souza (2017), no contexto atual, observa-se uma tendência crescente de transferência da responsabilidade pela educação dos filhos para a escola. Muitas famílias acreditam que os professores devem não apenas ensinar conteúdos acadêmicos, mas também transmitir valores morais, regras de conduta e 54 hábitos cotidianos, como higiene e boas maneiras. Essa percepção está relacionada ao aumento da carga de trabalho dos pais, que frequentemente alegam não dispor de tempo suficiente para dedicar-se à educação dos filhos. A escola, como instituição, tem o dever de garantir a efetividade do processo educacional e de criar espaços que incentivem a participação da família nas decisões administrativas e pedagógicas. Essa colaboração é essencial para promover o desenvolvimento integral dos estudantes e depende do envolvimento ativo dos familiares, que devem acompanhar e apoiar o crescimento dos filhos em todas as suas dimensões. A família exerce papel fundamental na aprendizagem, sendo os pais os primeiros educadores. Suas atitudes diante das demandas e desafios enfrentados pelas crianças influenciam diretamente suas formas de aprender. A repetição constante de comportamentos e respostas por parte dos responsáveis contribui para a formação dos estilos de aprendizagem das crianças. A parceria entre escola e família é imprescindível para o sucesso educacional. No entanto, para que seja efetiva, é necessário que os familiares estejam verdadeiramente envolvidos na vida escolar dos filhos. Esse engajamento fortalece o vínculo afetivo com a criança ou adolescente, gerando um sentimento de segurança e valorização emocional, o que favorece seu desenvolvimento socioafetivo. A concepção ampliada de família inclui não apenas os vínculos sanguíneos, mas também aqueles formados por laços afetivos, constituindo grupos unidos pelo desejo de conviver, construir relações e se complementar mutuamente. Por meio dessas interações, os indivíduos desenvolvem maior capacidade de cuidado e receptividade, aprendendo a lidar de forma saudável com as dinâmicas afetivas. Para que essa adaptação emocional ocorra de forma equilibrada, é fundamental que existam referências positivas que estabeleçam os limites necessários para o desenvolvimento de uma individualidade saudável. Crianças e adolescentes encontram nessas referências — sejam pessoas, palavras ou gestos — elementos que favorecem a construção de analogias e a compreensão do mundo ao seu redor. A harmonia vivenciada nos momentos familiares contribui para o comprometimento com a qualidade escolar e o desenvolvimento humano pleno (Meneghetti; Souza, 2017). 55 As interações sociais contínuas exigem que os indivíduos reflitam criticamente sobre seus padrões de comportamento e costumes, desenvolvendo consciência e responsabilidade diante de um mundo cada vez mais complexo, interdependente e desafiador. Essa postura evita visões unilaterais e preconceituosas, valorizando perspectivas alternativas, as relações interpessoais e o respeito aos direitos e valores humanos. Apesar das diversas dificuldades enfrentadas, as possibilidades de atuação conjunta entre escola e família são amplas e relevantes, especialmente para alunos com dificuldades de aprendizagem. Um exemplo de aprimoramento seria a implementação de um processo de triagem no início do ano letivo para identificar essas crianças, permitindo seu encaminhamento precoce para turmas específicas de apoio. Essa medida possibilita um acompanhamento mais eficaz e fortalece a continuidade do trabalho da equipe pedagógica. A participação integrada da família, da comunidade e da escola no processo educativo fortalece a confiança na construção de um ambiente propício à aprendizagem. Essa colaboração é indispensável para oferecer aos estudantes condições adequadas, acolhedoras e saudáveis, promovendo o bem-estar e contribuindo para a melhoria da qualidade da educação formal e social, com impactos positivos no desenvolvimento integral dos alunos (Meneghetti; Souza, 2017). A família e a escola são essenciais na formação dos futuros cidadãos, sendo necessário que as instituições de ensino compreendam a importância da família como o primeiro ambiente de socialização e aprendizado da criança. Antes de ser aluno, cada indivíduo é um filho que recebe formação desde o nascimento, o que torna fundamental a parceria entre a escola e a família para garantir um processo educacional eficaz. Os educadores devem reconhecer as características individuais dos alunos, integrando conhecimentos sobre seu desenvolvimento cognitivo e socioafetivo ao contexto em que estão inseridos. A valorização das experiências familiares pode contribuir significativamente para a construção das habilidades necessárias ao letramento. O contato com diferentes ambientes e vivências auxilia no desenvolvimento da interpretação de textos, da escrita e de outras competências fundamentais para a aprendizagem formal. Além disso, a estrutura familiar tem grande impacto na 56 permanência escolar, podendo influenciar diretamente a evasão ou a repetência dos alunos. Fatores como hábitos de estudo, frequência às aulas e comportamento são determinantes nesse processo. Por isso, a colaboração entre família e escola é indispensável para criar um ambiente educacional inclusivo e adequado às necessidades de cada estudante. Estudos apontam que alguns professores, ao se depararem com o baixo rendimento escolar de seus alunos, tendem a atribuir a causa a famílias consideradas "desestruturadas", baseando-se apenas em um conhecimento superficial sobre suas realidades. No entanto, cada família possui suas próprias dinâmicas e características, e é fundamental analisar essas relações dentro de seus contextos específicos para evitar preconceitos que possam impactar negativamente o aprendizado das crianças. Para compreender melhor as influências familiares na aprendizagem, é essencial que a escola desenvolva um vínculo mais próximo com as famílias, pois são elas que oferecem informações valiosas sobre o aluno. O diálogo entre professores e pais possibilita uma troca significativa, ajudando a identificar as verdadeiras necessidades educacionais da criança e promovendo estratégias mais eficazes para seu desenvolvimento. Muitos professores relatam que só conseguem conhecer melhor o contexto familiar dos alunos quando precisam entrar em contato com os pais para tratar de questões como comportamento, desempenho acadêmico ou dificuldades na aprendizagem. No entanto, a ausência das famílias em reuniões escolares pode dificultar esse diálogo e o acompanhamento do desenvolvimento dos alunos. Para superar esse desafio, é essencial que as instituições de ensino promovam um ambiente de comunicação aberta e acessível com os responsáveis. A criação de espaços de interação mais flexíveis, como encontros informais, canais digitais e atividades que envolvam a participação da família, pode contribuir para fortalecer esse vínculo e garantir que pais e professores compartilhem informações sobre o progresso dos alunos (Arcega, 2018). Estabelecer essa conexão é fundamental para construir um suporte eficaz ao aprendizado, garantindo que a escola compreenda as influências externas que impactam o desempenho dos alunos e adapte suas abordagens de ensino de forma mais inclusiva e colaborativa. A profissão do educador exige uma constante 57 reelaboração pessoal e profissional, pois ensinar vai além da transmissão de conteúdos; envolve também a construção de valores e experiências. Mas essa responsabilidade não recai apenas sobre os professores formais. Os pais também exercem um papel fundamental na educação dos filhos, contribuindo para o desenvolvimento intelectual, emocional e social das crianças por meio de suas interações diárias. No entanto, diversos fatores podem dificultar o envolvimento dos responsáveis na trajetória escolar dos filhos. Muitas famílias enfrentam desafios relacionados à falta de tempo, desinteresse, baixa escolaridade ou mesmo despreparo para auxiliar nas atividades escolares. Em alguns casos, há a percepção equivocada de que a educação deve ser exclusivamente responsabilidade da escola. Além disso, pesquisas indicam que a renda familiar influencia significativamente o acesso à educação e a participação dos pais no processo escolar. Com grande parte da população dependendo de auxílios governamentais para manter seus filhos na escola, os desafios relacionados à educação se tornam ainda mais complexos. A construção de uma parceria entre escola e família pode ser uma estratégia essencial para minimizar essas dificuldades e garantir um desenvolvimento educacional mais efetivo para as crianças. Apesar dos desafios atuais, os pais reconhecem a importância de participar da vida escolar dos filhos e, dentro de suas possibilidades, buscam formas de acompanhar esse processo (Arcega, 2018). Pesquisas realizadas sobre o tema indicam que, mesmo enfrentando dificuldades como falta de tempo ou desconhecimento das metodologias escolares, muitos responsáveis adotam estratégias para apoiar a aprendizagem das crianças. Entre as ações mais mencionadas estão incentivar os filhos a estudar, verificar o material escolar, perguntar sobre as aulas e os conteúdos aprendidos, além de buscar informações com os professores por meio de bilhetes, telefonemas ou mensagens. Outra prática comum é envolver os irmãos mais velhos no auxílio às tarefas escolares dos mais novos. Além disso, os pais demonstram preocupação com o desempenho acadêmico, ajudam na leitura e cobram resultados, contribuindo, dentro de suas possibilidades, para o desenvolvimento educacional dos filhos. O envolvimento da família no processo educacional influencia diretamente o desempenho e o comportamento dos alunos. Quando os responsáveis acompanham 58 de perto a trajetória escolar, incentivam os estudos e demonstram interesse pelo aprendizado, os estudantes tendem a apresentar maior comprometimento, disciplina e rendimento acadêmico. Por outro lado, a ausência desse suporte pode impactar negativamente a motivação e o engajamento da criança, dificultando seu progresso na aprendizagem. O acompanhamento familiar, seja por meio de diálogos sobre as atividades escolares, auxílio nas tarefas ou incentivo à leitura e ao estudo, contribui significativamente para o desenvolvimento intelectual e emocional do aluno. Fortalecer essa parceria entre família e escola é essencial para criar um ambiente educacional mais inclusivo e estimulante, garantindo que os alunos tenham melhores oportunidades de aprendizado e crescimento (Arcega, 2018). Para garantir uma educação inclusiva e eficaz, é essencial que professores, famílias e especialistas trabalhem em conjunto, promovendo estratégias pedagógicas diversificadas e oferecendo suporte emocional aos alunos. Além disso, o uso de tecnologias assistivas e metodologias inovadoras pode ampliar o acesso ao aprendizado, respeitando as particularidades de cada estudante. Compreender e atuar sobre os distúrbios de aprendizagem é um passo fundamental para construir uma educação mais equitativa, onde todas as crianças tenham oportunidades de desenvolver suas capacidades e alcançar seu potencial máximo. A colaboração entre escola e família, associada a práticas pedagógicas eficazes, é essencial para que cada aluno supere barreiras e tenha um percurso educacional enriquecedor. 59 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION (APA). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais – DSM-5. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2015. E- book. ARCEGA, P. F. V. W. Relação família e escola e sua influência na aprendizagem da criança: uma revisão de literatura integrativa. Revista PsicoFAE - Pluralidades Em Saúde Mental, Curitiba, v. 7, n. 1, p. 29-42, 2018. Disponível em: https://revistapsicofae.fae.edu/psico/article/view/168. Acesso em: 14 jul. 2025. BARBERA, F. Dislexia: o que fazer e o que evitar. Tradução: Moisés Sbardelotto. Petrópolis, RJ: Vozes, 2024. BOSSA, N. A. Dificuldades de aprendizagem: O que são? Como tratá-las? Porto Alegre: Artmed, 2007. BRASIL. Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012. 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Entre eles, estão dificuldades na composição de textos, presença 6 frequente de erros ortográficos, gramaticais e de pontuação, além de problemas na organização dos parágrafos, afetando a clareza e a estrutura da escrita. • Transtorno da matemática: esse transtorno não está diretamente ligado à ausência de habilidades matemáticas básicas, como a contagem, mas sim à dificuldade da criança em associar esses conceitos ao seu entorno. Além disso, atividades que exigem raciocínio lógico, resolução de problemas e interpretação de relações numéricas também podem ser comprometidas, impactando o desempenho escolar e a compreensão matemática de forma mais ampla. A educação escolar é influenciada por diversos fatores que, de maneira direta ou indireta, impactam o processo de aprendizagem dos alunos. Entre esses fatores, destacam-se os transtornos funcionais específicos, que envolvem dificuldades significativas na aquisição e no uso da audição, fala, leitura, escrita, raciocínio, habilidades matemáticas, atenção e concentração. Diversas abordagens teóricas buscam classificar estudantes que apresentam dificuldades específicas de aprendizagem dentro do ambiente escolar. No contexto institucional, a Secretaria de Estado da Educação, por meio do Departamento de Educação Especial e Inclusão Educacional (SEED/ DEEIN), segue como referência a nomenclatura adotada pelo Ministério da Educação para definição desses casos (Lopes et al., 2019). Os distúrbios de aprendizagem apresentam diferentes formas de manifestação, podendo variar quanto às causas e níveis de gravidade. Apesar dos avanços na área, ainda há muitas lacunas sobre sua origem. Alguns indícios apontam para a possibilidade de lesão cerebral decorrente de acidentes, falta de oxigenação durante a gestação ou no período neonatal, além de fatores genéticos envolvidos. No entanto, a ausência de evidências físicas ou diagnósticos médicos concretos sobre danos no sistema nervoso central dificulta um prognóstico preciso, podendo levar à exclusão de indivíduos afetados. Vale ressaltar que, com intervenções adequadas, o impacto dessas dificuldades pode ser minimizado ou até mesmo corrigido. Smith (2008) ressalta que usar termos como “suposta lesão cerebral” e “hipóteses de disfunção no sistema nervoso central” podem levar a conclusões difíceis 7 de comprovar e até equivocadas. Utilizar expressões que sugerem lesão cerebral, como “dislexia”, em vez de termos mais neutros como “distúrbios de leitura”, pode criar a impressão de que tais dificuldades são irreversíveis. Isso pode desmotivar pais, educadores e os próprios alunos a buscarem intervenções, além de gerar expectativas reduzidas em relação ao potencial de desenvolvimento. Pesquisas educacionais indicam que metas baixas tendem a limitar o progresso dos estudantes, pois eles geralmente alcançam, mas raramente superam, o que lhes é esperado. Assim, quando as expectativas para crianças com dificuldades de aprendizagem são muito modestas, seu pleno potencial pode nunca ser explorado. Por essas razões, muitos profissionais da educação especial preferem evitar termos médicos associados a lesões para descrever essas condições. 3 FRACASSO ESCOLAR E DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM No âmbito da educação inclusiva, a atuação dos docentes e a organização do trabalho pedagógico vêm sendo amplamente estudadas, especialmente diante do aumento de casos de estudantes com dificuldades ou distúrbios de aprendizagem nas escolas brasileiras. A falta de formação inicial e continuada dos educadores, a escassez de infraestrutura adequada e a ausência de suporte de profissionais especializados no diagnóstico e na intervenção são fatores que podem comprometer o aprendizado e contribuir para o fracasso escolar. Patto (2015) destaca que o fracasso escolar no Brasil foi influenciado por fatores como o Movimento Escolanovista e o sistema capitalista, que contribuíram para a manutenção da estrutura de classes e a consolidação das elites. A pedagogia escolanovista tornou-se a base das principais reformas educacionais do país e também serviu como referência para pesquisas sobre o fracasso escolar da época. Embora tenha proposto mudanças significativas para a educação, o escolanovismo recebeu diversas críticas, especialmente por evidenciar o fracasso escolar ao buscar o máximo desenvolvimento das potencialidades individuais sem considerar a necessidade de maior capacitação dos docentes e a articulação com os conhecimentos científicos acumulados ao longo da história. 8 As práticas educacionais eram estruturadas com base na observação das habilidades individuais dos alunos. Aqueles que apresentavam dificuldades para aprender determinados conteúdos eram considerados em atraso em relação aos colegas com maior desempenho acadêmico. Nesse contexto, a psicologia teve um papel fundamental ao buscar compreender essas diferenças e avaliar o potencial de cada estudante por meio da psicometrização, que consistia na aplicação de testes e avaliações estruturadas para mensurar processos psicológicos. Essa abordagem se baseava em uma análise quantitativa das características dos indivíduos, permitindo que os professores recebessem orientações sobre metodologias de ensino mais adequadas e acessíveis aos alunos. Com o apoio da psicologia, iniciou-se um processo de separação ou exclusão dos estudantes com menor desempenho, utilizando a psicometria como justificativa para atribuir-lhes a responsabilidade pelo fracasso escolar. Essa abordagem, ao invés de promover soluções inclusivas, reforçou desigualdades educacionais, impactando negativamente o desenvolvimento acadêmico e social dos alunos que não se encaixavam nos padrões estabelecidos. Conforme Patto (2015), na era do capitalismo, prevaleceu uma explicação psicologizante para as dificuldades escolares, que acabou suplantando, sem eliminá- la, a abordagem pedagógica tradicional do fracasso escolar. Ela observa que tanto a pedagogia moderna quanto a psicologia científica surgiram com uma perspectiva liberal, voltada para identificar e valorizar os alunos considerados mais capazes, independentemente de sua origem social ou étnica. Essa visão, porém, tende a individualizar as causas do fracasso, desviando o foco das condições estruturais e pedagógicas que também influenciam o rendimento escolar. Nesse cenário, as dificuldades e os distúrbios de aprendizagem começaram a se tornar mais evidentes, impulsionadas pela distinção entre os diferentes níveis de apropriação do conhecimento pelos estudantes. A percepção de que alguns indivíduos assimilavam os conteúdos escolares em um ritmo mais lento levou à caracterização dessas dificuldades como distúrbios de aprendizagem. A partir do início do século XX, alunos que apresentavam esse perfil passaram a ser rotulados como “crianças problema” ou “anormais escolares”. Nesse período, as explicações para os problemas de escolarização deixaram de ser exclusivamente biológicas ou 9 orgânicas e passaram a enfatizar o próprio indivíduo, responsabilizando também suas famílias e o contexto social no qual estavam inseridos. Nesse contexto, as famílias mais pobres passaram a ser vistas como responsáveis pela formação de crianças consideradas problemáticas, uma vez que não forneciam os estímulos necessários para que seus filhos se adequassem à cultura dominante. Essa visão reforçou a percepção de inadequação dessas famílias em relação ao modelo social vigente. Com isso, a psicologia ganhou destaque e passou a estar profundamente integrada ao sistema educacional. Havia a crença de que apenas por meio dos instrumentos de psicometrização seria possível esclarecer as dificuldades de escolarização, deslocando a responsabilidade pelos resultados acadêmicos dos estudantes para suas próprias condições individuais. Assim, a escola e o trabalho pedagógico dos docentes foram isentados de culpa, enquanto os alunos com dificuldades de aprendizagem eram frequentemente rotulados, reforçando práticas excludentes dentro do ambiente escolar. Ao analisar o contexto histórico do fracasso escolar, torna-se essencial refletir sobre o papel do professor no enfrentamento dos desafios educacionais que se tornam cada vez mais frequentes nas escolas brasileiras. Nesse cenário, a atuação docente diante das dificuldades e distúrbios de aprendizagem, quando fundamentada na pedagogia histórico-crítica, pode desempenhar um papel significativo no desenvolvimento das capacidades humanas dos estudantes. Essa abordagem pedagógica busca não apenas transformar a realidade educacional, mas também superar o fracasso escolar por meio de práticas pedagógicas eficientes e teoricamente fundamentadas (Freitas, 2022). Seu objetivo central é promover a transformação social, garantindo que o processo de ensino-aprendizagem seja inclusivo e acessível a todos os alunos, respeitando suas individualidades e potencializando suas habilidades. A pedagogia histórico-crítica destaca a importância de que o trabalho docente esteja alinhado às demandas sociais e fundamentado em um conhecimento abrangente sobre os modos de produção. Essa abordagem busca superar um ensino fragmentado e desconectado da realidade, promovendo práticas pedagógicas que considerem as necessidades específicas de cada estudante. Ao enfatizar uma perspectiva crítica, essa pedagogia 10 visa transformar os processos educacionais, garantindo que o ensino seja um meio de inclusão e desenvolvimento integral dos alunos. Essa teoria se alinha ao pensamento de Vigotsky (2009), que ressalta a importância da ação docente e do trabalho educativo na humanização dos sujeitos, permitindo que o conhecimento sistematizado historicamente seja disseminado e assimilado pelos estudantes. Dessa forma, a pedagogia histórico-crítica propõe uma abordagem pedagógica transformadora, centrada na construção do conhecimento e na superação dos desafios educacionais. Vigotsky (2009) estabelece a existência de dois tipos de funções psicológicas: elementares e superiores. • As funções psicológicas elementares: possuem um caráter biológico e são determinadas pela estimulação ambiental, sendo identificadas por meio da percepção. • As funções psicológicas superiores: envolvem processos mais complexos, como memória, atenção, percepção e formação de conceitos. Essas funções se desenvolvem por meio da interação social, destacando o papel da cultura e da sociedade na construção do conhecimento. Para compreender o desenvolvimento dessas funções superiores, Vigotsky (2007) introduz o conceito de zona de desenvolvimento proximal, que se refere ao espaço entre o que o indivíduo já é capaz de realizar de forma independente e aquilo que ele pode alcançar com auxílio de um mediador mais experiente. Ele definiu a zona de desenvolvimento proximal como: A distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes (Vigotsky, 2007, p. 58). A atuação docente deve, por meio de um planejamento eficaz das atividades de ensino-aprendizagem, estabelecer a conexão entre os conhecimentos espontâneos, adquiridos na educação informal, e os científicos, que correspondem aos saberes teóricos sistematizados ensinados na escola. Essa integração deve ocorrer por meio de atividades práticas, interação social e reflexão, promovendo o alinhamento entre teoria e prática e contribuindo para o desenvolvimento das funções 11 psicológicas superiores. Nesse sentido, o papel do professor é essencial, pois sua atuação se torna um elemento de humanização, possibilitando a construção de novos conhecimentos e aprendizagens, além de estimular o desenvolvimento integral dos alunos. Diante dessas reflexões, é importante que o professor, ao lidar com dificuldades e distúrbios de aprendizagem, não os perceba como questões isoladas, atribuídas apenas às características individuais dos alunos ou ao contexto familiar. Como responsável pela organização do trabalho pedagógico, o docente deve planejar cuidadosamente os conteúdos e selecionar metodologias adequadas que favoreçam a assimilação do conhecimento por todos os estudantes. A criação de estratégias eficazes de ensino e mediação pedagógica é essencial para garantir que cada aluno tenha acesso à aprendizagem de forma inclusiva e significativa, contribuindo para sua formação acadêmica e social. A análise da queixa escolar, seja relacionada às dificuldades e distúrbios de aprendizagem ou a outros desafios, deve considerar o contexto social em que foi gerada, servindo como um meio de compreensão e não de justificativa. É fundamental que os professores evitem a culpabilização dos alunos ou a atribuição de rótulos pelos problemas de escolarização, pois isso pode reforçar barreiras ao aprendizado. Em vez de buscar explicações exclusivamente em causas orgânicas ou emocionais, é necessário investir na construção de estratégias pedagógicas eficazes e teoricamente fundamentadas, que favoreçam um ensino inclusivo e acessível a todos os estudantes. No contexto educacional, é essencial atender às necessidades dos estudantes com dificuldades e distúrbios de aprendizagem, garantindo um ensino mais inclusivo e eficaz. Para isso, destaca-se a importância de uma maior capacitação dos professores e da equipe pedagógica, permitindo que adquiram conhecimentos e estratégias adequadas para lidar com esses desafios (Freitas, 2022). Além disso, a colaboração entre docentes é fundamental, possibilitando a troca de ideias e melhores práticas de ensino. Também se faz necessário um tempo adequado para o planejamento das ações educativas, assegurando que o ensino seja organizado e intencional. A formação de turmas com um número apropriado de estudantes contribui para a realização de um trabalho pedagógico estruturado, 12 permitindo um atendimento mais eficiente a todos. Por fim, o suporte de profissionais especializados de diferentes áreas é indispensável, oferecendo sugestões e orientações para intervenções pedagógicas mais eficazes, fortalecendo o processo de ensino-aprendizagem. Ao estruturar o trabalho pedagógico diante dos distúrbios e dificuldades de aprendizagem, o professor deve manter o foco no estudante, respeitando suas necessidades, limitações e diversidades. É essencial que o planejamento contemple possíveis adequações curriculares, conforme especificado em laudos ou programas educacionais individualizados (PEI), garantindo uma abordagem inclusiva e acessível. A prioridade deve ser sempre o desenvolvimento integral do aluno, reconhecendo que todos são capazes de aprender, independentemente dos desafios educacionais que possam surgir. Essa perspectiva reforça a importância de práticas pedagógicas fundamentadas na mediação e no suporte adequado, promovendo um ensino significativo e estimulante. Smith e Strick (2012) propõem diretrizes para uma organização eficiente do trabalho pedagógico, que estão detalhadas no Quadro 1. Quadro 1 – Diretrizes para o trabalho pedagógico Fonte: adaptado de Smith e Strick, 2012. A importância do conhecimento abordado nesta seção torna-se evidente ao destacar a importante função do professor no planejamento da ação educativa diante das dificuldades de aprendizagem. Esse processo deve envolver a busca por 13 informações aprofundadas sobre os transtornos e dificuldades de aprendizagem, a mediação eficaz do ensino e a intencionalidade educativa, sempre com foco no desenvolvimento integral dos estudantes. Ao proporcionar um ensino que eleve o conhecimento dos alunos a níveis mais avançados, torna-se possível estimular o avanço cognitivo e superar os desafios relacionados ao aprendizado. 3.1 Desempenho acadêmico nas atividades escolares Algumas crianças apresentam distúrbios de aprendizagem leves e, com o devido suporte, conseguem acompanhar o currículo escolar padrão até a universidade. Por outro lado, aquelas com dificuldades mais severas necessitam de assistência contínua e intensiva ao longo da trajetória acadêmica e, muitas vezes, na vida adulta. Os alunos com distúrbios de aprendizagem possuem características distintas em relação aos seus colegas, uma vez que cada indivíduo apresenta diferenças em seus potenciais, fragilidades, estilos de aprendizagem e personalidade. Entretanto, essas dificuldades impactam diretamente o desempenho escolar (Figura 1), resultando em um rendimento abaixo do esperado, que tende a se agravar com o tempo (Lopes et al., 2019). Figura 1 – Dificuldades de aprendizagem nos alunos Fonte: //x.gd/L1LlE. Há uma preocupação crescente no âmbito educacional e social em relação à frequência de reprovações, já que essa medida não contribui para a melhora do 14 aprendizado e pode estar associada ao aumento da evasão escolar. Por isso, estratégias inclusivas e metodologias adaptativas são fundamentais para garantir que esses alunos tenham um desenvolvimento acadêmico adequado. Smith (2008) identifica diversas características comportamentais decorrentes desses distúrbios, as quais impactam diretamente tanto o processo de aprendizagem quanto o desempenho escolar dos alunos: • Falta de motivação ou pouco senso de responsabilidade: anos de frustração e dificuldades escolares podem impactar negativamente a motivação dos alunos, levando-os a acreditar que são incapazes de alcançar o sucesso. Quando internalizam a expectativa de fracasso, tornam-se excessivamente dependentes dos outros, o que reduz suas chances de realizações. Ao se perceberem como "incapazes", muitos deixam de se esforçar, pois nunca tiveram experiências de sucesso acadêmico que os incentivassem a continuar tentando. • Desatenção: a desatenção e a impulsividade são características frequentes, podendo comprometer significativamente o desempenho acadêmico. Esses fatores dificultam a capacidade dos alunos de identificar e compreender elementos essenciais dos problemas que precisam resolver ou das atividades que precisam executar. Como resultado, podem ter dificuldades em manter o foco, interpretar instruções corretamente e organizar o raciocínio para concluir tarefas de maneira eficiente. • Dificuldade na aplicação de conhecimentos: muitos alunos com distúrbios de aprendizagem enfrentam desafios para aplicar ou adaptar seus conhecimentos a novas habilidades ou contextos, o que pode comprometer seu desempenho acadêmico e sua capacidade de resolver problemas em diferentes situações. • Falha no processamento de informação: muitas pessoas com distúrbios de aprendizagem enfrentam desafios significativos na aquisição da leitura e da escrita, na compreensão da linguagem falada e na expressão verbal. Essas dificuldades podem impactar diretamente a comunicação e o desempenho acadêmico, exigindo abordagens adaptativas para promover o desenvolvimento dessas habilidades. 15 • Habilidades insuficientes para resolver problemas: esses alunos frequentemente apresentam dificuldades em desenvolver um raciocínio estratégico, o que compromete sua capacidade de resolver problemas de maneira eficiente. A falta de habilidades para estruturar o pensamento e aplicar estratégias adequadas pode impactar tanto o desempenho acadêmico quanto a tomada de decisões em diversas situações do dia a dia. Nem todos os indivíduos com distúrbios de aprendizagem apresentam dificuldades no desenvolvimento das habilidades sociais, mas muitos enfrentam desafios nessa área. A combinação entre baixo rendimento escolar e comportamento distraído pode afetar significativamente seu status social, levando à percepção de dependência excessiva, menor cooperação e dificuldades na interação com colegas (Lopes et al., 2019). Essa falta de integração nos grupos sociais resulta em dificuldades para estabelecer amizades, causando sentimentos de isolamento e solidão. Além disso, a rejeição e as limitações nas habilidades sociais tendem a persistir durante a adolescência e podem afetar a vida adulta. Por isso, a identificação precoce dos desafios enfrentados por esses indivíduos e a implementação de intervenções adequadas são essenciais para minimizar impactos negativos ao longo da vida. Quanto mais cedo forem aplicadas estratégias de suporte e inclusão, maiores são as chances de promover um desenvolvimento saudável e equilibrado. 3.2 Distúrbios de aprendizagem e desenvolvimento da linguagem A linguagem constitui a base para o desenvolvimento de diversas habilidades de aprendizagem. A leitura, a escrita, o raciocínio e, posteriormente, as competências matemáticas dependem diretamente da aquisição e do aprimoramento da linguagem. As dificuldades ou distúrbios de aprendizagem são frequentemente associadas a um histórico de atraso no desenvolvimento da linguagem ou a outros transtornos de comunicação durante a fase pré-escolar. Essas condições podem impactar a aquisição de habilidades fundamentais, como leitura, escrita e raciocínio, influenciando o desempenho acadêmico ao longo da vida escolar (Lopes et al., 2019). 16 O que significa comunicar-se e como esse processo acontece? Para compreender os distúrbios de comunicação, é essencial primeiro entender o funcionamento da comunicação humana. Esse processo está diretamente ligado à linguagem e à interação, exigindo, no mínimo, duas pessoas dispostas a trocar informações: um emissor e um receptor. Inicialmente, o emissor formula um pensamento ou uma ideia e o transmite por meio de um código compartilhado pelo receptor. A comunicação só se concretiza quando a mensagem é compreendida por quem a recebe, garantindo uma troca eficiente de informações. Confira o esquema apresentado na figura abaixo. Figura 2 – Esquema de uma situação de comunicação Fonte: Lopes et al., 2019. De maneira simplificada, o processo de comunicação envolve os seguintes elementos essenciais: • Emissor: também chamado de locutor ou falante, é quem transmite a mensagem para um ou mais receptores. • Receptor: o interlocutor ou ouvinte que recebe e interpreta a mensagem enviada pelo emissor. • Mensagem: representa o conteúdo ou conjunto de informações comunicadas pelo emissor. • Código: conjunto de signos utilizados na mensagem, possibilitando a compreensão pelo receptor. • Canal de comunicação: meio pelo qual a mensagem é transmitida, como voz, língua de sinais, gestos ou escrita. 17 • Contexto ou referente: situação comunicativa em que emissor e receptor estão inseridos. • Ruído na comunicação: qualquer interferência que dificulte a compreensão da mensagem, como barulho ambiente, voz baixa ou desconhecimento do código utilizado. O código, com seus sinais, símbolos e regras próprias, compõe a linguagem, permitindo que ela tenha significado. A comunicação pode ser comprometida ou até mesmo não ocorrer caso o emissor ou receptor não consigam utilizar a linguagem de maneira adequada ou apresentem limitações na emissão ou recepção da mensagem. De acordo com Smith (2008), é essencial diferenciar três conceitos inter-relacionados: comunicação, linguagem e fala: • Comunicação: processo de troca de conhecimento, ideias, opiniões e sentimentos por meio da linguagem verbal ou não verbal, como gestos. • Linguagem: método regulador fundamental da comunicação, que envolve a compreensão e o uso de sinais e símbolos para representar ideias. • Fala: produção vocal da linguagem. 3.3 Os distúrbios de comunicação Os distúrbios de comunicação podem ser classificados em dois grandes grupos: • Distúrbios da fala – afetam a capacidade de pronunciar palavras com clareza e podem envolver alterações na voz, como timbre, volume ou qualidade. • Distúrbios da linguagem – relacionados à dificuldade de compreender palavras faladas ou escritas, afetando diretamente o conteúdo da mensagem transmitida. Embora os distúrbios da fala e da linguagem possam coexistir, eles não são necessariamente interligados. Um indivíduo pode apresentar apenas um desses distúrbios ou ambos simultaneamente. Além disso, as dificuldades ou distúrbios de aprendizagem não se restringem apenas a questões de comunicação e linguagem. Elas podem estar associadas a fatores pedagógicos, neurológicos e intelectuais. Um 18 dos exemplos mais conhecidos é o Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH), uma condição neurobiológica que afeta a atenção, provoca inquietude e impulsividade, interferindo diretamente no desempenho acadêmico e no desenvolvimento social. De acordo com Smith (2008), a fala é considerada anormal quando se torna ininteligível, desagradável ou interfere na comunicação, afetando a compreensão por parte do ouvinte. Três principais problemas podem comprometer esse processo: • Problemas de articulação: ocorre quando a produção dos sons é inadequada, resultando em pronúncias incorretas. A articulação da fala está influenciada por fatores como idade, cultura e ambiente social. • Problemas de fluência: relacionados ao ritmo e à fluidez da fala, podendo incluir hesitações ou repetições que interferem na comunicação, como no caso da gagueira. • Problemas de voz: envolvem alterações no tom ou volume da voz, tornando- a perceptivelmente incomum ou inapropriada para o contexto comunicativo. Essas dificuldades podem impactar significativamente a interação social e o desenvolvimento acadêmico. Além disso, esses problemas podem ter causas diversas, incluindo fatores neurológicos, ambientais e genéticos. Algumas condições, como distúrbios motores ou alterações anatômicas, podem afetar diretamente a produção vocal, enquanto aspectos emocionais e psicológicos também desempenham um papel relevante no desenvolvimento da fluência e da articulação da fala. A intervenção precoce, por meio de acompanhamento fonoaudiológico e estratégias adaptativas, é fundamental para minimizar os impactos dessas dificuldades e melhorar a qualidade da comunicação, permitindo que os indivíduos desenvolvam maior confiança na expressão oral e ampliem suas interações sociais e acadêmicas. Confira abaixo alguns transtornos da fala: • Disartria: distúrbio articulatório caracterizado pela dificuldade em executar movimentos necessários para a emissão verbal, podendo comprometer a clareza da fala. 19 • Disfemia: dificuldade na fluência da expressão verbal, resultando em interrupções bruscas no ritmo da fala. O tipo mais comum de disfemia é a gagueira, também conhecida como tartamudez. • Disfonia: alteração na qualidade ou na emissão da voz, podendo estar associada a disfunções orgânicas ou funcionais das cordas vocais, bem como a problemas respiratórios. Manifesta-se por rouquidão, soprosidade ou aspereza vocal. • Dislalia: transtorno específico da articulação da fala, caracterizado por atraso ou desvios na aquisição dos sons da linguagem, levando a dificuldades como má articulação, omissões, distorções ou substituições dos fonemas. • Rinolalia: modificação na ressonância nasal da fala, podendo resultar em uma voz excessivamente nasalizada ou abafada. Suas causas incluem problemas nas vias respiratórias, presença de vegetação adenoide, lábio leporino ou fissura palatina. A linguagem é um sistema sofisticado que possibilita a comunicação dos pensamentos entre indivíduos. Sua utilização envolve diversas regras sobre o que pode ou não ser dito, o momento e o local adequados, o interlocutor e o propósito da mensagem (Lopes et al., 2019). Além disso, o conhecimento linguístico permite a formulação de enunciados gramaticalmente estruturados. Os três principais aspectos da linguagem são: • Forma: conjunto de regras que regem todas as linguagens, garantindo sua estrutura e coerência. • Conteúdo: refere-se à intenção e ao significado das expressões faladas ou escritas, proporcionando clareza na comunicação. • Uso: diz respeito à aplicação da linguagem em diferentes interações, adaptando-se ao contexto social e comunicativo. Confira abaixo alguns transtornos da linguagem, que podem afetar a comunicação, a aprendizagem e a interação social, exigindo adaptações e suporte adequados para minimizar seus impactos: • Afasia: transtorno da linguagem decorrente de uma lesão cerebral, ocorrida após a aquisição total da linguagem ou durante seu desenvolvimento. Pode 20 causar perda parcial ou total da capacidade de expressão dos pensamentos e da compreensão da comunicação. • Discalculia: caracterizada pela dificuldade ou incapacidade de processar informações relacionadas a números e conceitos matemáticos, afetando o raciocínio lógico e a resolução de problemas. • Dislexia: surge no início do processo de alfabetização e compromete a capacidade de identificar símbolos gráficos, impactando diretamente a leitura e a escrita, além de outras áreas que dependem dessas habilidades. • Disgrafia: perturbação da linguagem escrita que afeta as habilidades mecânicas da escrita, dificultando a organização das palavras e a clareza da expressão textual. É importante destacar que um desenvolvimento deficiente da linguagem pode estar associado a fatores ambientais, como a falta de estímulo adequado e a experiência limitada na aquisição da língua. A identificação precoce e a intervenção apropriada podem minimizar os impactos dessas dificuldades, promovendo uma comunicação mais eficaz e um aprendizado significativo. Algumas crianças enfrentam dificuldades no desenvolvimento da linguagem devido à ausência de modelos adequados de interação. Muitas passam longos períodos sozinhas, sem estímulo comunicativo, enquanto outras não recebem incentivo para participar de conversas. Há também aquelas que são punidas por falar ou ignoradas quando tentam se expressar, o que desencoraja ainda mais sua comunicação. Além disso, a falta de experiências significativas e de motivos para se comunicar pode comprometer o desenvolvimento da linguagem. Esses fatores aumentam consideravelmente o risco de surgirem distúrbios linguísticos que podem afetar a socialização e o aprendizado ao longo da vida. 4 DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM E SEUS IMPACTOS PSICOSSOCIAIS Para compreender e intervir nas causas das dificuldades de aprendizagem, é essencial considerar as relações nas quais a criança está inserida. Essas dificuldades resultam de múltiplos fatores que, em determinados momentos, interagem e podem comprometer seu desenvolvimento. Bossa (2007) destaca que o método de ensino 21 pode ser um dos fatores que contribuem para os problemas de aprendizagem. O professor pode enfrentar desafios relacionados à instituição de ensino e às interações estabelecidas dentro dela, seja com sua equipe de trabalho ou com os alunos. A relação pedagógica, por sua vez, constitui um campo social no qual podem emergir conflitos, cujas representações estão ligadas à instituição, ao docente e aos estudantes. As instituições, sendo formadas por um conjunto de atos e ideias dos indivíduos que as compõem, refletem costumes, modos, preconceitos e crenças que influenciam diretamente as dinâmicas educacionais. O ser humano deve ser compreendido no contexto das relações coletivas, pois sua interação com o grupo influencia e é influenciada por diversos fatores. O sujeito, sendo um ser holístico, constrói sua identidade e aprendizado a partir da convivência em comunidade. Além disso, os fenômenos da vida não possuem causas isoladas, mas resultam de uma rede de interações, refletindo um processo contínuo de influência mútua dentro do meio social. Os alunos com dificuldades escolares frequentemente enfrentam desafios familiares, emocionais e socioeconômicos, como instabilidade doméstica e condições adversas. No entanto, não se pode estabelecer uma relação direta de causa e efeito entre esses fatores e a capacidade de aprender, pois o aprendizado ocorre dentro de um conjunto de interações e relações. O comportamento e o desenvolvimento acadêmico dos estudantes variam de acordo com o contexto em que estão inseridos. Assim, as intervenções educacionais devem considerar não apenas o indivíduo, mas também o meio no qual ele circula, promovendo estratégias que envolvam seu ambiente social e escolar (Dusik, 2022). Os trabalhos diagnósticos devem priorizar a análise das relações e práticas cotidianas, reconhecendo-as como fatores que influenciam diretamente os fenômenos observados. Em vez de adotar um olhar exclusivamente classificatório, que estabelece graus de deficiência e definições individualizadas para cada criança, é fundamental considerar aspectos como a metodologia de ensino, a interação entre professores e alunos, e a trajetória escolar do estudante. Essa abordagem busca fortalecer processos que favoreçam o desenvolvimento e o potencial dos alunos, promovendo estratégias educacionais mais inclusivas e eficazes. 22 Mesmo as abordagens mais organicistas e fundamentadas na neuropsicologia reconhecem que distúrbios mentais podem ser intensificados por um ambiente desestruturado e por uma dinâmica familiar instável. Nessas condições, crianças hiperativas tendem a manifestar maior hiperatividade, crianças deprimidas podem apresentar agravamento dos sintomas, e crianças com transtorno do espectro autista podem enfrentar desafios ainda mais complexos. Além disso, é essencial considerar os impactos emocionais dessas dificuldades, que podem comprometer ainda mais o desenvolvimento da criança. Um rendimento escolar abaixo do esperado pode levar à percepção de fracasso por parte dos professores, colegas e até mesmo da própria família, afetando diretamente a autoestima da criança. Essa situação pode ser evitada com o apoio adequado da família e por meio de intervenções eficazes que promovam um ambiente mais favorável ao aprendizado e ao bem-estar emocional. A inteligência, o desejo, a família e os sintomas da aprendizagem estão interligados, formando um sistema de influências mútuas. Se o problema de aprendizagem fosse exclusivamente biológico ou intelectual, sua resolução não exigiria a participação da família. Por outro lado, se as dificuldades escolares fossem apenas um reflexo do equilíbrio familiar, o diagnóstico e a intervenção poderiam ocorrer sem considerar o sujeito individualmente (Dusik, 2022). Fonseca (2016) define a dificuldade de aprendizagem como um obstáculo ao desempenho intelectual, frequentemente vinculado a questões emocionais e conflitos familiares não resolvidos. Além dos desafios nos relacionamentos, outros fatores podem impactar negativamente o aprendizado, como abuso, negligência, dificuldades na adesão a tratamentos, obesidade, comportamento antissocial e simulação. De maneira geral, a dificuldade de aprendizagem resulta de fatores biopsicossociais, fundamentados em aspectos individuais, familiares, escolares e sociais. O desenvolvimento acadêmico da criança acontece dentro de um contexto no qual múltiplas variáveis interagem e influenciam sua trajetória educacional. Bossa (2007) aponta diversos fatores que podem prejudicar o aprendizado de uma criança na escola, entre eles: • falta de valorização da educação por parte da família, o que pode levar a uma percepção de que estudar não é essencial. 23 • influência do histórico familiar, onde a criança pode acreditar que, se seus pais não precisaram estudar, ela também não precisará. • dificuldade em lidar com normas e regras sociais, impactando sua adaptação ao ambiente escolar. • ausência de regras e limites estabelecidos pelos pais, comprometendo o desenvolvimento da disciplina. • sentimentos de rejeição em relação à escola, como associá-la à separação familiar ou à ausência dos pais. • problemas de saúde que interferem no desempenho escolar e na capacidade de aprendizagem. • desorganização extrema, resultando na perda de materiais, atrasos e dificuldades para manter o ritmo acadêmico. • dificuldades específicas na aprendizagem, onde a criança pode demonstrar inteligência em diversas áreas, mas enfrentar obstáculos em habilidades como leitura e escrita. • métodos de ensino inadequados, que não respeitam o estilo de aprendizado da criança. • falta de conexão entre os conteúdos escolares e sua aplicação prática na vida cotidiana. • qualidade do ensino comprometida pela falta de preparo ou motivação do professor, impactando negativamente o aprendizado. Esses exemplos ilustram algumas das situações que podem ocorrer no processo de avaliação das dificuldades de aprendizagem, demonstrando a complexidade dos fatores envolvidos. Cada contexto exige uma análise cuidadosa para compreender as causas e definir estratégias eficazes de intervenção. Bossa (2007) ainda ressalta esse ponto, destacando a complexidade dos fatores que influenciam a aprendizagem: Só para você ter uma ideia, eu poderia ficar o dia inteiro escrevendo sobre as coisas que podem atrapalhar uma criança na escola. Mesmo assim não terminaria. Por isso, pode ser que o que atrapalha a criança na escola nem esteja escrito aqui. Mas se ela está com dificuldades para aprender, certamente tem um bom motivo para isso. O que o psicopedagogo pode fazer é descobrir esse motivo e ajudar você e a escola a encontrarem formas de 24 solucionar esse problema. Pode, ainda, evitar que essas coisas cheguem a atrapalhar a aprendizagem escolar (Bossa, 2007, p. 60). 5 CLASSIFICAÇÃO E INTERVENÇÃO NOS DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM Com a publicação do DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 5ª Edição), pela Associação de Psiquiatria Americana (APA), os distúrbios de aprendizagem, caracterizados por dificuldades persistentes no desempenho escolar causadas por fatores biológicos, passaram a ser classificados como transtornos do neurodesenvolvimento. Os transtornos do neurodesenvolvimento englobam condições que podem ser identificadas já nos primeiros anos da infância. Em geral, essas condições se manifestam antes da entrada da criança na escola, sendo marcadas por déficits que afetam o funcionamento pessoal, social, acadêmico ou profissional. Esses déficits podem variar desde dificuldades específicas no aprendizado ou na regulação de funções cognitivas até comprometimentos mais amplos em habilidades sociais e intelectuais (APA, 2015). Os transtornos do neurodesenvolvimento englobam diversas condições, observe o quadro a seguir (Dusik, 2022). Quadro 2 – Condições dos transtornos do neurodesenvolvimento 25 Fonte: adaptado de Dusik, 2022. Os critérios diagnósticos envolvem a identificação de sintomas, padrões comportamentais, funções cognitivas, traços de personalidade, sinais físicos e combinações de síndromes, além da duração do problema. A avaliação requer perícia clínica para distinguir essas condições das variações naturais da vida e das respostas temporárias ao estresse, que não se enquadram como transtornos ou distúrbios. Para que o transtorno específico da aprendizagem seja diagnosticado, é necessário atender a quatro critérios: A, B, C e D. A avaliação deve ser realizada com base em uma análise clínica abrangente, considerando o histórico de desenvolvimento, aspectos médicos, familiares e educacionais do indivíduo, além de relatórios escolares e uma avaliação psicoeducacional. Caso algum desses critérios não seja identificado, o diagnóstico não pode ser confirmado. A seguir, são apresentados os critérios para essa avaliação (APA, 2015): • Critério A: pelo menos um dos seguintes sintomas deve estar presente por um período mínimo de seis meses, mesmo após intervenções direcionadas: dificuldade na leitura de palavras, com imprecisão, lentidão ou esforço excessivo; problemas na compreensão do significado do que é lido; erros ortográficos frequentes e dificuldades na escrita correta das palavras; desafios na expressão escrita, incluindo erros gramaticais ou de pontuação, além de pouca clareza na comunicação das ideias; dificuldades para compreender 26 conceitos numéricos, memorizar fatos matemáticos ou realizar cálculos; déficits no raciocínio para resolver problemas quantitativos. • Critério B: as habilidades acadêmicas comprometidas estão significativamente abaixo do esperado para a idade do indivíduo, interferindo de forma marcante nas atividades diárias. Essa dificuldade é confirmada por meio de testes padronizados aplicados individualmente e por uma avaliação clínica detalhada. • Critério C: os prejuízos acadêmicos se manifestam desde os primeiros anos escolares ou se tornam evidentes posteriormente, quando as demandas educacionais ultrapassam as capacidades do indivíduo. • Critério D: as dificuldades acadêmicas não podem ser atribuídas a deficiência intelectual, problemas não corrigidos de visão ou audição, outros transtornos mentais ou neurológicos, fatores psicossociais adversos, falta de fluência na língua de ensino ou práticas educacionais inadequadas. Quando os quatro critérios são atendidos, o diagnóstico deve detalhar todos os domínios acadêmicos afetados. Caso haja comprometimento em mais de um domínio, cada um deve ser identificado separadamente, seguindo os especificadores adequados: • Prejuízo na leitura (dislexia): dificuldades na precisão da leitura de palavras, na velocidade e fluência da leitura, além da compreensão do texto. • Prejuízo na expressão escrita (disgrafia): comprometimento na ortografia, gramática e pontuação, além de pouca clareza ou organização na escrita. • Prejuízo na matemática (discalculia): dificuldades no senso numérico, na memorização de fatos aritméticos, na precisão e fluência do cálculo, bem como no raciocínio matemático. Além disso, é necessário determinar o grau de gravidade do transtorno, classificando-o como leve, moderado ou grave, com base na capacidade do indivíduo de compensar suas dificuldades ou de se adaptar quando recebe suporte adequado, especialmente durante a fase escolar (APA, 2015). As dificuldades no domínio dessas habilidades acadêmicas fundamentais também podem impactar o aprendizado de outras disciplinas, como história, ciências e estudos sociais. 27 No entanto, esses desafios são considerados consequências indiretas das dificuldades de aprendizagem. As habilidades acadêmicas se distribuem de forma contínua, sem um ponto de corte preciso para distinguir quem possui ou não um transtorno específico da aprendizagem. Por isso, qualquer critério utilizado para definir um desempenho significativamente abaixo do esperado para a idade é, em grande medida, arbitrário. A abordagem multidisciplinar é fundamental para compreender as dificuldades de aprendizagem, uma vez que suas causas e manifestações são diversas e exigem investigação em diferentes áreas do conhecimento. Por isso, o diagnóstico não deve se limitar apenas à listagem de sintomas, mas sim considerar uma análise detalhada da aplicação desses critérios em cada caso específico. Embora a identificação sistemática dos critérios diagnósticos contribua para uma avaliação mais precisa, a gravidade e a relevância de cada critério no diagnóstico dependem do discernimento clínico. Assim, a formulação clínica do caso deve integrar informações contextuais e diagnósticas, permitindo a construção de um plano terapêutico abrangente e alinhado ao contexto cultural e social do indivíduo. Aspectos culturais, como significados, costumes e tradições, podem tanto reforçar estigmas quanto oferecer suporte na resposta social e familiar ao transtorno (Dusik, 2022). O contexto em que o indivíduo está inserido desempenha um papel fundamental, contribuindo para a construção de estratégias de enfrentamento que fortalecem a resiliência ou incentivam a busca por auxílio e alternativas de assistência à saúde. Além disso, o ambiente influencia diretamente a aceitação ou rejeição de um diagnóstico, bem como a adesão ao tratamento, impactando a evolução da condição, o processo de recuperação e as decisões terapêuticas. Esses fatores são determinantes para o prognóstico e a trajetória clínica do indivíduo. Os distúrbios de aprendizagem representam desafios que podem comprometer o desenvolvimento acadêmico e influenciar aspectos emocionais e sociais do indivíduo. A dificuldade em acompanhar o ritmo escolar pode resultar em sentimento de frustração, baixa autoestima e desmotivação para o aprendizado. Por esse motivo, a intervenção não deve se limitar à adaptação pedagógica, mas envolver abordagens multidisciplinares que contemplem suporte psicológico, orientação familiar e metodologias de ensino especializadas. A compreensão detalhada de cada distúrbio permite a implementação de estratégias eficazes, favorecendo o desenvolvimento das 28 habilidades individuais e promovendo a inclusão educacional. A seguir, serão apresentados os principais distúrbios de aprendizagem. 5.1 Dislexia A dislexia, um dos Transtornos Específicos de Aprendizagem mais conhecidos, interfere na interpretação dos sinais gráficos que representam as palavras por escrito (Figura 3). Essa dificuldade ocorre em indivíduos com inteligência dentro da média, sem comprometimentos físicos ou psicológicos, e que tiveram acesso a oportunidades de aprendizagem adequadas. A criança com dislexia é capaz de ler e escrever, porém realiza essas tarefas sem automatização, exigindo grande esforço cognitivo e energético. Isso leva a uma fadiga precoce, dificultando o acompanhamento do ritmo escolar e resultando em um maior número de erros (Barbera, 2024). Figura 3 – Dislexia: um transtorno do neurodesenvolvimento Fonte: //x.gd/P7d8w. Muitos desses estudantes apresentam uma leitura fragmentada, pausada e com dificuldade de antecipação visual das palavras. O olhar permanece fixo na sílaba ou palavra a ser pronunciada, tornando a articulação lenta e hesitante. Além disso, a pontuação frequentemente não é respeitada, o tom de voz soa monótono e inexpressivo, dificultando a fluência textual. Além das dificuldades na leitura e escrita, a dislexia pode impactar diversas outras áreas da vida do indivíduo, afetando não 29 apenas o desempenho acadêmico, mas também o cotidiano e a interação social (Barbera, 2024). Essa condição se caracteriza por um déficit na velocidade e na precisão da leitura, afetando a automatização da correspondência entre sinais e sons, sem comprometer, necessariamente, a capacidade de compreensão. A velocidade de leitura, medida em sílabas por segundo, é um parâmetro utilizado para avaliar o desempenho de um estudante em relação aos valores esperados para sua idade escolar. Ao término de cada ano inicial do Ensino Fundamental, os índices estimados de fluência leitora são: • Final do 1º ano: 1,4 sílabas por segundo; • Final do 2º ano: 2,48 sílabas por segundo; • Final do 3º ano: 3,35 sílabas por segundo; • Final do 4º e 5º anos: 3,69 sílabas por segundo. Esses valores servem como referência para acompanhar o desenvolvimento da leitura e podem auxiliar na identificação de dificuldades que requerem intervenção pedagógica. Quanto maior for o desvio na velocidade de leitura em relação aos valores esperados, mais severa será a dificuldade apresentada pelo estudante. Geralmente, ao final do 2º ano, as crianças atingem uma velocidade de decodificação suficiente para dar início ao estudo autônomo, estimada em 2,5 sílabas por segundo. Nos casos de dislexia com gravidade média-leve, o crescimento natural da fluência leitora costuma ser de aproximadamente um quarto de sílaba por segundo (entre 0,25 e 0,3 síl./seg.) ao longo de um ano. Já nos quadros mais graves, o aumento é mais lento, alcançando cerca de 0,15 sílaba por segundo no mesmo período (Barbera, 2024). Em relação à correção, os erros podem ser classificados como fonológicos, ortográficos ou fonéticos. Os erros fonológicos decorrem da falta de correspondência entre fonema e grafema, enquanto os ortográficos envolvem a escrita convencional das palavras. Já os erros fonéticos estão relacionados à percepção da duração e intensidade dos sons. Confira a seguir o quadro detalhado com essas classificações. 30 Quadro 3 – Classificação dos erros na dislexia Tipo de erro Descrição Exemplos Fonológicos Considerados os mais graves, envolvem a não correspondência entre fonema e grafema. • Substituição de letras fonologicamente semelhantes: “faso” → “vaso”, “poca” → “boca”. • Omissão/acréscimo de letras ou sílabas: “migo” → “amigo”, “escoula” → “escola”. • Inversões: “áuga” → “água”, “cadreno” → “caderno”. • Grafemas inexatos: “cassa” → “caixa”, “iscola” → “escola”. Ortográficos (não fonológicos) Relacionados à representação ortográfica da palavra, sem alteração na relação entre fonema e grafema. • Separações incorretas: “a trás” → “atrás”. • Fusões incorretas: “derepente” → “de repente”. • Troca de grafema homófono não homógrafo: “chicara” → “xícara”, “ceção” → “seção”. • Omissão/acréscimo de “h”: “ora” → “hora”. Fonéticos Indicam dificuldades na percepção da duração ou intensidade do som. • Omissão/acréscimo de acentos: “musica” → “música”. • Omissão/acréscimo de encontros consonantais: “tiste” → “triste”, “larranja” → “laranja”. Fonte: adaptado de Barbera, 2024. Diversos estudos indicam que, com o tempo, a velocidade de leitura das crianças com dislexia tende a melhorar, embora permaneça abaixo da média dos colegas. Por outro lado, a precisão na leitura se aproxima do desempenho dos demais estudantes. Com base nos parâmetros de rapidez e correção, é possível identificar três perfis distintos de dislexia: • Lentidão e boa correção: este é o perfil mais comum, pois a estrutura ortográfica da língua italiana e da língua portuguesa facilita a recuperação fonológica das palavras, mesmo quando a memória não permite o reconhecimento imediato. • Rapidez adequada e baixa correção: caracteriza leitores que possuem um ritmo rápido, mas comprometem a precisão na leitura. São crianças que 31 cometem principalmente erros semânticos, antecipando palavras ou trechos sem interpretar corretamente o significado. • Perfil misto: apresenta tanto lentidão quanto baixa precisão, dificultando o equilíbrio entre velocidade e correção na leitura. As crianças nesse grupo não conseguem estabelecer uma compensação entre os dois aspectos, tornando o processo de leitura mais desafiador. A dislexia frequentemente ocorre junto a outros Transtornos Específicos da Aprendizagem (TEAp), como a disgrafia (dificuldade na escrita de forma legível e fluente), a disortografia (comprometimento na conversão dos sons em símbolos gráficos), a discalculia (dificuldade na realização de cálculos mentais ou escritos) e a dispraxia (déficits na coordenação e controle dos movimentos). A presença simultânea de múltiplos TEAp em um mesmo indivíduo é conhecida como comorbidade. Durante a trajetória escolar, muitos estudantes enfrentam dificuldades nas habilidades fundamentais, como leitura, escrita e cálculo, que podem variar em intensidade e impactar sua motivação. O sofrimento psicológico associado, a baixa autoestima e as estratégias de adaptação muitas vezes são interpretadas erroneamente como falta de dedicação, preguiça ou apatia. Os Transtornos Específicos da Aprendizagem (TEAp) são definidos com base em critérios diagnósticos estabelecidos por dois principais manuais internacionais: a CID-10 e o DSM-5. A padronização desses critérios facilita a comunicação entre profissionais da saúde e educação, permitindo um melhor entendimento do fenômeno. No DSM-5, os TEAp são categorizados em nível dimensional, abrangendo transtornos da leitura, da expressão escrita e da matemática. Já na CID-10, eles são classificados dentro dos transtornos do desenvolvimento psicológico, sob a nomenclatura de transtornos específicos das habilidades escolares, incluindo transtornos específicos de leitura, soletração, habilidade em aritmética e transtorno misto. A dislexia é um transtorno do neurodesenvolvimento que afeta a aquisição da leitura e escrita, sendo caracterizada por dificuldades na fluência e precisão na decodificação de palavras. Embora não esteja associada a déficits intelectuais ou 32 sensoriais, impacta significativamente o desempenho escolar e a autoestima dos indivíduos afetados. A dislexia tende a ocorrer em famílias, o que indica uma possível influência genética. Em alguns casos, pode estar associada a condições alérgicas, como asma, eczema e febre do feno. Estudos de neuroimagem mostram que pessoas com dislexia processam informações de maneira diferente, privilegiando o pensamento visual em vez da leitura textual e estabelecendo conexões rápidas entre conceitos. Essa forma de processamento pode ser vantajosa em determinados contextos e áreas do conhecimento. Embora problemas auditivos na infância, como a otite média com efusão, e dificuldades visuais relacionadas ao rastreamento ocular não sejam causas diretas da dislexia, podem atuar como fatores que contribuem para desafios adicionais na aprendizagem da leitura e escrita (Hudson, 2019). Os estudos indicam que a dislexia tem uma base genética e neurobiológica, envolvendo diferenças na ativação de áreas cerebrais relacionadas ao processamento da linguagem. Além das dificuldades na leitura, pode coexistir com outros transtornos específicos da aprendizagem, como a disgrafia e a discalculia, formando um quadro de comorbidade que exige abordagens pedagógicas especializadas. A intervenção precoce, aliada a estratégias educacionais adaptadas, é essencial para minimizar os impactos da dislexia na vida acadêmica e social do estudante. Métodos multissensoriais, recursos tecnológicos e um ambiente escolar inclusivo desempenham um papel fundamental na promoção do aprendizado e na autonomia dos disléxicos (Hudson, 2019). 5.2 Discalculia A discalculia é um transtorno específico que afeta a aprendizagem da aritmética, comprometendo o domínio de operações fundamentais como adição, subtração, multiplicação e divisão. Sua manifestação está mais relacionada às dificuldades no processamento de cálculos básicos do que ao entendimento de conceitos matemáticos abstratos, como os presentes na álgebra, trigonometria e cálculo (Gorla; Souza; Buratti, 2021). A discalculia é caracterizada por um desempenho significativamente inferior ao esperado na realização de operações aritméticas, considerando a idade, a capacidade 33 intelectual e a escolaridade do indivíduo. Esse transtorno impacta diretamente o desempenho acadêmico e atividades cotidianas que demandam habilidades matemáticas. Diversas competências podem ser afetadas, incluindo habilidades linguísticas e perceptuais, como o reconhecimento de símbolos numéricos e a organização de objetos em conjuntos (Gorla; Souza; Buratti, 2021). Além disso, dificuldades podem surgir na atenção, comprometendo a correta cópia de números, a observação de sinais de operação e o processamento de cálculos envolvendo retenção de valores. Também há desafios nas habilidades matemáticas propriamente ditas, como seguir etapas sequenciais em cálculos, contar objetos de forma precisa e memorizar as tabuadas de multiplicação. A discalculia pode impactar diversas habilidades matemáticas, dificultando a compreensão de conceitos numéricos e operações básicas. Crianças com esse transtorno podem ter dificuldades em visualizar conjuntos dentro de um grupo maior, entender a conservação da quantidade (por exemplo, reconhecer que 1 quilo equivale a quatro pacotes de 250 gramas) e sequenciar números corretamente. Além disso, podem apresentar desafios na identificação de antecessores e sucessores, na classificação de números, na compreensão dos sinais matemáticos (+, -, ÷, ×) e na construção de operações. A dificuldade se estende à assimilação dos princípios de medida e à retenção das etapas necessárias para resolver cálculos. Também pode haver obstáculos na contagem usando números cardinais e ordinais. Estudos indicam que entre 3% e 6% das crianças apresentam esse transtorno de aprendizagem matemático, podendo manifestar diferentes graus de comprometimento. Os subtipos incluem variações que afetam aspectos cognitivos específicos da matemática, exigindo abordagens diferenciadas para diagnóstico e intervenção. A discalculia se subdivide em seis subtipos, que podem ocorrer isoladamente ou em combinação com outros transtornos de aprendizagem, são elas: • Discalculia verbal: dificuldade para nomear números, quantidades, símbolos matemáticos, termos e relações. • Discalculia practognóstica: desafio em enumerar, comparar e manipular objetos reais ou representações visuais de conceitos matemáticos. • Discalculia léxica: comprometimento na leitura de símbolos matemáticos. 34 • Discalculia gráfica: dificuldades na escrita e representação gráfica dos símbolos numéricos. • Discalculia ideognóstica: limitação na realização de cálculos mentais e na compreensão de conceitos matemáticos abstratos. • Discalculia operacional: obstáculos na execução de cálculos e operações matemáticas básicas (Gorla; Souza; Buratti, 2021). Estudos genéticos, neurobiológicos e epidemiológicos indicam que a discalculia, assim como outros transtornos de aprendizagem, tem origem em diferenças na estrutura e no funcionamento cerebral. No entanto, fatores como ensino inadequado e privações ambientais podem influenciar seu desenvolvimento. Esse transtorno afeta diversas áreas do cérebro, incluindo o lobo parietal, responsável pela representação de quantidades, funções verbais e espaciais, além do foco de atenção para cálculos matemáticos. Outras regiões envolvidas incluem o lobo occipital e as áreas relacionadas à memória de trabalho visual e espacial. O giro angular desempenha um papel fundamental no processamento numérico, na linguagem, na cognição espacial, na recuperação de memórias e na atenção (Figura 4). Figura 4 – Discalculia, o distúrbio numérico Fonte: //x.gd/zEu05. As dificuldades mais acentuadas costumam ocorrer nas áreas terciárias do hemisfério esquerdo, comprometendo a leitura, a interpretação de problemas 35 matemáticos e a compreensão de conceitos numéricos. Nas regiões occipitoparietais esquerdas, déficits no funcionamento cerebral afetam a discriminação visual de símbolos matemáticos, enquanto o lobo temporal esquerdo influencia a realização de cálculos básicos e a memorização de sequências numéricas. Os processos cognitivos afetados pela discalculia incluem dificuldades na memória de trabalho, especialmente em tarefas não verbais, comprometendo a retenção e manipulação de informações numéricas. Também pode haver desafios na soletração de não palavras, impactando algumas funções de escrita, apesar da ausência de problemas fonológicos evidentes. A dificuldade na memória de trabalho interfere diretamente na contagem e no processamento sequencial de números, além de comprometer habilidades visuoespaciais, essenciais para a interpretação de símbolos matemáticos e a organização de elementos em um espaço. Aspectos psicomotores e perceptivo-táteis também podem ser afetados, tornando a execução de cálculos e operações numéricas mais desafiadora. A manifestação da discalculia pode variar conforme as regiões cerebrais envolvidas, resultando em diferentes perfis cognitivos. As funções desempenhadas por cada área cerebral influenciam diretamente os tipos de dificuldades apresentadas, exigindo abordagens diferenciadas para diagnóstico e intervenção. Como diversos fatores podem influenciar o desenvolvimento da discalculia, é essencial uma avaliação criteriosa para garantir um diagnóstico preciso. Em muitos casos, dificuldades matemáticas podem estar associadas a questões sociais, emocionais ou até mesmo à imaturidade cognitiva, exigindo uma análise aprofundada para diferenciar a discalculia de outros desafios no aprendizado. Por conta das dificuldades impostas pela discalculia, o indivíduo pode desenvolver uma percepção negativa sobre seu próprio progresso, o que gera insegurança e receio diante de novas experiências de aprendizagem. Além disso, essa falta de confiança pode resultar em comportamentos inadequados, como agressividade, apatia ou desinteresse, impactando seu desempenho acadêmico e social (Gorla; Souza; Buratti, 2021). A intervenção na discalculia deve abranger estímulos em diferentes dimensões, incluindo aspectos motores, sociais, cognitivos e afetivos, garantindo um desenvolvimento integral do indivíduo. Para que a evolução da maturidade ocorra de 36 forma adequada, é essencial um acompanhamento multidisciplinar, envolvendo profissionais da educação e da saúde, que orientem a criança, seus familiares e a escola sobre as estratégias pedagógicas mais eficazes. Além disso, é importante esclarecer os impactos cognitivos e os fatores neurobiológicos e genéticos relacionados ao transtorno. A dislexia e a discalculia também apresentam conexão com transtornos de lateralidade e a estruturação do esquema corporal. A lateralidade desempenha um papel fundamental nas interações entre a motricidade e a organização psíquica, influenciando o desenvolvimento da aprendizagem. Os transtornos psicomotores, incluindo dificuldades na lateralização e na construção do esquema corporal, podem estar associados às dificuldades na leitura e escrita, pois afetam a percepção espacial da criança em relação ao seu meio e influenciam sua formação cognitiva. Essas alterações psicomotoras impactam diretamente as atividades escolares, como leitura, escrita e cálculos matemáticos. No período de alfabetização, crianças entre seis e sete anos podem apresentar dificuldades de aprendizagem decorrentes não apenas de questões específicas da leitura e escrita, mas também da interação entre a vivência corporal e os processos cognitivos necessários para a construção do conhecimento (Gorla; Souza; Buratti, 2021). A lateralidade é um fator essencial para o desenvolvimento das habilidades de aprendizagem, mas sua alteração não está presente em todas as crianças que enfrentam dificuldades nesse processo. A consciência da lateralidade e a distinção entre direita e esquerda ajudam no reconhecimento do próprio corpo em relação ao espaço e ao tempo, sendo um aspecto consolidado por meio da educação corporal. Para crianças com discalculia, as intervenções devem ser adaptadas às suas dificuldades específicas, e os jogos lúdicos se destacam como uma estratégia eficaz. Essas atividades estimulam áreas neurológicas e cognitivas, promovendo o desenvolvimento motor, a organização, o raciocínio lógico, a destreza e o planejamento, além de ativar emoções e pensamentos, tornando o aprendizado mais dinâmico e envolvente. Os jogos também funcionam como ferramentas motivacionais, favorecendo tanto a aprendizagem objetiva, como a contagem, a classificação e o reconhecimento de padrões numéricos,