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Amicus curiae no CPC 15 - Prof. Eduardo Talamini

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Amicus curiae no CPC/151 
 
 
Eduardo Talamini 
Livre-docente em direito processual (USP). 
Mestre e doutor (USP). 
Professor da UFPR 
Advogado, sócio de Justen, Pereira, Oliveira e Talamini – Soc. Adv. 
 
1. Noção e finalidades 
O amicus curiae (art. 138 do CPC/2015) é terceiro admitido no processo para 
fornecer subsídios instrutórios (probatórios ou jurídicos) à solução de causa revestida 
de especial relevância ou complexidade, sem, no entanto, passar a titularizar posições 
subjetivas relativas às partes – nem mesmo limitada e subsidiariamente, como o 
assistente simples. Auxilia o órgão jurisdicional no sentido de que lhe traz mais 
elementos para decidir. Daí o nome de “amigo da corte”. 
O amicus curiae não assume a condição de parte. E sua intervenção não se 
fundamenta no interesse jurídico na vitória de uma das partes, diferenciando-se, sob 
esse aspecto inclusive da assistência. Por isso, ele não assume poderes processuais 
sequer para auxiliar qualquer das partes. Ainda que os seus poderes sejam definidos 
em cada caso concreto pelo juiz (art. 138, § 2.º, do CPC/2015), na essência serão 
limitados à prestação de subsídios para a decisão 
A participação do amicus curiae, com o fornecimento de subsídios ao julgador, 
contribui para o incremento de qualidade das decisões judiciais. Amplia-se a 
possibilidade de obtenção de decisões mais justas – e, portanto, mais consentâneas 
com a garantia da plenitude da tutela jurisdicional (art. 5.º, XXXV, da CF/1988). Por 
outro lado, sobretudo nos processos de cunho precipuamente objetivo (ações diretas 
de controle de constitucionalidade; mecanismos de resolução de questões repetitivas 
etc.), a admissão do amicus é um dos modos de ampliação e qualificação do 
contraditório (art. 5.º, LV, da CF/1988). 
O ingresso do amicus curiae no processo pode derivar de pedido de uma das 
partes ou do próprio terceiro. Pode também ser requisitado de ofício pelo juiz. 
Portanto, essa é uma modalidade de intervenção que tanto pode ser espontânea 
(voluntária) quanto provocada (coata). 
 
1
 O presente texto constitui síntese do que expus em “Amicus curiae – comentários aos art. 138 
do CPC”, em Breves comentários ao novo CPC (orga. Teresa Wambier, F. Didier Jr., E. Talamini e B. 
Dantas), São Paulo, Ed. RT, 2015, p. 438-445. 
2. A regra geral e a previsão em normas esparsas 
Diversas regras contidas em leis esparsas preveem hipóteses de intervenção 
que se enquadram na moldura geral do amicus curiae: art. 32 da Lei 4.726/1965 (Junta 
Comercial); Lei 6.385/1976 (Comissão de Valores Mobiliários – CVM); art. 7.º, § 2.º, da 
Lei 9.868/1999 (ADI); art. 6.º, § 1.º, da Lei 9.882/1999 (ADPF); art. 14, § 7.º, da Lei 
10.259/2001 (Juizados Especiais Federais); art. 3.º, § 2.º, da Lei 11.417/2006 (Súmula 
Vinculante); art. 118 da Lei 12.529/2011 (CADE); art. 896-C, § 8.º, da CLT, acrescido 
pela Lei 13.015/2014 (recursos de revista repetitivos). 
Não há identidade absoluta entre os regimes jurídicos extraíveis das 
disposições ora citadas. Mas de todas extrai-se um núcleo comum: permitir a 
colaboração processual de um terceiro, que nem por isso passa a titularizar posições 
jurídico-processuais de parte. O art. 138 do CPC/2015 aplica-se a todas elas 
subsidiariamente. 
O próprio CPC/2015 possui outras regras que tratam de hipóteses específicas 
de intervenção de amicus curiae, que também devem ser coordenadas com a norma 
geral do art. 138: art. 927, § 2.º (alteração de entendimento sumulado ou adotado em 
julgamento por amostragem); arts. 950, §§ 2.º e 3.º (incidente de arguição de 
inconstitucionalidade); art. 983 (incidente de resolução de demandas repetitivas); art. 
1.035, § 4.º (repercussão geral); art. 1.038, I (recursos especiais e extraordinários 
repetitivos). 
3. Cabimento formal e momento da intervenção 
Trata-se de modalidade interventiva admissível em todas as formas processuais 
e tipos de procedimento. 
A atuação do amicus curiae, dada sua limitada esfera de poderes (e, 
consequentemente, sua restrita interferência procedimental), é cabível inclusive em 
procedimentos especiais regulados por leis esparsas em que se veda genericamente a 
intervenção de terceiros. Tal proibição deve ser interpretada como aplicável apenas às 
formas de intervenção em que o terceiro torna-se parte ou assume subsidiariamente 
os poderes da parte. Assim, cabe ingresso de amicus em processo do juizado especial, 
bem como no mandado de segurança. 
Em tese, admite-se a intervenção em qualquer fase processual ou grau de 
jurisdição. A lei não fixa limite temporal para a participação do amicus curiae. A sua 
admissão no processo é pautada na sua aptidão em contribuir. Assim, apenas 
reflexamente a fase processual é relevante: será descartada a intervenção se, naquele 
momento, a apresentação de subsídios instrutórios fáticos ou jurídicos já não tiver 
mais nenhuma relevância. 
4. Pressupostos objetivos 
A intervenção do amicus curiae cabe quando houver “relevância da matéria, a 
especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia” (art. 138, 
caput, do CPC/2015). As regras especiais dessa intervenção, acima enumeradas, não 
exaurem as hipóteses objetivas de cabimento, mas servem para ilustrá-las. 
São duas as balizas: por um lado a especialidade da matéria, o seu grau de 
complexidade; por outro, a importância da causa, que deve ir além do interesse das 
partes, i.e., sua transcendência, repercussão transindividual ou institucional. São 
requisitos alternativos (“ou”), não necessariamente cumulativos: tanto a sofisticação 
da causa quanto sua importância ultra partes (i.e., que vá além das partes) pode 
autorizar, por si só, a intervenção. De todo modo, os dois aspectos, em casos em que 
não se põem isoladamente de modo tão intenso, podem ser somados, considerados 
conjuntamente, a fim de viabilizar a admissão do amicus. 
A complexidade da matéria justificadora a participação do amicus tanto pode 
ser fática quanto técnica, jurídica ou extrajurídica. 
A importância transcendental da causa pode pôr-se tanto sob o aspecto 
qualitativo (“relevância da matéria”) quanto quantitativo (“repercussão social da 
controvérsia”). Por vezes, a solução da causa tem repercussão que vai muito além do 
interesse das partes porque será direta ou indiretamente aplicada a muitas outras 
pessoas (ações de controle direto, processos coletivos, incidentes de julgamento de 
questões repetitivas ou mesmo a simples formação de um precedente relevante etc.). 
Mas em outras ocasiões, a dimensão ultra partes justificadora da intervenção do 
amicus estará presente em questões que, embora sem a tendência de reproduzir-se 
em uma significativa quantidade de litígios, versam sobre temas fundamentais para a 
ordem jurídica. Imagine-se uma ação que versa sobre a possibilidade de autorizar-se 
uma transfusão sanguínea para uma criação mesmo contra a vontade dos pais dela. O 
caso, em si, concerne a pessoas específicas e determinadas, mas envolve valores 
jurídicos fundamentais à ordem constitucional (direito à vida, liberdade religiosa, 
limites do direito à intimidade etc.). Em uma causa como essa, é justificável a 
intervenção de amici curiae, que poderão contribuir sob vários aspectos (médicos, 
filosóficos, religiosos...). 
5. Pressupostos subjetivos 
Podem ser amici curiae tanto pessoas naturais quanto jurídicas – e, nesse caso, 
tanto entes públicos como privados; entidades com ou sem fins lucrativos. Mesmos 
órgãos internos a outros entes públicos podem em tese intervir nessa condição. 
O elemento essencial para admitir-se o terceiro como amicus é sua 
potencialidade de aportar elementos úteis para a solução do processo ou incidente. 
Essa demonstração faz-se pela verificação do histórico e atributos do terceiro, de seus 
procuradores, agentes, prepostosetc. A lei aludiu a “representatividade adequada”. 
Mas não se trata propriamente de uma aptidão do terceiro em representar ou 
defender os interesses de jurisdicionados. Não há na hipótese representação nem 
substituição processual. A expressão refere-se à capacitação avaliada a partir da 
qualidade (técnica, cultural...) do terceiro (e de todos aqueles que atuam com ele e por 
ele) e do conteúdo de sua possível colaboração (petições, pareceres, estudos, 
levantamentos etc.). A “representatividade” não tem aqui o sentido de legitimação, 
mas de qualificação. Pode-se usar aqui um neologismo, à falta de expressão mais 
adequada para o exato paralelo: trata-se de uma contributividade adequada 
(adequada aptidão em colaborar). 
 A existência de interesse jurídico ou extrajurídico do terceiro na solução da 
causa não é um elemento relevante para a definição do cabimento de sua intervenção 
como amicus curiae. O simples fato de o terceiro ter interesse na solução da causa não 
é fundamento para permitir sua intervenção como amicus curiae. Mas, por outro lado, 
o seu eventual interesse no resultado do julgamento também não é, em si, óbice a que 
intervenha em tal condição. O que importa é a sua capacidade de contribuir com o 
Judiciário. E é frequente que a existência de um interesse na questão discutida no 
processo faça do terceiro alguém especialmente qualificado para fornecer subsídios 
úteis. Não é incomum, por exemplo, que determinada entidade de classe, 
precisamente porque seus membros têm interesse na definição da interpretação ou 
validade de certa norma, promova diversos simpósios, estudos, levantamentos ou 
obtenha pareceres de especialistas sobre o tema. Todo esse acervo – nitidamente 
formado a partir de interesses específicos da entidade e seus integrantes – tende a ser 
muito útil à solução do processo. Caberá ao julgador aproveitá-lo, filtrando eventuais 
desvios ou imperfeições. 
6. Irrecorribilidade da decisão sobre o ingresso de amicus 
curiae 
A decisão que determina de ofício ou defere ou indefere o pedido de 
intervenção do amicus curiae é irrecorrível (art. 138, caput, do CPC/2015). Trata-se de 
exceção à regra do art. 1.015, IX, do CPC/2015 (segundo a qual cabe agravo de 
instrumento contra decisão sobre intervenção de terceiro). 
Mas a proibição recursal não deve ser aplicada aos embargos de declaração, 
que se destinam meramente a esclarecer ou complementar a decisão. 
7. Os poderes do amicus curiae 
O juiz, ao admitir ou solicitar a participação do amicus curiae, determinará 
concretamente os poderes que lhe são conferidos (art. 138, § 2.º, do CPC/2015). 
Mas há uma gama mínima de poderes já estabelecida em lei: possibilidade de 
manifestação escrita em quinze dias (art. 138, caput, do CPC/2015); legitimidade para 
opor embargos declaratórios (art. 138, § 1.º, do CPC/2015); possibilidade de 
sustentação oral e legitimidade recursal nos julgamentos de recursos repetitivos (art. 
138, § 3.º, do CPC/2015). 
Há também limites máximos: ressalvadas as duas exceções acima mencionadas, 
o amicus curiae não tem poderes para recorrer das decisões no processo (art. 138, § 
1.º, do CPC/2015); ele também não detém outros poderes em grau equivalente aos 
das partes; seus argumentos devem ser enfrentados pela decisão judicial (arts. 489, § 
1.º, IV, 984, § 2.º, e 1.038, § 3.º, do CPC/2015). 
Dentro desses limites mínimo e máximo, cumpre ao juiz concretamente definir 
a intensidade da atuação processual do amicus curiae. 
Como indicado, a lei proíbe expressamente o amicus curiae de interpor 
recursos no processo (exceção feita a embargos declaratórios e à impugnação de 
decisões tomadas no julgamento de causas e recursos repetitivos). Todavia, não é de 
se descartar que se profiram decisões diretamente gravosas à esfera jurídica do 
amicus curiae (p. ex., o juiz o condena em litigância de má-fé ou determina que ele 
arque com verbas de sucumbência no processo). Uma vez que não cabe recurso 
contra eles, o amicus poderá valer-se do mandado de segurança (art. 5.º, LXIX, da 
CF/1988; art. 5.º, II, da Lei 12.016/2009, a contrario sensu). 
8. Não atingimento pela coisa julgada 
Precisamente porque exerce faculdades limitadas no processo, não assumindo 
a condição de parte, o amicus curiae não se submete à autoridade da coisa julgada 
(art. 506, do CPC/2015). Não se sujeita sequer ao efeito da assistência simples (art. 
123, do CPC/2015), por não assumir nem mesmo subsidiariamente a gama de direitos 
atribuída às partes. 
9. Ausência de modificação de competência 
A intervenção do amicus curiae não importa alteração de competência (art. 
138, § 1.º, do CPC/2015). Assim, quando uma pessoa de direito público, órgão ou 
empresa pública federal ingressa como amicus em processo em trâmite na Justiça 
estadual, a competência não se deslocará para a Justiça Federal. Dado o papel 
processual restrito do amicus, não se aplicam à hipótese o art. 109, I, da CF/1988 e o 
art. 45 do CPC/2015.

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