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Texto salazar Construindo uma concepção crítica de psicologia escolar Billy

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C o n s t r u in d o u m a c o n c e p ç ã o c r ít ic a 
d e P sic o l o g ia E s c o l a r : C o n t r ib u iç õ e s 
d a P e d a g o g ia H is t ó r ic o -C r ít ic a e d a 
P s ic o l o g ia S o c io H is t ó r ic a
Marisa Eugênia MeliUo Meiru
O objetivo principal deste texto é o de delimitar algumas das condi­
ções que consideramos necessárias a um posicionamento afirmativo em 
relação à construção do pensamento crítico no campo da reflexão sobre- 
as relações e interfaces possíveis enitre a Psicologia e a Educação.
A análise do movimento de crítica em relação à Psicologia Es­
colar, que se intensificou a partir da década de 1980, nos coloca um 
alerta muito importante: a intenção de buscar a construção de uma 
Psicologia mais comprometida com a finalidade de transformação 
por si só não é suficiente.
Uma análise mais detida da produção teórica da área indica cla­
ramente que o discurso da crítica muitas vezes não passa de uma 
adesão, sem maiores significados e conseqüências, a uma tendência 
que tem sido considerada como atual ou mesmo “moderna”.
É muito importante estarmos atentos para não incorrermos no 
erro de simplesmente adotarmos o discurso da transformação sem 
alcançarmos a consistência teórica e filosófica necessária para 
concretizá-la.
Esta é uma reflexão que exige, antes de mais nada, uma 
radicalidade na explicitação das raízes de nossos pressupostos e com­
promissos sociais. É exatamente esta tarefa a que estamos nos pro­
pondo neste texto.
M a r is a E u g ê n ia M kixilo M e ir a
I )¡ul;i ¡i complexidade desle objetivo e as múltiplas possibilida­
des de análise que se apresentam, delimitamos quatro questões que 
consideramos imprescindíveis:
A clareza sobre o significado do pensamento crítico e a 
compreensão de suas expressões na produção das áreas de 
Educação e Psicologia;
• A delimitação e a apropriação, pelo conjunto dos 
psicólogos escolares, dos elementos teórico-críticos já 
desenvolvidos;
• A compreensão das finalidades, da função social e do 
objeto de estudo e da atuação da Psicologia Escolar;
O enfrentamento do desafio de se formar psicólogos 
competentes e eticamente comprometidos com processos 
de humanização.
1. O PENSAMENTO CRÍTICO E SUAS EXPRESSÕES NO CAMPO
d a E d u c a ç ã o e d a P sic o l o g ía
Considerando que esta reflexão deve necessariamente respaldar­
se em bases teóricas e filosóficas sólidas, partiremos de urna breve 
retomada de algumas questões, apresentadas em trabalhos anteriores 
(Ragonesi, 1997; Meira, 2000), procurando evidenciar tanto a necessi­
dade quanto alguns dos principais fundamentos do pensamento crítico.
A análise da realidade capitalista contemporânea coloca-nos di­
ante da ampliação dos níveis de miserabilidade que devastam nações 
inteiras do chamado terceiro mundo e que também começam a amea­
çar setores das populações dos países desenvolvidos; do aumento cres­
cente e generalizado do desemprego e subemprego; da destruição do 
meio ambiente; das guerras e conflitos étnicos; do recrudesci mento do 
racismo e da discriminação; da regressão na distribuição de renda e a 
conseqüente marginalização das camadas majoritárias da população.
A concentração do poder tecnológico e militar, das riquezas e 
do capital financeiro vem aumentando cada vez mais a distância
social entre a minoria que os detêm e a maioria da humanidade, coni- 
pondo-se um cenário que combina, por um lado, a mais alta modernidade 
tecnológica e, por outro, a mais profunda devastação social.
Não há como negar que vivemos em um mundo no qual absolu­
tamente tudo, inclusive os direitos à educação e a própria vida em 
um sentido mais amplo, são entregues sem nenhuma cerimônia ao 
espírito mercantilista do capital.
Diante da evidência de que as forças do mercado não têm como 
resolver o mal-estar estrutural do capitalismo, faz-se necessária uma 
firme contraposição ao conformismo, à resignação, ao encantamen­
to com os valores do mercado e à intoxicação ideológica provocada 
pelas teses neoliberais, as quais, como aponta Fernandes (1995 ), cum­
prem a função de escamotear a produção de lucro e pobreza em 
escala geométrica, buscando dar uma aparência de sentido ao pro­
cesso de devastação da classe trabalhadora.
Nesse contexto, a reflexão crítica impõe-se como necessida­
de imperiosa para toda a sociedade e, muito mais particularmen­
te, para aqueles que têm a educação como seu espaço de atua­
ção profissional.
Contrariando as tendências hegemônicas, consideramos que é pos­
sível empreender a tarefa da crítica neste momento histórico. Isto não 
significa que esta empreitada seja fácil ou tranqüila. Ao contrário, atu­
almente é preciso um grande esforço para impedir que as visões pro­
gressistas sejam diluídas pela onda conservadora que varre o mundo, e 
a reflexão teórico-crítica tem um papel privilegiado neste processo.
O conceito de crítica pode assumir múltiplos sentidos em função 
das orientações teórico-filosóficas adotadas. Neste trabalho, toma­
remos como referência principal parte do conjunto de formulações 
filosóficas, sociais, econômicas e políticas desenvolvidas por Karl 
Marx e de algumas obras de autores que, de alguma forma, se fun­
damentaram nessa mesma fonte.
A partir desse referencial propomos que um pensamento que se 
pretende crítico deve contemplar, pelo menos, os seguintes elemen­
tos principais:
C o n s t r u in d o i j m a c o n c e i ç ã o c r í t i c a d e P s ic o l o g ía E s c o l a r . . . I S
M a r is a E u c í n i a M r:i i i l o M u ir a
• Reflexão e método que apreendam o movimento das 
contradições dos fenômenos como fatos sociais concretos, 
sínteses dc múltiplas determinações e que como realidades 
históricas podem constituir-se em objeto da ação humana 
transformadora;
• (Yíl ica tio conheciníento que possa apontar para o caráter 
ideológico da ciência. A compreensão de que as idéias são 
produtos situados cm relações sociais que se desenvolvem 
históricamente e que, portanto, todo o processo de produção 
científica é determinado por compromissos bem definidos é 
condição fundamental para que possamos desvelar estruturas 
subjacentes à historicidadedo real, indo à raiz do conhecimento 
e localizando a perspectiva de classe que o construiu (Forachi 
e Martins, 1983). Desta forma, como aponta Marx (1989), 
podemos ultrapassar a mera compreensão das aparências e 
pelo pensamento teórico apreender a essência dos múltiplos 
fenômenos que se constituem na realidade social;
• Denúncia da degradação, da alienação e da heteronomia 
humana nas condições postas pelo capitalismo. Na sociedade 
contemporânea há muitas maneiras pelas quais o indivíduo 
aliena-se de si mesmo e dos produtos de sua atividade e 
todas elas expressam a mesma coisa: a clivagem entre o 
homem e sua humanidade. Uma teoria crítica deve 
necessariamente desvendar o caráter alienado deste mundo 
em que as coisas se movem como pessoas e as pessoas são 
dominadas pelas coisas que elas próprias criaram (Marx, 
1962) e, ao mesmo tempo, constituir-se em um caminho 
possível para a defesa radical da dignidade da vida, da justiça, 
da igualdade e da liberdade para todos os homens;
• Possibilidade de ser utilizado como instrumento no 
processo dc transformação social, já que, além de desvelar 
a realidade, permite apontar as possibilidades de 
transcendência. Na tese XI, sobre Feuerbach, Marx (1987) 
forneceu os elementos necessários para pensarmos a conexão 
histórica entre a filosofia e a ação. Nessa direção de reflexão.
C o n s t r u in d o u m a c o n c e p ç ã o c r í t i c a d e P s i c o u x a a E s c o l a r . . .
Vázquez (1977) evidenciou que é preciso ter claro que a 
teoria em si não transforma o mundo, mas só pode contribuir 
para transformá-lo exatamente como teoria.
Poderíamos dizer, em síntese, que uma concepção ou teoriaé 
crítica à medida que transforma o imediato em mediato; nega 
as aparências ideológicas; apreende a totalidade do concreto 
em suas múltiplas determinações e compreende a sociedade 
como um movimento de vir-a-ser.
Com base nesse conceito, sustentamos que um caminho possí­
vel para uma fundamentação mais consistente de uma nova pers­
pectiva de Psicologia Escolar pode ser buscado no recurso a con­
cepções críticas de Educação e Psicologia.
Partimos do pressuposto de que o recurso à Filosofia da Educa­
ção é indispensável ao psicólogo escolar, já que este só poderá defi­
nir com clareza seu papel profissional a partir de uma reflexão rigo­
rosa sobre a função da escola e, fundamentalmente, dos elementos 
que facilitam e dificultam seu pleno exercício.
Encontramos na pedagogia histórico-crítica1 os elementos ne­
cessários à compreensão de três proposições fundamentais: a rela­
ção entre educação e sociedade deve ser pensada no interior 
do processo de produção e reprodução do capital; a educação é 
socialmente determinada de forma dialética e contraditória; a 
educação escolar constitui-se em uma instância fundamental para 
a socialização do conhecimento historicamente acumulado.
Conforme aponta Oliveira (1995), a concepção histórico-crítica 
permite-nos analisar a educação como uma atividade mediadora que 
se insere de forma contraditória na organização social, o que torna
1 A expressão pedagogia histórico-crítica foi cunhada por Dermeval Saviani. Este 
autor divide as teorias educacionais em três grandes grupos: liberal, crítico-reprodutivista 
e histórico-crítica. Enquanto a concepção liberal advogou a autonomia da educação em 
relação à sociedade e a colocou como um elemento de correção das distorções sociais 
(Saviani, 1982) e os crítico-reprodutivistas denunciaram-na como um instrumento de 
reprodução dessa sociedade (Saviani, 1982), a concepção histórico-crítica supera a 
articulação mecanicista entre educação e sociedade, defendendo a possibilidade de, ao 
analisar essa re lação com o essencia lm ente d ia lé tica e con trad itó ria , pensar em 
transformações no quadro educacional e social. (Saviani, 1984, 1991, 1992)
Mahiua I'.uoénia Mi i mío Mhha
possível colocar como mela não imediata da educação a transforma- 
ção social, oti soja, uma niela mediatizada pela ação educativa sobre 
a consciência dos sujeilos.
À medida que a concepção histórico-crítica expressa uma ten- 
tativa de compreensão da totalidade dos fenômenos educacionais 
ela não pode ser simplesmente somada ou justaposta às proposições 
teóricas tradicionais de Psicologia. Falar de educação e cidadania é 
falar de um novo compromisso da Psicologia.
Em consonância com Goldman (1977) e Shuare (1990), acredi­
tamos que o ponto de partida para a construção dessa nova forma de 
pensar a Psicologia deve ser a busca de bases filosóficas sólidas.
Conforme aponta Sève (1977), à medida que a Psicologia tem neces­
sariamente que se interrogar sobre o que é o homem, acaba se colocando 
um problema que só |xxle ser resolvido com o suporte de outras áreas do 
conhecimento, em especial das correntes histórico-críticas da Filosofia.
Emlx)ra sob influência do ideário positivista a Psicologia tenha histori­
camente buscado uma espécie de liberação de toda ingerência filosófica, 
é preciso ter clan) que toda e qualquer teoria é produzida a partir de uma 
determinada concepção de mundo e um certo enfoque filosófico.
Não é suficiente, entretanto, nos remetermos aos grandes te­
mas tratados pela Filosofia apenas tomando-lhes emprestados cer­
tos conceitos. É fundamental a realização de um esforço teórico no 
sentido de nos apropriarmos desses conhecimentos, não para usá-los 
como verdades acabadas, mas para ampliar nosso processo de re­
flexão e construção de novas perspectivas.
Encontramos em Marx 2 as primeiras referências para compre­
endermos o homem como ser social que se constrói nas e pelas 
condições sociais e que, portanto, não pode ser tomado como um 
ser-em-si, já que necessita entrar em relação com a natureza e 
com outros homens para que suas necessidades sejam atendidas.
E importante ressaltai- que, na perspectiva marxista, o processo 
de determinação social do homem não pode ser apreendido de forma
2 Ver em especial o prefácio e 1“ capítulo do Capital (Marx, 1983) e 3o Manuscrito 
Filosófico (Marx, 1982).
C o n s t r u in d o u m a c o n c e p ç ã o c r í t i c a d e P s ic o l o g ia E s c o l a r . . . 19
mecânica. Embora defendesse que a estrutura e as relações econômi­
cas determinam e condicionam a existência e as formas do Estado e 
da consciência social, em momento algum elas foram enfocadas isola­
damente. Deste modo, ainda que a instância econômica consiitua-se 
11a base da vida social dos homens, ela rião pode ser compreendida 
sem a referência a todas as demais instâncias da superestrutura.
Buscando trazer as questões postas pela filosofia marxista para nos­
so próprio terreno, defendemos que uma perspectiva crítica de Psicologia 
deve dar conta de esclarecer pelo menos duas questões: a relação entre 
indivíduo e sociedade e o papel possível do homem no processo histórico.
Consideramos que a Psicologia já dispõe de elementos teórico- 
críticos importantes que nos permitem pensar dialeticamente a inser­
ção do sujeito no contexto histórico. Essa concepção crítica traz a 
compreensão de que a relação entre o homem e a sociedade é 
de mediação recíproca, o que significa que os fenômenos psi­
cológicos só podem ser devidamente compreendidos em seu 
caráter fundamentalmente histórico e social.
Assim, é possível compreender que os homens não se consti­
tuem nem como criadores da realidade, nem como reflexos passi­
vos da infraestrutura, meros suportes das relações sociais. Exata­
mente por isso é possível a afirmação de um sujeito consciente 
que pode ter um papel ativo no processo histórico. As ten­
dências objetivas que se apresentam no curso da história por si 
mesmas não são capazes de provocar transformações, motivo pelo 
qual necessitam da ação humana.
É preciso considerar a possibilidade de pensar o papel fundamen­
tal do homem na construção da história, e ao mesmo tempo, compre­
ender o quanto a sociedade impede das mais diferentes formas a emer­
gência e o desenvolvimento de processos de humanização.3 As dificul­
dades que se colocam no sentido do indivíduo fazer as rupturas ideológi­
cas para que se tome de fato humano não invalidam a necessidade da
3 Consideramos que é fundamental estarmos atentos para o gradativo desaparecimento 
das forças críticas na sociedade capitalista avançada apontado pelos teóricos da Escola 
de Frankfurt. A este respeito pode-se consultar as obras de Adorno e Horklieimer.
M a h iü a E u o Ên ia M i i i .u i o M e ir a
transformação social. Ao contrário, como aponta Duarte (1993), é pre­
ciso lutar pela realização ao máximo possível, ainda no seio das rela­
ções sociais de dominação, das possibilidades de formação e desen- 
volvimentoda individualidade humana
Com base nos pressupostos teórico-filosóficos da Pedagogia his- 
tórico-crítica e da Psicologia sociohistódca, propomos que a apre­
ensão d» educação como instrumento mediatizado de trans­
formação social e do homem como sujeito histórico que se 
insere dialetieaniente na complexa trama social podem orien­
tar o psicólogo escolar tanto na definição das áreas mais im­
portantes que exigem sua intervenção, quanto na escolha das 
alternativas teóricas e metodológicas que possam concretizar 
suas llnialidudes profissionais.
2 . E l e m e n t o s t e ó r ic o c r ít ic o s d e se n v o l v id o s n o 
c a m p o d a P sic o l o g ía E sc o la r /E d u c a c io n a l
O objetivo deste item é o de delimitaras principais proposições 
que já foram desenvolvidas na área e que devem ser apropriadas 
pelo conjunto dos psicólogos escolares comocondição para novos 
desen vo I v i mc ntos teóricos.
A análise de parte das produções teóricas mais recentes que, de 
variadas formas, têm buscado uma aproximação diferenciada da 
Psicologia coin a Educação indica o desenvolvimento de posturas 
mais críticas, especialmente no que se refere à discussão dos se­
guintes temas fundamentais:
• Fundamentos da Psicologia Escolar;
• Papel da Psicologia na formação e atuação docente e
nos ideários pedagógicos;
• Análise crítica da produção teórica na área;
• Subjetividade e educação.
Embora alguns desses assuntos venham sendo trabalhados por 
outras áreas do conhecimento, como Pedagogia, Filosofia da Educa­
C o n s t r u in d o u m a c o n c e p ç ã o c r i t i c a d e P s ic o l o g ia E s c o l a r ... 2 1
ção e Sociologia, entre outras, neste trabalho nos interessa ape­
nas destacar linhas de reflexão crítica especificamente no campo 
da Psicologia.
É importante ressaltar que buscaremos não enveredar pela dis­
cussão mais individualizada do grau de relevância das contribuições, 
embora algumas sejam mais significativas que outras, quer pela pro­
fundidade teórica revelada, quer pela clareza dos pressupostos filo­
sóficos que as norteiam e pelo posicionamento político mais global e 
firme diante tanto da ciência psicológica e de seus usos possíveis 
quanto da sociedade e das demandas a quem se destinam, ou ainda, 
pelo nível de pertinência com a proposição da transformação e os 
caminhos teórico-metodológicos escolhidos para se alcançar sua 
concretização.
Desta forma, não estamos considerando que os diferentes 
posicionamentos sejam consensuais ou equivalentes entre si, nem 
muito menos que já se tenha conseguido um grau razoavelmente 
significativo de consistência que nos permita afirmar a hegemonia da 
concepção crítica em nossos meios. Ao contrário, as análises reali­
zadas indicam não apenas que estas posições são minoritárias, como 
ainda que, mesmo nesse restrito grupo coexistem perspectivas dife­
rentes.
Parece haver, no entanto, um elo comum a todas as elaborações 
que discutiremos em seguida, que é o fato de partirem do pressupos­
to da necessidade da Psicologia Escolar romper com um modelo de 
atuação tradicional.
Análise crítica dos fundamen tos da Psicologia Escolar
Embora desde o fim da década de 1970 e início dos anos 80 
tenha se iniciado todo um processo de discussão sobre os caminhos 
e descaminhos da Psicologia Escolar, só a partir da publicação, em 
1984, do livro Psicologia e Ideologia - uma introdução crítica ü 
Psicologia Escolar de Maria Helena de Souza Palto, é que, de fato,
M a r is a E u g ê n ia M u l u l o M e ir a
se desvelou sua tendência histórica de se colocar a serviço, das rnais 
diferentes formas, da conservação tanto da estrutura tradicional da 
escola quanto da ordem social na qual está inserida.
A necessidade de se analisar com profundidade a realidade 
educacional brasileira em toda a sua extensão e de se assumir um 
posicionamento político definido em relação à educação e ao pa­
pel social da Psicologia parece ter se constituído no passo inicial 
de um movimento de crítica a Psicologia Escolar em uma pers­
pectiva tradicional.
Na década de 1980, autores como Patto (1984), Khouri (1984), 
Urt (1989), Antunes (1988), Ferreira (1986) e Almeida (1985) de­
ram início a um processo de discussão que evidenciava que as trans­
formações necessárias à Psicologia Escolar demandavam, antes de 
mais nada, a busca de pressupostos críticos no que se refere a con­
cepções de homem e das relações entre escola e sociedade no con­
texto histórico do capitalismo.
A conseqüência mais importante dessas reflexões iniciais foi o 
destaque da necessidade de rompimento com o modelo clínico de 
atuação, que se expressa em seus pressupostos que se concretizam 
em práticas profissionais de psicólogos e nas produções e abordagens 
teóricas que fundamentam ou orientam propostas educacionais.
Esse modelo vem sustentando os processos de culpabilização 
dos alunos pela via da psicologização e patologização dos problemas 
educacionais. Partindo desse olhar, problemas de aprendizagem e 
ajustamento dos alunos à escola são explicados como conseqüência 
de dificuldades orgânicas; características individuais de persona­
lidade, capacidade intelectual ou habilidades perceptivo-motoras; 
problemas afetivos e vivenciais; comportamentos inadequados; ca­
rências psicológicas e culturais; dificuldades de linguagem; desnutri­
ção; despreparo para enfrentai' as tarefas da escola; falta de apoio 
da família; “desagregação” familiar. Conforme aponta Patto (1984). 
esta aparente diversidade teórica e metodológica encobre uma uni­
dade ideológica: a ênfase dada à adaptação dos indivíduos à escola e 
à sociedade.
C o n s t r u in d o u m a c o n c e p ç ã o c r í t i c a d e P s ic o l o g ia E s c o l a r ,.,
As expressões desse enfoque estritamente psicológico por dife­
rentes caminhos levam a uma visão clínica tradicional do trabalho do 
psicólogo escolar, a partir da qual ele se volta para o diagnóstico 
(ainda que utilizando diferentes recursos teóricos) e tratamento dos 
problemas que se supõem serem dos alunos. O rompimento com 
esse modelo de atuação, centrado nos alunes considerados proble­
máticos, levou ao redirecionamento do olhar e das análises da Psico­
logia Escolar para os processos educacionais.
A partir do fim da década de 1980 e início da década de 1990 
surgem produções que buscam compreender as maneiras pelas quais 
as dificuldades escolares, sobretudo das crianças pobres que 
freqüentam as escolas públicas, são produzidas pelas condi­
ções e práticas escolares ineficientes e preconceituosas. Dentre 
os estudos produzidos nesse período, destacamos os trabalhos de 
Campos (1989); Patto (1990, 1992); Souza (1989); Boarini (1992); 
Masini (1986); e Collares e Moysés (1992).
Na parte final do texto “A produção do fracasso escolar - histó­
rias de submissão e rebeldia”, Patto (1990, pp. 340-52) apresenta, à 
guisa de conclusão, algumas questões que nos parecem funda­
mentais e que representam uma síntese dos avanços teóricos 
conquistados até aquele momento: as explicações do fracasso 
escolar baseadas nas teorias do déficit e da diferença cultural 
precisam ser revistas a partir do conhecimento dos mecanismos 
escolares produtores de dificuldades de aprendizagem; o fracasso 
da escola pública elementar é o resultado inevitável de um sistema 
educacional congenitamente gerador de obstáculos à realização de 
seus objetivos; o fracasso da escola elementar é administrado por 
um discurso científico que, escudado em sua competência, naturaliza 
esse fracasso aos olhos de todos os envolvidos nesse processo.
Para Patto, embora este seja um quadro complexo, já que as 
explicações ideológicas encontram-se profundamente arraigadas nos 
meios escolares, é possível superá-lo pela via da reflexão crítica so­
bre as práticas escolares, dos direitos da cidadania e das relações de 
poder em uma sociedade de classes. Para a autora, “a convivencia
2 4 M a r tsa E u g ê n ia M i i j .h o M e ir a
de mecanismos de neutralização de conflitos com manifestações de 
insatisfação e rebeldia faz. da escola um lugar propício à passagem 
ao compromisso humano genérico” (Patto, 1990, p. 348).
No fim da década de 1990 e início dos anos 2000, surgem estudos 
que buscam compreender de maneira mais detida os fenômenos psico­
lógicos no interior dos processos de produção do fracasso escolar.
Machado e Souza (199 7) destacam a importância de problematizar 
acontecimentos e relações cristalizados nos casos em que o fracasso 
escolar já se instalou. Para as autoras, compreender como alunos e 
professores se constituem nesse processo permite movimentar históri­
as escolares, por mais graves que sejam as dificuldades econômicas, 
intelectuais ou afetivas por que passam algumascrianças.
Para Souza (2000), embora a Psicologia tenha ampliado seu 
olhar e incorporado a análise dos determinantes sociohistóricos, a 
presença de concepções críticas sobre a queixa escolar ainda per­
de espaço para leituras psico logizantes do processo de 
escolarização. Para a autora, o discurso crítico sobre a escola pre­
cisa vir acompanhado do questionamento dos “problemas de apren­
dizagem”, compreendendo-os no conjunto de relações institucionais, 
históricas, psicológicas e pedagógicas que constituem o dia-a-dia 
escolar. Desta forma, a intervenção do psicólogo deve possibilitar o 
“pensar junto” com as crianças e professores as relações estereoti­
padas e produtoras de repetência, bem como as práticas que estig­
matizam e excluem.
Junto com as queixas relacionadas a dificuldades e problemas 
de aprendizagem de conteúdos, outras demandas escolares têm se 
colocado, especialmente, para os profissionais da Psicologia. Agres­
sões, indisciplina, atitudes violentas e desrespeito a professores e 
funcionários, atualmente, têm se tornado a principal queixa das esco­
las em relação a seus alunos.
Consideramos que uma discussão adequada sobre essa questão 
demanda, em um primeiro momento, a análise das relações sociais 
no contexto das escolas.
A atividade educacional em sala de aula se constrói nas e pelas 
relações sociais; por isto há uma clara correspondência entre a qualida­
C o n s t r u in d o u m a c o n c e p ç ã o c r í t i c a d e P s ic o l o g ía E s c o l a r ...
de das práticas pedagógicas e os di ferentes tipos de relações interpessoais 
que se estabelecem cotidianamente entre professores e alunos.
As relações sociais na escola podem constituir-se tanto em fon­
tes de independência e autonomia quanto de alienação e subal- 
tcrnidade. Quando professores e alunos não se envolvem de manei­
ra firme e consciente com a construção de relações recíprocas de 
respeito, cooperação e solidariedade e se voltam de maneira simplista 
para a adoção de medidas coercitivas de controle e punição, refor­
ça-se o circuito de alienação do qual todos participam ainda que inad­
vertidamente.
O não rompimento com essa situação tende a “explodir” das 
mais diferentes formas: a dificuldade de construir com os alunos re­
gras e normas coletivas, o que leva ora ao autoritari smo, ora ao aban­
dono da autoridade dos professores; o predomínio de climas defensi­
vos, já que tanto alunos quanto professores se sentem ameaçados; a 
agressividade; a indisciplina; a apatia; a violência.
É preciso ter claro que relações interpessoais humanas e huma- 
ni/.adoras não emergem de forma espontânea ou natural no cotidiano 
das salas de aula; elas precisam ser intencionalmente construídas.
Parece, no entanto, que essas questões não estão claras para a 
maioria dos educadores, que continua a esperar um aluno “natural­
mente disciplinado” (Boarini, 2002).
Boarini (2002) analisou dados provenientes de várias pesquisas 
sobre indisciplina e constatou que a maior parte das explicações e 
propostas de soluções apresentadas por pais e professores estão cir­
cunscritas à escola, à família e, às vezes, à sociedade, que aparece 
como algo abstrato. Para a autora, não há como discutir a questão do 
aluno “indisciplinado” sem uma leitura clara do contexto da sociedade, 
da escola e da família nos dias de hoje. É preciso considerar, entre outras 
coisas, que o homem contemporâneo valoriza pouco os problemas cole­
tivos e os espaços públicos; que a desconsideração pela dignidade alheia 
foi banalizada e tornou-se algo corriqueiro; que o desejo e a motivação 
do indivíduo são colocados acima do interesse coletivo; que a escola 
como espaço público está claramente fragilizada; que a escola deixou de 
acompanhar seu tempo histórico; que o professor trabalha os “limites do
2 6 M a r is a E u o ê n ia M k l u l o M e ir a
não pode”, em vez de privilegiar os “limites da possibilidade”; que a 
escola não respeita diferenças e naturaliza os individuos.
Para Boarini é preciso questionar a escola, a sociedade e o pró­
prio conceito de disciplina. A disciplina é importante para se desen­
volver qualquer atividade, seja individual ou em grupo, e não simples­
mente para obter comportamento padronizado e rígido. Disciplina 
não é um fim em si mesmo, mas um exercício diário a ser construído 
por todos os envolvidos, com respeito e reflexão.
Uma outra contribuição importante deste último período foi dada 
por autores que passaram a denunciar a existência de preconceitos, 
que são, freqüentemente, apresentados como explicações plausíveis 
para o fracasso escolar.
Collares e Moysés (1996) indicaram, com base no referencial 
de Agnes Heller e em extensa pesquisa empírica, que o cotidiano 
escolar é permeado por preconceitos e juízos prévios sobre os alunos 
e suas famílias, que se mantêm inabaláveis mesmo diante de evidên­
cias que os refutam racionalmente. Assim, culpam-se as crianças 
por não aprenderem (são pobres; negras; nordestinas; da zona rural; 
imaturas; não se interessara; são doentes; preguiçosas; seus pais são 
analfabetos; suas mães trabalham fora; são desnutridos; têm proble­
mas neurológicos e psicológicos, etc.) e a escola apresenta-se para a 
sociedade praticamente como uma vítima de uma clientela inade­
quada e despreparada.
Para as autoras é fundamental analisar essas concepções da 
vida cotidiana da escola para compreender mitos que impedem o 
avanço das discussões e de propostas que possam impulsionar trans­
formações no sistema escolar.
Partindo da perspectiva frankfurteana, Crochik (1995) destaca 
que, embora o preconceito seja um fenômeno psicológico, suas ori­
gens devem ser buscadas no processo de socialização. Da mesma 
forma, o combate a ele não pode se dar apenas no âmbito individual. É 
preciso combatê-lo em várias instâncias e, em especial, na escola. O 
autor coloca ainda, que as atividades cotidianas desenvolvidas nas es­
colas apresentem aspectos marcadamente regressivos., já que nesse
C o n s t r u in d o u m a c o n c e p ç ã o c r í t i c a d e P s ic o ix x jia E s c o l a r ..
tíspaço a apropriação da cultura acaba se concretizando como assimi­
lação de um bem de consumo banal e superficial, é possível pensar em 
uma educação que se volte para a subjetividade e a reflexão, o que 
pode se constituir em um antídoto que permita, ao menos, frear a 
destrutividade do preconceito.
Com base nesses desenvolvimentos teóricos, podemos afirmar 
que a primeira condição para que possamos desenvolver práticas 
criticamente comprometidas é a compreensão do fracasso esco­
lar a partir de uma análise aprofundada do fenômeno educa­
cional como síntese de múltiplas determinações e que se si- 
lua em um contexto histórico concreto.
A medida que avançamos 11a crítica ao modelo de atuação e à 
produção do fracasso escolar torna-se mais do que evidente a ne­
cessidade de uma redefinição dos processos tradicionais de avalia­
ção e diagnóstico.
Encaminharemos a análise crítica desses processos consideran­
do inicialmente quatro questões: o que é avaliado; como é feita a 
avaliação; critérios e bases conceituais dos testes e conseqüências 
dos exames psicológicos para as crianças envolvidas.
Cada vez mais os psicólogos têm sido procurados em clínicas e 
instituições educacionais para atuar de alguma forrna com crianças e 
adolescentes que são encaminhados por não se enquadrarem no modelo 
desejado pela escola ou pela família, em função de dificuldades que se 
supõe serem deles próprios, seja de aprendizagem ou comportamento.
Na grande maioria dos casos, os profissionais limitam o pro­
cesso de avaliação ao diagnóstico do aluno. Desta forma, aceitam 
a queixa como um dado real, concreto, verdadeiro e se tornam inca­
pazes de compreender o contexto e as relações que produzem os 
motivos para se encaminhar alunos para atendimento, ou seja, todoo 
processo de produção da queixa escolar.
O psicodiagnóstico usual avalia fundamentalmente os conheci­
mentos e habilidades já adquiridos pela criança, visando medir respos­
tas, resultados, o produto final, ou seja, pauta-se pela idéia da falta; da 
anormalidade; da doença. Nas palavras de Machado (1997, p. 88):
I H M a r i s a E u g ê n ia M e u ü jO M e i r a
Quando impera a pergunta o que a criança tem?, pre­
domina um trabalho em relação ao que ‘‘falta a ela ter”. 
Dessa forma, tornamo-nos capazes de criar um juízo a 
respeito da criança, mas não de transformar aquilo que 
está sendo produzido. Assim, cria-se um ciclo vicioso no 
qual nossos discursos tendem a intensificar aquilo que 
queremos mudar. As palavras criam realidades.
Assim, nesta perspectiva o objeto de avaliação é o aluno, já que 
conforme destacamos, pressupõe-se que a origem dos problemas es­
colares se encontra em seu interior.
No que se refere à segunda questão, o tipo de avaliação psi­
cológica, que tem sido realizado nas escolas e serviços de saúde, 
revela desde a falta de um mínimo de qualidade até infrações 
éticas graves. Para Patto (1995), esta forma de atuação do psi­
cólogo chega a se constituir em um verdadeiro crime de lesa ci­
dadania. Em suas palavras:
Laudos invariavelmente ausentes de substrato teórico; 
mergulhados no senso comum; lacônicos; arbitrários; ca­
rentes de critica; feitos com uma displicência reveladora 
de desrespeito pelo cliente e de certeza de que as vitimas 
destas práticas não têm nenhum poder a opor ao poder 
técnico, servem, na verdade, para estancar a carreira es­
colar de tantos pequenos brasileiros (Patto, 1995, p. 16).
Em relação às bases conceituais* os testes pressupõem a crença 
em pelo menos duas assertivas: que os sujeitos apresentam natural­
mente características ou potencialidades (tais como inteligência, per­
sonalidade, capacidades, etc.) e que elas podem ser medidas.
A primeira delas revela claramente que se toma como natural o 
que, na verdade, foi produzido socialmente, o que conforme apontam 
Collares e Moysés (1997), permite que se possa acreditar que a vida 
humana é determinada pela constituição genética dos sujeitos. Desta 
maneira., a ciência procede à racionalização da desigualdade a até da 
crueldade, oferecendo-lhe uma falsa aparência de decência e justiça.
C o n s t r u in d o u m a c o n c e p ç ã o c r í t i c a d e P s ic o l o g ia E s c o l a r ...
Especialmente no que se refere à inteligência, as autoras desta­
cam que os testes desconsideram por completo que o pensamento 
está sempre intrinsecamente vinculado à ação e que suas possibili­
dades de avanço estão definidas e limitadas pelas necessidades e 
possibilidades colocadas por contextos históricos e sociais determi­
nados. Compreender que a inteligência é construída histórica e soci­
almente significa compreender que crianças que têm seu acesso aos 
bens culturais bloqueado não são menos inteligentes que outras, ape­
nas apresentam um desenvolvimento conformado por condições 
sociais concretas.
Essa concepção de desenvolvimento, como processo historica­
mente determinado, já aparecia na obra de Marx, como se pode 
depreender da seguinte afirmação:
Se as circunstâncias em que um indivíduo evoluiu só 
lhe permitem um desenvolvimento unilateral, de uma 
qualidade em detrimento de outras; se estas circunstân­
cias apenas lhe fornecem os elementos materiais e o tem­
po propícios ao desenvolvimento desta única qualida­
de, este indivíduo só conseguirá alcançar um desenvol­
vimento unilateral e mutilado (Marx, ¡983, p. 45).
Em relação à segunda assertiva, ou seja, a possibilidade de me­
dirmos o potencial dos sujeitos, Collares e Moysés (1997) alertam 
que em um processo de avaliação a medida a que temos acesso é 
apenas a expressão do potencial, jamais o potencial. Mais do que 
isso, temos acesso a uma determinada expressão do potencial que é 
definida pelo avaliador como sendo a mais importante.
Como exemplo, as autoras citam o fato de que algumas crianças 
fazem pipas enquanto outras desenham, ambas com a mesma coorde­
nação motora; nenhuma delas pode ser considerada a melhor, à medi­
da que são apenas expressões diferentes, sem hierarquia entre si, de 
uma mesma coordenação à qual não se têm acesso. Isso indica que a 
escolha do profissional por uma delas, longe de ser respaldada em 
critérios científicos, tem um caráter ideológico, já que é facilmente
JO M a k is a E u c é n ia M ellu x ) M e ir a
verificável que as preferencias geralmente recaem sobre as formas 
tle expressão encontradas nas classes sociais privilegiadas.
Assim, a avaliação caminha pelo terreno do preconceito, que se 
volta para a normalização e exclusão de tudo o que é diferente e que 
foge do modelo ideal e das regias que instituem a normalidade ou 
anormalidade dos sujeitos (Machado, 1994).
No que se refere às conseqüências, essa prática terá resultados 
diferentes em função da classe social das crianças: para as de ca­
madas média e alta, terapias e apoio psicopedagógico; paia as po­
bres está selado um destino de exclusão devida e “cientificamente” 
justificado (Patto, 1997).
Em qualquer um dos casos, o psicólogo em nada contribui para 
provocar as alterações necessárias nas práticas e concepções pro­
dutoras do fracasso.
Para Patto (1997), além de todas essas críticas é preciso ainda 
fazer uma critica radical à razão psicométrica, discutindo a concepção 
de ciência, de homem e sociedade que engendra os testes e que leva a 
Psicologia a se voltar para li avaliação e classificação de indivíduos e 
grupos, traduzindo diferenças sociais em diferenças entre os indivíduos.
Nessa mesma direção, Sass (1994) destaca a importância de uma 
reflexão sobre o significado da avaliação em uma sociedade de classes. 
Para o autor, só conseguiremos evitar a ditadura dos laudos se compre­
endermos de uma maneira mais profunda de que fonna eles vêm aten­
der às exigências e interesses de uma sociedade determinada.
A compreensão do fracasso escolar não com» um proble­
ma do aluno, mas como um processo produzido nas condições 
sociais; nas histórias escolares; nas práticas pedagógicas; nos 
mecanismos institucionais; nas relações que se constroem 
cotidianamente nas escolas deve necessariamente se tradu­
zir em uma redefinição do objeto, do processo e das conseqü­
ências da avaliação.
Em uma perspectiva crítica, como aponta Machado (2000), é 
preciso considerar que o objeto de avaliação não é o aluno, mas 
sim as diferentes relações e práticas que produziram a queixa
C o n s t r u in d o u m a c o n c e p ç ã o c r í t i c a d e P s ic o l o g ia E s c o l a r ...
em relação ao aluno e que geraram a necessidade de encaminha­
mento para o atendimento psicológico. A pergunta central já não é 
mais “o que o aluno tem que não aprende”, mas, como é o campo 
social no qual esta queixa foi produzida?
Machado ainda destaca que os dados a serem coletados devem 
ser utilizados no sentido de compreender, sem nenhum tipo de julga­
mento, a situação e o processo que geraram a queixa e não para 
encontrar motivos que justifiquem o processo de culpabilização da 
criança ou de sua família. Neste sentido, em nenhum momento 
os dados podem utilizados para justificar de forma naturalizante 
as dificuldades escolares do aluno, mas para se entender me­
lhor as múltiplas determinações presentes neste processo de 
produção do fracasso.
Enquanto no processo de avaliação tradicional enfatiza-se o que 
a criança não tem e não sabe, em uma perspectiva crítica o psicólo­
go deve olhar para o que ela sabe e gosta de fazer. Nas palavras de 
Collares e Moysés:
Ao invés de buscar o defeito, a carência da crian­
ça, o olhar procura o que ela já sabe, o que tem, o que 
pode aprender a partir daí. O profissional tenta, mais 
que tudo, encontrar o prisma pelo qual acriança olha 
o mundo, para ajustar seu próprio olhar Collares e 
Moysés (1997, p. 86).
Visto deste modo, o processo de avaliação terá conseqüências 
diferentes. SÉ da compreensão das possibilidades de desenvolvi­
mento de todos os envolvidos que poderão emergir os cami­
nhos que poderemos trilhar com a criança, a família e a escola 
para fazer com que esta história escolar que está em um certo 
sentido paralisada pelo rótulo resultante desta queixa, possa 
ser movimentada em direção à superação das dificuldades, 1
Consideramos que é nessa caminhada teórica que se iniciou com 
a crítica ao modelo clínico de atuação e que possibilitou a denúncia 
da produção do fracasso escolar e o anúncio de novas formas de
pensar os processos dc avaliação, que poderemos encontrar os ele­
mentos necessários à constituição dc um conjunto inicial de pressu­
postos teóricos e filosóficos que poderão orientar o desenvolvimento 
de práticas profissionais críticas e comprometidas.
O papel da Psicologia na formação e atuação docente e nos 
ideários pedagógicos
Vários estudos vêm apontando a necessidade de repensarmos a 
inserção da Psicologia nos cursos de formação docente, no sentido 
de que os conhecimentos psicológicos possam efetivamente 
contribuir para a elaboração dc propostas mais consistentes 
que resuUcm em melhorias da prática e do processo de en­
sino aprendi/agem.
As principais críticas que têm sido feitas ao papel cia Psicologia na 
formação docente apontam para a disseminação de análises psicologizantes 
(Alvite, 1981); o distanciamento entre a Psicologia e a prática escolar 
(Goulart, 1985); a ineficácia das disciplinas que tratam do conhecimento 
psicológico, já que elas não contribuem para um processo mais adequado 
de capacitação docente (Fini, 1987; Putini, 1988; Montenegro, 1987; loris., 
1993); o predomínio de um enfoque clínico-terapéutico (Gouveia. 1992); e 
ainda paia o fato de que, em geral, a disciplina caracteriza-se por conteú­
dos fragmentados, tratados a partir de temas não articulados entre si, fun­
damentados em uma visão eclética e carente de um aprofundamento teó­
rico mais consistente (Caparro/., 1992).
Para Franco ( 1984) e Montenegro ( 1993) a Psicologia pode cons­
tituir-se em um elemento importante na definição de conteúdos, 
currículos e sistemáticas de avaliação, desde que seja capaz de 
contribuir para a compreensão do psiquismo humano em uma pers­
pectiva histórico-dialética.
Além dessas contribuições ao processo de formação docente, a 
Psicologia também pode desempenhar um papel importante junto a 
professores que já estão atuando.
C o n s t r u in d o u m a c o n c e i ç ã o c r í t i c a d e P s ic o l o g ía E s c o l a r ... 3 3
Torezan (1991) destaca que a Psicologia pode ajudar os profes­
sores a refletirem sobre suas ações em confronto com o conheci­
mento teórico disponível, de modo que ele possa reconhecer a teoria 
que perpassa sua prática. Ao compreender melhor por que age de 
determinadas maneiras terá mais condições de buscar de forma de­
liberada caminhos para a transformação de sua ação.
Nessa mesma direção, Andaló (1989) e Aguiar (2000) destacam que 
a Psicologia deve atuar de modo a criar condições para que os docentes 
possam repensar e problematizar suas práticas e, a partir daí, buscar 
os conhecimentos teóricas para as transformações necessárias.
Para Aguiar (2000), o psicólogo que desenvolve trabalhos com 
professores deve ter como objetivo contribuir para que eles cons­
truam condições de se apropriarem de suas histórias e assim 
transformá-las. Para tanto, devem ser favorecidos processos cole­
tivos de reflexão que considerem tanto as condições objetivas quan­
to as significações e sentidos que são construídas pelos docentes.
Martins (2002) analisa que a Psicologia também pode ajudar na 
compreensão do importante papel que o processo de personalização 
do professor desempenha na objetivação de sua atividade como 
educador. A autora defende que processos de educação dos educa­
dores podem devolver a eles sua qualidade de agentes da história, que 
como tal podem modificar as condições exteriores e a si mesmos.
Conforme já destacamos em trabalho anterior (Meira, 1998), a 
Psicologia também deve contribuir para a construção de um proces­
so pedagógico qualitativamente superior trabalhando com os educa­
dores uma compreensão crítica do psiquismo, do desenvolvi­
mento humano e de suas articulações com a aprendizagem e 
as relações sociais, já que não se pode ensinar verdadeiramen­
te se não se considerar como o aluno aprende, ou ainda, porque, às 
vezes, ele “não aprende”. Desta forma, os conhecimentos psicológi­
cos colocam-se como elementos importantes para o cumprimento da 
função social da escola.
A crítica à maneira como a Psicologia tem se colocado na forma­
ção e atuação docente é fundamental. No entanto, é preciso ir mais
M a r is a E u g ê n ia M i;ia il o M e ir a
além c discutir como as idéias psicológicas circulam nos meios educa­
cionais fíela vía dos ideários pedagógicos e a que fins elas servem.
Conforme aponta Antunes (2000), as relações entre Psicologia 
e Educação no Brasil são estreitas a tal ponto que, ao longo da 
história, a Psicologia tornou-se parte constitutiva do pensamento 
educacional e da prática pedagógica.
Isso significa que, certamente, podemos localizar com maior ou 
menor grau de clareza e importancia diferentes contribuições da 
Psicologia provenientes de variadas tendencias teóricas nos proces­
sos constitutivos dos idearios pedagógicos que fundamentam práti­
cas e propostas educacionais no Brasil.
Como esse é um tema bastante complexo, neste trabalho vamos 
nos deter em três questões que, por sua atualidade, nos parecem 
especialmente relevantes: o construtivismo, a teoria do professor re­
flexivo e a apropriação das idéias de Vigotski no Brasil.
Para iniciarmos a discussão sobre o papel da Psicologia no 
construtivismo, buscaremos apontar, ainda que de forma breve, para 
as origens das principais idéias que lhe dão sustentação.
Concordamos com Duarte (1998, 2000) no sencido de que o 
construtivismo retoma idéias essenciais do movimento escolanovista, 
embora essa filiação nem sempre seja explicitada ou mesmo assumi­
da e aceita pelos próprios construtivistas.
Para a Escola Nova, o objetivo principal do processo educacio­
nal deve ser a garantia do pleno desenvolvimento das potencialidades 
dos alunos, o que só se considera possível à medida que o professor 
consiga deixar de lado seu papel dirigente e se colocar como 
facilitador, que terá como única função garantir, pela utilização de 
métodos não-direrivos, a criação de um clima de liberdade e não 
ameaça,
A ênfase na idéia de que os homens são naturalmente diferen­
tes colocou a exigência de se considerar essas diferenças também 
do ponto de vista psicopedagógico, o que demandou, e vem deman­
dando até hoje, a utilização de distintas teorias da Psicologia,
Saviani (1982, p. 10) explica que a visão humanista moderna
C o n s t r u in d o u m a c o n c e p ç ã o c r í t i c a d e P s ic o ix x jia E s c o l a r ...
que sustenta o escolanovismo, ao se contrapor à pedagogia tradicio­
nal, deslocou o eixo da questão pedagógica
... do intelecto para o sentimento; do aspecto lógico 
para o psicológico; dos conteúdos cognitivos para os 
métodos ou processos pedagógicos; do professor para 
o aluno; do esforço para o interesse; da disciplina para 
a espontaneidade; do diretivism o para o não 
diretivismo... Em suma, trata-se de uma teoria pedagógi­
ca que considera que o importante não é aprender, mas 
aprender a aprender.
Conforme aponta Duarte (2000, p. 34), esse lema do aprender a 
aprender também aparece no ideário construiivista, envolvendo os seguin­
tes posicionamentos: é mais desejável a aprendizagem que o indivíduo 
realiza sozinho, sem a transmissão diretade outros; para o aluno é mais 
importante desenvolva- um método de construção de conhecimento do 
que aprender conteúdos elaborados por outras pessoas; os interesses e 
necessidades da criança devem dirigir sua atividade educativa; a educa­
ção deve preparar indivíduos para acompanharem as mudanças sociais.
É evidente que a negação da transmissão do conhecimento e a 
valorização das chamadas aprendizagens significativas (aquelas que 
o aluno faz por si mesmo, sem interferência do professor) estão pre­
sentes tanto no ideário escolanovista quanto no construtivista. Por 
isso, Duarte (1998) afirma que ambos apresentam um posicionamento 
negativo em relação ao ensino e ao papel do professor.
Assim, embora essas idéias sejam apresentadas como pro­
gressistas, seus resultados não são os esperados,, pois acabam 
provocando um esvaziamento do papel da escola de transmissão 
do conhecimento historicamente acumulado pela humanidade.
Miranda (1999) destaca que é preciso compreender que a re­
percussão do construtivismo nos meios educacionais não significa 
apenas uma opção dos educadores que se limita e se esgota no pro­
cesso pedagógico. Para a autora, o construtivismo atende às novas 
necessidades e exigências postas pelo capitalismo contemporâneo,
MAMUJA E uOÉNIA M uIJJIjO M bira
especialmente na América Latina, no sentido dc manter a crença de 
que 6 possível mudar a educação de um determinado país mudando 
apenas a concepção dc aprendizagem predominante.
Para a autora, o impacto da globalização do capital sobre as 
políticas educacionais na América Latina incide diretamente sobre a 
concepção de conhecimento. Nesse contexto, impõe-se um novo 
padrão de conhecimento que deve ser menos discursivo e intelectivo, 
mais operativo e pragmático. Em suas palavras:
Adaptado às demandas sociais e económicas atuais 
o “aprender a aprender ” passa, a incorporar a necessi­
dade do conhecimento ser previamente definido por sua 
operacionalidade. Mais importante do que saber, é sa­
ber fazer, saber informações, saber produzir resultados, 
saber manejar equipamentos, saber se adaptar a novas 
Junções (Miranda, 1997, p. 43).
Buscando compreender as razões da adesão entusiasmada e do 
sucesso do construtivismo entre educadores e estudiosos da área, 
Hosller (2003) desenvolveu um estudo no qual analisou, à luz da teo­
ria do cotidiano de Agnes Heller, a presença de processos de sedu­
ção e alienação na inserção e difusão desse ideário.
Para Hosller, o poder de sedução do construtivismo está no 
fato de que ele se aproximaria, por meio de um discurso filosófico, 
psicológico e pedagógico bastante retórico, ao universo ideológico 
da sociedade contemporânea vivenciado pelos indivíduos em sua 
vida cotidiana.
Além de apresentar em detalhes o que seduz no construtivismo, 
o autor ainda analisou por que e como esse ideário seduz, indicando 
que é o processo de alienação das condições objetivas de vida dos 
homens e das formas de pensamento, sentimento e ação cotidianos, 
que predispõem os educadores ao poder de sedução das idéias 
construtivistas. Assim, é a inserção dos educadores num cotidiano 
alienado que cria as condições psicológicas, afetivas e cognitivas 
favoráveis a uma adesão por sedução.
C o n s t r u in d o u m a c o n c e p ç ã o c r ít ic a d e P s ic o l o g ía E s c o l a r ... 3 7
Para Hosller, o único “antídoto” possível para esse processo é a 
reflexão teórica e filosófica, a análise crítica e consistente, o estudo 
sistemático por parte dos educadores sobre os vários Ambitos de seu 
trabalho educativo.
Além das aproximações entre construtivismo e escola nova, al­
guns autores vêm alertando para a necessidade de fazermos um exa­
me mais detido das proposições contidas na chamada teoria do pro­
fessor reflexivo.
Facci (2003) desenvolveu uma análise crítico-comparativa en­
tre a teoria do professor reflexivo, o construtivismo e a Psicologia 
vigotskiana no que se refere às suas implicações para o trabalho 
docente.
A teoria do professor reflexivo surgiu 11a década de 1980, com o 
objetivo de resgatar o professor como profissional em contraposição 
a teorias que não lhe davam o tratamento devido, ora porque valori­
zavam mais os conteúdos (caso da pedagogia tradicional), ora por­
que o mais importante era o aluno (caso da escola nova) ou ainda a 
eficiência e competência técnica (caso da pedagogia tecnicista).
No entanto, Facci aponta várias questões que fazem com que 
esta teoria tenha como resultado exatamente o contrário do que pro­
clama, ou seja, ela acaba promovendo, ou pelo menos permitindo, o 
esvaziamento da função social da escola e do professor. Dentre es­
tas questões destacamos:
• A concepção de conhecimento que fundamenta essa 
teoria o compreende como algo que vem da prática, 
desconsiderando a importância do saber cient ífico que já foi 
acumulado;
• O conceito de reflexão é bastante restrito e se refere 
apenas ao pensar do professor como forma de resolver 
problemas práticos do cotidiano. Refletir sobre a prática não 
é o mesmo que teorizar e compreendê-la;
• O conceito de prática restringe-se a um conjunto dc 
atividades desenvolvidas individualmente pelos professores 
em função de suas preferências, inclinações e valores;
3 8 M a r is a E u g ê n ia M i x i .il d M u irá
• O ensino reflexivo considera as crenças e suposições 
que os professores têm sobre ensino-aprendizagem, escola, 
alunos, etc., que estão na base de sua prática em sala de 
aula, mas não se pergunta como elas forarn construidas;
• A subjetividade do professor é tratada como uma 
particularidade desconectada da realidade social;
• Não se consideram as condições histórico-sociais ñas 
quais a profissão se desenvolve. Parte-se do principio de 
que as mudanças na educação são possíveis se houver uma 
formação reflexiva do professor;
• Vários autores consideram que os estudos da profissão 
docente têm sido marcados por uma separação entre o “eu 
pessoal” e o “eu profissional” e defendem que a maneira de 
ser e a de ensinar do professor se cruzam continuamente. 
No entanto, essas análises não levam em conta o processo 
de construção da identidade docente e dos significados 
sociais da profissão.
As conclusões de Facci apontam para uma grande afinidade 
entre a teoria do professor reflexivo e o construtivismo, já que ambas 
acabam negando a importância do conhecimento científico tanto na 
formação do educador quanto na formação do educando.
Em síntese, Facci adverte que a teoria do professor reflexivo 
trata de fenômenos psicosociais focalizando apenas o espaço interno 
da escola e do desenvolvimento profissional, desconsiderando as di­
mensões políticas e ideológicas da profissão docente.
Para Arce (2001) essas teorias centradas apenas na ação e reflexão 
sobre a prática impedem que o professor possa se embasar em funda­
mentos filosóficos, políticos, sociais e históricos que lhe permitam teorizar 
sobre sua ação no contexto das relações entre educação e sociedade.
Esse processo de valorização do conhecimento que provém da 
prática em detrimento de uma formação teórica sólida, configura o 
que Moraes (2001) denominou de “recuo da teoria”, que pode reper­
cutir de forma nefasta para a produção de conhecimento na área 
educacional. Nas palavras da autora:
C o n s t r u in d o u m a c o n c e p ç ã o c r ít ic a d e P s ic o l o g ia E s c o l a r ... 3 9
A celebração do “fim da teoria ” - movimento que 
prioriza a eficiência e a construção de um terreno 
consensual que toma por base a experiência imediata 
ou o conceito corrente de “prática reflexiva’’ se faz acom­
panhar da promessa de uma utopia educacional alimen­
tada por um indigesto pragmatismo. Em tal utopia 
praticista, basta o “saber fazer “e a teoria é considera­
da perda de tempo ou especialização metafísica e. quan­
do não, restrita a uma oratória persuasiva,presa à sua 
própria estrutura discursiva (Moraes, 2001, p. 3).
E óbvio que não se trata de negar a importancia da reflexão, 
nem de desvalorizar a experiência e a participação ativa dos profes­
sores e alunos. É preciso romper com esse falso dilema a partir do 
qual os professores teriam de escolher entre serem tradicionais ou 
construtivistas, ou ainda teriam de buscar um meio-termo entre am­
bos. O que se coloca é a necessidade de se tratai de forma qualitativa­
mente diferente a concepção de conhecimento; as finalidades da edu­
cação; a função dos professores; as relações sociais na escola, etc.
Como aponta Facci (2003), trata-se de defender a escola como 
instituição que deve socializar as formas mais desenvolvidas do 
conhecimento humano e o professor como o elemento mediador 
fundamenta] no processo de formação dos conceitos e dos proces­
sos psicológicos superiores, sem os quais não se pode falar da 
humanização dos indivíduos.
No que se refere à forma como tem se dade» a circulação da teoria 
de Vigotski nos meios educacionais brasileiros, Duarte denuncia que 
existem tentativas variadas de apropriação de suas idéias, de forma a 
tomá-las assimiláveis ao universo ideológico neoliberal e pós-moderno. 
secundarizando-se a fundamentação marxista de toda a sua obra.
Para Duarte (2000), esse processo de “assepsia” tem sido feito 
de três maneiras complementares: pela substituição dos textos origi­
nais de Vigotski por textos escritos por seus intérpretes e ainda pela 
apresentação de traduções resumidas e até censuradas de parte tias 
suas obras; pela tentativa de afastamento de sua teoria das elabora-
4 O M a r is a E u o ú n ia M b ix u o M u ir á
ções de Leontiev e, finalmente, pelo ecletismo, a partir do qual se 
busca aproximações entre as suas teorias e as de Piaget.
Nessa mesma direção de análise, Tuleski (2000) defende que não 
se pode retirar a formação marxista de Vigotski, pois é déla que decor­
re sua concepção de homem e sociedade e da própria Psicologia.
Consideramos cine o conjunto das reflexões que apontam para 
uma adesão por sedução, seja ao construtivismo, seja à teoria do 
professor reflexivo e ate mesmo à teoria vigolskiana, constitui-se em 
mais um alerta a indicar algo muito sério: a estrutura da vida cotidia­
na, sem dúvida, penetrou no âmbito da educação de uma forma de­
vastadora, ou seja, trata-se de uma educação alienada.
Essa situação é especialmente grave se considerarmos que a 
alienação, no caso do trabalho educativo, apresenta especificidades 
importantes. Duarte (1996, p. 56) explica que, cm outros tipos de 
trabalho, a alienação do trabalhador não prejudica a qualidade do 
produto. No entanto, no trabalho educativo a alienação do trabalha­
dor educador irá gerar alienação do produto, ou seja, a formação do 
indivíduo educando:
Assim, sc o trabalho educativo se reduzir para o edu­
cador, a um simples meio para a reprodução de sua exis­
tência, para a reprodução de sua cotidianidade aliena­
da, esse trabalho não poderá se efetivar enquanto me­
diação consciente entre o cotidiano do aluno e a atua­
ção desse aluno nas esferas não cotidianas da ativida­
de social. A atividade educativa se transformará, tam­
bém ela, numa cotidianidade alienada, que se relacio­
nará alienadamente com a reprodução da prática social
Isso ocorre porque o processo pedagógico escolar- implica não ape­
nas a formação do indivíduo educando, mas também o próprio processo 
de formação e desenvolvimento do educador. Como lembra Hosller (2003), 
o educador se humaniza quando o educando se humaniza, e isso só se. 
realiza quando se possibil ita a apropriação pelos indivíduos das objeti vações 
genéricas para-si e sua formação como individualidade para-si.
C o n s t r u in d o u m a c o n c e p ç ã o c r ít ic a d e P s ic o l o g ía E s c o l a r ... 4 1
Para buscarmos formas de contraposição em relação à aliena­
ção no processo educativo é preciso compreender, antes de mais 
nada, que ela é um dos produtos da sociedade capitalista.
Conforme aponta Duarte (2000), em sociedades fundamenta­
das em relações sociais de dominação e alienação, os homens são 
submetidos a um processo contínuo de esvaziamento material e psi­
cológico de sua individualidade, que se torna mais intenso quanto 
mais aumenta a distância entre o desenvolvimento do homem singu­
lar e as produções simbólicas e materiais conquistadas pelo genero 
humano. Para o autor, o máximo desenvolvimento possível da indivi­
dualidade humana é determinado pelas possibilidades que os sujeitos 
lôm de se apropriarem dessas conquistas da humanidade.
Nesse contexto, a educação escolar adquire uma importância 
fundamental, desde que o educador:
• Estabeleça uma relação consciente com seu trabalho, 
compreendendo seu papel na formação do individuo- 
educando-concreto. Por isso, a escola não pode se reduzir à 
vida imediata do indivíduo, mas deve conceber como parte 
de sua concreticidade as possibilidades de vir-a-ser de sua 
formação (Duarte, 1996, p. 51);
• Mantenha uma relação consciente e reflexiva para com 
os processos e fundamentos educacionais, pedagógicos e 
psicológicos envolvidos em seu trabalho, utilizando as teorias 
como ferramentas prático-intelectuais (Hosller, 2003, p. 269);
• Compreenda que o ensino determina o desenvolvimento 
psíquico da criança e que seu papel é o de ensinar o que 
ela não é capaz de aprender por si, sendo o mediador dos 
conhecimentos científicos, intervindo principalmente na 
formação dos processos psicológicos superiores (Facci, 
2003, p. 146).
Processos de formação e atuação docente, bem como de cons­
trução e circulação de ideários pedagógicos, podem constituir-se cm 
espaços importantes de uma Psicologia criticamente comprometida 
com a função humanizadora da educação.
42 M a r is a E u g ên ia M iiiu l o M kira
Análise crítica de práticas e da produção teórica na área
Como já colocamos anteriormente, rio fim da década de 1970 e 
inicio da década de 1980 surgiram estudos que apontavam para o 
predominio do modelo clínico e de concepções psicologizantes e 
adaptacionistas de Psicologia Escolar, tanto no nível da produção 
acadêmica quanto nas práticas desenvolvidas por psicólogos em di­
ferentes contextos educacionais.
No que se refere à análise de práticas, destacamos o estudo de 
Almeida (1982) que analisou o trabalho desenvolvido por psicólogos 
escolares em João Pessoa/PB; Goldberg e colaboradores (1977), 
que pesquisaram a concepção de psicólogos escolares sobre seu papel 
como integrantes de uma equipe na escola, e de Patto (1984), que 
estudou as representações de psicólogos da rede municipal e estadu­
al de São Paulo/SP sobre a escola, os alunos e o papel do psicólogo.
Na década de 1990 surgem outros estudos que buscam dar con­
tinuidade à tarefa de crítica já iniciada e, ao mesmo tempo, anunciar 
novas possibilidades de atuação.
Neste contexto colocam-se os trabalhos de Moussab ( 1990), que 
aborda mais diretamente a questão da atuação do estagiário de Psico­
logia Escolar; de Novaes (1990). que analisa a atuação do psicólogo 
escolar rta prefeitura de São Paulo, e de Boarini (1992), que analisa a 
prática sistemática de encaminhamento e o tratamento dado a crian­
ças com queixas escolares pelas equipes de Saúde Mental das Unida­
des Básicas de Saúde da rede pública do Estado de São Paulo.
Nesse período contamos ainda com trabalhos de caráter mais 
propositivo, ou seja, que têm um objetivo mais definido de relatar e 
apresentar propostas de ação. Nesta linha inserem-se os trabalhos 
de Brotherhood (1994), Fontana (1991) e Machado (1999).
Brotherhood (1994) desenvolveu um trabalho com o objetivo de 
compreender o desenvolvimento cognitivo de crianças do meio rural 
do nordeste. Partindo de um estudo etnográfico, a autora elaborou e 
aplicou uma proposta de trabalho voltada para a ampliação douni­
verso conhecido pelo grupo. Na análise dos resultados, ela indica a
C o n s t r u i n d o u m a c o n c e p ç ã o c r í t i c a n u P s i c o u x í i a E s c o l a r . . . 4 'I
possibilidade de favorecer o desenvolvimento de estruturas cognitivas 
mais complexas pela ação da escola.
Também em uma perspectiva sociohistórica, I ontana ( I99 I ) ana­
lisou o papel da prática escolar rio processo dc elaboração e apropri­
ação pelas crianças dos conceitos sistematizados no cotidiano da 
sala de aula. Partindo da compreensão do processo dc conceitua- 
li/.ação na relação dialética entre as possibilidades dc elaboração no 
plano individual (com base em Vigotski) e sua dinâmica socioida ilógica 
(tomando como referência principal Bakhtin), a autora pôde analisar 
com o professor da classe a emergência e o desenvolvimento dei 
diferentes processos de elaboração de conceitos. Ao destacar o pa­
pel construtivo e mediador do trabalho pedagógico, I ontana eviden­
ciou a possibilidade de se redimensionar o estudo dos processos dei 
elaboração conceituai de maneira radicalmente diferente daqueles 
utilizados por autores que partem de perspectivas tradicionais e a- 
históricas de Psicologia.
Machado (1999) apresentou um trabalho de avaliação psicológi­
ca que envolveu 139 crianças de 22 escolas da rede pública estadual 
da cidade de São Paulo. A autora relatou em detalhes todas as fases 
da atividade, que se constituiu em um exemplo concreto da possibili­
dade de se instituir práticas a partir de uma perspectiva que conside­
re, de fato, as múltiplas determinações presentes na produção da 
queixa e do fracasso escolar.
Identificamos, ainda, um outro conjunto de trabalhos que não 
Iratam da prática da Psicologia Escolar em si, mas procuram situá-la 
no contexto da educação escolar a partir da compreensão de ques­
tões importantes que fazem parte do cotidiano do profissional da área. 
líntre estes estudos destacamos os de Torezan (1991), Souza (1991), 
Cruz (1984) e Menin (1992).
Torezan (1991) analisou o papel que professores do então I” 
grau atribuem a si próprios em relação a situações que consideram 
problemáticas na ação educativa. Ao auxiliar a explicitação das rela­
ções entre maneiras de compreender e agir. a autora contribuiu para 
a problematização da ação dos professores, indicando, desta forma.
M a r is a E u g ê n ia M e l u l o M e m a
um caminho interessante de ação para o psicólogo escolar ern dire­
ção à melhoria da qualidade de ensino.
Souza (1991) analisou a estruturação do trabalho pedagógico 
em uma classe do ciclo básico. Ao voltar-se especialmente para ações 
pedagógicas que podem facilitar bons resultados do processo ensi­
ne (-aprendizagem, a autora procurou evidenciar as relações diretas 
entre a maneira como se organiza o trabalho pedagógico e o desem­
penho escolar dos alunos.
Cruz (1984) tomou como objeto de análise a forma como se deu 
a apropriação pelos educadores do projeto pedagógico do ciclo bási­
co, buscando apontar elementos importantes que devem ser consi­
derados em processos de implantação de propostas educacionais 
voltadas à transformação educacional, inclusive no que se refere ao 
papel do psicólogo escolar.
Menin (1995) desenvolveu em estudo sobre as representações 
de alunos de uma escola pública sobre política e economia a partir do 
qual apontou que as tendências predominantes são acentuadamente 
conservadoras. Para a autora, a escola deve oferecer condições que 
favoreçam a superação de uma consciência heterônoma dos alunos 
pelo fortalecimento de um tipo de fala argumentativa e da constru­
ção e reflexão de valores e crenças democráticas que possam orien­
tar sua vida coletiva.
É possível verificar ainda que, nesse período, ganhou destaque a 
necessidade de compreendermos melhor as representações da soci­
edade sobre a Psicologia Escolar. Temos como exemplo o trabalho 
de Caetano (1992), que evidenciou que as representações de pais 
sobre a atuação do psicólogo da escola de seus filhos são determina­
das fundamentalmente por uma imagem social de um profissional da 
área clínica que deve desenvolver preferencialmente atividades indi­
viduais de caráter psicoterápico.
Em 1994, por solicitação do Conselho Federal de Psicologia, 
Maluf (1994) analisou práticas de Psicologia Escolar desenvolvidas 
em diferentes regiões do país e concluiu que a reflexão sobre elabo­
rações teóricas mais críticas e a análise da própria ação desenvol-
C o n s t r u in d o u m a c o n c e p ç ã o c r ít ic a d e P s ic o l o g ía E s c o l a r . ..
vida pelos profissionais já começava, nesse momento, a provocar 
alterações significativas na área, de modo a torná-la mais 
contextualizada.
Em 1997 realizamos uma pesquisa (Ragonesi, 1997) com o ob­
jetivo de conhecer algumas práticas de Psicologia Escolar a partir de 
relatos de 21 psicólogos sobre as ações que desenv olviam no campo 
da educação no município de Bauru/SP, em vários espaços sociais 
tais como escolas, clínicas particulares e serviço público. A análise 
dos dados indicou que, embora as posturas de caráter mais transfor­
mador fossem minoritárias e que muitas questões importantes não 
estivessem sendo devidamente exploradas, havia várias evidências 
de que a reflexão crítica já vinha gerando novas formas de atuação.
Consideramos que o estudo de práticas concretas deveria ser mais 
incentivado e valorizado, já que pode trazer contribuições para o forta­
lecimento de uma concepção critica de Psicologia Escolar, uma vez 
que indica elementos importantes, tanto para o aprofundamento da 
compreensão das possibilidades e limites que se coíocam no contexto 
histórico atual em relação à proposição e implementação de propostas 
de intervenção com finalidades transformadoras quanto para uma re­
flexão mais contextualizada a respeito do tipo de formação que vem 
sendo oferecida nos cursos de graduação em Psicologia e das trans­
formações que se fazem necessárias.
No que se refere à análise de produções teóricas, encontramos 
um primeiro estudo realizado por Sonsogno (1987), que analisou dis­
sertações de mestrado e teses de doutorado na área de Psicologia 
Escolar em programas de pós-graduação entre 1970 e 1982. Seus 
resultados indicaram que a grande maioria dos trabalhos fundamenta- 
se em abordagens reducionistas que levam a elaborações teóricas par­
ciais e à construção de conhecimentos marcadamente fragmentados.
Gatti (1996) analisou artigos de trinta periódicos nacionais e in­
ternacionais do campo da Psicologia, Psicologia da Educação e Psi­
cologia Educacional no período de 1987 a julho de 1998 e concluiu, 
que a grande maioria dos trabalhos, parte de dois pontos dc partida 
dicotômicos. Em um grupo, a Psicologia volta-se para um determina-
4 6 M a r is a E u g ê n ia M ki.i .i u > M e ir a
do problema educacional e depois retorna à Psicologia com suas 
contribuições. Já no segundo grupo, a educação busca na Psicologia 
questões que possam ser agregadas ao olhar educacional. Para Gatti. 
seria importante romper com essa visão dicotomizada e desenvolver 
estudos em uma nova perspectiva, que integre Psicologia e Educa­
ção, sem que ambas percam de vista suas especificidades.
Tanamachi (1992) tomou como objeto de estudo dissertações de 
mestrado e teses de doutorado que revelassem uma preocupação explí­
cita em relacionar a Psicologia à educação escolar. A autora analisou 
criticamente as concepções de Educação; Psicologia e Psicologia apli­
cada à Educação, sobre as quais se assentam os trabalhos produzidos no 
período de 1984 a 1989 em diferentes programas de pós-graduação., 
concluindo que, embora o número de estudos mais críticos fosse reduzi­
do, era possível detectar uma nova tendência na Psicologia Escolar, que 
busca superar as posturas tradicionais pela via da contextualização his­
tórica do homem e de seu encontro com aeducação.
Dando continuidade aos seus estudos, Tanamachi (1997, 2000) 
analisou trabalhos desenvolvidos nos programas de pós-graduação 
no período de 1990 a 1994, a partir de perspectivas críticas de Psico­
logia e Educação fundadas no materialismo histórico-dialético, iden­
tificando elementos que revelam novas possibilidades já existentes 
de pensar e fazer Psicologia Escolar e explicitou algumas mediações 
teórico-práticas de uma visão crítica em Psicologia Escolar.
Na tese de doutorado que apresentamos em 1997 (Ragonesi, 
1997), além da pesquisa com profissionais, desenvolvemos urna aná­
lise da produção na área, evidenciando que, naquele momento, as 
contribuições críticas voltavam-se prioritariamente para a análise 
crítica dos pressupostos mais gerais da Psicologia Escolar; do mode­
lo clínico de atuação; da produção do fracasso escolar; dos proces­
sos de avaliação e diagnóstico; para a discussão de questões mais 
específicas que se constituem em uma parte importante dos funda­
mentos do cotidiano do trabalho do psicólogo escolar (relações entre 
processos de cognição e fracasso escolar; condições de ensino e 
zona de desenvolvimento próximo; processo de alfabetização; desen­
C o n s t r u in d o u m a c o n c e p ç ã o c r í t i c a d e P s ic o l o g ia E s c o l a r . . . 4 7
volvimento cognitivo e afetivo; práticas escolares; problemas de apren­
dizagem; preconceitos no cotidiano escolar; tendências ideológicas, 
valores e crenças, entre outras); para o papel da Psicologia da Educa­
ção na formação docente e para formação do psicólogo escolar.
Viotto Filho (2001) analisou contribuições de autores nacionais e 
internacionais que produziram trabalhos em uma perspectiva crítica 
nos últimos cinco anos da década de 1990. Para Vi oto Filho, as con­
cepções apresentadas pelos autores estrangeiros podem ser consi­
deradas críticas, já que discutem a necessidade de a Psicologia trans­
formar-se para assumir uma função social mais definida em favor de 
grupos minoritários da população (gays; mendigos; crianças aban­
donadas, etc.) a quem historicamente a sociedade vem excluindo e 
oprimindo. No entanto, eles limitam-se a criticar o fato de os grupos 
marginalizados não terem acesso aos serviços psicológicos, mas não 
fazem uma crítica consistente à Psicologia, nem aos rumos tomados 
pela produção do conhecimento psicológico.
A comparação desta produção com a produção brasileira (Meira; 
Viotto Filho, 2000) indica que os autores nacionais apresentam um 
tom mais forte e vigoroso tanto na crítica social quanto na crítica à 
Psicologia. Os autores nacionais apontam para as transformações 
necessárias à Psicologia Escolar a partir de um referencial que bus­
ca contribuir para a superação das condições sociais que provocam 
o fracasso escolar, a miséria humana e as injustiças sociais.
Consideramos que a análise das produções teóricas que vêm 
sendo construídas é extremamente relevante, já que permite revelar 
tendências de desenvolvimento teórico-prático, identificar aspectos 
que ainda não foram devidamente aprofundados e ainda apontar para 
novos temas e campos de pesquisa e reflexão.
Subjetividade e educação
Desde que a Psicologia constituiu-se como ciência, sucederam- 
se variadas proposições de análise que, em urn certo sentido,
4 8 M a r e s a E u g ê n ia M k l iil o M e ir a
recolocam antigas questões já pensadas ao longo da história no âm­
bito da Filosofia e que traduzem muitas vezes, e por diferentes canti­
nhos, urna dicotomía que se instaurou artificialmente no plano teórico 
entre indivíduo e sociedade, expressa em duas vertentes principais: 
objetivista e subjetivista.
A vertente objetivista, fundada em uma tradição quase biológica 
da Psicologia assenta-se em uma concepção de homem como um 
organismo que interage com o meio como sujeito passivo e receptivo 
e de fenômeno psicológico como reação direta aos fatos exteriores. 
Já a vertente subjetivista fundamenta-se na idéia do predomínio dc* 
sujeito sobre o objeto, colocando-o como um ser psíquico indepen­
dente, criador da sua própria realidade.
A análise histórica da inserção da Psicologia na educação não 
deixa dúvidas de que, neste campo, a visão hegemônica tein sido a 
subjetivista.
Conforme aponta Bock (2000), essa visão idealista tem levado 
os psicólogos a compreenderem e definirem o fenômeno psicológico 
a partir de uma idéia de natureza humana que torna natural e univer­
sal tudo aquilo que é social e histórico. Nesta perspectiva, o mundo 
psicológico é pensado a partir da idéia de que haveria dentro de nós 
uma “semente de homem” que pode desabrochar se for devidamen­
te estimulada pelo meio cultural e social. Para a autora, é preciso 
romper com essa visão liberal e construir uma visão sociohistórica 
de homem que tenha como categoria central a idéia de condição 
humana, ou seja, a compreensão de que o homem é um ser histórico 
que se constrói na sociedade e nas relações sociais.
Como resultado dessa visão liberal e idealista de indivíduo, o profissi­
onal da área acabou, muitas vezes, atuando como um clínico na escola, 
como um psicólogo do escolar e não como um psicólogo da escola»
Essa abordagem mais propriamente clínica inicia-se com a rea­
lização de um diagnóstico ao qual se segue o tratamento das dificul­
dades do aluno (que pode ser realizado dentro ou fora da escola) 
sempre partindo do pressuposto de que as origens dos problemas 
devem ser buscadas em sua história de vida.
C o n s t r u in d o u m a c o n c e p ç ã o c r í t i c a d e P s i c o i o g i a E s c o l a r ...
As duras críticas dirigidas a essa forma de pensar a atuação da. 
Psicologia Escolar, que é claramente conservadora e adaptad onista, 
levaram muitos autores da área a abandonar o tema da dimensão 
afetivo/emocional.
Embora a questão do papel das emoções seja extremamente 
importante não apenas para a Psicologia Escolar, mas para a Psico­
logia como um todo, até pelo menos o fim da década de 1980. poucos 
autores que partem de uma perspectiva mais crítica voltaram-se pai a 
seu estudo e, dessa forma, o terreno permaneceu aberto para as 
elaborações de base idealista que colocam equivocadamente as emo­
ções como um campo isolado dos demais processos humanos e, em 
alguns casos, até como determinante último da vida dos indivíduos e 
da vida em sociedade.
Essa lacuna teórica foi se fazendo sentir de maneira cada vez, 
mais clara. A atuação como psicólogos escolares exige o domínio de 
um referencial teórico-crítico que garanta a compreensão das gran­
des questões relativas às formas pelas quais a escola, especialmente 
a pública, vem organizando seu trabalho e relacionando-se com o 
sistema sociopolítico no Brasil. Mas, ao nos colocar frente a frente 
com sujeitos concretos que têm uma história singular; que construí­
ram uma certa forma de ver o mundo e a si mesmos; que pensam, 
sentem e sofrem com a ausência de um sentido social que possa 
orientar o desenvolvimento de sua humanidade, essa atuação tam­
bém demanda a compreensão de como se dá a mediação da subjeti­
vidade nesse processo.
Acreditamos que foram estas necessidades sentidas tanto no 
âmbito da prática profissional quanto na produção teórica, que leva­
ram no fim da década de 1980 e início da década de 1990, ao 
surgimento de estudos que buscavam resgatar essa questão, sitúan- 
do-a em suas relações com o contexto educacional e social.
Entre os estudos desenvolvidos nesse período, destacamos os 
trabalhos de Andaló (1989); Cunha (1994); Freller (1993); Kupfer 
(1990); Machado (1994); Patto (1992), Tanamachi (2000) e Meira 
(2000) que apontam para a necessidade de:
M a r is a E u g ê n ia M e i u l o M e ir a
• Analisar a relação entre a subjetividade e os mecanismos 
escolares de maneira qualitativamente diferente. Não se trata 
de negar que determinados conflitos psíquicos podem

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