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Indicações para uma análise filosófica de textos celso r. Braida 1. Um texto filosófico se estrutura a partir de argumentos e esclarecimentos de conceitos, visando solucionar, responder e compreender questões e experiências fundamentais. Trata-se de um discurso que procura, antes de tudo, analisar e compreender os discursos humanos sobre si e sobre as coisas. Outros textos/discursos (poético, mítico-religioso, científico, político, etc.), também contêm conceitos e argumentos, podendo ser objeto de uma análise filosófica, mas seus objetivos são distintos. Um dos objetivos básicos de um texto filosófico consiste simplesmente na ampliação e clarificação da consciência acerca dos conceitos que utilizamos para pensar o que acontece em nós e ao nosso redor. Não se pretende tanto dizer o que e como acontece, mas antes com que conceitos são pensados. O que significa dizer: não se trata de saber mais, mas de compreender melhor, de apreender e explicitar um sentido. 2. A análise de um texto filosófico exige que sejam explicitados quanto à sua validade e sentido: 1) a questão-problema que provocou o surgimento do texto, 2) o método de abordagem dos problemas, 3) os conceitos e suas inter-relações, com os quais o problema e a solução são expostos, 4) as teses ou respostas propostas, 5) os argumentos que sustentam as teses e os conceitos. Além disso, como todo texto e/ou discurso filosófico está inserido numa tradição de pensamento e numa situação histórica, há que se explicitar também: 6) as teses ou posições contestadas, bem como os argumentos aí utilizados, 7) os outros textos dos quais o texto analisado é uma continuação e aos quais responde, 8) a situação histórica (experiências vividas e acontecimentos sócio-culturais) em que o texto foi produzido, 9) os fatos, experiências e exemplos presentes no texto, com os quais o autor elucida suas cogitações; 10) as intenções, motivações e desejos do autor acerca de sua obra; 11) a forma de apresentação, arranjo dos conteúdos, humor, enfim, estilo de exposição. 3. A análise se constitui, assim, sobre dois vetores complementares: uma análise lógico- conceitual (1, 2, 3, 4, 5, 6, 7), que procura delinear as estratégias discursivas e argumentativas do texto; e uma análise histórica (6, 7, 8, 9, 10, 11), que busca apreender as relações do texto com outros textos e outros eventos não-textuais. Uma análise é denominada teorética pura quando se atém apenas aos primeiros itens; denomina-se histórica ou genealógica quando analisa os primeiros ressaltando os últimos. Aquilo que é chamado de compreensão superior ou completa entre os hermeneutas inclui os onze itens e mais alguma coisa. Esse mais é a inclusão de uma consciência clara do intérprete ou leitor acerca de sua própria situação no que diz respeito a esses itens. 5. O que se busca com a análise é a exposição do conteúdo e do sentido do texto: o como se diz o que se diz sobre o que se diz. Não o mero sentido lingüístico nem o mero sentido subjetivo, mas antes o sentido que acontece e se mostra por meio do texto e enreda o autor, o leitor e a história do mundo. Esse sentido é o que dá cogência ao texto, que coage o leitor a pensar e sentir de um modo e não de outro diante do texto, e que também coagiu o autor a escrever isso e não aquilo, a corrigir seu texto. Esse sentido é do texto e apenas através do texto se mostra. Sentido esse que é autônomo tanto em relação ao autor quanto em relação ao leitor. O sentido do texto não pertence a esta ou àquela pessoa: ele se impõe como um acontecimento. Ao leitor cabe assumi-lo e fazer alguma coisa com ele, realizá-lo, pois do contrário o texto oculta-se sob a forma de cor e fundo, tinta e papel. A leitura, a tradução, a explicação e a análise de um texto perderiam o sentido caso o texto não pudesse ser identificado frente a outros textos e não-textos e caso não houvesse uma pretensão de sentido codificada e expressa por meio desse texto. 6. A obra ou texto, por isso, é tanto o ponto de partida como o de chegada da análise. Não há outro objeto e outra fonte de dados. Todos os elementos – principalmente os conceitos e teses e argumentos – devem ser explicitados, inicialmente, unicamente a partir do texto completo; caso seja necessário, então, através da comparação com outros textos, do mesmo autor ou não, da mesma época ou não. Entretanto, após a comparação, o resultado deve ser novamente confrontado com o texto de origem. Além disso, porque a atividade filosófica é fundamentalmente uma atividade que se realiza sob o rigor de um método, o que um filósofo diz não vale absolutamente; a sua pretensão de validade está sempre ancorada no método ou procedimento. E o mesmo vale para a análise interpretativa. Desse modo, que se trata de uma análise justa, isto se decide no confronto metódico com o texto analisado. O texto é semanticamente autônomo, todavia, pois o sentido acontece no e pelo texto, sem confundir-se com ele. A análise e a interpretação são dependentes em relação ao texto e em relação ao sentido do texto, caso não sejam arbitrárias. Na correlação entre sentido e texto está a bússola do intérprete. 7. O fiel da balança de uma leitura justa é o sentido do texto, mas este apenas emerge como algo condicionante e cogente sob uma leitura justa do texto. Uma leitura justa sempre lê o texto no seu contexto em relação a uma situação. O contexto e a situação variam a cada leitura. Até mesmo o contexto e a situação originais são variáveis, pois a sua reativação se faz sempre a partir do novo horizonte da leitura. Isto porque a ação atual (leitura) apenas apreende o vestígio do passado (texto) em função de uma perspectiva de futuro (direção). Nesse jogo instaura-se um sentido: uma inteligibilidade relativa a uma desejabilidade situada. Florianópolis, 2008.
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