Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
X V I S I M P Ó S I O N A C I O N A L D E EN S I N O D E F Í S I C A 1 ENSINO DE FÍSICA PARA PORTADORES DE DEFICIÊNCIA AUDITIVA: O PROBLEMA DOS LIVROS DIDÁTICOS Lívia S. Nogueiraa [liviasimao@ibest.com.br] Liliane R. Reisa [licareis@yahoo.com.br] Elio Carlos Ricardoa [elio@ucb.br] a Universidade Católica de Brasília – Curso de Física RESUMO O presente trabalho trata do ensino da física para alunos portadores de deficiências auditivas e das dificuldades inerentes à essa condição. A partir da análise de livros didáticos de física do nível médio, verifica-se que os assuntos, em especial de acústica, são abordados fazendo-se relação com a percepção auditiva do fenômeno. Experiências do cotidiano são o ponto de partida para boa parte das exposições dos conteúdos. Isso causa um obstáculo a mais para aqueles alunos, pois têm dificuldade de abstrair tais conceitos. Pretende-se ainda chamar a atenção para a falta de materiais didáticos que possam auxiliar o professor que venha a trabalhar com alunos surdos em suas aulas. Vale destacar que o aluno com esse tipo de dificuldade não tem sua capacidade intelectual afetada, mas apresenta limitações de compreensão de conhecimentos transmitidos oralmente. Palavras-chave: ensino de física, livros didáticos, alunos com deficiência auditiva. INTRODUÇÃO Os problemas auditivos afetam cerca de 10% da população mundial e são considerados um distúrbio orgânico funcional, cujo grau de comprometimento na compreensão das coisas varia, principalmente, de acordo com sua presença desde os primeiros anos de vida. Um dos principais instrumentos de comunicação do homem é a expressão oral, embora se pudesse destacar outras, como gestos e expressões faciais. Além disso, a linguagem oral é elemento de integração social e o indivíduo que nasce surdo terá grandes dificuldades na aprendizagem da linguagem oral, o que não significa a impossibilidade de desenvolvê-la (Zenari, 2003). Para o caso específico do ensino da física, vale destacar o que afirma Zenari (2003): “Através das informações que chegam pelos nossos sentidos, inclusive auditivas, o indivíduo constrói seu mundo, memória, pensamentos, emoções e etc.”(p.143). Ou seja, interfere em sua relação com o mundo físico do qual a disciplina de física pretende proporcionar algumas explicações. A autora ressalta ainda que “a falta de audição não afeta as capacidades intelectuais, mas limita a possibilidade de aquisição de conhecimentos transmitidos oralmente, prejudicando o desenvolvimento do raciocínio abstrato, já que haverá dificuldades em formar conceitos simbólicos, que não necessitem da exploração concreta dos objetos” (Idem). A elaboração de conceitos abstratos, que modelizam o mundo físico, é uma característica da física. Assim, a dificuldade apontada pela autora acima nos levou à seguinte questão: quais as X V I S I M P Ó S I O N A C I O N A L D E EN S I N O D E F Í S I C A 2 dificuldades de um portador de deficiência auditiva na aprendizagem de física no ensino médio a partir dos livros didáticos? Esse é o ponto central do nosso trabalho1. I. METODOLOGIA E RESULTADOS Nossa pesquisa tem um enfoque qualitativo, optando-se pela análise de conteúdo para a coleta de dados, cuja centralidade está na inferência que fazemos do que nos fornece o conteúdo da mensagem estudada (Triviños, 1987). Os passos de pré-análise, descrição analítica e interpretação referencial foram considerados. Foram analisados livros didáticos de física utilizados correntemente no ensino médio. Por contar com pouco espaço apresentamos ilustrativamente os resultados preliminares de dois dos materiais pesquisados. Livro 1: Antonio Máximo e Beatriz Alvarenga – 1997 Exemplo 1: O autor apresenta uma imagem de um homem caminhando em direção à uma ambulância parada e explica que tal ilustração “representa uma pessoa aproximando-se rapidamente de um automóvel parado, com um alto-falante. Essa pessoa irá perceber um som mais agudo do que perceberia se estivesse em repouso. Com raciocínio semelhante, é fácil concluir que, se a pessoa estiver se afastando do automóvel, ela ouvirá um som mais grave do que se estivesse em repouso.” (p.549) Exemplo 2: ao falar da intensidade do som, o autor ressalta que “é uma propriedade que nosso ouvido percebe e que está relacionada com a energia (por unidade de tempo) que a onda sonora transfere a ele, sendo tanto maior quanto maior for a amplitude dessa onda sonora.” (p.547) Exemplo 3: E, sobre o timbre, o livro traz que “se tocarmos uma determinada nota em um piano, e se essa mesma nota (mesma freqüência) for emitida, com a mesma intensidade (mesma amplitude), por um violino, seremos capazes de distinguir uma da outra, isto é, saberemos dizer claramente que nota foi emitida pelo piano e qual foi emitida pelo violino. Na linguagem científica, dizemos que esses dois sons possuem timbres diferentes.” (p.548) Livro 2: Alberto Gaspar – 2002 Exemplo 1: “o eco caracteriza-se pela percepção distinta do mesmo som emitido e refletido. Como o ouvido humano só consegue distinguir dois sons quando o intervalo entre eles for no mínimo de 0,1s, o eco também só é percebido dentro dessa condição.” (p.208) Exemplo 2: sobre as propriedades ondulatórias do som, o autor esclarece que “a interferência sonora é, também, um fenômeno familiar, em shows ao ar livre, ou em ambientes inadequados, é muito comum existirem regiões onde nada se ouve, ou se ouve muito mal, e regiões onde o som é muito intenso e distorcido.” (p.209) 1 O presente trabalho faz parte de uma pesquisa em andamento, que consta de análise de livros didáticos e entrevistas com portadores de problemas auditivos. X V I S I M P Ó S I O N A C I O N A L D E EN S I N O D E F Í S I C A 3 O primeiro fator concreto encontrado na análise que dificultaria o processo de aprendizagem da física no ensino médio foi a abordagem que os livros didáticos trazem; sempre fazendo explanações com bases em experiências vividas, que uma pessoa portadora de surdez não é capaz de inferir. Os resultados sugerem que os livros didáticos são um fator que dificulta o aprendizado de pessoas portadoras de deficiência auditiva. Os exemplos acima ilustram a relação do fenômeno físico com a percepção auditiva. Ou seja, ao que parece, a maioria dos livros didáticos exemplifica fenômenos acústicos com base na experiência do ouvir. Os professores por sua vez, não sabem como agir diante da situação de ter um aluno surdo em sala de aula. Tudo isso torna difícil não só a compreensão da física por parte desse grupo de alunos, mas ainda dificulta a inserção desses indivíduos em uma vida social comum, para além das dificuldades de comunicação. Mesmo as imagens, que poderiam auxiliar os alunos portadores de deficiência auditiva, também fazem relação com a percepção auditiva, o que se torna um obstáculo à compreensão que elas poderiam dar aos alunos. O que se pretende aqui não é identificar “falhas” nos livros didáticos, mas chamar a atenção para um problema que poderemos nos deparar em sala de aula, para o qual os professores parecem estar pouco preparados e não contar com materiais didáticos que os auxiliem. II. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS GASPAR, Alberto. Física: volume único. São Paulo: Editora Ática, 2002. MÁXIMO, Antonio; ALVARENGA, Beatriz. Física: volume único. São Paulo: Scipione, 1997. TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo Silva. Introdução à Pesquisa em Ciências Sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987. ZENARI, Cibely Pedroso et al.. Aspectos Psicológicos de Indivíduos Portadores de Surdez Profunda Bilateral Candidatos ao Implante Coclear. In: Congresso Interamericano de Psicologia da Saúde: corpo e (in) satisfação. Atas. São Paulo, 21/06/2003.
Compartilhar