Buscar

texto_1_o_estudo_da_morfologia

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 4 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

Universidade Federal do Paraná 				
Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes
Departamento de Linguística, Letras Clássicas e Vernáculas
Curso de Graduação em Letras
Linguística II – HL223
1) O que é Morfologia?
Resumidamente, pode-se definir Morfologia como o estudo da formação das palavras; esse estudo diz respeito tanto à criação de novas palavras como à variação das palavras conforme o contexto da sentença. 
Os falantes de uma língua são capazes de criar novas palavras e de reconhecer e compreender palavras que nunca ouviram antes.
Imagine que plongar é um verbo que significa “mergulhar sem utilização de equipamentos”. Como esse verbo é conjugado no pretérito perfeito? Qual seria o substantivo correspondente ao verbo plongar que nomearia “aquele que exerce a atividade de plongar”?
 É possível refazer ou recarregar alguma coisa; é igualmente possível reamar alguém ou reexplodir alguma coisa?
Novas palavras aparecem na língua todos os dias
A Previdência Social é imexível ! (palavras pronunciadas por um ministro de Estado perante as câmeras de televisão)
A Petrobrás precisa atingir a produção de 1.200.000 barris de petróleos por dia. Mas esse atingimento só será possível se... (palavras pronunciadas por outro ministro de Estado perante as câmeras de televisão)
A minha relação com o governador não é camal. É uma relação de amizade!
fumódromo, agito, xingo, desmate, carreata, sequestrável, medalhável, clonável, deletar, besteirol, refri, 171, hamburgueria, ibope, laranja, mensalão, etc.
O fato de que somos capazes de criar e de compreender novas palavras sugere que possuímos um conhecimento intuitivo sobre os princípios de formação de palavras de nossa língua. Mas para se poder discutir a formação das palavras é necessário saber definir o que é uma palavra.
2) O que é uma palavra? (Sandalo, 2001, p. 181,-184)
Podemos afirmar, então, que, de um modo geral, a Morfologia se interessa pelo estudo da palavra. Mas o que é uma palavra?
A existência da palavra é assumida como uma realidade pela maioria de nós. Podemos, a qualquer momento, fazer uma lista de palavras que conhecemos. No entanto, não é simples definir o que é uma palavra. Um dos problemas básicos na Linguística é identificar critérios para definirmos unidades básicas de estudo.
Em línguas isolantes, como o chinês, cada palavra carrega apenas um significado.
Em línguas polissintéticas, como a língua kadiwéu, falada no Mato Grosso do Sul, certas sequências de sons, assumidas por seus falantes como palavras, carregam significados traduzidos por frases em línguas como o português. Por exemplo, como podemos ter certeza de que jotagangetagadomitiwaji� do kadiwéu é uma palavra e não uma frase?
Línguas analíticas: línguas em que a morfologia tem um papel modesto.
Língua extremamente analítica (sem morfologia) ( isolante
Línguas sintéticas: línguas em que a morfologia tem um papel importante
Língua extremamente sintética (muita morfologia) ( polissintética 
A classificação das línguas com relação ao papel da morfologia na formação das palavras se dá em um conjunto contínuo – das mais isolantes às mais sintéticas. A posição de cada língua nesse conjunto contínuo é dada pelo número médio de morfemas por palavra em um texto da língua.
Exemplos:
Vietnamita 	– 	1,06		Inglês			–	1,68 
Esquimó	–	3,72		Swahili (África do leste)	–	2,55 
2.1 Critérios para caracterização da palavra
2.1.1 Critério fonológico
“A palavra seria uma unidade acentual, um conjunto marcado por um só acento tônico. As palavras xícara, mármore, café correspondem ao critério proposto, mas a expressão com o chinelo também satisfaz a exigência acima: o grupo apresenta um só acento tônico, mas não constitui uma palavra do ponto de vista gráfico” (Khedi, 2004). Observe também as sequências de sons [detèrgénte] e [dètergénte], que contam com um só acento principal, mas que correspondem a uma frase e a uma palavra, respectivamente:
(1) 	O que é detergente?
	É o ato de prender pessoas.
Resumindo, existem unidades acentuais que não são palavras. O critério fonológico revela-se insuficiente.
2.1.2 Critério semântico
Adotando-se um critério semântico para a definição de palavra, poderíamos afirmar que uma palavra é uma unidade dotada de significado que entra na produção de um enunciado. No entanto, a partir desse ponto de vista, teríamos dificuldade em determinar se as sequências construtor e aquele que constrói são palavras do português, pois ambas têm o mesmo significado. Assim, se o nosso critério for significado, deveríamos dizer que ambas as sequências pertencem à mesma classe gramatical. No entanto, nosso conhecimento de falantes do português nos sugere que a primeira é uma palavra, mas a segunda é uma frase. 
As expressões idiomáticas constituem igualmente um problema para a identificação das palavras segundo um critério semântico. Por exemplo, a expressão idiomática bater as botas, como em João bateu as botas, significa morrer. Essa expressão não pode ser decomposta sem prejuízo de seu sentido: é toda a expressão bater as botas que carrega um sentido. Nem bater nem botas exprimem individualmente o conceito de morte. No entanto, é claro para o falante do português que essas formas são palavras da língua.
2.1.3 Critério sintático
A definição de palavra mais comumente aceita entre os linguistas é a que obedece a um critério sintático: palavra é a unidade mínima que pode ocorrer livremente. 
Segundo essa definição, para ser identificada como uma palavra, uma sequência de sons deve respeitar duas condições: ela deve ser livre e também mínima.
Uma unidade é livre,
(a) se for dotada de autonomia distribucional, ou seja, se puder aparecer isolada na frase (por exemplo, se puder ser usada como resposta mínima a uma pergunta) e 
(b) se puder ser usada em várias posições sintáticas. 
Em (2), nabos ocorre como a menor resposta possível à questão dada. Em (3), a palavra nabos ocorre como objeto da sentença e em (4) ocorre como sujeito. Isto é, esta sequência de sons pode ocorrer em mais de uma posição sintática. É, portanto, uma palavra
(2) 	O que Maria comprou na feira hoje?
	Nabos.
(3)	Maria comprou nabos na feira hoje.
(4) 	Nabos foi o que a Maria comprou na feira hoje.
Um elemento como o pode ocorrer em mais de uma posição na sentença, como demonstrado em (5) e (6): o pode ocorrer antes ou depois do verbo. O é uma palavra?
(5)	Maria viu-o no cinema.
(6)	Maria não o viu no cinema.
Um pronome clítico, como o, não pode ser caracterizado como uma palavra, uma vez que não atinge os critérios sintáticos definidos: não pode ocorrer como resposta a uma pergunta (7) e não pode servir como sujeito de uma sentença (8). 
(7)	*Quem Maria viu no cinema. O.
(8)	*O foi visto por Maria no cinema.
Mas o pronome ele, embora carregue o mesmo significado do pronome clítico o, isto é, “terceira pessoa singular masculino”, qualifica-se como uma palavra, pois pode ocorrer isoladamente (9) e em várias posições sintáticas (10).
(9)	Quem me viu? Ele.
(10)	a	Ele me viu.
b	Eu vi ele.
c	José deu um livro para ele
Uma vez assumida a definição sintática de palavra (unidade mínima que pode ocorrer livremente), pode-se distinguir vários elementos que carregam exatamente o mesmo significado, mas que não têm o mesmo status gramatical.
A pergunta “como podemos ter certeza de que jotagangetagadomitiwaji do kadiwéu é uma palavra e não uma frase?” pode ser respondida da seguinte forma: a sequência de sons do kadiwéu obedece aos critérios sintáticos apontados, sendo, portanto, uma palavra, mesmo que, em português, ela seja traduzida como uma sentença.
Para os estruturalistas, as unidades formais de uma língua podem ser divididas em formas livres e formas presas. As unidades livres são as que podem aparecer isoladamente, ao passo que as unidades presas só funcionariam se ligadas a outras unidades, como o prefixo des- em desmontar. Mattoso Câmara, para poder descrever as partículasproclíticas e enclíticas do português, acrescenta o conceito de forma dependente – uma forma que não é livre, mas que também não é presa (por ex., o clítico o nos exemplos (7) e (8)).
Uma vez definido o que é uma palavra, temos definida a unidade máxima da Morfologia. O que seria a unidade mínima deste componente da Gramática? 
3) Estrutura interna das palavras e regularidades
Uma parte do conhecimento que temos da língua que falamos é a habilidade em construir e interpretar palavras, novas ou conhecidas. As palavras são unidades que aprendemos quando adquirimos nossa língua materna e que fazem parte do léxico, ou dicionário dessa língua. 
Nosso conhecimento da palavra compreende vários aspectos: conhecimento do sentido, da pronúncia, das propriedades sintáticas, etc. Por exemplo, se conhecemos a palavra terra, possuímos os seguintes conhecimentos:
- seu sentido (ou um de seus sentidos)	“solo sobre o qual se anda”
- sua pronúncia				[‘t(Xa]
- sua categoria sintática			um nome
- suas propriedades gramaticais		feminino, singular, comum
Mas estes não são os únicos conhecimentos que temos dessa palavra. Enquanto falantes do português, sabemos, por exemplo, que a palavra terra está ligada a outras palavras, formadas a partir dela, conforme seus sentidos: enterrar, desenterrar, soterrar, enterrado, enterro, desterro, terrestre, terra-a-terra, etc. Assim, um falante do português pode não somente reconhecer que certas palavras são relacionadas entre si, mas também identificar na estrutura dessas palavras as unidades recorrentes, ou semelhantes. Ele pode reconhecer que enterrar ou desenterrar podem ser divididas em unidades menores, encontradas em outras palavras da língua. O conhecimento dessas unidades permite que ele compreenda e forme novas palavras, como desterramento : mesmo nunca tendo ouvido essa palavra antes, podemos compreendê-la. Ao mesmo tempo, o falante não reconhece palavras como picheiro. Isso sugere que essas unidades estão armazenadas no léxico, que o falante conhece seu sentido e que existem regras que determinam a formação das palavras a partir dessas unidades. 
A Morfologia trata, pois, da estrutura interna das palavras, dos seus constituintes significativos mínimos. As unidades mínimas da Morfologia são, portanto, os elementos que compõem uma palavra. 
O conhecimento desses elementos é o que nos permite entender o significado de palavras que nunca ouvimos antes. 
“Ao nos deparamos com uma palavra como nacionalização, mesmo sem nunca termos ouvido essa palavra, podemos descobrir o que ela significa se soubermos o significado de nação, “pátria”, e o significado dos elementos que derivam novas palavras em português: al, “elemento que transforma um substantivo em adjetivo”, izar, “elemento que transforma um adjetivo em verbo”, e ção, “elemento que transforma verbo em substantivo”. Assim, ao adicionarmos nação e al, criamos o adjetivo nacional e, ao adicionarmos izar, temos o verbo nacionalizar. Finalmente, ao somarmos ção com nacionalizar, formamos o nome nacionalização. A palavra nacionalização significa ato de nacionalizar. Seu significado é derivado do significado das partes que compõem esta palavra.” (Sandalo, 2001, p.184)
Os elementos que carregam significado dentro de uma palavra são rotulados de morfemas e é o morfema a unidade mínima da Morfologia. Apesar de muitas pessoas afirmarem que a palavra é a unidade mínima que carrega significado, o morfema é que o é.
4) Lexema
Lexema, ou palavra léxica, é uma entidade abstrata, uma unidade básica do léxico. As palavras propriamente ditas seriam as representações concretas dos lexemas: por exemplo, escrevo, escrevia, escrevi são palavras que manifestam o lexema ESCREVER. Lexemas podem ser definidos como famílias de palavras que diferem em sua forma gramatical. É comum traçar-se um paralelo entre um lexema (parte do léxico mental de um indivíduo) e uma forma de citação (unidade de um “dicionário de papel”): os dicionários possuem uma única entrada para cada lexema.
5) A análise morfológica: abordagens
O linguista necessita de duas abordagens complementares para a análise morfológica: a abordagem analítica e a abordagem sintética. A abordagem analítica trata da decomposição da palavra em unidades menores e está fortemente identificada com os estudos estruturalistas. Como os estruturalistas frequentemente lidavam com línguas que eles desconheciam, e como essas línguas não possuíam gramáticas para guiar seus estudos, a metodologia estruturalista para identificação de morfemas devia ser bastante explícita e rigorosa. 
A abordagem sintética costuma ser associada mais a uma teoria do que a uma metodologia. Neste tipo de abordagem, interessa responder à pergunta Como um falante é capaz de produzir uma palavra gramaticalmente complexa? No entanto, essa questão pressupõe o conhecimento prévio dos tipos de “peças elementares” que constituem uma palavra. Nesse sentido, antes de poder trabalhar com uma teoria morfológica, o linguista deve proceder a um cuidadoso exame dos dados da língua, para poder conhecer as “peças elementares” com que vai lidar. 
As noções de análise e de síntese podem ser aplicadas igualmente ao comportamento dos falantes. Um falante aplica a análise morfológica, por exemplo, quando lê ou ouve uma palavra complexa que ele desconhece; com a finalidade de compreender essa palavra, ele a decompõe e tenta reconhecer suas partes. Um falante aplica a síntese morfológica, quando produz novas formas a partir de “elementos” existentes.
 Exercícios 
1) Na seção 1 deste texto, foi mencionada a palavra camal, na sentença A minha relação com o governador não é camal. É uma relação de amizade! Essa palavra existe? É uma palavra real?
2) Ao longo do texto, foram mencionadas as expressões “léxico mental do falante”, “léxico da língua” e “dicionários”. Como você poderia conceituar essas expressões?
3) Para cada palavra que segue, crie duas palavras novas; explique a formação de cada palavra e forneça sua definição.
�
a) comprar
b) beber
c) caneta
d) fofo
�
4) Observe os seguintes dados de um dialeto Asteca 
�
ikalveve 		– casa grande			
ikalsosol		– casa velha			
ikalcin		– casa pequena
petatsosol	– capacho velho	
petatcin		– capacho pequeno
koyamecin	– porco pequeno	
komitveve	– panela grande 
komitsosol	– panela velha 
ikalmeh		– casas
petatmeh	– capachos
�
a) compare os vocábulos listados e segmente-os.
b) quais os elementos que significam “grande”, “velho”, “pequeno?
c) quais os elementos que significam “casa” e “capacho”
d) quais os morfemas indicativos do número?
e) qual seria a forma provável de: “panela pequena”, “porco grande”, “capacho grande”, “panelas” e “porcos”
5) Compare a definição de “vocábulo formal” dada por Câmara Jr., no livro Estrutura da língua portuguesa (cap. 8) com a definição de palavra discutida por Sandalo (2001, p. 182-183).
Referências
HASPELMATH, Martin. Understanding morphology. Londres: Arnold, 2002. 
KEHDI, Valter. Morfemas do português. São Paulo: Ática, 2004.
ROCHA, Luiz Carlos de Assis. Estruturas morfológicas do português. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1998.
SANDALO, Maria Filomena Spatti. Morfologia, In Mussalim, F. e C. Bentes (org.), Introdução à linguística, São Paulo: Cortez, 2001.
KEDHI, Valter. Formação de palavras em português. 3 ed. São Paulo: Ática, 2003
� “eu falo com eles por vocês”
�PAGE �
�PAGE �2�

Outros materiais