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Capítulo 2 - Doença do Refluxo Gastroesofágico

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Doença do refluxo gastroesofá2
Pontos essenciais:
-Indicações dos exames;
-Indicações de tratamento cirúrgico;
- Esôfago de Barrett - definição e tratamento.
1. Definição
Afecção crônica decorrente do fluxo retrógrado de parte
do conteúdo gastroduodenal para o esôfago e/ou órgãos adja-
centes, acarretando variável espectro de sintomas esofágicos
ou extra-esofágicos, associados ou não a lesões teciduais.
O refluxo gastroesofágico é um evento fisiológico e assin-
tomático; porém, quando é persistente, determina alterações
inflamatórias que se iniciam na lâmina própria para, posterior-
mente, alcançar a mucosa e pode ser detectado ao exame en-
doscópico como anormal.
2. Etiopatogenia
O desequilíbrio entre fatores de agressão e de proteção
do esôfago associado a alterações dos mecanismos de con-
tenção do refluxo determina a DRGE.Tanto o refluxo ácido do
estômago quanto o refluxo alcalino proveniente do pâncreas
e da bile são lesivos ao esôfago. Os episódios de refluxo serão
tanto mais danosos quanto mais prolongados forem.
Fatores protetores do esôfago são a saliva, com poder de
neutralização; o clareamento esofágico (processo pelo qual
restaura-se o pH normal do esôfago após a ocorrência de re-
fluxo), dado pela atividade motora; a ação da gravidade; e a
resistência da própria mucosa esofágica.
Já os mecanismos de barreira anti-refluxo são: entrada
oblíqua do esôfago no estômago, ângulo de Hiss, pinçamento
esofágico pelo hiato diafragmático, presença de esôfago na
cavidade abdominal, membrana frenoesofágica, e presença
do esfíncter inferior do esôfago (ElE - principal mecanismo
de contenção).
..
O ElE tem extensão de 2 a 4cm e se relaxa durante a de-
glutição. A sua caracterização anatômica é difícil, de modo
que parece ser mais uma área funcionalmente especializada,
um esfíncter fisiológico.
Existe um fenômeno denominado relaxamento transitó-
rio (RT) ou relaxamento espontâneo, que é responsável por
60 a 70% dos episódios de refluxo (normal ou anormal). Nos
pacientes com refluxo patológico, a freqüência de RTé maior.
Esse fenômeno é estimulado, principalmente, pela distensão
gástrica e é a principal alteração fisiopatológica do ElE na
DRGE. A pressão do ElE sofre influência de diversos hormô-
nios, alimentos e fármacos.
3. Etiologia
As principais causas da DRGEsão:
A - Hérnia hiatal por deslizamento
É a causa mais freqüente de DRGE. No entanto, existem
pacientes com hérnia de hiato sem sintomas e portadores
da doença do refluxo sem hérnia de hiato. A hérnia hiatal
determina o refluxo pela perda do segmento esofágico ab-
dominal e por alterações no ângulo esôfago-gástrico. Existe
relação direta entre a dimensão da hérnia hiatal e a intensi-
dade do refluxo.
O diagnóstico da hérnia de hiato pode ser feito por
meio de endoscopia digestiva alta (EDA), de exame con-
trastado esôfago-estômago-duodeno (EED) ou de estudo
manométrico.
B - Esclerose sistêmica progressiva
Essa afecção acomete a musculatura lisa do esôfago cau-
sando atrofia, e, como conseqüência, surgem alterações mo-
toras no corpo esofágico e relacionadas ao ElE, como menor
pressão de repouso e acalásia. Causa esofagite de refluxo de
difícil controle.
MEDCEL - PRINCIPAIS TEMAS EM GASTROENTEROLOGIA
-- - ~ ~ ~
c -Sondagem nasogástrica (SNG) prolongada
A presença da sonda nasogástrica dificulta o clareamento
esofágico e pode causar esofagite (de forma infreqüente). Po-
rém, quando esta se instala, evolui mais precocemente com
estenose. São medidas preventivas manter decúbito elevado
e utilizar drogas antiácidas administradas pela via enteral ou
parenteral. Pacientes com tempo de sondagem maior do que
semanas devem, preferencialmente, ser submetidos a proce-
dimentos derivativos, como a gastrostomia, a fim de evitar,
além da DRGE, outras complicações, como sinusite e infecção
respiratória inferior.
D - Após intervenções na transição esôfago-gástrica
Dilatação forçada junto à cárdia, cardiomiectomia, vago-
temias, gastrectomias totais ou parciais e operações de res-
secção do trato esôfago-gástrico (TEG).
E - Condições que aumentam a pressão intra-ab-
dominal
Exercício físico, tosse, esforço evacuatório, gravidez, obe-
sidade e presença de ascite.
F - Diminuição de motilidade gástrica
Atonia ou estase gástrica que podem ser conseqüentes a
diabetes, vagotomias, alterações neuromusculares, disfun-
ções motoras pilóricas ou do duodeno, e estenoses.
4. Fisiopatologia
A - Alterações motoras
Existe alguma anormalidade funcional do ElE na maioria
dos pacientes com DRGE. As 3 principais anormalidades são
relaxamento espontâneo do ElE, hipotonia esfincteriana (re-
dução do tônus basal) e ausência ou encurtamento do seg-
mento intra-abdominal do esfíncter.
B - Alterações inflamatórias
o exame endoscópico pode diagnosticar o processo
inflamatório causado pelo refluxo. Em fases mais avança-
das, até mesmo a EDA pode mostrar essas alterações. No
entanto, há pacientes portadores de refluxo com exame
endoscópico normal (cerca de 20%). Existem algumas al-
terações causadas pelo processo inflamatório que podem
ser diagnosticadas na DRGE, que vai desde o edema e
enantema locais até erosões e ulcerações.
As erosões ou úlceras rasas isoladas ou múltiplas geral-
mente cicatrizam sem conseqüências morfofuncionais; po-
rém, as úlceras maiores e mais profundas podem cicatrizar,
iMedcel
levando a retração e estenose. O processo de reparação
pode ser dado a partir da migração de células cilíndricas
dos dutos das glândulas submucosas do esôfago e glândulas
submucosas, que acabam por revestir áreas de reparação
com epitélio colunar. Tal processo é denominado esôfago
de Barrett.
Existem 3 tipos diferentes de epitélio cilíndrico que ca-
racterizam o esôfago de Barrett: o fúndico, o pilórico e o
intestinal. Este tipo de epitélio é o substrato para o desen-
volvimento de adenocarcinoma esofágico, em especial o
tipo intestinal. Por esse motivo, nos últimos anos, apenas
a presença de metaplasia mucosa glandular do tipo intes-
tinal tem sido considerada esôfago de Barrett.
5. Complicações
Existem 3 complicações principais .relacionadas à DRGE:
hemorragia, estenose e esôfago de Barrett. As úlceras pro-
fundas com perfuração são extremamente raras.
1 - Hemorragia: em geral, de pequena monta e crônica,
podendo levar a anemia.
2 - Estenose: pode ser precoce ou tardia e requer trata-
mento específico.
3 - Esôfago de Barrett: tem uma relação de associação
de 50% dos pacientes com DRGE e estenose/esofagite ul-
cerativa. Esse termo só deve ser usado na presença de me-
taplasia do tipo intestinal.
6. Diagnóstico
A - Quadro clínico
Os sintomas podem ser divididos em esofágicos típicos,
como a pirose retroesternal; esofágicos atípicos, como a dor
torácica de origem não-cardíaca e o globus; e os extra-esofá-
gicos, que podem ser orais, otorrinolaringológicos e respira-
tórios.
Quadro 1-Manifestações atípicas da DRGE
Manifestação I Tipo
Esofágica Dor torácica sem evidência de enfermidade coro-
nariana (dor torácica não-cardíaca);
Globus Histericus (faringeus).
Pulmonar Asma, tosse crônica, hemoptise, bronquite, bron-
quiectasia e pneumonias de repetição.
Otorrinolarin- Rouquidão; pigarro (clareamento da garganta);
gológica laringite posterior crônica; sinusite crônica;
otalgia.
Oral Desgaste do esmalte dentário; halitose e aftas.
A intensidade dos sintomas esofágicos típicos depende,
basicamente, da intensidade das alterações esofágicas.
edcel DOENÇA DO REFLUXO GASTROESOFÁGICO
A pirose retroesternal é o principal sintoma e se agrava
m refeições volumosas ou com alimentos que relaxam o
':JE. Nesses pacientes, é comum que o decúbito dorsal hori-
: ntal piore os sintomase possa desencadear regurgitação.
le destacar que os pacientes portadores de esôfago de
arrett apresentam melhora ou desaparecimento de sinto-
as de pirose, devido à adaptação do epitélio para receber
a secreção ácida.
A disfagia, geralmente encontrada em casos de estenose,
aode estar presente frente a alterações motoras específicas
a DRGE. É sempre importante a detalhada caracterização do
efluxo e da disfagia, pois ambos podem estar presentes con-
omitantemente a outras doenças, tais como megaesôfago e
esclerose sistêmica progressiva.
A dor torácica é desencadeada por' estímulo de termina-
ções nervosas do próprio esôfago pelo ácido ou pelas contra-
ções incoordenadas (alteração motora do esôfago).
O globus é a sensação de "bola que sobe e desce" na
região retroesternal, antigamente considerada um sintoma
psicológico e denominado de globus hystericosi, hoje sablda-
mente relacionado à DRGE.
Os sintomas respiratórios podem aparecer devido à as-
piração do conteúdo gástrico refluído ou por ação indireta
desencadeada por refluxo vagal.
A hemorragia digestiva alta (HDA) é rara, e são mais co-
muns quadros de anemia crônica, principalmente em casos
de grandes herniações gástricas. Nestes, a isquemia da mu-
cosa também desempenha um papel importante.
B - Exames complementares
São exames com a finalidade de detectar 3 problemas: o
refluxo propriamente dito, as repercussões da DRGEe as con-
dições desencadeantes e afecções associadas.
a) EEO: o exame contrastado pode caracterizar o refluxo;
porém, muitas vezes, depende de manobras específicas du-
rante sua realização (decúbito dorsal horizontal e manobras
de Valsalva, por exemplo). Pode mostrar alterações anatômi-
cas, como a perda do ângulo de Hiss e a presença de hérnias
de hiato que podem contribuir para o refluxo. É pouco sen-
sível para a detecção da esofagite, exceto em casos graves,
em que se encontram ulcerações ou estenose. Contudo, é o
melhor exame para a caracterização da hérnia de hiato, po-
dendo evidenciar alterações funcionais esofágicas que sugi-
ram a concomitância de megaesôfago ou esclerose sistêmica
progressiva, além de permitir a caracterização de distúrbios
de esvaziamento gástrico.
Figura 1-EED - Grande hérnia hiatal mista (tipo IV)
b) Endoscopia digestiva alta (EOA): pode diagnosticar
o refluxo por meio da visualização da cárdia incompetente,
porém é mais importante para o diagnóstico da esofagite
(permite a visualização da mucosa com possibilidade de
biópsia e gradua o nível de esofagite permitindo exames
comparativos). Nas fases precoces da DRGE, a mucosa pode
estar preservada, pois a reação inflamatória tem início na
submucosa. Entretanto, a biópsia pode diagnosticar a cha-
mada esofagite microscópica. À medida que a esofagite se
instala, ela pode ser graduada pelas classificações endoscó-
picas de Savary-Miller ou de Los Angeles (Quadros 2 e 3).
Além disso, a endoscopia é fundamental para a caracteriza-
ção e a complementação diagnóstica das doenças associadas
ou das complicações da DRGE.
Quadro 2 - Classificação endoscópica de Savary-Miller modificada
Grau de aspecto endoscópico - Esofagite
O Normal
I
Uma ou mais erosões lineares ou ovaladas em uma única prega
longitudinal
11
Várias erosões situadas em mais de 1 prega longitudinal, con-
fluente ou não, não envolvendo toda a circunferência do esô-
fago
111
Erosões corifluentes e envolvendo toda a circunferência do
esôfago
IV
Lesões crônicas: úlceras e estenose, isoladas ou associadas às
lesões de graus 1 e 3
Epitélio colunar em continuidade com a linha Z, circunferencial
V ou não, de extensão variável, associado ou não às lesões de 1
a4
~------------~--
MEDCEL- PRINCIPAISTEMASEMGASTROENTEROLOGIA
- - -
iMedcel
Quadro 3 - Classificação endoscópica da DRGE de Los Angeles
Grau I Achado
A Uma ou mais erosões menores do que 5mm
B Uma ou maiserosõesmaiores do que 5mm em suamaior ex-
tensão, não contínuas entre os ápicesde 2 pregasesofágicas
C Erosõescontínuas (ou convergentes)entre os ápicesde, pelo
menos, 2 pregas,envolvendo menos do que 75%do órgão
O Erosões ocupando pelo menos 75% da circunferência do
órgão
c) Manometria esofágica: tem como objetivo a avaliação
das pressões e a posição dos esfíncteres superior e inferior do
esôfago, assim como a função desses esfíncteres e o padrão
das ondas peristálticas no corpo esofágico. A manometria é
fundamental no diagnóstico da DRGE, principalmente quan-
do se suspeita de outras afecções motoras concomitantes,
tais como a esclerose sistêmica progressiva e o megaesôfago.
Nesse sentido, ajuda muito na decisão adequada de trata-
mento. Sempre que disponível, deve ser realizada antes do
tratamento cirúrgico para que sejam diagnosticadas doenças
motoras que possam modificar a conduta.
d) Impedanciometria, impedanciomanometria e impedan-
ciopHmetria esofágicas: são exames novos que estão entrando
na prática médica e têm potencial para se tornarem o padrão-
ouro no diagnóstico da DRGE. Possibilita o acompanhamento
do movimento anterógrado (transporte do bolo alimentar) e do
movimento retrógrado do conteúdo intraluminar (refluxo gas-
troesofágico). A associação com a medida do pH, na impedan-
ciopHmetria, possibilita a correlação dos sintomas e dos episó-
dios de refluxo com alterações de pH.
Quadro 4 - Vantagens e desvantagens dos principais métodos diag-
nósticos
Método I Vantagens I Desvantagens
EDA Avalia presença e Ausência de
grau de esofagite, achados não exclui o
complicações e diagnóstico
afecções associadas
pHmetria Avalia presença, Não identifica
esofágica intensidade e padrão esofagite nem
do refluxo complicações do
Correlaciona refluxo refluxo
com a queixa Não avalia a
ocorrência de
refluxo "não-ácido"
EED Avaliação morfológica Não identifica
do esôfago esofagite
Avaliação de
estenoses, ulcerações
e hérnia hiatal
Manometria
esofágica
Parâmetro de predição Não avalia a
de evolução da doença capacidade real
Diagnóstico de de transporte do
distúrbios motores conteúdo alimentar
específicos do esôfago
Identificação do ElE
para pHmetria
Impedanciometria
esofágica
Acompanhamento
do movimento
anterógrado e
retrógrado do
conteúdo alimentar
Poucosestudos
clínicos
7. Tratamento clínico
Divide-se em medidas comportamentais e tratamento
farmacológico. Ambos devem ser rigorosa e simultaneamen-
te efetuados.
Dentre as medidas comporta mentais, as principais são
decúbito da cama elevado, não usar roupas ou fazer exercí-
cios que elevem de maneira acentuada a pressão intra-abdo-
minal. É importante, também, estimular a perda de peso e o
tratamento de constipação intestinal.
Evitar gordura, cafeína, chocolate (contém xantina), nicoti-
na e álcool, pois essas substâncias diminuem a pressão do ElE.
Alimentos muito quentes ou temperados, cítricos, molho de
tomate e álcool são também irritantes da mucosa esofágica e
devem ser evitados. Os excessos alimentares devem ser evi-
tados com fracionamento da dieta. Os pacientes não devem
se alimentar logo antes de dormir nem ingerir alimentos de
digestão lenta, como frituras, à noite.
Para o tratamento farmacológico, é importante saber
que os inibidores de bomba de prótons (IBP) são superiores
aos antagonistas de H2. As doses diárias de IBP indicadas são
omeprazol (40mg), lansoprazol (30mg), pantoprazol (40mg) e
rabeprazol (20mg). Os pacientes devem ser tratados em dose
plena por 6 a 12 semanas, associados ou não a pró-cinéticos
(bromoprida, cisaprida).
Frente a pacientes que necessitam tratamento farmacoló-
gico para manterem-se assintomáticos, o tratamento cirúrgi-
co deve ser cogitado.
Quadro 5 -Medidas comportamentais no tratamento da DRGE
Elevaçãoda cabeceira da cama (15cm);
Moderar a ingestão dos seguintes alimentos,na dependência da
correlação com os sintomas: gordurosos, cítricos, café, bebidas al-
coólicas, bebidas gasosas,menta, hortelã, produtos de tomate;
Cuidados especiais para medicamentos potencialmente "de risco":
anticolinérgicos, teofilina, antidepressivos tricíclicos, bloqueado-
res de canais de cálcio, agonistas beta-adrenérgicos, alendronato;
Evitar deitar-se nas 2 horas seguintes às refeições;
----------------~
Evitar refeições copiosas;
Reduçãodrástica ou cessaçãodo fumo;
Reduzir o peso corporal (emagrecimento). ,
iMedcel DOENÇA DO REFLUXO GASTROESOFÁGICO
8. Tratamento cirúrgico
a) Indicações do procedimento cirúrgico:
-Falha do tratamento clínico (principal indicação): carac-
terizada pela manutenção dos sintomas, mesmo com o
uso correto das medicações;
- Presença de complicações da DRGE (ulceração, Barrett,
estenose);
- Sintomas respiratórios importantes: pneumonites ou bron-
coespasmos de repetição devido ao refluxo;
- Dificuldade para tratamento clínico: por dificuldade fi-
nanceira de adquirir medicações ou por atividades pro-
fissionais que impedem o tratamento adequado;
- Refluxo desencadeado por outra cirurgia no trato esôfago-
gástrico (TEG): geralmente não se consegue controlar clini-
camente o refluxo nessas situações.
Quadro 6 - Indicações de tratamento cirúrgico na DRGE não com-
plicada
- Pacientes que não respondem satisfatoriamente ao tratamento
clínico, inclusive aqueles com manifestações atípicas cujo reflu-
xo foi devidamente comprovado;
- Pacientes dos quais é exigido tratamento de manutenção com
IBP,especialmente aqueles com menos de 40 anos de idade;
- Casosem que não é possívela continuidade do tratamento de ma-
nutenção, por exemplo, a impossibilidade de arcar financeiramente
com os custos do tratamento clínico a longo prazo.
b) Objetivos: atuar sobre os 3 principais fatores
etiopatogênicos da DRGE:
1 - Relaxamento espontâneo do ElE: valvuloplastias, por
alterarem o relaxamento receptivo do fundo gástrico.
2 - Tônus pressórico do ElE.
3 - Posicionamento do ElE: abdominal (objetivo cumprido
com a hiatoplastia).
c) Técnica operatória: O procedimento cirúrgico
envolve 2 tempos principais.
1 - Hiatoplastia: consiste na aproximação dos braços do
pilar diafragmático através de sutura com fio inabsorvível,
evitando a tensão e o garroteamento do esôfago distal;
2 - Valvuloplastia: consiste no envolvimento circunferen-
cial do esôfago distal, em diferentes graus, pelo fundo gás-
trico;
As técnicas mais comumente utilizadas são a fundoplica-
tura tipo Nissen (total - 360°) ou parcial tipo Toupet-Lind (180
a 270°).
Figura 2 - Hiatoplastia e fundoplicatura pela técnica de Toupet-Lind
Figura 3 -Hiatoplostia e fundoplicatura pela técnica de Nissen
Figura 4 - Aspecto intra-operatório da hiatoplastia: na foto à direi-
ta, vemos o esôfago abdominal isolado e, à esquerda, a hiatoplastia
realizada com pontos separados de algodão 2~Oem cirurgia conven-
cional
d) Comentários
A principal complicação pós-operatória é a disfagia deter-
minada pela hiatoplastia e pela válvula anti-refluxo. Portanto,
é fundamental que se diagnostique outro motivo para que o
41
MEDCEL - PRINCIPAIS TEMAS EM GASTROENTEROLOGIA
doente apresente disfagia antes de se empregar o tratamen-
to cirúrgico. Nesse sentido, a manometria esofágica é funda-
mental. Em casos nos quais são notadas alterações motoras
do corpo esofágico, pode-se optar pela técnica de Lind, ten-
do em vista que essa técnica representa uma barreira menor
para a passagem de alimentos.
Em termos de contenção do refluxo (controle por pHme-
tria), tanto a fundoplicatura parcial quanto a total são equi-
valentes.
A via laparoscópica é a mais indicada para a realização
das fundoplicaturas, e importantes detalhes técnicos devem
ser sempre respeitados, como manter uma certa folga de 1,5
a 2cm, fundoplicatura "frouxa", liberação do fundo gástrico
(para que não determine obstrução extrínseca do esôfago
distal nem desvio do eixo esõfago-gástrico), nós sem tensão
(evitando isquemia tecidual).
O tratamento cirúrgico é mais efetivo que o tratamento
clínico no controle do refluxo, tendo bons resultados em mais
de 90% dos casos.
A litíase biliar também deve ser tratada no mesmo proce-
dimento cirúrgico, quando presente em pacientes que serão
submetidos a procedimentos cirúrgicos para DRGE.
9. Esôfago de Barrett
A - Conceito
o esôfago de Barrett (EB) é uma complicação da DRGE
caracterizada pela ocorrência de metaplasia intestinal, ou
seja, substituição do epitélio escamoso estratificado do
esôfago distal por epitélio colunar contendo células intes-
tinalizadas, em qualquer extensão. É denominado "Barret
curto" quando sua extensão é menor que 3cm, e "barrett
longo" quando é maior que 3cm.
Esse epitélio metaplásico é considerado como substrato
para a instalação de adenocarcinoma (por meio da seqüência
rnetaplasla-displasia-carclnorna}, daí sua grande importância.
Portanto, deve ser diagnosticado, tratado e acompanhado
com bastante rigor.
B - Etiologia
A origem das células metaplásicas do esôfago de Barrett
provém do estômago ou dos dutos das glândulas submuco-
sas do esôfago. Tais células são totipotentes, ou seja, quando
submetidas a estímulos diferentes, se especializam e se dife-
renciam. Assim, as células que reepitelizam áreas sujeitas a
processo inflamatório crônico podem se diferenciar em epi-
télio de fundo gástrico, pilórico ou intestinal.
iMedcel
C - Incidência
É subestimada, pois o diagnóstico adequado não é feito
por muitos endoscopistas e pela ausência de sintomas em
muitos doentes. Aproximadamente, 10% dos casos de DRGE
apresentam esôfago de Barrett.
D - Complicações
As complicações mais freqüentes são a estenose e a úlce-
ra em pequeno número de pacientes.
Esôfago de Barrett e adenocarcinoma: aproximadamente,
2% ao ano dos casos de esôfago de Barrett desenvolvem cân-
cer (incidência em estudos prospectivos). Porém, os pacien-
tes com tal complicação apresentam riscos-30 a 125 vezes
maior de desenvolverem adenocarcinoma de esôfago do que
a população normal. Pacientes com Barrett longo e áreas de
displasia estão em maior risco. O epitélio metaplásico intesti-
nal é o que oferece o maior risco de degeneração maligna.
E - Quadro clínico
A idade média dos pacientes varia em torno de 50 anos,
com pequeno predomínio do sexo masculino. O epitélio colu-
nar por si só não causa sintomas, porém os doentes podem
apresentar sintomas relacionados ao refluxo ou às complica-
ções (estenose/úlcera/câncer). O principal sintoma é a pirose.
Quanto mais freqüente, grave e prolongado for o refluxo
(e os sintomas), maior será a chance de aparecimento do EB.
F - Diagnóstico
- EDA: mudança da cor do epitélio pálido escamoso para
o róseo colunar bem acima da JEG. Devem ser feitas
<,
biópsias para confirmar o diagnóstico endoscópico. A
presença de hérnia hiatal dificulta o diagnóstico. Nesses
casos, o pinçamento diafragmático não corresponde a
transição esôfago-gástrica e, portanto, devem ser iden-
tificadas as pregas gástricas e a JEG. Atualmente, com a
aceitação de que apenas a metaplasia intestinal deva ser
denominada esôfago de Barrett, o diagnóstico só pode
ser definido pelo estudo anatomopatológico.
G - Tratamento
Até o momento, o esôfago de Barrett não apresenta ne-
nhum tratamento eficaz para regressão do epitélio meta plá-
sico; tanto a terapêutica clínica como a cirúrgica são eficazes
somente em controlar o refluxo, diminuindo o processo infla-
matório e a progressão da doença.
a) Clínico: obedece aos cuidados observados para DRGE,
mas não é o tratamento mais aceito. Pode ser realizado em
DOENÇA DO REFLUXO GASTROESOFÁGICOiMedcel
pacientesque não desejam o tratamento cirúrgico, para os
de alto risco. Diminui a incidência de complicações como es-
tenose e úlceras, mas ainda não se sabe se altera a história
natural, em caso de displasia.
b) Cirúrgico: está indicado em todos os casos de esôfago
de Barrett que não tenham contra-indicação clínica para tal. A
hiatoplastia com fundoplicatura está indicada para pacientes
com esôfago de Barrett sem complicações ou com estenose
possível de dilatação. A esofagectomia está indicada para os
casos de estenose impossível de ser dilatada, associação de
esclerodermia e megaesôfago e na presença de câncer.
c) Seguimento: mesmo após a correção do refluxo, é
indicada endoscopia para o rastreamento de neoplasia. Há
autores que indicam a endoscopia anual e outros a cada 3
anos, para os pacientes sem displasia ao estudo anatomopa-
tológico. Entretanto, o consenso brasileiro de DRGE sugeriu
uma EDA a cada 2 anos. Aqueles com displasia de baixo grau
devem ser submetidos ao exame a cada 6 ou 3 meses. Os com
displasia de alto grau devem ter o exame repetido e, caso haja
confirmação, tratado como carcinoma in situo
-

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