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av. rui barbosa, 35, centro | cep 86.990-000 | marialva, paraná, brasil +55 |44| 9918.0320 contato@gregosantos.com.br www.gregosantos.com.br GREGO SANTOS, Bruno. A impropriedade dos prazos processuais cometidos ao Estado em litígio. In: GREGO SANTOS, Bruno; BERNARDO, Leandro Ferreira; FRACALOSSI, William. Temas Avançados da Advocacia Pública. Vol. I. Maringá: UniCorpore, 2011. A IMPROPRIEDADE DOS PRAZOS PROCESSUAIS COMETIDOS AO ESTADO EM LITÍGIO Bruno Grego Santos1 1 INTRODUÇÃO No atual cenário de alta judicialização nas relações jurídicas na sociedade brasileira, em que temas como o ativismo judicial permeiam as discussões acerca do presente e do futuro da Justiça e de suas funções essenciais, uma relevantíssima circunstância se levanta no dia-a- dia dos órgãos jurídicos públicos: o acúmulo involuntário de serviço. A ausência de poder sobre o ingresso de demandas – o que, por óbvio, cabe ao particular que decide litigar –, a disponibilização de pessoal e meios de trabalho desproporcionais à quantidade daquelas e a sobrecarga de serviço que disso decorre fizeram com que fosse edificado um instituto tenente a fixar a compreensão de que, ainda que descumprido o termo, o ato daquele agente público ainda é valido. Falamos do prazo impróprio. Adotando a natureza de garantia, prerrogativa, regime especial ou qualquer outra, o prazo impróprio garante a vários atores que cumprem funções no processo por múnus público que, ainda que seja justificadamente impossível o cumprimento do prazo a si consignado, a instituição que representam não sofrerá penalidade preclusiva no processo. 1 Bruno Grego dos Santos é mestrando em Direito do Estado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo; graduado em Direito pela Universidade Estadual de Maringá (2007). Atualmente é Procurador Jurídico e Diretor do Departamento Jurídico do Município de Marialva, membro da Comissão de Advocacia Pública da OAB Paraná, diretor da Comissão de Advocacia Pública da OAB Maringá e membro do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública. É pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Direito Administrativo Democrático da Faculdade de Direito do Largo São Francisco - NEPAD-USP. Venceu o VII Prêmio Innovare na categoria Advocacia. av. rui barbosa, 35, centro | cep 86.990-000 | marialva, paraná, brasil +55 |44| 9918.0320 contato@gregosantos.com.br www.gregosantos.com.br Ocorre que a Advocacia Pública, múnus público que é, não conta com a impropriedade de prazos processuais, apesar de sofrer do mesmo acúmulo involuntário de serviço decorrente da falta de controle que tem sobre as demandas que em face de si são propostas. Assim, apesar da relativa resistência encontrada dentre alguns membros da comunidade jurídica em legitimar-se as prerrogativas processuais do Estado em litígios, demonstra-se nos próximos pontos que os Advogados Públicos, assim como os Juízes e em muitos casos os membros do Ministério Público, fazem sim jus à impropriedade dos prazos processuais a si conferidos. Ressalva inicial deve-se fazer quanto ao alcance desta impropriedade: é de sabença que, de fato, generalizar-se a aplicação de prazos impróprios a qualquer parte processual pode trazer o caos à lide, frente ao potencial uso desta prerrogativa com imparcialidade. Deste modo, as idéias aqui expostas devem ser consideradas levando-se em conta a necessidade de formulação de um proposta que atenda às peculiaridades da atuação processual da Fazenda Pública com a garantia de evitar-se o abuso deste instrumento. Passa-se, portanto, à exposição de elementos que permitam concluir em que medida as características do Estado o distanciam dos demais litigantes, seguida pela abordagem dos principais aspectos que envolvem os prazos impróprios no processo brasileiro, para então concluir, com a formulação de proposta razoável, pela impropriedade dos prazos processuais assinalados ao Estado em juízo. 2 DIFERENCIAÇÃO PROCESSUAL DO ESTADO Corolário de muitos dos princípios constitucionais homenageados na Carta Fundamental de 1988, o Estado brasileiro submete-se, no âmbito de suas relações com os administrados, à justiça comum – trata-se da chamada jurisdição una, que se opõe ao av. rui barbosa, 35, centro | cep 86.990-000 | marialva, paraná, brasil +55 |44| 9918.0320 contato@gregosantos.com.br www.gregosantos.com.br contencioso administrativo, no Direito comparado, adotado por diversos países a exemplo do Conselho de Estado Francês.2 Esta submissão ao mesmo juízo, no entanto, não faz com que a Administração Pública tenha as mesmas características dos particulares ao comparecer no processo. Muito pelo contrário, as inúmeras peculiaridades decorrentes do regime público fazem indispensáveis prerrogativas processuais tenentes a equalizar – ainda que parcialmente – os desníveis encontrados. Ao contrário dos particulares, a participação do Estado no processo vai muito além da simples defesa dos direitos ali discutidos. As lides que envolvem a Fazenda Pública têm, em sua quase totalidade, forte impacto sobre as políticas públicas e, muitas vezes, a aparente vitória do particular pode implicar, principalmente nos entes públicos de menor capacidade – como pequenos municípios –, o prejuízo a políticas públicas que seriam favoráveis a este mesmo particular. Vê-se que, de acordo com o destacado pelo eminente professor da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, Gustavo Justino de Oliveira3, “no âmbito da efetivação dos direitos individuais e coletivos, espera-se da Administração pública uma postura pró-ativa [grifo do autor].” No entanto, o cenário atual sugere que, ao menos nos casos tidos como “pontos fora da curva”, o Estado costuma postar-se de maneira passiva às demandas sociais, que acabam por encontrar escape na via judicial. Sem embargos, portanto, que o Estado diferencia-se substancialmente dos particulares ao submeterem-se ambos ao mesmo juízo. Mas em que medida e por qual razão ocorre este discrimen? Quais são as conseqüências disso? Vejamos. 2.1 Supremacia do Interesse Público e Processo A própria origem do conceito de pessoa jurídica, que teve gérmen no nascimento do Estado no direito romano e clássico, caracteriza a persecução do interesse público com caráter 2 CHAPUS, René. Droit du ontentieux administratif. Paris: Montchrestien, 1995. 3 OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Direito Administrativo Democrático. Belo Horizonte: Fórum, 2010. Pág. 161. av. rui barbosa, 35, centro | cep 86.990-000 | marialva, paraná, brasil +55 |44| 9918.0320 contato@gregosantos.com.br www.gregosantos.com.br essencial à própria existência do Ente Público. As pessoas jurídicas e o próprio Estado nasceram da união de indivíduos em torno de um objetivo comum4 e desde o Estado Romano este interesse é que sustenta a necessidade de um Estado em si. Pode-se afirmar, assim, que o interesse público é o eixo em torno do qual se edificou o Estado, e que este interesse público nasceu tanto dos interesses da coletividade quanto da necessidade de criação de uma estrutura pela qual se viabiliza a defesa equânime dos interesses individuais5. Historicamente, ao mesmo tempo em que se observava a evolução do princípio da responsabilidade do Estado, o individualismo jurídico e o civilismo exacerbados que grassaram as mentes jurídicas até fins do séc. XIX foram gradualmente superados. Na lição de Maria Sylvia Di Pietro6: [...] já em fins do século XIX começaram a surgir reações contra o individualismo jurídico, como decorrência das profundas transformações ocorridas na ordem econômica, social e política, provocadas pelos próprios resultadosfunestos daquele individualismo exacerbado. [...] O Direito deixou de ser apenas instrumento de garantia dos direitos do indivíduo e passou a ser visto como meio para consecução da justiça social, do bem comum, do bem-estar coletivo. Assim, no Estado Democrático de Direito contemporâneo, a persecução do interesse público voltou a exercer o papel de importância que motivou a criação do próprio Estado enquanto pessoa jurídica no Direito clássico, permeando as disposições de regência da atuação da Administração Pública nos mais diversos aspectos. Tal verifica-se na orientação de diversas disposições da Carta Magna no sentido de ver defendido o interesse público na atuação do Estado (p. ex., arts. 19, inciso I; 37, inciso IX; e 66, § 1º, da Constituição Federal); na adoção do interesse público como pressuposto de validade do ato administrativo (p. ex., art. 3º e ss. da Lei nº 8.666/1993); e por toda a doutrina e jurisprudência edificadas em torno do Princípio da Supremacia do Interesse Público. 4 MEIRA, Sílvio A. B. Instituições de Direito Romano. São Paulo: Max Limonad, [196-]. Págs. 97 ss. 5 Idem, ibidem, loc. cit.. 6 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2006. Pág. 83. av. rui barbosa, 35, centro | cep 86.990-000 | marialva, paraná, brasil +55 |44| 9918.0320 contato@gregosantos.com.br www.gregosantos.com.br Tamanha é a importância da defesa do interesse público na atuação do Estado que se estabelece como princípio em favor deste interesse a indisponibilidade. É dizer, nas palavras de Bandeira de Mello7, que, [...] sendo interesses qualificados como próprios da coletividade – internos ao setor público – não se encontram à livre disposição de quem quer que seja, por inapropriáveis. O próprio órgão administrativo que os representa não tem disponibilidade sobre eles, no sentido de que lhe incumbe apenas curá-los – o que é também um dever – na estrita conformidade do que dispuser a intentio legis. Da lição de Hely Lopes Meirelles8: Interesse público ou supremacia do interesse público – Também chamado de princípio da supremacia do interesse público ou da finalidade pública, com o nome de interesse público a Lei 9.784/99 coloca-o como um dos princípios de observância obrigatória pela Administração Pública, correspondendo ao "atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou competência, salvo autorização em lei" (art. 2°, parágrafo único, II). A supremacia do interesse público enquanto princípio tem importantes implicações na sujeição do Estado à jurisdição. Como explica Mattos de Carvalho9: O princípio da supremacia do interesse público sobre o privado é um princípio formal, ou seja, uma norma que atribui competência para a Administração Pública constituir obrigações ou alterar relações jurídicas por meio de ato unilateral, que devem ser respeitados na maior medida possível, levando-se em consideração as circunstâncias fáticas e jurídicas. Essa definição está em sintonia com o papel do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado para a dogmática jurídica, ao tempo em que explica atributos reconhecidos aos atos administrativos como a imperatividade [...] e a presunção de legitimidade [...]. Também explica satisfatoriamente o papel exercido pelo Poder Judiciário no controle dos atos administrativos decorrentes do uso de competências discricionárias. O Poder Judiciário, levando em consideração os aspectos jurídicos e as circunstâncias do caso concreto, poderá, tão-somente, considerar inválido o ato administrativo, mas nunca decidir pela Administração Pública. Esse limite à ingerência do Poder Judiciário deve ser preservado, possibilitando o respeito, na maior medida possível, das competências da Administração Pública, sem comprometer o controle jurisdicional dos atos administrativos. A importância da defesa do interesse público pelo Estado quando em juízo – representado, pois, pela Advocacia Pública –, justifica conferir a Lei a ele prerrogativas que correspondam ao vulto deste interesse – é a efetivação da igualdade material das partes. No 7 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2005. Pág. 69. 8 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2007. Pág. 103. 9 CARVALHO, Iuri Mattos de. O Princípio da Supremacia do Interesse Público Sobre o Privado: Parâmetros para uma Reconstrução. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, nº 16, mai.-ago. 2007. av. rui barbosa, 35, centro | cep 86.990-000 | marialva, paraná, brasil +55 |44| 9918.0320 contato@gregosantos.com.br www.gregosantos.com.br entanto, estas prerrogativas possuem origem objetivamente mais apurável: as inúmeras peculiaridades que envolvem a gestão e participação em processos judiciais pela Administração Pública. 2.2 Gestão Processual da Advocacia de Estado Na qualidade de guardião e agente efetivador dos interesses coletivos, o Estado figura como parte processual desde seus primórdios históricos. Silvio Meira10, em seu Instituições de Direito Romano, destaca que desde a origem de nossas instituições jurídicas, no Estado Romano, o Fisco e o Erário, enquanto representações do patrimônio público, representam importante papel na atuação do Judiciário, na medida em que possuíam “[...] personalidade jurídica própria, podendo comparecer a juízo, nas causas de seu interêsse [sic]”. Hoje esta importância alcança, no Estado brasileiro, marcos nunca dantes vistos. Como colaciona Justino de Oliveira11, ao comentar dados aferidos pelo Conselho Nacional de Justiça acerca dos maiores litigantes brasileiros: o CNJ constata que dos dez maiores demandantes de recursos, nove são originários do setor público. Outro número significativo, é que a União Federal, a Caixa Econômica e o INSS, juntos, respondem por 47% da totalidade dos recursos interpostos no STF. Ao que parece, a situação nas demais Cortes de Justiça brasileiras não se afasta muito do que ocorre quantitativamente no Excelso Pretório. Não restam dúvidas, portanto, que as características e a capacidade de gestão do passivo processual do Estado distancia-se diametralmente da realidade experimentada pelos particulares. Isso decorre ora da monstruosa quantidade de litígios envolvendo entes públicos, 10 MEIRA, Sílvio A. B. Instituições de Direito Romano. São Paulo: Max Limonad, [196-]. Págs. 99/100. Refere-se ainda o autor a: DUFF, P. W. Personality in Roman Private Law. Cambridge: CUP, 1938. Pág. 51. ARANGIO-RUIZ, V. Instituizoni di Diritto Romano. Nápoles: Dott. Eug. Jovene, 1932. Pág. 75. 11 OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Mediação, Conciliação e Arbitragem na Administração Pública. Jornal Carta Forense, São Paulo, 2 jun. 2011. av. rui barbosa, 35, centro | cep 86.990-000 | marialva, paraná, brasil +55 |44| 9918.0320 contato@gregosantos.com.br www.gregosantos.com.br ora pelos melindres e intrincados caminhos impostos à informação e decisão na Administração Pública, e muitas vezes por ambos. Como destaca Nelson Nery Junior12: Ora, a Fazenda Pública, que é representada em juízo por seus procuradores, não reúne as mesmas condições que um particular para defender seus interesses em juízo. Além de estar defendendo o interesse público, a Fazenda Pública mantém uma burocracia inerente à sua atividade, tendo dificuldade de ter acesso aos fatos, elementos e dados da causa. O volume de trabalho que cerca os advogados públicos impede, de igual modo, o desempenho de suas atividades nos prazos fixados para os particulares. Seguindoesta linha de raciocínio, Allan Titonelli Nunes13 analisa minuciosamente as características estatais que profundamente justificam a sua diferenciação perante o juízo, fruto da própria natureza, origem e regime do Estado: A organização de um Estado comporta a movimentação de todo um arcabouço administrativo, meticuloso e burocrático. Desse modo, a organização e o funcionamento do Estado não se comparam a uma empresa privada em termos de eficiência e planejamento, muito embora a eficiência seja um dos princípios constitucionais administrativos, insculpido no art. 37, caput, da CRFB. Assim, por ter uma gestão mais complexa, a Fazenda Pública precisa de mais garantias. No que tange à defesa processual da Fazenda Pública, também se verificam as condições relatadas acima, uma vez que, sendo o Estado regulador das relações sociais, é natural que seja muito acionado em Juízo. Sendo o Estado um litigante contumaz, deveria possuir um número suficiente de advogados públicos para a defesa de seus interesses, bem como uma estrutura adequada para salvaguarda dos mesmos, o que não ocorre na prática. Logo, não há como tratar da mesma forma a advocacia privada e a pública, havendo justificativa plausível para as garantias materiais e processuais da Fazenda Pública. Pode-se acrescer a esse debate a necessidade que a atividade estatal não tenha solução de continuidade. A preservação das atividades essenciais é o fundamento do princípio administrativo da continuidade do serviço público. Logo, para garantir a concretização desse princípio é necessário dotar a Fazenda Pública de certas prerrogativas. De outro giro, deve-se interpretar essas prerrogativas como necessárias à garantia de um Estado prestador de serviços, Welfare State, constituído no Estado do Bem Estar Social, como exige a Constituição Federal de 1988. Não há como dotar o Estado de várias atribuições sem dar condições mínimas para o mesmo executá-las. Por esses motivos as prerrogativas existem. Tamanha é a peculiaridade da participação do Estado como parte processual que se edifica toda uma estrutura de estudo acerca do processo integrado pelo Estado. Ora, frente ao regime jurídico a que se submete a Fazenda Pública, materialmente diverso do regime privado, 12 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996. 13 NUNES, Allan Titonelli. As prerrogativas da Fazenda Pública e o Projeto de Lei nº 166/10 (Novo Código de Processo Civil). Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2742, 3 jan. 2011. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/18170>. Acesso em: 18 jun. 2011. av. rui barbosa, 35, centro | cep 86.990-000 | marialva, paraná, brasil +55 |44| 9918.0320 contato@gregosantos.com.br www.gregosantos.com.br “[...] verifica-se que as normas processuais aplicáveis à Fazenda Pública estão diretamente associadas ao entendimento do direito material que lhe dá sustentação”14. Tendo em vista, portanto, que no Direito material o Estado conta com regime totalmente diverso daquele a que se submetem os particulares, as normas processuais a ele aplicáveis diferenciam-se a ponto de poderem ser agrupadas em um ramo próprio do estudo do processo. Nas palavras de Carlos Ari Sundfeld15: [...] empregamos a expressão Direito Processual Público para nos referirmos à parte do Direito Processual que regula os processos judiciais que tenham ou como objeto o Direito Público ou como parte a Administração Pública. [...] Um processo judicial não é o mesmo independentemente da qualidade dos sujeitos que dele fazem parte – e isso porque nele sempre se insere um direito material próprio, diferente. Nos processos em que está a Administração Pública, discute-se um direito material bem distinto daquele que nos acostumamos a chamar de Direito Civil (ou Privado). Se o processo civil foi construído em torno do Direito Privado, quer dizer, das lides de Direito Privado, deve-se questionar se ele serve também, da mesma maneira e generalizadamente, para as lide de Direito Público. [...] Ademais, não ignoramos nem rechaçamos, antes bem ao contrário, a doutrina que se tem ocupado de acentuar que todo o Direito Processual, tanto Civil como Penal ou Trabalhista, integra o Direito Público, pois regula justamente a atuação do Estado (aqui como Estado-Juiz); sabemos, claro, que, em tal perspectiva, falar em ‘Direito Público Processual’ seria redundante e desnecessário, como seriam as expressões Direito Público Administrativo ou Tributário. Estamos, na verdade, operando com uma parte do Direito Processual, aquela em que o Direito Público é o direito material envolvido, donde a redução do campo temático pela oposição do termo ‘Público’, de modo a estabelecer uma distinção em relação ao Direito Processual propriamente civil. Daí a inversão dos termos, produzindo a expressão que é a síntese do nosso tema: Direito Processual Público. Atingimos aqui ponto nevrálgico no estudo da gestão processual do Estado, representado pela Advocacia Pública: ao contrário dos advogados privados, que têm o dever de apenas aceitar os mandatos em que possa atuar de modo suficientemente eficiente, os procuradores de Estado são obrigados a atuar em tantos processos quantos sejam aqueles em que figure o ente representado como parte. 14 ALVARES, Maria Lúcia Miranda. A Fazenda Pública tem privilégios ou prerrogativas processuais? Análise à luz do princípio da isonomia. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 426, 6 set. 2004. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/5661>. Acesso em: 1 jul. 2011. 15 SUNDFELD, Carlos Ari. O Direito Processual e o Direito Administrativo. In: Direito Processual Público: A Fazenda Púbica em Juízo. São Paulo: Malheiros, 2003. Págs. 16/17. av. rui barbosa, 35, centro | cep 86.990-000 | marialva, paraná, brasil +55 |44| 9918.0320 contato@gregosantos.com.br www.gregosantos.com.br Oportuno expor que, em diversos dispositivos, o Código de Ética e Disciplina da OAB destaca o poder-dever de ponderação na aceitação do mandato de que está munido o advogado privado, e de que carece o advogado público16. O exercício da Advocacia Pública alcança, pois, um status de obrigatoriedade para o procurador de Estado, como bem destaca Ommati, citada por Braga e Magalhães17: A defesa do Estado consiste exatamente na defesa dos interesses que a pessoa pública encarna e é vocacionada a realizar. E defesa, igualmente Estado, aí tem conotação de amplitude obrigatória, vez que se não pode restringir o patrocínio judicial ou extrajudicial em situações conflitivas. Ao contrário, significa toda a atividade tendente (direcionada) a propiciar as condições jurídicas necessárias à implementação dos interesses ao encargo dos órgãos e entes públicos. Tendo em vista a impossibilidade de rejeição do patrocínio de ações pelos advogados públicos, instaura-se situação em que um número limitado de procuradores tem de lidar com quantidade ilimitada de feitos. Ora, como em qualquer cenário de recursos limitados e demandas ilimitadas, instaura-se absurda sobrecarga nos órgãos de representação judiciária do Estado, sobrecarga esta que as atuais prerrogativas da Fazenda Pública em juízo, muitas vezes, são incapazes de superar. 16 Art. 11. O advogado não deve aceitar procuração de quem já tenha patrono constituído, sem prévio conhecimento deste, salvo por motivo justo ou para adoção de medidas judiciais urgentes e inadiáveis. Art. 17. Os advogados integrantes da mesma sociedade profissional, ou reunidos em caráter permanente para cooperação recíproca, não podem representar em juízo clientes com interesses opostos.Art. 18. Sobrevindo conflitos de interesse entre seus constituintes, e não estando acordes os interessados, com a devida prudência e discernimento, optará o advogado por um dos mandatos, renunciando aos demais, resguardado o sigilo profissional. Art. 35. Os honorários advocatícios e sua eventual correção, bem como sua majoração decorrente do aumento dos atos judiciais que advierem como necessários, devem ser previstos em contrato escrito, qualquer que seja o objeto e o meio da prestação do serviço profissional, contendo todas as especificações e forma de pagamento, inclusive no caso de acordo. §1º Os honorários da sucumbência não excluem os contratados, porém devem ser levados em conta no acerto final com o cliente ou constituinte, tendo sempre presente o que foi ajustado na aceitação da causa. [...] 17 OMATTI, Fides. Advocacia Pública: Algumas reflexões. Apud: BRAGA, Luziânia C. Pinheiro; MAGALHÃES, Allan Carlos Moreira. A Advocacia-geral da União como Função Essencial à Justiça. In: Advocacia de Estado de Defensoria Pública: Funções Públicas Essenciais à Justiça. São Paulo/Curitiba: IBAP/Letra da Lei, 2009. av. rui barbosa, 35, centro | cep 86.990-000 | marialva, paraná, brasil +55 |44| 9918.0320 contato@gregosantos.com.br www.gregosantos.com.br Em tempos de discussão do ativismo judiciário, preciosíssimas são as palavras do professor Eduardo Cambi18, destacando o descontrole na carga processual recebida pelo Estado-juiz e que, obviamente, reflete ainda mais profundamente em relação ao Poder Executivo: A desneutralização política do Judiciário é uma conseqüência das alterações resultantes do advento do Estado Social e da complexa sociedade tecnológica surgida a partir de meados do século XX. A consagração de direitos fundamentais sociais, econômicos e culturais, nas Constituições contemporâneas, gerou, nas últimas décadas, uma explosão de litigiosidade, trazendo ao Judiciário ações individuais e coletivas voltadas a efetivação desses direitos constitucionais. O desempenho judiciário passou a ter maior relevância social e suas decisões se tornaram objeto de controvérsias públicas e políticas. O Poder Judiciário está constitucionalmente vinculado à efetivação dos direitos fundamentais e, por isso, à política estatal [grifos do autor]. É este, pois, o cenário atual da gestão dos “escritórios de advocacia” do Estado: demandas infindáveis, recursos e profissionais insuficientes, atrelados a uma estrutura administrativa intrincada e meticulosa, associados à impossibilidade de declinar-se o patrocínio das ações que excedam a capacidade de trabalho dos procuradores. Outra não pode ser a conclusão, portanto, a não ser que o exercício da Advocacia Pública é múnus público, essencial e obrigatório. 2.3 As Prerrogativas Processuais da Fazenda Pública Consectâneo das circunstâncias expostas ante, quando representado em juízo pela Advocacia Pública o Estado conta com prerrogativas atinentes a contrabalançar as dificuldades encontradas em sua gestão processual. Ocorre que estas prerrogativas, posto visarem imprimir às partes a igualdade material desejada pela Constituição Federal, nem sempre são suficientes à garantia da indisponibilidade do interesse público; ora, esta insuficiência, por óbvio, deve ser superada por outros meios. 18 CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e Neoprocessualismo: Direitos fundamentais, políticas públicas e protagonismo judiciário. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2009. Pág. 194. av. rui barbosa, 35, centro | cep 86.990-000 | marialva, paraná, brasil +55 |44| 9918.0320 contato@gregosantos.com.br www.gregosantos.com.br Foge ao escopo deste texto expor exaustivamente as prerrogativas da Fazenda Pública em juízo; no entanto, cabe apresentar aquelas algumas relacionadas diretamente com os prazos assinalados aos atos processuais dos Advogados Públicos: i. extensão de prazos críticos no processo: o Estado conta com prazo em quádruplo para contestar ações e em dobro para apresentar recursos. Inicialmente conferida à Administração Direta pelo art. 188 do Código de Processo Civil, tal prerrogativa foi estendida às autarquias e fundações públicas pelo art. 10 da Lei nº 9.469/1997; ii. reexame necessário: de natureza jurídica ainda discutida na doutrina, o reexame necessário das sentenças condenatórias contra a Fazenda Pública “consiste no resguardo do interesse público, traduzido no máximo de certeza e justiça das sentenças em que haja sucumbência da Fazenda Pública” 19. Relaciona-se assim indiretamente com a obediência de prazos por esta no processo já que, apesar de não revestir-se do status de recurso, pode levar à análise da decisão por magistrados de segundo grau ainda que o Estado reste inerte em apresentar recurso, nos termos do art. 475, incisos II e II, do Código de Processo Civil; iii. intimação pessoal dos procuradores de Estado: diversos diplomas legais, dentre eles a Lei de Execuções Fiscais – Lei nº 6.830/1980 – e os estatutos das carreiras da Advocacia Pública Federal contemplam a obrigatoriedade de intimação pessoal dos seus procuradores para a efetivação do dies a quo dos prazos processuais, instituto de evidente importância para que viabilize-se a gestão de prazos no âmbito da Advocacia Pública. Tais prerrogativas são criticadas20 dentre diversos autores que, talvez por desconhecerem a realidade de muitos dos entes públicos brasileiros – com destaque para os pouco estruturados pequenos municípios pátrios – acabam por alegar que esta diferenciação seria injusta. No entanto, trata-se puramente da efetivação da igualdade material entre as partes já que, como exposto, apesar da verticalização das relações Estado-particulares, a Administração encontra dificuldades justificadas em relação aos administrados. 19 BARROS, Clemilton da Silva. Considerações Prognosticas do Reexame Necessário no Processo Civil Brasileiro. Apud: SARTORI, Eliana Alves de Almeida. Reexame Necessário. Revista da AGU, Brasília, ano VIII, nº 21, jul./set. 2009. 20 Note-se que, apesar das críticas e discussões, as prerrogativas da Fazenda Pública são mantidas e até aprimoradas no Projeto de Lei nº 166/2010, que trata do Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil. A propósito, v. NUNES, Allan Titonelli. As prerrogativas da Fazenda Pública e o Projeto de Lei nº 166/10 (Novo Código de Processo Civil). Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2742, 3 jan. 2011. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/18170>. Acesso em: 18 jun. 2011. av. rui barbosa, 35, centro | cep 86.990-000 | marialva, paraná, brasil +55 |44| 9918.0320 contato@gregosantos.com.br www.gregosantos.com.br Esta tensão é bem exposta pelo professor Celso Antônio Bandeira de Mello21: O sistema de Direito Administrativo Brasileiro se constrói sobre os princípios da supremacia do interesse público sobre o privado e da indisponibilidade do interesse público pela Administração. Tais princípios buscam oferecer uma resposta teórica à tensão que se configura entre "prerrogativas da Administração - direitos dos administrados." Na lição do Teoria Geral de Cintra, Grinover e Dinamarco22: A aparente quebra do princípio da isonomia, dentro e fora do processo, obedece exatamente ao princípio da igualdade real e proporcional, que impõe tratamento desigual aos desiguais, justamente para que, supridas as diferenças, se atinja a igualdade substancial. [...] No processo civil legitimam-se normas e medidas destinadas a reequilibrar as partes e permitir que litiguem em paridade de armas, sempre que alguma causa ou circunstância exterior ao processo ponha uma delas em condições de superioridade ou de inferioridade em face da outra.No entanto, como já exposto, em muitos casos de acúmulo involuntário de serviço nos órgãos da Advocacia Pública estas prerrogativas são justificavelmente insuficientes à garantia de que eventual condenação do Estado será decorrente da justa e digna legitimidade da pretensão do particular, e não da preclusão da defesa pela perda de um prazo processual. Ocorre que, frente à natureza omnipermeante do interesse público – que de todos emana, a todos aproveita, e por todos deve ser velado – este não é um risco aceitável no âmbito da gestão processual do Estado, motivo pelo qual o modo como a preclusão temporal afeta a Fazenda Pública merece ser repensado. Como bem destaca Hélio do Valle Pereira23, ao comentar o reexame necessário de causas onde seja sucumbente a Fazenda Pública: [...] a derrota do poder público não é apenas a vitória do particular (o que não estimularia nenhuma perplexidade ou preocupação), mas a derrocada de um ente que tem perfil singular, que representa a coletividade. Crê-se que entre as vontades pessoais dos representantes dos litigantes e a conveniência de maior meditação sobre a causa deve preponderar o segundo valor. Frente à supremacia e à indisponibilidade do interesse público, a condenação do Estado devida à preclusão temporal no processo sem a prática de ato em defesa daquele 21 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2006. 22 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo Cintra; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros, 2004. Pág. 54. 23 PEREIRA, Hélio do Valle. Manual da Fazenda Pública em Juízo. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. Pág. 136. av. rui barbosa, 35, centro | cep 86.990-000 | marialva, paraná, brasil +55 |44| 9918.0320 contato@gregosantos.com.br www.gregosantos.com.br implica a derrota injustificada de cada um e de todos nós indistintamente, circunstância que deve ser profundamente ponderada. Estas circunstâncias foram profundamente ponderadas e levadas em consideração quando, em 2004, por ocasião da greve da Advocacia da União, o Superior Tribunal de Justiça exarou o Ato nº 52/2004, que suspendeu por justa causa os prazos processuais “em favor da União, Administração Direta e Indireta, seus membros, órgãos ou entidades, e Fazenda Pública Nacional”24: ATO Nº 52, DE 24 DE MARÇO DE 2004 O PRESIDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, no uso da atribuição que lhe é conferida pelo art. 21, inciso XXI, do Regimento Interno e com o objetivo de aperfeiçoar e agilizar os procedimentos judiciais, Considerando a declaração de greve, por tempo indeterminado, dos membros da Advocacia da União, incluindo-se os procuradores das autarquias e das fundações públicas, e da Fazenda Pública Nacional, iniciada no dia 15 deste mês; Considerando a necessidade de preservar o interesse público que se encontra ameaçado em face da possibilidade de que a paralisação resulte em prejuízo à defesa dos entes públicos perante os órgãos jurisdicionais, resolve: Art. 1º Suspender, em favor da União, Administração Direta e Indireta, seus membros, órgãos ou entidades, e Fazenda Pública Nacional, por motivo de força maior, nos termos do artigo 265, inciso V, do Código de Processo Civil e do artigo 106, § 2º , do Regimento Interno, a partir de 15 de março de 2004, a contagem dos prazos processuais nos feitos em que sejam partes. Art. 2º Este Ato entra em vigor na data de sua publicação e terá eficácia, no âmbito desta Corte, até o término do movimento grevista. Ministro NILSON NAVES É de sabença, no entanto, que a gestão de prazos processuais tomando por garantia tão somente o disposto nos arts. 183, §§ 1º e 2º, e 265, inciso V, do Código de Processo Civil, é por demais temerária já que, à evidência, muitos dos motivos que justificadamente levam e levarão à impossibilidade de cumprimento dos prazos pelos procuradores de Estado muito excepcionalmente serão acolhidos pelo Juízo para a suspensão ou devolução dos prazos processuais. Frente à supremacia e indisponibilidade do interesse público, e tendo em vista a evidente insuficiência das prerrogativas da Fazenda Pública em juízo para evitar a preclusão 24 SUPERIOR Tribunal de Justiça. Ato nº 52/2004. Diário da Justiça da União, Brasília, pág. 122, 26 mar. 2004. av. rui barbosa, 35, centro | cep 86.990-000 | marialva, paraná, brasil +55 |44| 9918.0320 contato@gregosantos.com.br www.gregosantos.com.br temporal de prazos processuais sem a manifestação de seus procuradores, surge o questionamento: é suficiente a existência de um sistema formal – ainda que muitas vezes ineficiente – de prerrogativas processuais em favor do Estado, ou seria exigível a adoção de garantias à plena efetividade da adequada defesa deste no âmbito judicial? 3 PRAZOS IMPRÓPRIOS NO PROCESSO BRASILEIRO As vicissitudes funcionais expostas nos tópicos anteriores não são exclusividade da Advocacia Pública. O acúmulo involuntário de serviço é uma tenebrosa realidade tanto nas procuradorias quanto nos gabinetes de juízes, promotores de justiça e defensores públicos, o que obviamente prejudica o transcurso regular do processo no tempo – afinal, na atual estrutura, muitas vezes o cumprimento de prazos é impossível. Acerca da importância do tempo no processo, falam com propriedade Wambier, Almeida e Talamini25: Como a idéia de processo sugere a noção de “seguir adiante”, “ir em frente”, em direção a seu fim, isto é, à efetiva prestação da tutela jurisdicional pelo Poder Judiciário, é fácil constatar que a realização dos atos processuais, que darão forma ao processo, e que são organizados de acordo com cada procedimento, se deve dar respeitando limites específicos e predeterminados de tempo. [...] Assim, cada ato deve ter prazo máximo, dentro do qual deve ser necessariamente realizado, sob pena de, não o sendo, sujeitar aquele que seria responsável a determinadas conseqüências processuais. Visando domar o tempo no processo, é o instituto do termo – ou prazo – que assume o papel de controle do caminhar dos Autos. Da lição de Cintra, Grinover e Dinamarco26: [No campo da validade do ato processual] o tempo deve ser levado em consideração pelo legislador sob dois aspectos: A) determinando a época em que se devem exercer os atos processuais [...]; b) estabelecendo prazos para sua execução [grifos pelos autores]. Termos – ou prazos – são a distância temporal entre os atos do processo. 25 WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil: Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. Págs. 195/196. 26 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo Cintra; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros, 2004. Pág. 323. av. rui barbosa, 35, centro | cep 86.990-000 | marialva, paraná, brasil +55 |44| 9918.0320 contato@gregosantos.com.br www.gregosantos.com.br Levando em conta os atos cruciais do processo – referentes, por exemplo, à apresentação de contestação, oposição de embargos, interposição de apelação, etc. – o “prazo é o espaço de tempo em que o ato processual da parte pode ser validamente praticado”27. Na doutrina, dentre as classificações adotadas como meio de estudo do prazo, apresenta-se a diferenciação entre prazo próprio e prazo impróprio, baseada nas implicações decorrentes da prática do ato após o transcurso do prazo para tanto assinalado. 3.1 Cenário Atual da Propriedade dos Prazos Processuais Como se inicioua expor no tópico acima, o volume de trabalho enfrentado por membros da Defensoria Pública, da Magistratura, da Advocacia Pública e do Ministério Público fez surgir o questionamento acerca da possibilidade de cumprimento dos prazos consignados para a prática de atos processuais por estes atores. Ocorre que, em relação aos juízes, serventuários da justiça e até a algumas partes, como o Ministério Público em alguns casos, contam com o instituto do prazo impróprio para que se mantenha a validade dos atos ainda que praticados além do termo consignado para tanto, sem prejuízos à instituição que representam. Da lição de Nelson Nery Júnior28 e Rosa Andrade Nery: Prazos impróprios são aqueles fixados na lei apenas como parâmetro para a prática do ato, sendo que seu desatendimento não acarreta situação detrimentosa para aquele que o descumpriu, mas apenas sanções disciplinares. O ato praticado além do prazo impróprio é válido e eficaz. No mesmo sentido manifestam-se Cintra, Grinover e Dinamarco29 no Teoria Geral: [Os prazos], quando vencidos, acarretam a preclusão temporal (perda, pelo decurso do tempo, da faculdade de praticar determinado ato processual [...]). Notar também que a peremptoriedade tem ainda outro sentido, significando que a preclusão operada pela sua inobservância independe de ser lançado nos autos o seu decurso [...]. A preclusão só ocorre quando se trata de prazos próprios; são impróprios os prazos não preclusivos, conferidos ao juiz, aos auxiliares da Justiça, e, em princípio, ao Ministério Público no processo civil. Não havendo a preclusão, nem por isso deixam essas pessoas 27 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2003. Vol. I, pág. 219. 28 NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Andrade. Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. Pág. 574. 29 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo Cintra; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros, 2004. Págs. 323-324. av. rui barbosa, 35, centro | cep 86.990-000 | marialva, paraná, brasil +55 |44| 9918.0320 contato@gregosantos.com.br www.gregosantos.com.br de ficar sujeitas a sanções de outra ordem, no caso de inobservância do prazo impróprio [destaques pelos autores]. O prazo impróprio é instituto consolidado no processo brasileiro e de interpretação homogênea na doutrina e jurisprudência, consentânea com a diferenciação exposta por Wambier, Almeida e Talamini30 em seu Curso Avançado: A diferença fundamental entre ambos está em que, nos prazos próprios, o descumprimento do ônus processual de praticar determinado ato implica conseqüências processuais típicas. [...] Já os prazos impróprios não acarretam conseqüências processuais, mas disciplinares [...]. À evidência, solução preferencial seria a adequação da estrutura operacional de tais órgãos à demanda de serviços a eles apresentada; no entanto, pode-se concluir que, apesar da precariedade da solução, o prazo impróprio é instituto suficiente a superar a impossibilidade de cumprimento regular dos prazos processuais por estes atores – solução esta que, como demonstrar-se-á, pode ser estendida à Advocacia Pública de maneira inteligente, com vistas a conferir a tão desejada guarda do interesse público por ela representado. 3.2 A Equivalência de Circunstâncias entre a Advocacia Pública e os Demais Detentores de Funções Públicas no Processo A classificação de um prazo processual como prazo impróprio decorre do fato de os prazos praticados após o seu decurso serem considerados válidos, não ocorrendo a preclusão temporal com o decurso do termo. No entanto, a prática de ato extemporâneo, ainda que não o invalide, pode gerar a responsabilização do agente nos casos de abuso da prerrogativa. É o que se depreende dos seguintes dispositivos do Código de Processo Civil: Art. 187. Em qualquer grau de jurisdição, havendo motivo justificado, pode o juiz exceder, por igual tempo, os prazos que este Código Ihe assina. Art. 193. Compete ao juiz verificar se o serventuário excedeu, sem motivo legítimo, os prazos que este Código estabelece. 30 WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil: Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. av. rui barbosa, 35, centro | cep 86.990-000 | marialva, paraná, brasil +55 |44| 9918.0320 contato@gregosantos.com.br www.gregosantos.com.br Art. 194. Apurada a falta, o juiz mandará instaurar procedimento administrativo, na forma da Lei de Organização Judiciária. Art. 198. Qualquer das partes ou o órgão do Ministério Público poderá representar ao presidente do Tribunal de Justiça contra o juiz que excedeu os prazos previstos em lei. Distribuída a representação ao órgão competente, instaurar-se-á procedimento para apuração da responsabilidade. O relator, conforme as circunstâncias, poderá avocar os autos em que ocorreu excesso de prazo, designando outro juiz para decidir a causa. Art. 199. A disposição do artigo anterior aplicar-se-á aos tribunais superiores na forma que dispuser o seu regimento interno. Da já citada lição de Cintra, Grinover e Dinamarco31: [...] são impróprios os prazos não preclusivos, conferidos ao juiz, aos auxiliares da Justiça, e, em princípio, ao Ministério Público no processo civil. Não havendo a preclusão, nem por isso deixam essas pessoas de ficar sujeitas a sanções de outra ordem, no caso de inobservância do prazo impróprio [destaques pelos autores]. Temos, assim, que o sistema processual que adota o prazo impróprio não é um sistema de impunidade, ao contrário do levantado por alguns autores32. Sem embargos, pois, que a sua aplicação não condena o processo à morte por inércia – o que traz esta conseqüência é a adoção inadequada do sistema de controle destes prazos. No entanto, com a devida vênia, ousa-se discordar do posicionamento daqueles autores que iniciam sua caracterização dos prazos impróprios como sendo aqueles “cometidos ao juiz e aos serventuários da justiça”33 pois entendemos que, neste caso, a impropriedade do prazo decorre da sua natureza não preclusiva associada à natureza pública do cargo exercido pelo agente, e não ao título do cargo em si. Ao julgar pretensão recursal da União em ver superada a intempestividade de Recurso Especial interposto na constância de greve de advogados públicos federais – justa causa reconhecida pelo Egrégio STJ no Ato nº 52/2004 –, este mesmo Tribunal Superior 31 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo Cintra; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros, 2004. Págs. 323-324. 32 LARA, Janaina Coelho de. O Prazo Impróprio como Obstáculo ao Cumprimento do Princípio da Duração Razoável do Processo Elevado a Garantia Fundamental pela Emenda Constitucional nº45/2004. Belo Horizonte: Universidade Gama Filho, 2006. No mesmo sentido: SILVA, Sandra Reis da. Prevenção da corrupção. Tornar mais eficiente a prevenção da corrupção através da facilitação da denúncia e do cumprimento dos prazos processuais. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1997, 19 dez. 2008. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/12094>. Acesso em: 27 jun. 2011. 33 WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil: Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. av. rui barbosa, 35, centro | cep 86.990-000 | marialva, paraná, brasil +55 |44| 9918.0320contato@gregosantos.com.br www.gregosantos.com.br manteve a preclusão temporal contra o Estado, sob o argumento de que, em se tratando de parte, não justificar-se-ia o acolhimento da superação do descumprimento do termo: STJ34: AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL INTEMPESTIVO. ARTIGO 183, PARÁGRAFOS 1º E 2º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. GREVE. JUSTA CAUSA. NECESSIDADE DE REEXAME DO QUADRO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA Nº 7/STJ. PRECEDENTES. 1. Esta Corte Superior de Justiça, por ocasião de outra greve deflagrada pelos advogados públicos federais, acolhendo os termos do voto do Relator, entendeu que, permitindo-se a prorrogação dos prazos em favor da Fazenda Pública, "ter-se-ía a supremacia dos interesses que motivaram a deflagração do movimento grevista, defendidos por categoria profissional, em detrimento do jurisdicionado e da efetividade da Justiça." E mais: "... não é possível se ter um Estado democrático de direito com a Justiça, órgão que lhe é essencial, parada por culpa exclusiva de uma das partes." (AgRgAg nº 545.845, Relator Ministro Edson Vidigal, in DJ 10/4/2006). 2. Reconhecida na decisão impugnada a ausência de justa causa a afastar a intempestividade do recurso especial, a alegação em sentido contrário, a motivar insurgência especial, requisita exame do acervo fático-probatório, vedado na instância excepcional. Precedentes. 3. "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial." (Súmula do STJ, Enunciado nº 7). 4. Agravo regimental improvido. No entanto, como destacado por Nelson Nery Júnior e Rosa Andrade Nery35, atores que são partes no processo, como promotores de justiça e curadores especiais, também fazem jus à impropriedade de prazos a si conferidos: Normalmente são prazos impróprios os fixados para o juiz e auxiliares da justiça. São, também, impróprios, os prazos para o curador especial contestar (CPC 9º II) e para o MP falar nos autos como custos legis (CPC 82 e 83). De acordo com julgados do Superior Tribunal de Justiça, esta impropriedade é justificada pela atuação em defesa do interesse público: STJ36: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO E RESISTÊNCIA. [...] EXCESSO DE PRAZO PARA O OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. MERA IRREGULARIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. PARECER DO MPF PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO. RECURSO DESPROVIDO. 1. Impõe-se o prazo de cinco dias para oferecimento da denúncia, nas hipóteses de réu preso, a fim de evitar a restrição prolongada à liberdade sem acusação formada, 34 SUPERIOR Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo nº 904.142/RJ. Rel. Min. Hamilton Carvalhido. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 31 mar. 2008. 35 NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Andrade. Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. Pág. 574. 36 SUPERIOR Tribunal de Justiça. Recurso Ordinário no Habeas Corpus nº 28.614/RJ. Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 16 nov. 2010. av. rui barbosa, 35, centro | cep 86.990-000 | marialva, paraná, brasil +55 |44| 9918.0320 contato@gregosantos.com.br www.gregosantos.com.br contudo, tal lapso configura prazo impróprio. Assim, eventual atraso de 3 dias para o oferecimento da denúncia não gera a ilegalidade da prisão cautelar do recorrente. 2. Ademais, a verificação do alegado excesso de prazo deve ser feita de forma global, ou seja, como um todo diante do prazo previsto para a conclusão da instrução criminal e não em relação a cada ato procedimental. Outrossim, oferecida a denúncia, fica superado o suposto constrangimento ilegal por excesso de prazo para o seu oferecimento. Precedentes. 3. A prisão cautelar deve ser mantida para resguardar a ordem pública, tendo em vista a periculosidade do recorrente, demonstrada pelo modus operandi da conduta (roubo a supermercado com perseguição e troca de tiros com os Policiais). 4. Recurso desprovido, em conformidade com o parecer ministerial. STJ37: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. [...] INTEMPESTIVIDADE DAS ALEGAÇÕES FINAIS APRESENTADAS PELO PARQUET. MERA IRREGULARIDADE. PRAZO IMPRÓPRIO. PRONÚNCIA. INDÍCIOS. IN DUBIO PRO SOCIETATE. [...] III - A apresentação intempestiva das alegações finais pelo Ministério Público configura mera irregularidade, pois o prazo especificado no Código de Processo Penal é impróprio. [...] Ordem parcialmente conhecida e, nesta parte, denegada. STJ38: HABEAS CORPUS. PREFEITO MUNICIPAL. CRIME DE RESPONSABILIDADE E FORMAÇÃO DE QUADRILHA. [...] PRAZO DE 15 DIAS PARA O OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. OBEDIÊNCIA AO PRAZO IMPRÓPRIO, CUJA INOBSERVÂNCIA NÃO CAUSA NULIDADE. RITO DA LEI ESPECIAL (LEI 8.038/90) OBSERVADO. PRÉVIA NOTIFICAÇÃO DO PACIENTE PARA O OFERECIMENTO DE DEFESA ANTES DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. [...] AFASTAMENTO DO PACIENTE DO CARGO DE PREFEITO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADO NA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA, DO ERÁRIO MUNICIPAL E DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DO WRIT. ORDEM DENEGADA, CASSANDO A LIMINAR INICIALMENTE DEFERIDA. [...] 2. O prazo de 15 dias dado ao Ministério Público para o oferecimento da denúncia é considerado como do tipo impróprio, não causando qualquer nulidade a sua inobservância, tanto que não existe cominação legal para tanto. [...] 5. O desligamento do paciente de suas funções resta sobejamente fundamentado na necessidade de se proteger a ordem pública, o erário municipal e a instrução criminal, de sorte a evidenciar a conveniência de tal medida, nos termos do art. 2o., II do Decreto-lei 201/67. 6. Ordem denegada, cassando-se a liminar inicialmente deferida, em conformidade com o parecer ministerial. STJ39: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL. [...] ALEGAÇÕES FINAIS. INTEMPESTIVIDADE. PEÇA OBRIGATÓRIA. NULIDADE 37 SUPERIOR Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº 123.544/ES. Rel. Min. Felix Fischer. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 3 ago. 2009. 38 SUPERIOR Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº 102.818/TO. Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 27 abr. 2009. 39 SUPERIOR Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial nº 884710/SC. Rel. Min. Hamilton Carvalhido. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 18 ago. 2008. av. rui barbosa, 35, centro | cep 86.990-000 | marialva, paraná, brasil +55 |44| 9918.0320 contato@gregosantos.com.br www.gregosantos.com.br RELATIVA. NÃO-COMPROVAÇÃO DO PREJUÍZO. NÃO-ALEGAÇÃO OPPORTUNO TEMPORE. AGRAVO IMPROVIDO. [...] 4. Em relação à intempestividade das alegações finais interpostas pelo Ministério Público, afora inexistir nulidade qualquer, por necessários que são, mesmo fora do prazo, os pronunciamentos legais do Ministério Público e, assim, as alegações finais no processo criminal, por função do princípio da obrigatoriedade da ação penal, em tema de nulidades processuais, o nosso Código de Processo Penal acolheu o princípio pas de nullité sans grief, do qual se dessume que somente há de se declarar a nulidade do feito, quando, além de alegada opportuno tempore, reste comprovado o efetivo prejuízo dela decorrente. [...] 6. Agravo regimental improvido. A esta conclusão direciona-se também a fala de Cândido Rangel Dinamarco40: São impróprios todos os prazos fixados para o juiz, muitos dos concedidos ao Ministério Público no processo civil e quase todos os que dispõem os auxiliares da justiça, justamente porque tais pessoas desempenham funções públicas no processo, onde têm deveres e não faculdades – seria um contra-senso dispensá-las do seu exercício, como penalidade pelo não exercício tempestivo. Pois bem: o objetivoproposto e – espera-se – alcançado por toda a primeira parte deste texto foi demonstrar que, devido à supremacia e indisponibilidade dos interesses públicos representados pela Advocacia Pública, outra não pode ser a conclusão que não pela caracterização do exercício da Advocacia Pública como múnus público indisponível que é. Válido reapresentar o posicionamento de Ommati41, que bem destaca este caráter de obrigatoriedade: A defesa do Estado consiste exatamente na defesa dos interesses que a pessoa pública encarna e é vocacionada a realizar. E defesa, igualmente Estado, aí tem conotação de amplitude obrigatória, vez que se não pode restringir o patrocínio judicial ou extrajudicial em situações conflitivas [grifamos]. Restou suficientemente apresentado, assim, que a Advocacia Pública passa pelas mesmas circunstâncias de trabalho, é exercida com o mesmo caráter de obrigatoriedade e caracteriza-se com o mesmo status de função pública da Magistratura e do Ministério Público. Portanto, não há razão para diferenciar o múnus público do Ministério Público, da Defensoria Pública e da Advocacia Pública, até mesmo em muitos aspectos em relação à 40 DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil Moderno. São Paulo: Malheiros, 2001. Pág. 197. 41 OMATTI, Fides. Advocacia Pública: Algumas reflexões. Apud: BRAGA, Luziânia C. Pinheiro; MAGALHÃES, Allan Carlos Moreira. A Advocacia-geral da União como Função Essencial à Justiça. In: Advocacia de Estado de Defensoria Pública: Funções Públicas Essenciais à Justiça. São Paulo/Curitiba: IBAP/Letra da Lei, 2009. av. rui barbosa, 35, centro | cep 86.990-000 | marialva, paraná, brasil +55 |44| 9918.0320 contato@gregosantos.com.br www.gregosantos.com.br Magistratura. Luciano Pereira Vieira42, ao comentar a necessidade de intimação pessoal dos Advogados Públicos, adota de forma fundamentada tal posicionamento: Não se pode olvidar, por óbvio, que não há razão para esse discrimen pelo Poder Judiciário quanto à aplicação das normas acima indicadas, já que a Advocacia-Geral da União, a Defensoria Pública da União e o Ministério Público Federal estão situados no mesmo patamar constitucional, na condição de funções essenciais à justiça [destaque do autor]. Reconhece-se, no entanto, que adotar indiscriminadamente a não preclusividade de todos os prazos assinalados à Advocacia Pública seria temerário e, acima de tudo desnecessário. No entanto, diante dos casos em que o interesse público esteja em risco a defesa do interesse público pelo fato de um prazo ter-se exaurido sem manifestação do Estado, pode-se inafastavelmente concluir que se edificou um arcabouço jurídico suficiente a justificar a propositura de um modelo juridicamente adequado, axiologicamente fundamentado e efetivamente aplicável de sistema de prazos não preclusivos para as manifestações do Estado em feitos judiciais. 4 CONCLUSÃO A sociedade brasileira está imersa em uma tendência à judicialização das relações em geral e o Estado, como mediador natural das capacidades e necessidades dos cidadãos – sendo responsável pela efetivação dos direitos da coletividade –, figura hoje como o maior litigante da Justiça brasileira. Em tempos de discussão do ativismo judiciário, transfere-se uma importante parcela das decisões acerca da efetivação de políticas públicas para o cenário da Justiça, o que acarreta o inevitável acúmulo involuntário de serviço tanto para o Poder Judiciário quanto para os órgãos incumbidos da representação judicial do Estado. Este excesso de serviço, no entanto, é gerido de forma substancialmente diversa nas procuradorias do que seria em um escritório de advocacia privado: enquanto o advogado 42 VIEIRA, Luciano Pereira. Sistemática Recursal dos Juizados Especiais Federais Cíveis: Doutrina e Jurisprudência. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. av. rui barbosa, 35, centro | cep 86.990-000 | marialva, paraná, brasil +55 |44| 9918.0320 contato@gregosantos.com.br www.gregosantos.com.br particular tem o dever de rejeitar mandatos os quais saiba não possui capacidade disponível de patrocínio, a Advocacia Pública conta com a obrigação de atuar em todas as causas que lhe sejam apresentadas, independentemente da existência de recursos ou estrutura disponíveis para tanto. Ocorre que a importância da defesa do interesse público levado a cabo pela Advocacia Pública na representação judicial do Estado confere à atuação destes órgãos a característica de serviço público essencial e obrigatório. Estas circunstâncias levaram à edificação em nosso Direito de um sistema de prerrogativas processuais em favor do Estado que visam – mas nem sempre logram – compensar as dificuldades encontradas no exercício da advocacia de entidades tão intrincadas e burocráticas quanto a Administração Pública. Por decorrência do caráter universal dos interesses envolvidos na representação judicial do Estado, revela-se inaceitável que direitos que aproveitam a todos os cidadãos sejam prejudicados pela preclusão temporal de um ato processual não praticado pela Advocacia Pública por absoluta impossibilidade prática acarretada pelo volume de trabalho a ela imposta, já que as prerrogativas do Estado em juízo são insuficientes à superação desta demanda. Neste cenário, surge a figura do prazo impróprio, conferido a atores que desempenham funções públicas no processo, configurando-se seus atos como deveres e não meras faculdades. Assim como juízes e promotores, os procuradores exercem múnus público revestido destas características, mas ainda não fazem jus à impropriedade dos prazos a si assinalados. Estes argumentos permitem fundamentar com segurança que se configura, atualmente, cenário jurídico de necessidade de repensar-se a preclusividade temporal dos prazos processuais em relação ao Estado. Obviamente, seria temerário universalizar um sistema de prazos não preclusivos em relação à Fazenda Pública, calcado nos seguintes requisitos e pressupostos: i. atuação da Advocacia Pública na defesa de interesses públicos materialmente considerados, caracterizando-se deste modo a natureza pública e obrigatória da atuação dos procuradores de Estado no processo específico; ii. ocorrência de circunstâncias previamente aceitas em ato normativo adequado, de modo a trazer segurança jurídica à aplicação das normas inscritas nos arts. 183, §§ 1º e 2º, e 265, inciso V, do Código de Processo Civil; iii. requerimento judicial decorrente de procedimento administrativo célere de comprovação destas circunstâncias, viabilizando a sujeição do advogado público à verificação av. rui barbosa, 35, centro | cep 86.990-000 | marialva, paraná, brasil +55 |44| 9918.0320 contato@gregosantos.com.br www.gregosantos.com.br disciplinar da desobediência aos prazos regularmente considerados (procedimento este já adotado nas decisões acerca da prescindibilidade de recursos judiciais pelo Estado); iv. obediência máxima dos representantes do Estado no cumprimento dos prazos processuais, lançando mão da não preclusividade de seus prazos apenas nas especialíssimas situações de absoluta impossibilidade de cumprimento do termo. Lançado assim o gérmen da discussão, faz-se possível edificar um sistema no qual, em atenção à essencialidade dos interesses representados pela Advocacia Pública, seja reconhecido de forma equânime e viável que os prazos processuais cometidos ao Estado em juízo são prazos impróprios na acepção jurídico-processual da expressão. 5 REFERÊNCIAS ALVARES, Maria Lúcia Miranda. A Fazenda Pública tem privilégios ou prerrogativas processuais? Análise à luz do princípio da isonomia. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 426, 6 set.2004. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/5661>. Acesso em: 22 jun. 2011. BARROS, Clemilton da Silva. Considerações Prognosticas do Reexame Necessário no Processo Civil Brasileiro. Apud: SARTORI, Eliana Alves de Almeida. Reexame Necessário. Revista da AGU, Brasília, ano VIII, nº 21, jul./set. 2009. CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e Neoprocessualismo: Direitos fundamentais, políticas públicas e protagonismo judiciário. 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