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A func¸a˜o Delta de Dirac para Leigos J M B Lopes dos Santos CFP e Departamento de F´ısica, Faculdade de Cieˆncias, Universidade do Porto, 4169-007 Porto 1 I. FUNCIONAIS LINEARES Consideremos uma func¸a˜o φ(x) e uma classe de func¸o˜es L que designaremos por func¸o˜es de teste. Suponhamos φ(x) e´ tal que o integral Φ[g] ≡ ∫ +∞ −∞ dxg(x)φ(x) (1) e´ convergente para qualquer func¸a˜o g(x) ∈ L. Este integral define uma aplicac¸a˜o do conjunto L no conjunto de nu´meros reais (ou complexos) daqui em diante designados simplesmente por escalares. g 7→ Φ[g] (2) Esta aplicac¸a˜o e´ um exemplo de um funcional. No caso presente trata-se de um funcional linear visto que a sua definic¸a˜o implica a propriedade Φ[ag1 + bg2] = aΦ[g1] + bΦ[g2] (a, b escalares) (3) Este funcional esta´ claramente associado a uma func¸a˜o φ(x). A todas as func¸o˜es para as quais os integrais como o da eq.(1) sa˜o convergentes para qualquer func¸a˜o de L associamos por este meio um funcional linear. O inverso na˜o e´ verdadeiro. Na˜o e´ poss´ıvel associar a qualquer funcional linear uma func¸a˜o por meio de uma definic¸a˜o como a da eq.(1). II. O FUNCIONAL DELTA DE DIRAC Tomemos por exemplo o seguinte funcional obviamente linear e designado por Delta de Dirac δ[g] ≡ g(0) (4) Para qualquer classe de func¸o˜es suficientemente vasta para ter interesse na˜o existe de facto nenhuma func¸a˜o δ(x) tal que ∫ +∞ −∞ dxg(x)δ(x) = g(0) (5) para qualquer func¸a˜o g(x). Por outras palavras a func¸a˜o delta de Dirac e´ um funcional (ou distribuic¸a˜o) e na˜o uma func¸a˜o. No entanto e´ poss´ıvel representa´-lo como limite de uma sequeˆncia de expresso˜es do tipo da eq.(1). Punhamos, por exemplo, φη(x) ≡ 1√ 2piη e−x 2/2η2 (6) 2 e consideremos o seguinte limite lim η→0 Φη[g] ≡ lim η→0 ∫ +∞ −∞ dxg(x)φη(x) (7) A func¸a˜o φη e´ uma gaussiana normalizada∫ +∞ −∞ dxφη(x) = 1 (8) de largura η. A` medida que η se torna nulo o seu peso fica totalmente concentrado numa vizinhanc¸a η de x = 0. Se a func¸a˜o de teste for cont´ınua nesse ponto e´ plaus´ıvel que lim η→0 ∫ +∞ −∞ dxg(x)φη(x) = g(0) ∫ +∞ −∞ dxφη(x) = g(0) (9) Podemos formalizar este argumento intuitivo do seguinte modo lim η→0 ∫ +∞ −∞ dxg(x)φη(x) = g(0) ∫ +∞ −∞ dxφη(x) + lim η→0 ∫ +∞ −∞ dx(g(x)− g(0))φη(x) (10) O primeiro termo e´ simplesmente g(0). Para mostrar que o segundo se anula fac¸amos a mudanc¸a de varia´vel x→ u = x/η 1√ 2pi ∫ +∞ −∞ du(g(uη)− g(0))e−u2/2 (11) Se trocarmos a operac¸a˜o de limite com a de integrac¸a˜o e a func¸a˜o g(x) for cont´ınua na origem lim η→0+ g(uη)− g(0) = 0 (12) e o segundo integral da eq.(10) anula-se no limite η → 0. Na˜o e´ dif´ıcil reconhecer que o argumento precedente pode ser aplicado a muitas outras func¸o˜es φη desde caracterizadas por uma a´rea total de valor 1 (pelo menos no limite η → 0) e com uma largura que se anula com η. Exemplos poss´ıveis sa˜o φη(x) = 1 2η e−|x|/η (13) φη(x) = 1 pi η x2 + η2 (14) φη(x) = 1 2η se |x| < η 0 se |x| > η (15) Nenhuma destas func¸o˜es tem um limite definido quando η → 0. Com efeito em todos os casos lim η→0 φη(x) = 0 x 6= 0 lim η→0 φη(0) = ∞ (16) 3 Mas, por outro lado, o funcional Φη[g] tem um limite definido que e´ lim η→0 Φη[g] = δ[g] = g(0) (17) E´ habitual definir a func¸a˜o delta de Dirac pela equac¸a˜o ∫ +∞ −∞ dxg(x)δ(x) ≡ δ[g] = g(0) (18) A expressa˜o do lado esquerdo na˜o e´ pois um integral no sentido usual do termo. A questa˜o que se pode por e´ enta˜o qual a raza˜o de ser da popularidade desta notac¸a˜o aparentemente ta˜o amb´ıgua. III. DISTRIBUIC¸O˜ES DEFINIDAS A PARTIR DE δ(x) Dado o funcional Φ[g] associado pela eq.(1) a` func¸a˜o φ(x) podemos definir outros a partir de transformac¸o˜es desta func¸a˜o. Por exemplo ∫ +∞ −∞ dxg(x)φ(x− x0)∫ +∞ −∞ dxg(x)φ′(x) ∫ +∞ −∞ dxg(x)φ(x2 − x20) (19) supondo e´ claro que estes integrais convergem. O mesmo tipo de transformac¸o˜es podem ser feitas em funcionais como δ[g] que podem ser definidos como limites de funcionais associados a func¸o˜es. Assim surgem naturalmente as seguintes definic¸o˜es ∫ +∞ −∞ dxg(x)δ(x− x0) ≡ lim η→0 ∫ +∞ −∞ dxg(x)φη(x− x0)∫ +∞ −∞ dxg(x)δ(ax) ≡ lim η→0 ∫ +∞ −∞ dxg(x)φη(ax)∫ +∞ −∞ dxg(x)δ′(x) ≡ lim η→0 ∫ +∞ −∞ dxg(x)φ′η(x) (20) para func¸o˜es φη que satisfac¸am a condic¸a˜o da eq.(9). Embora as expresso˜es do lado esquerdo desta definic¸o˜es na˜o sejam integrais no sentido usual da palavra as expresso˜es da direita sa˜o. Como tal podem ser manipuladas pelos processos habituais (mudanc¸as de varia´vel, integrac¸a˜o por partes etc.). 4 Vejamos um exemplo ∫ +∞ −∞ dxg(x)δ(x− x0) ≡ lim η→0 ∫ +∞ −∞ dxg(x)φη(x− x0) (21) = lim η→0 ∫ +∞ −∞ dyg(y + x0)φη(y) (22) = ∫ +∞ −∞ dxg(y + x0)δ(y) = g(x0) (23) Torna-se agora clara a raza˜o da popularidade da notac¸a˜o que consiste em representar o funcional δ pelo s´ımbolo usual duma func¸a˜o. E´ que deste modo o valor correspondente ao funcional δ(x − x0) pode ser obtido por uma manipulac¸a˜o formal sobre este s´ımbolo que e´ ideˆntica a` mudanc¸a de varia´vel num integral. Dentro deste esp´ırito propo˜e-se que o leitor tente demonstrar algumas das seguintes propriedades da func¸a˜o delta de Dirac i) ∫ b a dxδ(x− x0) = { 1 se a < x0 < b 0 se x0 < a ou x0 > b (a < b) (24) ii) δ(x) = δ(−x) iii) δ(ax) = 1 |a| δ(x) iv) δ(x2 − x20) = 12|x0|(δ(x− x0) + δ(x− x0) v) δ(f(x)) = ∑ an 1 |f ′(an)| δ(x− an) se f(an) = 0, f ′(an) 6= 0 vi) ∫+∞ −∞ dxg(x)δ ′(x) = −∂g(x) ∂x ∣∣∣ x=x0 = −g′(0) vii) ∫+∞ −∞ dyδ(x− y)δ(y − x′) = δ(x− x′) viii) δ(r − r0) = δ(x− x0)δ(y − y0)δ(z − z0) em que ∫ d3rg(r)δ(r − r0) = g(r0) Como exemplo de manipulac¸a˜o da func¸a˜o δ(x) veremos a demonstrac¸a˜o de (iv). Trataremos este s´ımbolo como se tratasse de facto de uma func¸a˜o. Mas o leitor cuidadoso podera´ querer reescrever a derivac¸a˜o definindo os funcionais como limites de integrais envolvendo as func¸o˜es φη(x) e realizando as mesmı´ssimas manipulac¸o˜es nesses integrais de modo a reduzi-los a funcionais que no limite η → 0 se reduzam a δ[g]. Dentro deste esp´ırito ∫ +∞ −∞ dxg(x)δ(x2 − x20) = ∫ 0 −∞ dxg(x)δ(x2 − x20) + ∫ 0 +∞ dxg(x)δ(x2 − x20) (25) 5 Usando as substituic¸o˜es x→ y com y2 = x2 − x20 e x = x−(y) = − √ y + x20 no primeiro integral (26) x = x+(y) = + √ y + x20 no segundo (27) obtemos ∫ −x2 0 ∞ dy 2x−(y) g(x−(y))δ(y) + ∫ −x2 0 ∞ dy 2x+(y) g(x+(y))δ(y) (28) ou seja ∫ +∞ −∞ dxg(x)δ(x2 − x20) = 1 2|x0|(g(−|x0|) + g(|x0|)) (29) o que em termos de func¸a˜o delta significa δ(x2 − x20) = 1 2|x0|(δ(x− x0) + δ(x− x0)) (30) IV. A FUNC¸A˜O DELTA COMO INTEGRAL DA EXPONENCIAL IMAGINA´RIA Uma representac¸a˜o muito importante da func¸a˜o delta e´ a seguinte δ(x) = ∫ +∞ −∞ dk 2pi eikx (31) Obviamente trata-se de novo de uma igualdade entre funcionais (distribuic¸o˜es). O s´ımbolo do lado direito na˜o pode ser entendido como um integral. O sentido desta igualdade e´ enta˜o o seguinte ∫ +∞ −∞ dk 2pi ∫ +∞ −∞ dxg(x)eikx = g(0) (32) Podemos demonstrar este resultado modificando a func¸a˜o integranda em k de modo a tornar o integral correspondente convergente. Chama-se a este estratagema, em f´ısica teo´rica, a regularizac¸a˜o da singularidade ∫ +∞ −∞ dk 2pi ∫ +∞ −∞ dxg(x)eikx = lim η→0+ ∫ +∞ −∞ dk 2pi ∫ +∞ −∞ dxg(x)eikx−η|k| (33) Podemos agora com η finito calcular facilmente o integral sobre k ∫ +∞ −∞ dk 2pi eikx−η|k| = ∫ +∞ 0 dk 2pi eikx−ηk + ∫ 0 −∞ dk 2pi eikx+ηk (34) = ∫ +∞ 0 dk 2pi (eikx−ηk + e−ikx−ηk (35) =1 pi η η2 + x2 (36) 6 Por este processo a eq(33) fica reduzida a lim η→0 ∫ +∞ −∞ dxg(x)φη(x) (37) em que a func¸a˜o φη e´ uma das referidas atra´s como dando origem a funcionais que convergem para a func¸a˜o delta de Dirac. 7
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