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Resumo 2. A constitucionalização do Direito (2)

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A constitucionalização do Direito
	A publicização do direito privado
	A liberdade de contratar, o direito de propriedade e a autonomia da vontade fundiram-se no passado para formar o centro de gravidade do sistema privado, fato esse que repercutiu sobre o hoje revogado Código Civil de 1916.
	Contudo, ao longo do século XX, esse quadro se alterou. A progressiva superação do liberalismo puro pelo intervencionismo estatal trouxe para o domínio do direito privado diversos princípios limitadores da liberdade individual e do primado da vontade, denominados princípios de ordem pública. São princípios de direito privado que atuam na tutela do bem coletivo, inderrogáveis pela vontade das partes, e cujos efeitos são insuscetíveis de renúncia.
	Em domínios como o direito de família, de propriedade e do trabalho ainda subsiste a influência decisiva da autonomia da vontade e do consenso na formação das relações jurídicas, mas seus efeitos hoje são determinados pela lei e não pelas partes.
	Nesse sentido, a proliferação de normas cogentes, indisponíveis pelos contratantes, deu ensejo à publicização do direito privado.
	Ao longo do século, as novas demandas da sociedade tecnológica e a crescente consciência social em relação aos direitos fundamentais promoveram a superposição entre o público e o privado, tendo se operado a despatrimonialização do direito civil, ao qual se incorporam fenômenos como o dirigismo contratual (limitação da liberdade de contratar em prol do interesse coletivo), a função social do contrato, a função social da propriedade e a boa-fé objetiva (estabelecimento de um padrão ético de conduta para as partes nas relações obrigacionais).
	Concepção de constitucionalização do Direito, sob o prisma da filtragem constitucional
	No final do século XX e início do século XXI, a publicização do direito privado passou a ser caracterizada como constitucionalização do Direito
	A constitucionalização do Direito associa-se a um efeito expansivo das normas constitucionais, cujo conteúdo material e axiológico se irradia, com força normativa, por todo o sistema jurídico.
	Os valores, os fins e os comportamentos contemplados nos princípios e regras da Constituição passam a condicionar a validade e o sentido de todas as normas do direito infraconstitucional. Tal efeito é denominado por alguns doutrinadores de filtragem constitucional.
	Tal constitucionalização repercute sobre a atuação dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário e também nas relações entre particulares.
	OBS: importante destacar que alguns doutrinadores têm criticado essa forma de constitucionalização do direito, entendendo-a como antidemocrática. Argumenta-se que o Poder Judiciário, que não foi eleito democraticamente pelo povo, ao prolatar decisões que expandem as normas constitucionais sobre as normas infraconstitucionais, condicionando sua interpretação, acaba por deslegitimar essas últimas, que foram fruto do processo legislativo democrático. Nesse sentido, o Poder Judiciário seria antidemocrático e contramajoritário.
	Concepção de constitucionalização do Direito sob o foco da previsão, na Constituição Federal de 1988, de princípios norteadores dos principais ramos do direito infraconstitucional
	A Constituição de 1988 não se limitou a trazer apenas as escolhas fundamentais do Estado, mas tratou de todos os principais ramos do direito infraconstitucional, sendo, assim, caracterizada como uma Constituição analítica.
	Alguns doutrinadores, como Daniel Sarmento, identificam tal fenômeno como sendo um outro aspecto da constitucionalização do direito, no sentido de a Constituição de 1988 ter promovido uma constitucionalização dos mais diversos ramos do direito, ao prever, em seus dispositivos, preceitos gerais a serem seguidos pelo legislador infraconstitucional. Veja-se:
	Direito Administrativo: “Da Administração Pública”- arts. 37 a 43
	Direito Civil: no capítulo referente aos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos (art. 5º), existem normas sobre a propriedade e sua função social, a propriedade industrial e intelectual, direito de sucessões e direito do consumidor. Há, também, previsão específica, nos arts. 226 a 230 de direitos referentes à família, à criança e adolescente, ao jovem e ao idoso.
	Direito Penal: no capítulo referente aos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos (art. 5º), a Constituição consagra princípios como o da legalidade penal e da não retroatividade das normas penais, além de prever, no art. 228, a maioridade penal aos 18 anos.
	Direito Processual Civil e Penal: também no capítulo referente aos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos (art. 5º), a Constituição traz princípios como o do devido processo legal, da publicidade e da necessidade de motivação dos atos processuais. Especificamente quanto ao processo penal, há a previsão de normas sobre a presunção de inocência, a individualização da pena, os direitos dos presos e a prisão.
	Direito Tributário: Capítulo denominado “Do Sistema Tributário Nacional” (arts. 145 a 162)
	Direito Financeiro: Capítulo denominado “Das Finanças Públicas” (arts. 163 a 169)
	Direito do Trabalho: arts. 7º a 11.
	OBS: importante destacar que alguns doutrinadores têm criticado essa forma de constitucionalização do direito, entendendo-a como antidemocrática ao privar o legislador infraconstitucional, eleito democraticamente pelo povo, de disciplinar temas afetos a matérias específicas de outros ramos do Direito distintos do direito constitucional.
	A Constituição como centro do sistema jurídico
	A Constituição Federal de 1988 corresponde, hoje, ao centro de todo o sistema jurídico.
	A partir de 1988 e, mais notadamente, nos últimos cinco ou dez anos, a Constituição passou a desfrutar já não apenas da supremacia formal que sempre teve, mas também de uma supremacia material, axiológica, potencializada pela abertura do sistema jurídico e pela normatividade de seus princípios.
	Nesse ambiente, a Constituição passou a ser não apenas um sistema em si, mas um modo de olhar e interpretar todos os demais ramos do Direito. Nesse sentido, toda a ordem jurídica deve ser lida e apreendida sob a lente da Constituição, de modo a realizar os valores nela consagrados.
	Assim, pode-se afirmar que a Constituição figura hoje no centro do sistema jurídico, de onde irradia sua força normativa, dotada de supremacia formal e material. Funciona não apenas como parâmetro de validade para a ordem infraconstitucional, mas também como vetor de intepretação de todas as normas.
	Mecanismos de atuação prática da constitucionalização do Direito
	Ao legislador e ao administrador, a Constituição impõe deveres negativos e positivos de atuação, para que observem os limites e promovam as finalidades previstas na Constituição.
	O Judiciário e, principalmente o Supremo Tribunal Federal, realiza a constitucionalização do direito, principalmente ao: declarar a inconstitucionalidade de normas infraconstitucionais posteriores à Constituição, quando com ela incompatíveis; realizar a interpretação da norma jurídica conforme a Constituição, o que pode significar: a) a leitura da norma infraconstitucional da forma que melhor realize o sentido e o alcance dos valores e fins constitucionais a ela subjacentes; b) a declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto, que consiste na exclusão de determinada intepretação possível da norma e a afirmação de uma interpretação alternativa, compatível com a Constituição.
	O princípio da dignidade da pessoa humana
	O princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no art. 1º, III, da Constituição Federal, como fundamento da República Federativa do Brasil, tem, como núcleo essencial, a noção de mínimo existencial, que consiste em um conjunto de prestações do Estado e de direitos mínimos do indivíduo, sem os quais não se pode afirmar que o indivíduo se encontre em situação de dignidade. 
	Tal princípio promove uma despatrimonialização e uma repersonalização
do Direito Civil, com ênfase em valores existenciais, bem como no reconhecimento e desenvolvimento dos direitos da personalidade, tanto em sua dimensão física como psíquica.
	Aplicabilidade dos direitos fundamentais nas relações privadas
	Como decorrência da constitucionalização do Direito, tem-se a aplicabilidade dos direitos fundamentais nas relações privadas, também denominada eficácia horizontal dos direitos fundamentais
	Envolve a noção de que as normas constitucionais consagradoras de direitos fundamentais não se aplicam apenas nas relações que envolvam o Estado, mas também nas relações firmadas entre particulares.
	De acordo com essa concepção é indispensável a aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas no contexto de uma sociedade desigual, na qual a opressão pode provir não apenas do Estado, mas de uma multiplicidade de atores privados, presentes em esferas como o mercado, a família, a sociedade civil e a empresa.
	A eficácia horizontal traz uma visão diversificada da matéria, uma vez que as normas de proteção da pessoa, previstas na Constituição Federal, sempre foram tidas como dirigidas ao legislador e ao Estado. Contudo, essa concepção anterior não mais prevalece, o que faz com que a eficácia horizontal seja interessante na prática, a tornar mais evidente e concreta a proteção da dignidade da pessoa humana e de outros valores constitucionais. Nesse sentido, o princípio da dignidade da pessoa humana pode ser aplicado diretamente em uma relação entre empregado e empregador, entre marido e mulher, entre companheiros, entre pais e filhos, entre contratantes e etc, sem a necessidade de qualquer norma infraconstitucional.
	Exemplos: aplicação do princípio da liberdade de expressão frente a boicotes feitos por particulares para a exibição de determinado filme; aplicação do princípio da liberdade de opinião, frente à demissão de jornalista, por emitir opinião contrária ao do dono do jornal; aplicação do princípio da liberdade de crença e religião na situação de um locador recusar-se a firmar contrato de locação em razão de o pretendente locatário ser muçulmano; aplicação do princípio da igualdade e da dignidade da pessoa humana em situação de um empregador prever no contrato de trabalho da empregada a demissão por justa causa em caso de gravidez; aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana para permitir o casamento de pessoas do mesmo sexo; aplicação dos princípios do devido processo legal, ampla defesa e contraditório na exclusão de pessoa do quadro de uma pessoa jurídica.
	Importante destacar que a doutrina e a jurisprudência se dividem, quanto ao tema, em duas correntes principais:
	A da eficácia indireta e mediata dos direitos fundamentais, mediante atuação do legislador infraconstitucional para a regulamentação e aplicação dos direitos fundamentais, como ocorre, por exemplo, no código civil.
	A da eficácia direta e imediata dos direitos fundamentais, mediante um critério de ponderação entre os princípios constitucionais da livre iniciativa e da autonomia da vontade, de um lado, e o direito fundamental em jogo, do outro lado. Nessa ponderação, devem ser levados em consideração: a) os elementos do caso concreto; b) a igualdade ou desigualdade material entre as partes; c) a manifesta injustiça ou falta de razoabilidade do critério adotado; d) a preferência por valores existenciais sobre os patrimoniais; e) o risco para a dignidade da pessoa humana.

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