Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO ALINNE TORRES SOARES PROTEÇÃO LEGAL AO BEM DE FAMÍLIA AMERICANA 2013 CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO ALINNE TORRES SOARES PROTEÇÃO LEGAL AO BEM DE FAMÍLIA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como exigência parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito no Centro Universitário Salesiano sob a orientação do Professor Mestre Alexandre Seiffert Nunes. AMERICANA 2013 ALINNE TORRES SOARES PROTEÇÃO LEGAL AO BEM DE FAMÍLIA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como exigência parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito no Centro Universitário Salesiano sob a orientação do Professor Mestre Alexandre Seiffert Nunes. Trabalho de Conclusão de Curso defendido e aprovado em 11/11/2013, pela comissão julgadora: __________________________________________ __________________________________________ __________________________________________ AMERICANA 2013 Agradecimentos Agradeço a Deus, por ter me dado à vida e a família maravilhosa que me apoia sempre. Agradeço a minha mãe a ao meu pai, não só pelo apoio financeiro que tornou possível minha graduação, mas sobretudo o apoio emocional e a fé que sempre tiveram em mim. Por tudo isso e por serem pessoas maravilhosas, meu muito obrigado. Agradeço ao meu orientador, Professor Alexandre, que sempre, com muita sabedoria e delicadeza, me auxiliou na condução do tema. E a todos que direta ou indiretamente colaboraram para a realização deste trabalho. Resumo O ponto de partida deste trabalho é o estudo da proteção dada ao bem de família na legislação brasileira. Com o objetivo de mostrar um pouco dos aspectos, exceções e aplicações do bem de família, fez-se uma análise dos institutos análogos em legislações de outros países, bem como um exame do bem de família anterior a lei 8009 de 29 de março de 1990, a lei que dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família. Posteriormente, ocorreu o estudo de como o instituto do bem de família é tratado no Código Civil de 2002, e na lei supra citada, bem como jurisprudência e doutrinas sobre o tema e sobre a interpretação dos artigos de ambos dispositivos legais. Conclui-se que o bem de família é, sobretudo, uma proteção à família, e não ao devedor, com o intuito de garantir uma vida digna mesmo em tempos de dificuldade financeira, tomando como base o artigo 226 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que dispõe que a família é a base da sociedade e, portanto, merece proteção especial do Estado. Palavras-chave: Bem de família. Lei 8009 de 1990. Imóvel. Impenhorabilidade. Exceções. Sumário: Introdução ...................................................................................................................... 6 1. Bem de Família - Considerações Históricas ............................................................ 8 1.1. Considerações sobre a origem da família e da propriedade privada ....................... 8 1.2. Considerações históricas sobre o instituto do bem de família ................................ 10 1.2.1. O bem de família no Direito Romano. ............................................................. 10 2.1. Definição geral de bem .......................................................................................... 15 2.2. Conceito de Bem de Família .................................................................................. 17 3. Características do bem de família .......................................................................... 19 3.1. Bem Imóvel ............................................................................................................ 19 3.2. Um único imóvel .................................................................................................... 21 3.3. Amplitude ............................................................................................................... 22 4. Espécies de bem de família ................................................................................... 26 4.1. Bem de família convencional ................................................................................. 26 4.2. Bem de família legal .............................................................................................. 36 4.2.1. Bem de família retratado na lei 8009/90.......................................................... 37 5. Aspectos gerais sobre a impenhorabilidade do bem de família ............................. 42 5.1. Impenhorabilidade dos bens do locatário ............................................................... 43 6. Exceções a impenhorabilidade de acordo com a Lei 8009/90 ............................... 46 6.1. Bens excluídos da impenhorabilidade e a interpretação jurisprudencial ................ 46 6.2. Exceção à impenhorabilidade quanto à oponibilidade de credores ....................... 48 6.3. Exceção à impenhorabilidade por créditos trabalhistas ......................................... 49 6.4. Exceção à impenhorabilidade por créditos para construção ou aquisição do imóvel.......... ......................................................................................................... ........51 6.5. Exceção à impenhorabilidade por créditos alimentícios ......................................... 52 6.6. Exceção à impenhorabilidade de créditos tributários e contribuições em função do imóvel. .......................................................................................................................... 54 6.7. Exceção à impenhorabilidade de créditos hipotecários. ........................................ 56 6.8. Exceção á impenhorabilidade de bem de família com aquisição criminosa. .......... 61 7. Aquisição de má-fé de imóvel mais valioso. .......................................................... 67 Considerações Finais ............................................................................................ 69 Referências ............................................................................................................ 71 6 Introdução Desnecessário falar sobre a importância da família no desenvolvimento social, moral, psicológico e financeiro de qualquer ser humano. É no seio familiar que se constroem cidadãos. A Constituição Federal de 1988, no caput de seu art. 226, mostra que a família é a base da sociedade, merecendo assim, proteção do Estado e cuidados especiais. No que tange a proteção estatal à família, é que se destaca o tema da presente monografia: o bem de família. O instituto do bem de família é um meio de assegurar um mínimo para uma vida digna de uma das mais importantes instituições: a própria família. Esse tema é de grande importância para a família, que é visto de maneira muito breve nos cursos de graduação, ante a amplitude do conteúdo que deve ser estudado. Busca tratar ainda, os dois tipos de bem de família, o convencional (ou voluntário) e o legal (ou involuntário). O bem de família convencional, é também conhecido como bem de família voluntário, uma vez que advém da vontade do proprietário, por necessitar de escritura pública, ou testamento, é pouco utilizada. Quando utilizada, é normalmentepelas famílias mais abastadas, que podem suportar o ônus do registro. Ainda porque, não são muitas famílias que podem sustentar a imobilização de um terço do patrimônio da família. As famílias que não tem essa disponibilidade de dinheiro para proteger seu patrimônio contra os altos e baixos financeiros que podem ocorrem estavam, assim, desprotegidas. Tal problemática foi resolvida com a lei 8009 de 1990 que, com poder de ordem pública, rege que o imóvel utilizado como residência de uma entidade familiar 7 é impenhorável, e não responde por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas na própria lei. A presente monografia elucida também, alguns conflitos jurisprudenciais e doutrinários, com base nos dispositivos legais, no intuito de expor questões controvetidas a respeito do instituto do bem de família. Assim, para o estudo deste importante instituto, inicialmente foram feitas considerações históricas sobre a origem da própria família e da propriedade privada, bem como sobre o conceito de “bem”. Realizou-se uma revisão dos institutos que deram origem ao instituto estudado e a definição e características do bem de família Posteriormente tratou-se das duas espécies, do bem de família como tratado no Código Civil de 2002 (bem de família convencional) e na lei que trata de sua impenhorabilidade, a Lei 8009 de 29 de março de 1990 (bem de família legal). Será realizada a análise e interpretação jurisprudencial de cada um dos incisos que tratam da impenhorabilidade do bem de família legal. Dessa forma, o objetivo do presente trabalho é estudar as características ao instituto do bem de família na nossa legislação, que almejam a proteção da família. 8 1. Bem de Família - Considerações Históricas 1.1. Considerações sobre a origem da família e da propriedade privada A família, de acordo com Friedrich Engels, tem seu inicio na pré-história, pois, na concepção materialista os fatores decisivos para a sobrevivência foram à produção e reprodução de vida imediata. Ou seja, antes de qualquer coisa, se fazia necessário ampliar as fontes de existência. Engels reflete também sobre a ordem social e a família: A ordem social em que vivem os homens de determinada época ou determinado país está condicionada por essas duas espécies de produção: pelo grau de e desenvolvimento do trabalho, de um lado, e da família, de outro [...] Contudo, no marco dessa estrutura da sociedade baseada nos laços de parentesco, a produtividade do trabalho aumenta sem cessar, e, com ela, desenvolvem-se a propriedade privada e as trocas, as diferenças de riqueza [...]. (ENGELS, 2000, p. 03) Portanto, a família teve sua origem juntamente com a propriedade privada, propiciando as trocas e as desigualdades e por consequência a primeira noção de comércio, que acompanha a sociedade até hoje. Álvaro Villaça Azevedo explica as várias teorias sobre a origem da família, enfatizando, contudo, a incerteza a respeito deste fato. Cita a teoria do sistema poligâmico, pelo qual uma pessoa possui diversos cônjuges (poliginia: um homem tem várias mulheres ou poliandria: a família vive numa espécie de matriarcado) e também a monogâmica, formada por um par andrógino, sem características de matriarcado ou patriarcado. Mostra também outras teorias: Contudo, outra teoria há que nega a própria existência da família nos primeiros tempos, pregando, como realidade inicial, a promiscuidade entre seres humanos [...] Analisando essas teorias, existe muito mais razão para se pensar tenha sido o homem nos primevos, polígamo polígino, convivendo assim um homem com várias mulheres e prole, sob organização familiar em forma de patriarcado poligâmico, para depois ser monogâmico [...] (AZEVEDO, 2002, p. 15) 9 Pietro Coglioto ensina que a organização familiar primitiva era também organizada em patriarcado, sendo que as mulheres, servos e filhos ficavam sujeitos ao poder ilimitado do pai, pois as sociedades tinha por base o medo e no respeito pelo homem sadio mais forte. (COGLIOTO, 1888, apud AZEVEDO, 2002, p. 15 e 16). Em sua obra, Engels discorre sobre os diversos tipos de família, como a família sindiásmica, com casamentos, que começavam a formar uniões por pares (um homem principal e uma mulher principal, para cada um dentre vários homens e mulheres com quem poderia também se relacionar), a família punulana que, após excluir relações sexuais entre pais e filhos, excluiu também tal fato entra os irmãos, entre outras que existiram ao longo da história. A evolução da família nos tempos pré-históricos, portanto, consiste numa redução constante do círculo em cujo seio prevalece à comunidade conjugal entre os sexos, círculo que originariamente abarcava a tribo inteira. A exclusão progressiva, primeiro dos parentes próximos, depois dos parentes distantes e, por fim até das pessoas vinculadas apenas por aliança, torna impossível na prática qualquer matrimônio por grupos; como último capítulo, não fica senão o casal, unido por vínculos ainda frágeis - essa molécula com cuja dissociação acaba o matrimônio em geral. (ENGELS, 2000, p. 49) No que se refere à propriedade, esta não se iniciou com os imóveis, mas sim com animais domésticos e com a criação de gado. Os animais, como cavalos, camelos, bois, asnos, entre outros, se transformaram em verdadeiras riquezas, que necessitavam, tão somente de vigilância, uma vez que com a reprodução, forneciam farta fonte de alimentos e leite. Logo após, foram considerados propriedade privada também os escravos (ENGELS, 2002, p. 57-58): Principalmente depois que os rebanhos passaram definitivamente á propriedade da família, deu-se com a força de trabalho o mesmo que havia sucedido com as mulheres, antes tão fáceis de obter e que agora já tinham seu valor de troca e eram compradas. A família não se multiplicava com tanta rapidez quanto o gado. Agora eram necessárias mais pessoas para os cuidados com a criação; podia ser utilizado para isso o prisioneiro de guerra que, além do mais, poderia multiplicar-se tal como o gado. Convertidas todas essas riquezas em propriedade particular das famílias, e aumentadas depois rapidamente, assestaram um rude golpe na sociedade alicerçada no 10 matrimônio sindiásmico e na gens baseada no matriarcado. O matrimônio sindiásmico havia introduzido na família um elemento novo. Junto á verdadeira mãe tinha posto o verdadeiro pai, provavelmente mais autêntico que muitos "pais" de nossos dias.” (ENGELS, 2000, p. 58) Com o nascimento da família monogâmica, com domínio do homem sobre a mulher, os casamentos não podiam ser desfeitos facilmente pela vontade de uma das partes, mas só pelo homem. Os homens, além disso, a exemplo do Código de Napoleão tinham o direito à infidelidade, desde que não levassem a concubina ao domicilio conjugal. Já as mulheres, deveriam guardar sua castidade e fidelidade para o respectivo marido. (ENGELS, 2000, p. 66-67) Deste modo tem-se que a monogamia se aplicava apenas à mulher, que era tão somente mãe dos herdeiros legítimos, a pessoa que governava a casa, e vigiava as escravas, que na maioria das vezes eram também concubinas (na Grécia). O casamento monogâmico foi à primeira forma de família que se baseava em condições econômicas e não naturais, “e concretamente no triunfo da propriedade privada sobre a propriedade comum primitiva, originada espontaneamente”(ENGELS, 2000, p. 70), não mantendo, portanto nenhuma relação com o amor sexual, como se poderia imaginar. 1.2. Considerações históricas sobre o instituto do bem de família 1.2.1. O bem de família no Direito Romano. O instituto do bem de família não existiu de fato no direito romano. Acerca deste assunto, o que existiu, no período da República, foi à proibição da alienação do patrimônio da família, posto que este era considerado sagrado, sendo uma desonra sua venda. Já no século II, com o império e as transformações, tanto na sociedade quanto da própria família, surgiu a necessidade de proteger o patrimônio família. Para tanto 11 foram criadas clausulas de alienabilidade que eram, a priori1, colocadas nos testamentos. (AZEVEDO, 2002, p. 20) Em Roma existia, por exemplo, o instituto da ad rogatio, pelo qual se agregava a uma família o pater famílias2 de outra, com todos os seus dependentes e com todo seu patrimônio [...] em Roma, ela consistia na adoção de um cidadão livre, em virtude da qual um pater famílias, com todos seus dependentes (parentes e escravos) e todos os bens pertencentes ao conjunto familiar passava a autoridade de outro chefe de família, da qual ficava fazendo parte, o que convertia, por isso, a posição jurídica do ad-rogado, que, de sui iuris passava a alieni iuris (de independente a dependente). (AZEVEDO, 2002, p. 20) O tema bem de família teve seu início de fato, com um tratamento específico em 1839, nos Estados Unidos, mais precisamente na Republica do Texas, sendo criado o homestead (local do lar), que tinha como principal objetivo a proteção dos lavradores no cultivo da terra, dando-lhes isenção da penhora da área cultivada, de modo que esta se separava do patrimônio da família, constando inclusive nas constituições locais de Estados da União Norte-Americana, fundamentando sua democracia. (MONTEIRO, 2010, p. 603 e VASCONCELOS, 2002, p.24) Homestead significa local do lar (home = lar; stead = local), surgindo em defesa da pequena propriedade. Mostra-nos Pierre Jolliot que a origem e a razão de ser do instituto do homestead se encontra no espírito do povo americano, dentre outras causas, pelo respeito da atividade e da independência individual, pelo sentimento herdado da nação inglesa, de considerar a casa como um verdadeiro castelo sagrado e pela necessidade de estimular, por todos os meios, os esforços do colono ou do imigrante, no sentido de uma maior segurança e proteção em caso de infelicidade.[...] a ocupação do solo pelo proprietário só fortalece as qualidades e os sentimentos, que dão aos Estados seus verdadeiros cidadãos.(VASCONCELOS,2002, p.25) Na Alemanha o instituto similar foi o Hofrecht, com a finalidade de transmitir imóvel rural integralmente aos sucessores do proprietário, instituiu sua 1 A priori: antes, em princípio; 2 Pater famílias (plural: patres famílias) era o mais elevado estatuto familiar (status famíliae) na Roma Antiga, sempre uma posição masculina. O termo é latim e significa, literalmente, "pai da família". 12 indivisibilidade. No Código suíço existe a previsão de tal instituto, chamado “asilo de família”. (MONTEIRO, 2010, p. 603) Já na França, o bem de família existe desde 1909. (MONTEIRO, 2010, p. 603). Editou-se a lei sobre bien de famille3, que foi regulamentada em 26 de março de 1910. Contudo, desde 1886, existiam iniciativas e projetos de lei com o intuito de criar tal instituto, inicialmente aos agricultores, no regime legal francês, incentivados por massiva propaganda do homestead dos Estados Unidos. (AZEVEDO, 2002, p. 54) Em 30 de dezembro de 1903, o Governo francês unificou todos os projetos eu um só e o apresentou ao Conselho de Estado, e após manifestação das Cortes de apelação, entregaram o projeto à apreciação do Ministro da Agricultura e a Câmara dos Deputados, no dia 31 de janeiro de 1905. (AZEVEDO, 2002, p. 55). Em 13 de abril de 1906, a Câmara submeteu o projeto à sessão, onde foi acolhida. Ao ser encaminhado ao Senado, ele foi reexaminado e suavemente alterado pelo Sen. Guillier, e após as modificações foi levado à votação nas sessões de 10 de dezembro de 1908, 28 de janeiro de 1909 e 04 de dezembro de 1909. (AZEVEDO, 2002, p. 55). Nasceu assim o bien de famille francês, que com o tempo sofreu algumas alterações ao longo dos anos. (AZEVEDO, 2002, p. 55) No Brasil, o bem de família teve sua primeira previsão em 1893, no Projeto de Código Civil de Coelho Rodrigues, que denominava o instituto de “constituição do lar de família”. (AZEVEDO, 2002, p. 87) Em 1900 no Congresso Jurídico Americano, que aconteceu no Rio de Janeiro organizado pelo Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros, ocorreu a discussão sobre o tema “O homestead satisfaz melhor do que a enfiteuse o instituto do aproveitamento das terras públicas?”. No mesmo ano, enquanto se discutia o então projeto de Código Civil de 3 Bien de famille, do francês, significa “propriedade da família” . 13 Clóvis Beviláqua, esclareceu seu autor que o conselho de Barradas sugeriu que, a exemplo do Projeto de Coelho Rodrigues, fossem acrescentados alguns artigos a respeito do homestead. Contudo, o pensamento não obteve apoio. (AZEVEDO, 2002, p. 86-87) Após diversas tentativas de incluir o instituto do bem de família no Código Civil de 1916, sendo uma delas, inclusive aprovada pela Câmara, não obteve êxito no Senado. No entanto, tal inclusão ocorreu: Como se vê, o Projeto Beviláqua chegou a Câmara do Senado sem o instituto jurídico do bem de família [...] na Comissão Especial do Senado presidida por Feliciano Penna, sendo o primeiro relator Sá Freire e segundo Fernando Mendes, no parecer apresentado em 1.12.1912, uma emenda de seu presidente, mandando incluir no Código, após o art. 33, quatro artigos regulando o homestead, os quais passaram, com insignificantes modificações da redação, a constituir o bem de família do Código Civil (AZEVEDO, 2002, p.88). O bem de família, no Código Civil de 1916 se encontrava na parte geral. Já no Código Civil de 2002, se localiza no livro de Direito de Família, nos artigos 1711 a 1722. Segundo o celebre professor Washington de Barros Monteiro: bem de família é relação jurídica de caráter especifico e não genérico [...] seu lugar apropriado seria o direito de família, já que a finalidade do instituto é a proteção da família, proporcionando-lhe abrigo seguro. (MONTEIRO, 2010, p. 603) No entanto, a primeiro momento, tal instituto estava inicialmente no Livro de Pessoas, e após censura de Justiniano de Serpa, bacharel em direito, escritor e político, que na época era senador, foi transferida para o Livro dos Bens, ainda na Parte Geral. (AZEVEDO, 2002, p.89) “Esta figura jurídica, introduzida, por emenda do Senado, no corpo do 14 projeto do Código Civil, está, evidentemente, mal colocada no capítulo das pessoas jurídicas”, terminando por evidenciar que “não há, realmente, um terceiro caminho. Ou o instituto entra no direito de família, como o direito de alimentos, como a tutela e todas as instituições garantidoras ou protetoras da família, ou será uma forma do direito das coisas. Na parte geral, entre as pessoas jurídicas, será, no meu sentir, um desvio de classificação tão manifesto quanto o que, na gramática, denominasse sujeito a um predicado, ou, em história natural, pusesse a borboleta na classe dos pássaros”. (SERPA, apud AZEVEDO, 2002, p. 90). Contudo, do Código Civil, de 10 de janeiro de 2002 (Lei 10.406), o institutoem estudo encontra-se na parte que trata de Direito de Família, nos arts. 1711 a 1722, posto que este trata de proteção não só ao patrimônio, mas á própria família. (AZEVEDO, 2002, p. 92) Na realidade, não há outro lugar, no sistema legislativo, do que o Direito de Família para agasalhar esse instituto, que deve fazer parte do conjunto de normas reguladoras das atividades familiares, com cuidados especiais, para que o Estado intervenha, sempre e de forma categórica, por sua vontade soberana, no tratamento dessa que é a figura jurídica preservadora da própria existência dos indivíduos, em seu grupo mais íntimo, que mais merece a cura do Direito (AZEVEDO, 2002, p. 92). O bem de família se encontra no Livro IV, Titulo II, Subtítulo IV do Código Civil de 2002, e também na Lei 8009/90, que trata de sua impenhorabilidade (AZEVEDO, 2002, pp. 156 e 165), como veremos a seguir. 15 2. Bem de família: Considerações Gerais. 2.1. Definição geral de bem Os homens só se apropriam de objetos que lhes são úteis. Todos os objetos úteis aos homens são bens. Além disso, se o bem for inesgotável, existir em abundância ou for de uso da comunidade, a exemplo da luz do sol e o ar atmosférico, inexiste motivo para sua apropriação. (RODRIGUES, 2002, p.165) Portanto o homem só se apropria de bens úteis e raros, que possuem valor econômico e podem ser objeto de uma relação jurídica (DINIZ, 2010, p. 337). Agostinho Alvim revela que “bens são as coisas materiais ou imateriais que tem valor econômico e que podem servir de objeto a uma relação jurídica.” (ALVIM, apud DINIZ, 2010, p.339). A título de exemplo, podem ser citados como bens imateriais (aqueles não tangíveis) as patentes, direitos autorais, etc. Por outro lado, valores existem que se não corporificam em coisas, mas que, por terem um conteúdo econômico, são objetos de regulamentação por parte do Direito Civil. São os bens incorpóreos, tais como o direito autoral. Silvio Rodrigues chama esses bens suscetíveis de apropriação de “bens econômicos” e dá sua definição: Desse modo, poder-se-iam definir bens econômicos como aquelas coisas que, sendo úteis aos homens, existem em quantidade limitada no universo, ou seja, são bens econômicos as coisas úteis e raras, porque são elas são suscetíveis de apropriação. (RODRIGUES, 2002, p.115-166) No mesmo sentido, nos mostra Serpa Lopes: 16 Sob o nome de coisa, pode ser chamado tudo quanto existe na natureza, exceto a pessoa, mas como bem só é considerada aquela coisa que existe proporcionando ao homem uma utilidade, porém com o requisito essencial de lhe ficar suscetível de apropriação (LOPES, apud VENOSA, 2002, p. 304). Tem-se, portanto que todos os bens são coisas, mas nem todas as coisas são bens. São bens apenas as coisas que forem úteis ao ser humano. De modo que se conclui que coisa é gênero e bem é espécie. (RODRIGUES, 2002, p.166) Coisas é tudo que existe objetivamente, com exclusão do homem [...] Bens são coisas que, por serem úteis e raras, são suscetíveis de apropriação e contêm valor econômico (RODRIGUES, 2002, p.166). Tendo a definição de bens, cabe uma pequena explicação no que diz respeito à classificação pertinente ao objeto estudado. Dentre as várias classificações dos bens, uma que se faz importante citar é aquela referente à patrimonialidade ou não: a de bens patrimoniais que são aqueles que fazem parte do patrimônio da pessoa e não patrimoniais, que não o fazem. A esses podemos chamar bens patrimoniais e àqueles primeiros, bens não patrimoniais, porque uns fazem parte, e outros não do patrimônio da pessoa (RODRIGUES, 2002, p.116). Sabe-se, com um estudo mais aprofundado, que o patrimônio de uma pessoa é formado pelo conjunto de seus bens, conversíveis em dinheiro. Outra classificação de bens é a de bens imóveis. A impenhorabilidade do bem de família se dá a priori, ao imóvel, urbano ou rural da entidade familiar. Silvio Venosa nos dá a diferenciação de bem móvel e bem imóvel: Imóveis são aqueles bens que não podem ser transportados sem perda ou deterioração, enquanto móveis são os que podem ser removidos, sem perda ou diminuição de sua substância, por força própria ou estranha (VENOSA, 2002, p.306). 17 A princípio, o único bem imóvel que existe, do ponto de vista estritamente natural, é o solo, o terreno, uma porção de terra do globo terrestre. O legislador, no entanto, se utilizando do pressuposto de mobilidade acima citado, idealizou uma imobilidade para bens que são materialmente móveis (VENOSA, 2002, p. 307). Os imóveis, edificados ou não, denominam-se prédios [...] são prédios rurais, segundo Clóvis (1980:181), os terrenos situados fora dos limites das cidades, vilas e povoações, destinados à agricultura ou aos campos de criação, ou incultos. São prédios urbanos os situados nos limites das cidades, vilas e povoações, ainda que não cultivados nem edificados. Pouco importará o tipo de construção e a destinação do prédio. (VENOSA, 2002, p.308). Definidos os bens em geral e tendo em mente algumas de suas classificações, passa-se ao estudo do bem de família. 2.2. Conceito de Bem de Família Ensina Maria Helena Diniz, que o bem de família, instituto originário do homestead do Texas, nos Estados Unidos, conforme já visto anteriormente, tem por objetivo assegurar um lar à família, pondo esse bem imóvel ao abrigo de penhoras por débitos posteriores à instituição. (DINIZ, 2004, p. 203). A ideia de proteger o lar familiar se proliferou e encantou juristas em todo o mundo. O bem de família é na visão de Álvaro Villaça Azevedo: [...] é um meio de garantir um asilo à família, tornando-se o imóvel onde a mesma se instala domicilio impenhorável e inalienável, enquanto forem vivos os cônjuges e até que os filhos completem sua maioridade. (AZEVEDO, 2002, p. 93) A Lei 8009/90 trata o bem de família, diferentemente do Código Civil de 2002, como sendo o “imóvel residencial, urbano ou rural, próprio do casal ou da entidade familiar, e/ou móveis da residência, impenhoráveis por determinação legal”. (AZEVEDO, 2002, p. 167). Segundo Silvio de Salvo Venosa, o bem de família é: 18 [...] uma porção de bens que a lei resguarda com características de inalienabilidade e impenhorabilidade, em beneficio da constituição e da permanência de uma moradia para o corpo familiar. (VENOSA, 2002, p.333) Contudo, a essa “impenhorabilidade” há exceções, como o exemplo das penhoras que advém de tributos não quitados relativos ao prédio ou despesas condominiais, uma vez que tais obrigações tem natureza propter rem4, posto que decorrem da titularidade do domínio ou da posse (DINIZ, 2004, p. 204). As demais exceções serão tratadas nos próximos capítulos. 4 propter rem: advém do latim, e numa tradução grosseira, significa “em razão de”. 19 3. Características do bem de família 3.1. Bem Imóvel Como já dito anteriormente, a proteção do bem de família, em um primeiro momento recai sobre um imóvel de propriedade de uma ou mais das pessoas da entidade familiar. Segundo Azevedo: O objeto do bem de família é o imóvel, urbano ou rural, destinado à moradia da família, não importando a forma de constituição desta [...] o legislador ressalta que, é principalmente imóvel residencial próprio ou dafamília” (AZEVEDO,p. 167- 168, 2002). O artigo 70, do Código Civil de 1916, dispôs que o bem de família era instituído pelo chefe família era constituído por um prédio destinado ao domicilio familiar. Já o Código Civil atual, em seu artigo 1712, mostra que o bem de família “consistirá em prédio residencial urbano ou rural, [...] destinando-se em ambos os casos a domicílio familiar”. (AZEVEDO, 2002) A lei 8009/90, que dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família, demonstra em seu primeiro artigo, que a proteção recai, ab initio5, sobre um imóvel: Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei. Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados. No concernente ao parágrafo único, são impenhoráveis o terreno e a construção, com as demais acessões e benfeitorias, mesmo que voluptuárias: 5 ab initio : desde o começo. 20 Inclui, ainda, o legislador de emergência as benfeitorias de qualquer natureza, o que implica em entender que estariam cogitadas todas elas, desde as necessárias, as uteis e até as voluptuárias. Desse modo, por exemplo, uma casa com piscina e aparelhos de sauna. (AZEVEDO, p. 176, 2002) Para Azevedo, o termo “casa” do parágrafo único foi mal utilizado, devendo, em seu lugar, ser usada a palavra “residência”, pois não restaria nenhuma dúvida de que apartamentos, bem como os moveis que o guarnecem, estão protegidos pelo instituto em questão. A respeito do parágrafo único do artigo primeiro da Lei 8009/90, o autor ainda critica o termo “desde que quitado”: Também a expressão “desde que quitados” não é das mais felizes; pois, não sendo os moveis de propriedade de qualquer dos integrantes da família, não podem ser penhorados, por débitos deles; podendo ainda estar sendo adquiridos por eles, em prestações, devendo quita-se, após algum tempo. (AZEVEDO, 2002, p. 177). Contudo, em relatório do REsp nº 554.768/RS o ministro Humberto Gomes de Barros defende que a utilização do termo “desde que quitado” na seguinte hipótese: O legislador pretendeu evitar que o indivíduo incapaz de honrar o pagamento do bem adquirido, realize a compra já antevendo a possibilidade de evitar futura penhora. Assim, evitou a má-fé do devedor. (REsp 554.768 / RS, relator Ministro Humberto Gomes de Barros, 3ª turma, julgado em 13/03/2007 e publicado no DJE em 04/08/2009). Os imóveis rurais são impenhoráveis quando trabalhadas pela família, e de acordo com o inciso XXVI, do artigo 5º da Constituição Federal, não respondem por débitos advindos de suas atividades produtivas. (AZEVEDO, p. 177, 2002) No que se refere ao valor do bem, o art. 1711 do Código Civil , em seu caput, nos mostra que o bem de família (imóvel e valores mobiliários) não pode ter valor superior a “um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição (MONTEIRO, p. 604, 2010). 21 Já a Lei 8009/90 nada diz a respeito do valor do imóvel, apenas que ele deve ser próprio da entidade familiar, e deve servir como residência para a mesma: Contudo, resta evidente que a lei em geral, não procurou defender os economicamente fracos;ao contrário, pôs a salvo de penhora, principalmente bens imóveis (AZEVEDO, 2002, p. 177) O entendimento, de acordo com a lei 8009, não existe um limite de valor para o imóvel, se ele for o único de propriedade da entidade familiar, e sirva de residencia para a mesma6. Contudo, será ressaltado que a lei é mais abrangente, assegurando bens além do imóvel, como veremos a seguir. 3.2. Um único imóvel Como visto anteriormente, o bem de família não é apenas, mas principalmente, um imóvel. Além disso, a impenhorabilidade poderá ser dada a apenas um imóvel, não havendo necessidade de ser o único imóvel da família. No caso de o casal ou a entidade familiar ter vários imóveis que sirvam de residência, é considerado bem de família legal o de menor valor, exceto “se outro tiver sido registrado com essa finalidade, na circunscrição imobiliária”, na forma do art. 1711 e seguintes do Código Civil. (DINIZ, 2004, p. 202). 6 PROCESSUAL CIVIL. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. BEM DE FAMÍLIA. LEI Nº 8.009/09. IMÓVEL DE ELEVADO VALOR. RESTRIÇÕES À GARANTIA DA IMPENHORABILIDADE. INEXISTÊNCIA. 1. A tese desenvolvida com esteio no art. 274 do Código Civil não foi objeto de análise pela instância ordinária, o que configura falta de pré-questionamento e impede o acesso da matéria a este Superior Tribunal de Justiça. Incidência da Súmula 211/STJ. 2. A recorrente pretende afastar o regime protetivo da Lei nº 8.009/90 sob a justificativa de que o único bem imóvel pertencente ao executado, e que serve de morada para sua família, possui valor bastante elevado, caracterizando-se como residência luxuosa de alto padrão - casa situada no bairro do Leblon, Município do Rio de Janeiro/RJ. 3. A Lei nº 8.009/90 não estabelece qualquer restrição à garantia do imóvel como bem de família no que toca a seu valor nem prevê regimes jurídicos diversos em relação à impenhorabilidade, descabendo ao intérprete fazer distinção onde a lei não o fez. 4. Independentemente do elevado valor atribuído ao imóvel pelo Fisco, essa variável não abala a razão preponderante que justifica a garantia de impenhorabilidade concebida pelo legislador: de modo inequívoco, o bem em referência serve à habitação da família. É o bastante para assegurar a incidência do regime da Lei nº 8.009/90. 5. Recurso especial conhecido em parte e não provido.(REsp 1320370 / RJ) 22 Cumpre ressaltar que não se trata do único bem imóvel da família, mais sim do imóvel que é usado como residência. Se a entidade familiar for proprietária de apenas um imóvel residencial, por obvio este imóvel receberá as características de impenhorabilidade da lei 8009/90. Além disso, os móveis que guarnecem o lar, desde que indispensáveis à sobrevivência digna da família, também dispõem de tais características. A lei 8009/90, instituindo o bem de família legal, estabelece, com o intuito de preservar o patrimônio familiar, a impenhorabilidade não só do único imóvel rural ou urbano da família, destinado para moradia permanente, excluindo as casas de campo e a de praia, abrangendo a construção, plantação e benfeitorias, mas também os equipamentos de uso profissional e os móveis que o guarnecem, desde que quitados (DINIZ, 2004, p.202). Outro ponto a ser tratado é da família que reside em imóvel alugado. Neste caso, a impenhorabilidade se refere aos moveis já quitados que guarnecem o lar, uma vez que são pertencentes ao locatário (DINIZ, 2004, p.203). 3.3. Amplitude Em que se pese o disposto no artigo 391 do Código Civil, o qual dispõe que “pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor”, e o artigo 591 do Código de Processo Civil, que dispõe que “o devedor responde para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei”, o bem de família, seja legal ou instituído, pode ser visto como uma exceção ao principio geral do Direito das Obrigações, porfazer parte das referidas “restrições estabelecidas em lei”. (RITONDO, p.21, 2002). O artigo 1712, do Código Civil permite que o bem de família, além de ser constituído por imóvel urbano ou rural, inclua também “suas pertenças e acessórios”: Art. 1.712. O bem de família consistirá em prédio residencial urbano ou rural, com suas pertenças e acessórios, destinando-se em ambos os casos a domicílio familiar, e poderá abranger valores mobiliários, cuja renda será aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família. 23 Devem sempre as pertenças e acessórios, para receber a proteção legal, destinar-se à sobrevivência familiar. Contudo, as “pertenças e acessórios”, mesmo que forem isoladamente móveis, serão consideradas como bem de família voluntário imóvel, uma vez que integram o mesmo prédio (AZEVEDO, 2002, p. 160). A última parte do artigo acima estabelece que de além do prédio, o bem de família pode incluir “valores mobiliários”. No entanto, essa inclusão só será permitida se os rendimentos desses valores forem aplicados na conservação do prédio e no sustento da família. Esses valores não podem existir isoladamente, destinando a finalidade prevista, conforme o artigo 1713 do Código Civil, não excedendo o valor do prédio (AZEVEDO, 2002, p.160). Art. 1.713. Os valores mobiliários, destinados aos fins previstos no artigo antecedente, não poderão exceder o valor do prédio instituído em bem de família, à época de sua instituição. Após essa disposição, seguem três parágrafos, que demonstram não haver dúvida quanto à vontade do legislador de afirmar que valores mobiliários não podem constituir bem de família isoladamente (AZEVEDO, 2002, p.160). O primeiro parágrafo do artigo em referência dispõe que esses valores devem ser pormenorizados no instrumento de constituição: § 1º Deverão os valores mobiliários ser devidamente individualizados no instrumento de instituição do bem de família. Mais uma vez, reforçando a ideia acima, o segundo parágrafo trata da situação em que o instituidor deseja incluir títulos nominativos: § 2º Se tratar de títulos nominativos, a sua instituição como bem de família deverá constar dos respectivos livros de registro. Ou seja, o valor mobiliário deverá constar nos livros de registro juntamente com o imóvel em que é agregado. O terceiro e último parágrafo do art. 1713 do 24 Código Civil estabelece a possibilidade de terceiro, por exemplo, uma instituição financeira, administrar o bem de família, estabelecendo a forma de pagamento da renda aos beneficiários, obedecendo sempre o contrato de deposito: § 3º O instituidor poderá determinar que a administração dos valores mobiliários seja confiada à instituição financeira, bem como disciplinar a forma de pagamento da respectiva renda aos beneficiários, caso em que a responsabilidade dos administradores obedecerá às regras do contrato de depósito. Neste caso, os administradores da instituição financeira são depositários dos valores e bens administrados. Já no tocante à lei 8009/90, o parágrafo único do artigo 1º, expõe que o bem de família, além do imóvel, residencial ou urbano, ”em que se assentam a construção” compreende também “as plantações e as benfeitorias de qualquer natureza, mas também todos os equipamentos, inclusive os destinados ao uso profissional”. (AZEVEDO, p. 176, 2002). 3.1.1. Bens de Uso Profissional A impenhorabilidade dos bens de uso profissional está prevista no parágrafo único do artigo 1º da Lei 8009/90. Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados. (grifou-se) E também no artigo art. 649, V, do Código de Processo Civil: Art. 649 – São absolutamente impenhoráveis: V- os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos e outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício de qualquer profissão; Por equipamentos de uso profissional entende-se “livros, maquinário, utensílios, instrumentos” e ferramentas úteis ao exercício de qualquer profissão, como estabelece também o art. 648, inciso VI do Código do Processo Civil. (AZEVEDO, p. 176, 2002) 25 Os equipamentos de uso profissional mencionados na regra são aqueles que guarnecem a casa, por exemplo, computador para o advogado, o fogão industrial para o chefe de cozinha, etc. O Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos, na Apelação Cível nº 70011593233, no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, entendeu, em uma Execução de Alimentos, que não poderia ser oposta a utilização do bem em exercício profissional, uma vez que essa (prestações alimentícias) se encontra nas exceções do artigo 3º da lei 8009/90: APELAÇÃO CÍVEL. ALIMENTOS. EMBARGOS Á EXECUÇÃO. ALEGAÇÃO DE IMPOSSIBILIDADE DE PAGAMENTO E DESNECESSIDADE DA PENSÃO POR PARTE DOS EXEQÜENTES MAIORES. 1. As alegações de impossibilidade de pagamento e de desnecessidade da verba não têm cabimento no âmbito dos embargos à execução, vez que não elencadas no art. 741 do CPC. 2. Pagamento se comprova mediante recibo, inexistente aqui. 3. A impenhorabilidade do bem utilizado no exercício da profissão não pode ser oposta em execução alimentar. Inteligência do art. 3º, inc. III, da Lei 8.009/90. 4. A alegada ausência de citação no processo de conhecimento resultou absolutamente desprovida de prova. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME. Todavia, o desembargador mudou seu posicionamento, em relatório do Agravo de Instrumento nº 70050747849, de modo que comprovado que o veiculo é um bem de uso profissional, ele não pode ser penhorado, mediante vedação expressa do art. 649, V, do Código de Processo Civil. Isto porque, revendo posicionamento que adotei quando do julgamento da apelação cível nº 70011593233, entendo que, uma vez demonstrado inequivocamente que o veículo penhorado é utilizado para o exercício da atividade profissional do agravado, não pode ser submetido à constrição, ante a vedação expressa no disposto no art. 649, V, do CPC. (AI nº 70050747849/ RS) 26 4. Espécies de bem de família Cumpre destacar que o bem de família pode ser de duas espécies: bem de família legal e bem de família convencional (ou voluntário). O bem de família legal que é aquele que ocorre por imposição do Estado, que advém de ordem pública não se fazendo necessária qualquer manifestação de vontade por parte dos integrantes da entidade familiar para sua constituição, bastando que cumpra os requisitos da lei especifica, ou seja, da Lei 8009/90. Já o bem de família convencional (ou voluntário) que é aquele instituído por meio de escritura pública e por vontade das partes, tratada principalmente nos artigos 1711 e seguintes do Código Civil de 2002. 4.1. Bem de família convencional Enquanto o bem de família intitulado legal advém de legislação específica mais precisamente a Lei 8009/90, o bem de família convencional, também conhecido como bem de família voluntário, se encontra disciplinado no Código Civil atual. O artigo 1711 do dispositivo legal supracitado diz: Art. 1.711. Podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento, destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição, mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial. Há, portanto duas formas de constituir o bem de família voluntário:uma é por escritura pública e a outra por testamento, desde que não ultrapasse um terço do patrimônio liquido existente, permanecendo as regras sobre a impenhorabilidade da lei 8009 de 1990 (AZEVEDO, 2002, p. 159). Sobre o bem de família instituído por testamento, nos mostra Maria Helena Diniz: 27 Se os cônjuges ou companheiro o instituírem por testamento, com o óbito, os filhos ficarão beneficiados com a herança, mas os credores dos falecidos poderão habilitar-se no inventário para receber o crédito, anterior a instituição a bem de família, que só de deu com a abertura da sucessão e não por ocasião da efetivação daquele testamento. Por isso, mais conveniente será que a instituição do bem de família se de por escritura pública. Com isso, o patrimônio do instituidor, apesar de desfalcado do objeto do bem de família, que ficará isento de execução, deverá ter condições de assegurar a satisfação integral de todas as dividas do instituidor (DINIZ, 2004, p. 204). A mesma posição, que entende que o bem de família instituído por testamento é menos vantajoso é adotada por Álvaro Villaça de Azevedo: Admitamos que, por testamento, os cônjuges ou os conviventes destinam parte de seu patrimônio a servir como bem de família; falecendo os testadores, além de restarem beneficiados seus filhos com a herança, com esta protegidos, nada impede que aos credores dos falecidos de habilitar seus créditos no inventário destes, pois serão sempre anteriores à constituição que por testamento só se concretiza a partir do falecimento. Realmente os efeitos do negocio jurídico, realizado por testamento, começam a fluir depois da abertura sucessória. Melhor seria que o artigo citado mencionasse, tão-só, a constituição do bem de família pelos cônjuges ou pela entidade familiar, por meio de escritura pública, a qualquer tempo (AZEVEDO, 2002, p.159). Percebe-se, portanto, que o bem de família convencional (ou voluntário) instituído por escritura pública é mais vantajoso, posto que protegerá o bem desde o registro da escritura, e não somente com a abertura da sucessão, como ocorreria com o bem de família instituído por testamento. Nesse ponto do estudo, se faz oportuno mostrar quem tem legitimidade para instituir o bem de família. Ainda analisando o art. 1711, Maria Helena Diniz ensina: Somente pessoas casadas conviventes ou integrante-chefe da família monoparental poderão constituir bem de família. A sua instituição competirá, por exemplo, ao marido e à mulher, tendo-se em vista que, em certas hipóteses, um deles poderá estar na chefia, se for viúvo ou se assumiu a direção da família sozinho, ante o fato 28 de o outro estar preso, ter sido declarado ausente ou ter sofrido processo de interdição. Logo, pessoa solteira, sem prole, mesmo que viva em concubinato, tutor ou curador ou avô não poderão instituir bem de família. Mas há decisão entendendo que solteiro ou dois irmãos solteiros que residam no mesmo imóvel têm direito de instituir bem de família, pois o solteiro pode constituir família e os irmãos podem ser tidos como entidade familiar (DINIZ, 2006, p. 1400) Álvaro Villaça de Azevedo, contudo, discorda da opinião acima citada, e assevera que: Entendo diferentemente desse posicionamento contrário à proteção do solteiro ou do que vive solitariamente. Eles não podem ser excluídos da proteção da lei, porque cada pessoa, ainda que vivendo sozinha, deve ser considerada como família, em sentido mais estrito, já que o homem, fora da sociedade deve buscar um ninho, um lar, para proteger-se das violências, das agruras e dos revezes que existem na sociedade. (AZEVEDO, 2002, p. 173-174). Já o parágrafo único do art. 1711 do Código Civil mostra a possibilidade de terceiro instituir o bem de família: Parágrafo único. O terceiro poderá igualmente instituir bem de família por testamento ou doação, dependendo a eficácia do ato da aceitação expressa de ambos os cônjuges beneficiados ou da entidade familiar beneficiada. Silvio de Salvo Venosa, em sua obra, numa comparação do Código Civil de 1916 com o Código Civil de 2002, doutrina a respeito da instituição do bem de família por terceiro: Não pode também instituí-lo o avô, pois com o casamento é criada uma nova família. É essa a intenção da lei. Desse modo, um terceiro não pode instituir o bem de família. O novo Código Civil autoriza terceiro a fazer tal instituição, por testamento ou doação, com aceitação expressa dos cônjuges beneficiados [...] Nesse caso, como terceiro, o avô pode fazer a instituição, desde que o faça com os próprios bens (VENOSA, 2002, p. 340). Álvaro Villaça Azevedo, no entanto, se manifesta no sentido de demonstrar que, apesar de abrir a possibilidade de terceiro instituir o bem de família, a lei nada 29 mencionou no que concerne à reserva da propriedade do imóvel ao instituidor, no caso de extinção do bem de família, uma vez que não pode se aplicar o art. 547 do Código Civil, uma vez que as causas de extinção do bem de família são distintas. (AZEVEDO, 2002, p. 160) Existiam, antes, diversas opiniões a respeito da possibilidade da mulher casada constituir o bem de família, conforme disposto no art. 251 do Código Civil de 1916. Segundo o doutrinador Agostinho Alvim: Pensamos que não. Estabelecer bem de família é útil, mas não necessário. Não seria prudente que a mulher o fizesse nesse período anormal e temporário pelo qual o casal está passando (ALVIM, apud AZEVEDO, 2002, p. 94). Já Álvaro Villaça Azevedo discorda da opinião acima, uma vez que o art. 70 do Código Civil de 1916 afirmava que o chefe de família poderia instituir o instituto ora tratado, não distinguindo sexo: A lei não estabelecia qualquer óbice a essa chefia, mesmo que provisória; pelo contrário, o art. 251 do Código Civil, especificando os casos em que a mulher assumia a direção e a administração do patrimônio familiar, outorgava-lhe até o poder de “alienar os imóveis comuns e os do marido, mediante autorização especial do juiz (inciso IV) (AZEVEDO, 2002, p. 95). No que concerne a esse assunto, Silvio Venosa, num estudo comparado do Código Civil de 1916 e do Código Civil atual nos leciona: No entanto, perante a igualdade de direito dos cônjuges atribuída pela Constituição, há que se atribuir legitimidade a ambos os cônjuges para a instituição. Esse é o sentido do novo Código também (VENOSA, 2002, p.339). 30 Vemos, portanto, que no ordenamento jurídico atual, esse questionamento não tem razão de ser, uma vez que cada vez mais as mulheres vêm assumindo a chefia da família. Além do mais, o art. 5, inciso I, da Lei Maior mostra: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; Conforme o tempo, a sociedade muda, e ao mudar, o direito deve acompanhar. Conforme afirmação de José Afonso da Silva: Importa mesmo é notar que é uma regra que resume décadas de lutas das mulheres contra discriminações [...] Aqui a igualdade não é apenas marido e mulher. Não se trata apenas da igualdade no lar e na família. Abrange também essa situação, que, no entanto, recebeu formulação especifica no art. 226, §5º [...] Vale dizer: nenhum pode mais ser considerado cabeça do casal, ficando revogados todos os dispositivos da legislação ordinária que outorgava primazia ao homem.” (SILVA, 2010, p. 217). A igualdade entre os cônjuges, além de ser incluído na igualdade entre os sexos, se encontra em outra parte, conforme demonstrou o doutrinador supracitado, dessa vez, mais especificada, no art. 226 da Carta Magna, em seu parágrafo 5º:Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. Desaparece, assim, o poder marital, a posição de superioridade do homem perante a mulher, não existindo mais a pessoa do chefe de família. Em contrapartida, a igualdade também de estende às obrigações, tais como o sustento dos filhos e prestar alimentos se o marido necessitar. Segundo Maria Helena Diniz: Com este princípio desaparece o poder marital, e a autocracia do chefe de família é substituída por um sistema em que as decisões devem ser tomadas de comum acordo entre conviventes ou entre marido e mulher, pois os tempos atuais requerem que marido e mulher tenham os mesmos direitos e deveres referentes à sociedade 31 conjugal. O patriarcalismo não mais se coaduna com a época atual, nem atende aos anseios do povo brasileiro; por isso juridicamente, o poder de família é substituído pela autoridade conjunta e indivisiva, não mais se justificando a submissão legal da mulher. Há uma equivalência de papéis, de modo que a responsabilidade pela família passa a ser dividida igualmente entre o casal. (DINIZ, 2004, p. 19). Com o tempo a figura do pater famílias foi alterando e diminuindo de modo que ambos os cônjuges tem igual importância na condução do lar. Hoje a instituição do bem de família pode ser feita pelos cônjuges (ou entidade familiar), pelo separado, pelo divorciado judicialmente ou de fato pelo viúvo ou viúva, pelo solteiro e por terceiros, conforme o caso, com seus bens particulares. O estado de solvência do instituidor é requisito essencial para a instituição do bem de família, não se anulando mesmo que apareça título de divida anterior, se a esse tempo não era insolvente o instituidor (DINIZ, 2004, p.204). O bem de família pode ser instituído pelos cônjuges ou companheiros e pelos separados e divorciados que detiver a guarda dos filhos menores ou incapazes. (AZEVEDO, 2002, p.94) O artigo 1714 do Código Civil estabelece que o bem de família, seja ele instituído pelos cônjuges (abrangendo também a entidade familiar, apesar de não constar no dispositivo) ou por terceiro, deverá ser incluso no Registro de Imóveis (AZEVEDO, 2002, p.161): Art. 1.714. O bem de família quer instituído pelos cônjuges ou por terceiro, constitui-se pelo registro de seu título no Registro de Imóveis. Essa norma procedimental consta também no artigo 261 da Lei 6.015/73, a Lei de Registros Públicos: Art. 261. Para a inscrição do bem de família, o instituidor apresentará ao oficial do registro a escritura pública de instituição, para que mande publicá-la na imprensa local e, à falta, na da Capital do Estado ou do Território. 32 Por sua vez, o artigo 1715 do Código Civil, ainda tratando do bem de família convencional, demonstra que a isenção da execução se faz apenas por dívidas posteriores a sua instituição: Art. 1.715. O bem de família é isento de execução por dívidas posteriores à sua instituição, salvo as que provierem de tributos relativos ao prédio, ou de despesas de condomínio. Ressalva, contudo, que além das dividas provenientes de tributos do prédio, a isenção também não se aplica ainda as despesas de condomínio, uma vez que essa tem natureza propter rem, sendo considerada benfeitoria, e não pode deixar de ser liquidada. Essa despesa é benfeitoria, quando aprovada pela assembleia de condomínios, não podendo deixar de ser paga, sob pena de execução do bem que a gerou, ainda que seja bem de família. Essa exceção é inevitável, para todos os condôminos, sob pena de um lucupleta-se à custa do outro (AZEVEDO, 2002, p.161). O parágrafo único do art. 1715 do Código Civil assevera que, na ocasião de execução das dividas citadas, o eventual saldo será aplicado em outro imóvel, a título de bem de família. Parágrafo único. No caso de execução pelas dívidas referidas neste artigo, o saldo existente será aplicado em outro prédio, como bem de família, ou em títulos da dívida pública, para sustento familiar, salvo se motivos relevantes aconselharem outra solução, a critério do juiz. O parágrafo único cita a possibilidade de o saldo ser aplicado em títulos da dívida pública, voltadas para o sustento da família. Mostra ainda que o juiz, a seu critério, mediante motivos relevantes, pode dar outra solução para que haja maior proveito por parte dos beneficiários (AZEVEDO, 2002, p.161). Entendo da grande valia essa participação do juiz, porque no mais das vezes, a aplicação desse saldo, como determinado pela lei, pode não corresponder à verdadeira defesa da família, que é, realmente, o escopo maior do instituto sob estudo (AZEVEDO, 2002, p. 161). 33 O artigo 1716 do Código Civil, completando o anterior, dispõe sobre a duração do bem de família: Art. 1.716. A isenção de que trata o artigo antecedente durará enquanto viver um dos cônjuges, ou, na falta destes, até que os filhos completem a maioridade. Os bens de família não podem ser alienados sem o consentimento dos interessados, ou de seus representantes, ouvido o Ministério Público, como disciplina o art. 1717 do Código Civil: Art. 1.717. O prédio e os valores mobiliários, constituídos como bem da família, não podem ter destino diverso do previsto no art. 1.712 ou serem alienados sem o consentimento dos interessados e seus representantes legais, ouvido o Ministério Público. Existe, contudo, o entendimento doutrinário de que a última parte do artigo acima, a qual assevera que a alienação do bem de família pode ser feito sem autorização judicial, deveria ser retirado, pois não representa a melhor solução. Uma vez que o artigo 1719 do Código Civil exige a autorização judicial para a extinção ou sub-rogação do bem de família, e a alienação implica em extinção do instituto, essa também deveria ser realizada mediante autorização judicial (DINIZ, 2004, p.205-206). O artigo 1718 do Código Civil disciplina que em caso de falência da entidade financeira administradora, disposta no parágrafo terceiro do artigo 1713 do Código Civil, a liquidação não poderá atingir o bem de família por ela administrado: Art. 1.713. Os valores mobiliários, destinados aos fins previstos no artigo antecedente, não poderão exceder o valor do prédio instituído em bem de família, à época de sua instituição. 34 § 3º O instituidor poderá determinar que a administração dos valores mobiliários seja confiada à instituição financeira, bem como disciplinar a forma de pagamento da respectiva renda aos beneficiários, caso em que a responsabilidade dos administradores obedecerá às regras do contrato de depósito. [...] Art. 1.718. Qualquer forma de liquidação da entidade administradora, a que se refere o § 3o do art. 1.713, não atingirá os valores a ela confiados, ordenando o juiz a sua transferência para outra instituição semelhante, obedecendo-se, no caso de falência, ao disposto sobre pedido de restituição. Deverão esses valores, mediante ordem judicial, ser transferidos a entidades semelhantes e “no caso de falência dessa empresa os bens a ele confiados devem ser objeto de pedido de restituição” (AZEVEDO, 2002, p.162). Na hipótese da impossibilidade de manutenção do bem de família, poderá ele ser extinto, com autorização judicial para, por exemplo, pagar despesas de internação em UTI (DINIZ, 2004, p. 206). Art. 1.719. Comprovada a impossibilidade da manutenção do bem de família nas condições em que foi instituído, poderá o juiz, a requerimento dos interessados, extingui-lo ou autorizar a sub- rogação dosbens que o constituem em outros, ouvidos o instituidor e o Ministério Público. Pode, sempre mediante autorização judicial, sub-rogar os bens que o constituem em outros, ouvidos o Ministério Público e o instituidor. O artigo 1720 do Código Civil ajusta a administração do bem de família a ambos os cônjuges, incluídos ai igualmente os conviventes. Deve o juiz resolver, em caso de divergência entre eles (AZEVEDO, 2002, p. 162). Art. 1.720. Salvo disposição em contrário do ato de instituição, a administração do bem de família compete a ambos os cônjuges, resolvendo o juiz em caso de divergência. Parágrafo único. Com o falecimento de ambos os cônjuges, a administração passará ao filho mais velho, se for maior, e, do contrário, a seu tutor. 35 Entretanto, essa disposição não é de ordem pública, posto que existe a possibilidade de se dispor ao contrário, na ocasião da instituição. O parágrafo afirma que com o falecimento de ambos os cônjuges, a decisão deve ser tomada pelo filho mais velho, e se esse ainda for menor de idade, a responsabilidade passa a ser de seu tutor (AZEVEDO, 2002, p.162). O artigo 1721 do Código Civil, como complemento do artigo 1716 do referido diploma legal, mostra que a dissolução da sociedade conjugal não extingue o bem de família, uma vez que essa durará enquanto for vivo um dos cônjuges/conviventes e, na falta deles, até os filhos completarem a maioridade (AZEVEDO, 2002, p.162). Art. 1.721. A dissolução da sociedade conjugal não extingue o bem de família. Parágrafo único. Dissolvida a sociedade conjugal pela morte de um dos cônjuges, o sobrevivente poderá pedir a extinção do bem de família, se for o único bem do casal. No caso de todos os filhos completarem a maioridade, mas algum deles estiver sujeito à curatela, o instituto deverá persistir. Art. 1.722. Extingue-se, igualmente, o bem de família com a morte de ambos os cônjuges e a maioridade dos filhos, desde que não sujeitos a curatela. No caso de falecimento de apenas um dos cônjuges ou conviventes, o bem de família não será extinto, não podendo ser objeto de inventário, enquanto o cônjuge/convivente supérstite nele permanecer. Falecidos os instituidores e não mais residindo no prédio constituído como bem de família o filho menor de idade, tal prédio deverá ser partilhado (DINIZ, 2004, p.206). Nas palavras de Maria Helena Diniz: O Código Civil procurou disciplinar o bem de família de modo a torna- lo suscetível de realizar, com efetividade, a sua função social, conjugando a destinação de um imóvel para a residência familiar 36 com uma reserva de recursos para fins de manutenção, inclusive mediante intervenção de entidade financeira (DINIZ, 2004, p 207). O bem de família convencional recebe algumas criticas, pois apenas as famílias mais abastadas poderiam arcar com o custo do registro do instituto, e que embora bem detalhado, tem uma efetivação muito complexa, além da paralisação patrimonial que não poderia ser suportado pelas entidades familiares menos favorecidas economicamente. Essa problemática é resolvida pela Lei 8009/90, a qual, além de dispor sobre a impenhorabilidade do bem de família, criou outra espécie: o bem de família legal. 4.2. Bem de família legal A Lei 8009/90 de 29 de março de 1990 dispôs sobra a impenhorabilidade do bem de família, que inclui o imóvel residencial e os móveis em algumas circunstâncias e instituiu o chamado bem de família legal, quer é feito por imposição do Estado. No Código Civil de 1916, em seu art. 70, nos mostrava: Art. 70. É permitido aos chefes de família destinar um prédio para domicílio desta, com a cláusula de ficar isento de execução por dívidas, salvo as que provierem de impostos relativos ao mesmo prédio. Parágrafo único. Essa isenção durará enquanto viverem os cônjuges e até que os filhos completem sua maioridade. Porém, com a Lei 8009/90, logo em seu art. 1º, nos mostra: Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei. Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados. 37 Entende-se que o imóvel utilizado pelo casal, ou entidade familiar, como domicilio, é impenhorável, não necessitando de escritura pública que o declare manifestamente bem de família por manifestação de vontade das partes. Deste modo, o bem de família legal, baseado em norma de ordem pública, goza de proteção patrimonial, abrangendo todas as famílias que possua imóvel (eis). Segundo Venosa: A lei 8009/90, com todas as suas falhas, foi evidentemente muito mais avançada, fazendo com que a impenhorabilidade do imóvel de moradia decorra imperativamente da lei, independendo da vontade do titular do direito [...] Como visto, essa lei que institui sobre o bem de família por imperativo legal, desestimula e suprime utilidade para a instituição voluntária, custosa e procedimental (VENOSA, 2002, p.347). Com essa disposição da lei sobre a impenhorabilidade do bem de família, faz o bem de família convencional (ou voluntário) perder muito de sua utilidade, uma vez que esse processo é custoso, como veremos a seguir. (MONTEIRO, 2010, p.607) Estado tem a obrigação de dar amparo e proteção à família, vez que ela é o alicerce da sociedade conforme dispõe o artigo 226 da Constituição Federal: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”. Apesar de o bem de família legal ter quase que tirado a utilidade do bem de família voluntário (convencional) de que trata o Código Civil de 2002, este ainda se faz útil para as entidades familiares que possuem vários bens e tem o objetivo de manter parte do patrimônio familiar, ao abrigo de penhoras de alguns tipos de débito. 4.2.1. Bem de família retratado na lei 8009/90 Diferentemente do descrito no Código Civil, o bem de família retratado na lei 8009, de 29 de março de 1990 é o bem de família legal, aquele que advêm da lei, criado por ordem publica. Em seu artigo primeiro, demonstra alguns requisitos a serem cumpridos: 38 Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei. Para um bem ser considerado bem de família, e ser objeto da impenhorabilidade que trata a lei é necessário ser “imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar”, ou seja, ser propriedade de, pelo menos, uma pessoa integrante da entidade familiar. Entende-se por entidade familiar tanto os cônjuges, quanto a união estável e inclusive a comunidade formada por um dos pais e os filhos. Não cabe a lei encolher o modo de constituir família, uma vez que é uma instituição social, de nascimento espontâneo. Para Álvaro Villaça Azevedo: Um dos requisitos a que se constitua o bem de família esse mesmo imóvel é que deve ser propriedade do casal, ou da entidade familiar, diz o dispositivo legal sob estudo. Todavia, nada impede que esse imóvel seja de propriedade de um dos cônjuges, se, por exemplo, não foremcasados pelo regime de comunhão de bens. O mesmo pode acontecer com um casal de conviventes, na união estável ou com integrantes de outra entidade familiar, sendo um só deles proprietário do imóvel residencial em que vivem. Basta, assim, que um dos integrantes do lar seja proprietário do imóvel residencial em que vivem (AZEVEDO, 2002, p. 169). Destaque-se, neste momento, que o direito à impenhorabilidade do único bem imóvel da “entidade familiar” se estende aos casais que mantém união estável homoafetiva, como resta demonstrado na decisão a seguir: Bem de família. Art. Iº da Lei 8.009, de 1.990. Interpretação teleológica. Benefício deferido ao devedor solteiro. Norma que não excepciona nenhum devedor, colhendo todos, seja solteiro, casado, concubinato, em união estável, heterossexual ou homoafetiva. A lei é a mesma para todos; todos são iguais perante ela. Arts. 5º, "caput", e 6º da Constituição Federal. Direito social. Direito à moradia. Direito natural que deve ser preservado com a exclusão da interpretação restritiva para colher tão só o devedor casado, em afronta à interpretação teleológica do seu art. 1º. Benefício mantido. Contrato bancário. Lei 8.009, de 1.990. Comissão de permanência. Súmulas 39 294 e 296, expedidas pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça. Limitação aos juros remuneratórios fixados no contrato firmado pelas partes, a época. Multa. Fixação em 10% em afronta ao disposto no art. 52, § 1º, com a limitação em 2%.Recurso de apelação a que se nega provimento. (TJSP, AC 991070582883, Rel. Mauro Conti Machado, j. 30/06/2010). Deste modo, todas as entidades familiares ficam asseguradas pelo instituto em estudo, uma vez que são todos iguais perante a lei. Portanto, as palavras “casal” e “entidade familiar” devem ser interpretadas no sentido social da norma, incluindo pessoas ligadas por laços sanguíneos, casamento, união estável (inclusive aquela que envolve pessoas do mesmo sexo, aqui chamadas de “união estável homoafetiva”) ou descendência, incluídos nesse âmbito, a pessoa solteira, irmãos que moram juntos, um dos pais e os filhos, entre outros. (AZEVEDO, 2002, p. 174-175). Assim, o instituto estará “protegendo a família, seja ela matrimonializada ou oriunda de união estável, bi parental ou monoparental, estará o Estado tutelando o ser humano, garantindo-lhe dignidade e permitindo-lhe um total desenvolvimento pessoal” (VANCONCELOS, p. 95). Contudo, não basta a propriedade. Para que receber o beneficio da impenhorabilidade é necessário que a família resida no imóvel. Segundo Azevedo: O imóvel é residencial quando servir de local em que se estabeleça uma família, centralizando suas atividades. Ele é, propriamente, o domicílio familiar, em que existe a residência de seus integrantes, em um lugar (elemento objetivo) e o ânimo de permanecer (elemento subjetivo), de estar nesse local em caráter definitivo. (AZEVEDO, 2002, p. 171). Sobre esse requisito, há certas particularidades. O Superior Tribunal de Justiça decidiu que é impenhorável o imóvel do devedor que, apesar de não residir no único imóvel, deu a sua genitora o usufruto do bem: PROCESSO CIVIL. DIREITO CIVIL. EXECUÇÃO. LEI 8.009/90. PENHORA DE BEM DE FAMÍLIA. DEVEDOR NÃO RESIDENTE EM VIRTUDE DE USUFRUTO VITALÍCIO DO IMÓVEL EM BENEFÍCIO DE SUA GENITORA. DIREITO À MORADIA COMO DIREITO FUNDAMENTAL. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ESTATUTO 40 DO IDOSO. IMPENHORABILIDADE DO IMÓVEL. 1. A Lei 8.009/1990 institui a impenhorabilidade do bem de família como um dos instrumentos de tutela do direito constitucional fundamental à moradia e, portanto, indispensável à composição de um mínimo existencial para vida digna, sendo certo que o princípio da dignidade da pessoa humana constitui-se em um dos baluartes da República Federativa do Brasil (art. 1º da CF/1988), razão pela qual deve nortear a exegese das normas jurídicas, mormente aquelas relacionadas a direito fundamental. 2. A Carta Política, no capítulo VII, intitulado "Da Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso", preconizou especial proteção ao idoso, incumbindo desse mister a sociedade, o Estado e a própria família, o que foi regulamentado pela Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), que consagra ao idoso a condição de sujeito de todos os direitos fundamentais, conferindo-lhe expectativa de moradia digna no seio da família natural, e situando o idoso, por conseguinte, como parte integrante dessa família. 3. O caso sob análise encarta a peculiaridade de a genitora do proprietário residir no imóvel, na condição de usufrutuária vitalícia, e aquele, por tal razão, habita com sua família imóvel alugado. Forçoso concluir, então, que a Constituição Federal alçou o direito à moradia à condição de desdobramento da própria dignidade humana, razão pela qual, quer por considerar que a genitora do recorrido é membro dessa entidade familiar, quer por vislumbrar que o amparo à mãe idosa é razão mais do que suficiente para justificar o fato de que o nu-proprietário habita imóvel alugado com sua família direta, ressoa estreme de dúvidas que o seu único bem imóvel faz jus à proteção conferida pela Lei 8.009/1990. 4. Ademais, no caso ora sob análise, o Tribunal de origem, com ampla cognição fático-probatória, entendeu pela impenhorabilidade do bem litigioso, consignando a inexistência de propriedade sobre outros imóveis. Infirmar tal decisão implicaria o revolvimento de fatos e provas, o que é defeso a esta Corte ante o teor da Súmula 7 do STJ. 5. Recurso especial não provido. (REsp 950663 / SC RECURSO ESPECIAL 2007/0106323-9 Relator (a) Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO (1140) Órgão Julgador QUARTA TURMA Data do Julgamento 10/04/2012 Data da Publicação/Fonte DJe 23/04/2012) O bem de família, para Silvo Venosa foi instituído com o intuído de assegurar a moradia da família, e nada mais. No caso do imóvel for usado como fonte de renda, sendo, por exemplo, alugado, mesmo que dele se obtenha a verba utilizada para alimentação, ele não está assegurado com a impenhorabilidade de trata a lei 8009/90: O instituto não foi criado nem para dar garantia real à família, nem para fornecer alimentos, mas exclusivamente para garantir a moradia. Se for alterado o destino, perde a eficácia a instituição devendo ser desconsiderada pelos devedores. Isso se aplica também ao bem de família. (VENOSA, 2002, p.341) 41 Contudo, o STJ teve uma interpretação diferente do doutrinador, e a esse respeito, criou uma súmula, afirmando que não há a necessidade de o proprietário residir no imóvel, uma vez que a renda obtida através da locação do mesmo for utilizada em favor de subsistência e/ou moradia da família do mesmo. É o que diz a Sumula 486 do Superior Tribunal de Justiça: Súmula 486. É impenhorável o único imóvel residencial do devedor que esteja locado a terceiros, desde que a renda obtida com a locação seja revertida para a subsistência ou a moradia da sua família. Ocorreu, portanto uma atenuação do rigor quanto à finalidade específica do bem de família. Sobre essa questão Washington de Barros Monteiro nos mostra que: a) não se desvirtua a destinação do bem de família se seus rendimentos visam o pagamento do aluguel de outro imóvel, onde mora a família, já que a razão do instituto não é proteger o patrimônio, mas, sim, a família; assegurada sua destinação legal de servir de domicilio, pode o bem de família ser em parte, arrendado; b) a finalidade do bem de família é servir de residência à família, mas a alegação de se haver desviado o destino legal não invalida a instituição e só os beneficiários poderão reclamar contra aquele desvio; c) mudança de residência e necessidade de partilha não justificam o cancelamento do bem
Compartilhar