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Texto 3a COULON, A A Escola de Chicago 1

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2
A IMIGRAÇÃO E AS RELAÇÔES ÉTNICAS
A questão da integração e da assimilação dos imigrantes aos
Estados Unidos, evidentemente, foi central em um país constituído
aos poucos sobre vários sedimentos migratórios, particularmente
importantes ao longo do século XIX e nas duas primeiras décadas
do século XX, durante as quais instaurou-se um intenso debate
político sobre a questão da americanização dos imigrantes anti~os,
por um lado, e sobre a oportunidade de se continuar autorizando.
um fluxo migratório importante, por outro lado. Segundo Stow
.Persons,' os "pesquisadores de Chicago identificaram-se con-í a 'ala
do '1~10vimento progressista' que acreditava na capacidade da
; sociedade americana para assimilar suas minorias étnicas. Seus
trabalhos representaram ao mesmo tempo o ponto culminante da
~.'
1. S. Persons, Etbnic studies tn Chicago. 1900-45. Urbana, Uníversiry of Illinois Press,
1987, 160 pp.
29
r FI' , J' g g -..'1' , 2
i
tradição assimilacionista e as primeiras tentativas feitas pelos pes-
quisadores de circunscrever os limites dessa tradição" (p. 78).
É sem dúvida a este interesse da sociologia de Chicago pela
questão da assimilação dos imigrantes que se deve a existência de
vários dos grandes conceitos da sociologia americana, entre os
quais a desorganização social, a ~f.inição da situação, a margina-
lidade, a aculturação. Tais conceitos.Itesenvolvidos principalmente
nos trabalhos de Thomas e Znaniecki, p6r um lado, e nos de Park
e Burgesspelo outro, balizararn a teoria da assimilação, que foi
_r~dâ' por um grande número de seus alunos. São esses
conceitos, de grande fecundidade, que exporemos a seguir.
Atitudes individuais e valores sociais
Thornas introduziu o conceito de atitude já em 1907/ mas só
o desenvolveu alguns anos depois, eni-;~:-;;tudo sobre o campo-
nês polonês.
Segundo Thomas e Znaniecki, a análise sociológica deve
levar em conta ao mesmo tempo os valores sociais, que são "os
elementos culturais objetivos da vida social", e as atitudes, que são
"as características subjetivas dos indivíduos do grupo social consi-
derado" (p. 21). A atitude é um conjunto de idéias e emoções que
se transforma em uma disposição permanente em um indivíduo e
lhe permite agir de maneira estereotipada. Pode ser definida como
o processo da consciência individual que determina a atividade
real ou potencial do indivíduo no mundo social. A atitude é a
contra partida do indivíduo aos valores sociais, e toda atividade
humana estabelece um elo entre esses dois elementos. (p. 22)
2. W. Thomas, Scx and society. Studies irt lhe social psycbology of sex, Chicago, University
of Chicago Press, 1907,326 pp.
30
Ao contrário de Durkheim, que considerava que s6 era
preciso explicar os fenômenos sociais pela influência de outros
fenômenos sociais e não pela intervenção do nível individual,
. Thomas e Znaniecki afirmavam que um fato social é uma combi-
! nação íntima dos valores coletivos e das atitudes índívíduais.' É de
fato necessário ser capaz de dar conta da natureza subjetiva das
interações sociais e os fenômenos sociais não podem ser conside-
rados como se fossem fenômenos físicos:
o efeito de um fenômeno físico depende unicamente da natureza
objetiva desse fenômeno e pode ser calculado com base em seu
conteúdo empírico, ao passo que o efeito de um fenômeno social
depende do ponto de vista subjetivo do indivíduo ou do grupo e
s6 pode ser calculado se conhecermos não apenas o conteúdo
objetivo de sua suposta causa, mas também o significado que tem
para os seres conscientes considerados... Uma causa social é
complexa e deve incluir ao mesmo tempo elementos objetivos e
subjetivos, valores e atitudes. 0918, p. 38)
o fato de levar em conta, no processo causal; o significado
da ação para os indivíduos é fundamental em Thomas, mas veio a_
ser também uma característica do conjunto da Escola de Chicago.
Desse modo, a análise do social torna-se holística:
Ao estudar a sociedade, partimos do contexto social global para
chegar ao problema; ao estudar um problema, partimos deste para
. ir em direção ao seu contexto global. (p, 19)
o elo entre OS dois elementos fundadores do fato social -
valores e atitudes - será estabelecido, por exemplo, pelos "quay~
t 3. Sobre a história da noção de atitude e de sua importância na sociologia americana,pode-se consultar D. Fleming, "Attítude: The hístory of a concept", em Perspecttves tn
american bistory, Cambrídge, Mass., Charles Warren Center for Studies in Amerícan
History, 1, 1967, pp. 287-365.
i
31
desejos" que, segundo Thomas, existem em todos os indivíduos: a
experiência nova, a segurança, a resposta e o reconhecimento.
A colocação em evidência da existência de atitudes indivi-
duais e valores sociais permitiu, além do mais, pensar a fundação
de ~uas~iplinas diferentes: a psicologia social seria a ciência das
"atitud~s", aÓ passo que a sociologia seria a dos "valores sociais",
em especial os que se manifestam nas regras de comportamento
dos indivíduos, que, tomados em conjunto, constituem a "organi-
zação social" de todo grupo social (pp. 32-33).
o conceito de "atitude" desenvolvido em 77.Jepolish peasant
teve um papel particularmente importante no estudo dos fenôme-
nos ligados à imigração, na compreensão e na explicação dos
problemas dos imigrantes, essencialmente ligados, tal C0n10 se diria
hoje, a um brutal transplante cultural e à descoberta de novas
regras econômicas de vida, individual ou coletiva. Esse conceito
permitiu que se opusesse uma teoria sociológica séria às idéias
então correntes, segundo as quais as diferenças raciais ou étnicas
tinham seu fundamento em diferenças biológicas. Thomas e Zna-
niecki contribuíram grandemente para rejeitar esse reducionismo
biológico, mostrando que o estado mental dos imigrantes não
estava ligado a um problema fisiológico e sim, diretamente, às
transformações sociais ocorridas em sua vida cotidiana. Na obra
que publicara em 1909,\ Thomas já insistia na necessidade de
proceder a investigações concretas, objetivas, sobre a realidade
,social, sobre o comportamento e sobre as atitudes dos indivíduos.
.Seu objetivo era entender o comportamento humano, e não mudar
a sociedade ou pregar sentimentos morais. '; Thomas esteve entre
4. \V Thomas (org.), Sourccboolefor social origins: Etbnologtcal materials, psycbological
standpoint, classified and annotated bibliograpbies for lhe interpretation of savage
society, Chicago, University of Chicago Press, 1909, 932 pp.
5. Thomas, além disso, seria vítima do puritanismo protestante que então reinava na "boa
sociedade" de Chicago, inclusive entre alguns de seus colegas universitários. Em abril
je 1918- quando tinha 55 anos - foi preso em companhia galante em um quarto
de hotel e imediatamente demitido de suas funções pelo presidente da universidade.
32
os primeiríssimos intelectuais americanos, junto com Fra~ Boas,
a criticar as teorias que explicavam as diferenças intelectuais e
mentais pela pertença a uma raça: "A variável real", dizia ele, "é o
indivíduo', não a raça."
o que Thomas e Znaniecki traçaram, portanto, foi um
verdadeiro programa teórico e metodológico, seguido pela maior
parte dos sociólogos de Chicago nos 15 anos que se seguiram. Com
efeito, a obra apresenta diversas contribuições importantes sobre
os problemas da assimilação intercultural, sobre as relações fami-
liares, as classes sociais, a vida econômica e religiosa assim como
sobre as condutas mágicas. No entanto, a principal contribuição foi
sem dúvida o estudo dos processos sociais que Thomas chamou
.: de desorganização e reorganização. A exemplo, destavezçdoque
Ourkheim já havia estabelecido na sociologia francesa, Thomas e
'.0 Znaniecki consideraram os problemas sociais como fenômenos.
sociológicosque influenciam o comportamento dos indivíduos e
',.não como resultado coletivo de condutas individuais. É este -
conceito de desorganização, cujo sentido não se modificou profun-
damente desde que Thomas o desenvolveu, que passaremos a
examinar.
A desorganização social
Antes de mais nada, importa indicar aqui a estrutura da obra
de Thomas e Znaniecki, divididas em quatro partes intituladas,
respectivamente:
Nunca mais recuperou seu cargo de professor, apesar do rápido abandono das
acusações feitas contra ele e dos esforços de alguns de seus colegas, mais de dez anos
depois, para que ele fosse reintegrado à universidade. É Interessante observar que este
caso, tratado como uma notícia escandalosa pouco importante pela Imprensa local (er.
o Chicago Tribune de 12 a 22 de abril de 1918), só foi comentado publicamente quase
50 anos depois, quando Morrls Janowltz lhe fez uma referência explícíta na Introdução
do livro que editou sobre Thornas: W.I. 71:I0mas, On social organtzatton and social
personality: Selected papers, Chicago, Universlty of Chicago Press, 1966, 312 pp.
6. W. Thornas, op. ctt., 1907, pp. 285-290.
33
P $? ' e -"-_d"
• T
individuais, A desorganização existe quando atitudes individuais
não encontram satisfação nas instituições, vistas como ultrapassa-
das, do grupo primário. Este é, evidentemente, um fenômeno e um
processo que se encontra em todas as sociedades, mas que se
amplifica quando uma sociedade sofre mudanças rápidas, sobretu-
do econômicas e industriais. Na sociedade polonesa, a desorgani-
zação começa quando os indivíduos "definem sua situação" em
terrnos econômicos, religiosos e intelectuais, em vez de sociais: o
desejo de sucesso substitui o de reconhecimento social.' A desor-
ganização não provém "de um paraíso social perdido" - t'ese que
se pode encontrar na sociologia alemã em Ferdinand Toennies -
que corresponderia à sociedade rural pré-industrial. É antes a
conseqüência de uma mudança extremamente rápida, de um
adensamento da população urbana ou,ãü·contrário, C1euma súbita'
'" ' desertificação. Mudanças tecnológicas importantes poclenl'igual-
-r - mente provocar uma tal desorganização, assim como catástrofes
>;' :naturais, crises econõmicas, políticas ou pessoais.
:,
....,_ Thomas e Znaniecki já haviam observado essa desorganiza-
,I '\f:O; , ção da vida camponesa polonesa na própria Polõnia, antes que
'.( . ".lc·r..' ~;'.;.\.I começasse o fluxo migratório .. A.~eSOrganiZ~~~~".l?o.r.t ..a,..nt~.,..,11~~,
'/.r:>}l' provém da imigração, mas é a imigração que é um indício ,do
r t, ·'.cf, estado de desorganização da sociedade polonesa. Emseguída.io
, ',' i i I fato de emigrar para a América provoca-uma reorganização, J '
~~ , \
O conceito de desorganização social permite entender de
que modo, em certas circunstâncias, as regras sociais parecem
perder a eficácia. Assim como a noção de anomia em Durkheim,
o estado de desorganização social é provisório, precede um perío-
do de reorganização. De fato, existe em Thomas e Znaniecki a idéia
de uma continuidade que vai da organização social à desorganiza-
ção e em seguida à reorganização.
- A organização do grupo primário
- Desorganização e reorganização na Polônia
- Organização e reorganização na América
- História da vida de um imigrante
--o',· -=-----
- -"',,'
A primeira parte estuda a família tradicional polonesa arn-
"I ) pliada, seus hábitos matrimoniais e, de maneira mais geral, seus
hábitos sociais. Passa-se depois ao exame dos fatores, culturais,
econõmicos e políticos, que contribuíram para o esfacelamento da
;, família tradicional camponesa e para a emigração em massa, em
.J ' ,
primeiro lugar para a Alemanha e para o resto da Europa e depois
para a América. Ao longo desse processo de imigração, o indivíduo
deixa de estar integrado no seio da família ampliada, ganha
'\ importância por S.i.mesmo e a família retrai-se, tenden.do a aproxi-
01mar-se da concepção de família moderna contemporânea. Um dos
sintomas dessa evolução encontra-se na nova relação do indivíduo
com o matrimônio. Enquanto na sociedade camponesa tradicional
polonesa a norma do casamento não é o amor e sim o "respeito",
-a nova família polonesa na América está baseada no amor. Essa
mudança de comportamento cultural é a marca, segundo Thomas
e Znaniecki (pp, 98-108, 706-711), de uma forma superior de
individualização que prefigura a capacidade de assimilação do
indivíduo à sociedade americana.
" --'---~
O tema central da obra é o da desorganização) com seus
corolários de organização e reorganização, ainda que.éstes concei-
tos sejam considerados por Thomas e Znaniecki como tipos ideais
que não existem na realidade.
~;
Uma! organização socia~ é um conjunto de convenções,
,atitudes e valores que se impõem $ sobre os interesses individuais
de um grupo social. Ao contrário, a desorganização social, que
corresponde a um declínio da influência dos grupos sociais sobre
os indivíduos, manifesta-se por um enfraquecimento dos valores
coletivos e por um crescimento e uma valorização das práticas
34
7. W. Thomas e F, Znaniecki, op. cit., 1927, pp. 1196·1204.
35
..
:-'11' \(.'-0,·'
",\,""\t.YiY ~ç"'~
rf:f;C' o'" t " ' Í'
Thomas e Znaniecki distinguem dois tipos de desorganiza-
ção em Tbe polish peasant. a desorganização familiar e a da
comunidade, A família rural é desorganliaâa--pela. -êrui5çãü-de-
novas práticas de consumo, de novos valores que modificam os
comportamentos econômicos, ao passo que o indício da desorga-
nização da comunidade é a ausência de opinião pública, que
conduz a um declínio da solidariedade comunitária.
".'1
Essa desorganização é reforçada pela imigração. Na América,
assume um aspecto espetacular e até, às vezes, dramático .. ~
desorganização familiar. acarreta.a pauperização e a delinqüência
juvenil. Segundo Thomas e Znaniecki, porém, para fazer frente a
essa desorganização, o grupo social reorganiza suas atitudes. Os
valores religiosos principalmente, por serem menos permeáveis à
mudança, regem o restabelecimento de regras e práticas tradicio-
nais. Para os imigrantes, porém, não se trata de uma volta para trás,
mas de uma conduta que lhes permite adaptar-se ao seu novo
universo. Nesse processo, a educação, a organização do babitat por
nacionalidades e a ajuda mútua entre os imigrados, mas também a
r imprensa local em língua nacional, têm um papel decisivo."
Logo, segundo Thomas, existe um ciclo de transformações:
sob a influência da evolução técnica e econômica, e ainda mais sob
os efeitos da imigração, um grupo social antes organizado começa
a desorganizar-se para em seguida reorganizar-se, sem por isso
assimilar-se totalmente ao grupo que o acolhe, na medida em que
podem sobreviver paralelamente formas culturais atenuadas do
grupo original, cujos valores, no entanto, são menos restritivos.
Encontraremos essa noção de desorganização na maior parte
das investigações que formam o patrimônio da Escola de Chicago.
De fato, ela foi utilizada para estudar as transformaçãos sociais
ocasionadas-p~lo rápido crescimento das cidades americanas.
8. Segundo Park, no início dos anos 1910 havia em Chicago 19 jornais diários, dos quais
sete publicados em língua estrangeira: "The City" (p. 27), em Tbe City, Chicago,
Uníversity of Chicago Press, [19151, Midway Reprínts 1984, 240 pp.
36
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9.
10.
11.
12.
13.
14.
15.
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16.
17.
18.
Chegou mesmo a ser o conceito principal, a partir do qual toda
uma geração de pesquisadores trabalhou na cidade. Foi o caso, por
exemplo, de Nels Anderson," que o utilizou para estudar os
trabalhadores sazonais; de Frederic Thrasher'" em seu estudo das
gangues, de Harvey Zorbaugh," que analisou um bairro violento
de Chicago; de Paul G. Cressey," que adotou o conceito para
estudar as relações sociais nos dancings públicos. Outras pesquisas
.fizeram da noção de desorganizaçãosocial criada por Thomas um
conceito importante: Ruth Cavan" sobre o suicídio, Ernest Mow-
r 14 obre a desorganização da família, LouisWirth15 sobre-o
gueto, rnest Hiller16 sobre a análise do comportamento dos
indiví os por ocasião de uma greve, Walter Reckless" sobre a
criminalidade em Chicago.
Contudo, William Foote Whyte18 mostrou que a comunidade
italiana por ele estudada em um subúrbio de Boston (Cornerville)
era com certeza desorganizada se fosse analisada com relação às
instituições da sociedade em geral e com os critérios da sociedade
americana "normal", mas que se tratava também de uma sociedade
N. Anderson, Tbe Hobo: Tbe sociology of tbe bomeless man, Chicago, University of
Chicago Press, 1923, 302 pp. A publicação desta obra abriu a coleção de publicações
sociológicas da Universidade de Chicago.
F.M. Thrasher, Tbe Gang. A study of 1313 gangs in Chicago, Chicago, Universlty of
Chicago Press, (1927). 2" edição abreviada, 1963, 388 pp.
H. Zorbaugh, Tbe gold coast and tbe slum. A socilogical study of Cbicago's near nortb
side, Chicago, University of Chicago Press, 1929, 288 pp.
P.G. Cressey, Tbe taxi dance ball. A sociological study in commerctatized recreation
and city li/e, Chicago, University of Chicago Press [19321, primeira reímpressão
Greenwood, 1968, 300 pp.
R. Cavan Shonle, Suicide, Chicago, University of Chicago Press, 1928,360 pp. Este livro
é a publicação de sua tese: Suicide. A study of personal dlsorganízatíon, PhD,
Universidade de Chicago, 1926.
E.R. Mowrer, Pamily disorganization. AIl tntroductton to a sociological analysis,
Chicago, University of Chicago Press, 1927, 318 pp.
L. Wirth, Tbe Gbetto, Chicago, University of Chicago Press, 1928. Trad, franco P.-J.
Rotjman, Salnt-Martín d'Hêres, Presses Unlversltaíres de Grenoble, 1980, 310 pp.
E.T. HilIer, Tbe Strike:A study in collectioe action, Chicago, Universlty of Chicago Press,
1928, 304 pp .
W.C. Reckless, Vice in Cbicago, Chicago, Unlversity of Chicago Press, [19331, 2&edição,
Montc1air, NJ, Patterson Srnlth, 1969, 314 pp.
W.F. Whyte, Street comer soctety. Tbe social structure of an italian slum, Chicago,
University of Chicago Press, [19431, 2" edição, 1955, 366 pp.
37
Y: r .
, .
organizada, "que possui sua própria organização, complexa, estru-
turada, com relações pessoais hierarquizadas, fundadas em um
sistema de obrigações recíprocas" (p. 272} Tratava-se, portanto, de
uma organização social diferente, e não de uma falta de organização.
-- - .__ --.__ _ ..
Desmoralização e assimilação
, ,
! :
!'Jemtodas as manifestações de desvio são sempre um sinal de
desorganização social: é possível também que se trate de um desvio
individual, Thomas e Znaniecki, com efeito, faziam uma distinção
eptre a "desorganização" individual, que chamavam de "desmoraliza-
ção", e a desorganização social, Segundo eles, a patologia individual
',Vi não é um indício da desorganização social, e não se deve estabelecer
um elo direto entre os dois problemas. Constatamos contudo que,
apesar do processo positivo de reorganização social observado, o
indivíduo continua inadaptado, como que afastado desse fenômeno
social coletivo. Isso vale sobretudo para os indivíduos da segunda
geração, que pagam o tributo mais pesado a essa reviravolta, entre-
gando-se à delinqüência, ao alcoolismo, à v~m ou a
diversas formas de crime. Arrisquemos aqui u~ hipóte~e='~~esse
Rrocesso de reorganização é dificilmente seguido pelo indivíduo, isso
ocorre porque ele exige que este se desfaça dos vínculos antigos para
fazer outros novos, na!!1ed~~m que a adaptação não é nunca um
: sirnples mimetismo, mas antes~~ mestiçagern ativa, que exige a
1construção de uma nova identidadel" ,
I ' A reorganização assume uma forma mista e passa pela
\, constituição de uma sociedade polonesa-americana, pu seja, que já
'.",não é completamente polonesa, nem ainda mtelran1ente americana,
','masconstitui uma promessa de assimilação das gerações futuras. É, . ,
.. \
l"
19. Pode-se considerar que as pesquisa de Thomas e Znaníecki, bem como a metodologia
que empregaram, são particularmente pertinentes para estudar, na França contempo-
rânea (1991), os fenômenos complexos ligados ao que foi chamado de "segunda
geração", De modo geral, a maioria dos estudos da Escola de Chicago sobre a etnía e
sobre os problemas dos imigrantes nos subúrbios deveriam ser retomados por todos
aqueles que se ocupam hoje desse problema social, que pode muito bem tomar-se
importante ao longo da presente década.
38
, .
(j)l(l \"!'
por isso que é preciso favorecer o advento de tais formas sociais
.mistas e provisórias, estimulando sobretudo o desenvolvimento de
instituições múltiplas que estabelecem um vínculo de continuidade
com o passado, com a cultura que o imigrante está abandonando:
.assocíações diversas, festas, escolarização bilíngüe etc.
Em uma obra que não pôde assinar em virtude do "escânda-
lo" que provocara em Chicago três anos antes, mas cujos principais
elementos parecem ter sido fornecidos por ele e da qual ele parece
ter escrito a maior parte, Thomas desenvolve a questão da assirni-
lação e faz recomendações aos poderes públicos no sentido de que
favoreçam esse fenômeno.2o
Segundo Thomas, a assimilação é ao mesmo tempo desejável
e inevitável. Exige a construção de uma memória comum ao nativo
e ao imigrante. Os indivíduos devem poder emancipar-se das
uniformidades culturais do grupo étnico a que pertence. Os imi-
/'grantes, portanto, devem não só aprender a língua do país que os
acolhe, mas também as grandes linhas de sua história, de seus
ideais e seus valores." Esse aprendizado se dará, evide.I1.~~I!}~~!<:t
,"'t-Por meio da escola p'lf6íicã,' mas supõe uma fase prévia de-
"~transição, durante a qual a comunidade de imigrantes' mantém: e
'cultiva sua identidade, paro' estabelecer um elo entre sua antiga
Iidentidade e a nova .. Recomenda-se até que os americanos se
:familiarizem com as culturas dos países cujos imigrantes estão
acolhendo (pp. 266-271).
20. R. Park e H. Miller, Old uorld traits transplanted, Nova York, Harper, 1921, 308 pp.
Thomas, que foi o co-autor deste livro, não pôde assíná-lo em virtude do escândalo,
já citado, em sua vida particular. Somente 30 anos depois, ao prescrever-se o copyrigbt
da prímeira edição, a segunda edição (951) fez-lhe justiça, atríbuíndo-lhe a paterni-
dade principal da obra, passando Park e Miller a serem considerados apenas como
colaboradores dele.
21. Ainda hoje o conteúdo do "exame" para se obter a nacionalidade americana traz
perguntas históricas e constitucionais, e supõe um conhecimento da língua inglesa.
Essa passagem de uma a outra nacionalidade exige também que o candidadto renuncie
aos seus antigos valores, principalmente patrióticos.
39
r?? 7 ,~ ?2pq " T 2 2 2 ? ? ar 12
A assimilação, que é antes de mais nada um processo
psicológico, segundo Thomas (que porém negligenciou, parece-
nos, o aspecto político da questão, bem como o das condições de
vida econômica do imigrante), será completa quando o imigrante
tiver o mesmo interesse pelos mesmos objetos que o americano de
origem; dito de outro modo, na linguagem da etnometodologia,
quando ele se tornar membro, ou seja, quando possuir o domínio
da linguagem natural do grupo. Thomas insistia também em que
os imigrantes pudessem continuar falando e lendo em sua língua
nativa, para favorecer a transição para a assimilação.
o contrário da assimilação é a desmoralização do indivíduo,
que, segundo observa Thomas, ocorre a cada vez que a sociedade
industrial invade o mundo camponês, mas que assume proporções
inquietantes na comunidade de imigrantes na América. Paradoxal-
mente, a delinqüência, sintoma evidente da desmoralização de que
Thomas falava, é tanto mais disseminada quanto mais forte é a
pressão da sociedade americana para uma assimilação completa dos
imigrantes, que, para ser realizada mais rapidamente, pode levar à
adoçãode medidas com vistas a enfraquecer as indispensáveis
instituições comunitárias dos imigrantes, cuja função é manter uma
continuidade coerente na vida dos indivíduos. Essa pressão produz
então o contrário do fenômeno esperado. e surgem formas mais ou
menos violentas de delinqüência, porque não se pode separar, sem
conseqüências, o indivíduo de seu grupo cultural e social de origem.
A americanização em massa passa, ao contrário, pela pertença a
organizações étnicas, que se modificam progressivamente e contri-
buem com eficácia para a adaptação (pp. 290-293).
A definição da situação
Em 1923,22 Thomas desenvolveu outra noção, que já utilizara
sem muito destaque em Tbe polish peasant, e que viria a ser,
22. w. Thomas, Tbe unadjusted girl: With cases and standpoiru for bebaoior analysis,
40
juntamente com a de desorganização social, uma das ~"
noções da sociologia americana por várias décadas: a de~9_
'da situaçãoD indivíduo age em função do ambiente que percebe,
da-situação a que deve fazer frente. Pode definir cada situação de
sua vida social por intermédio de suas atitudes anteriores, que o
linformam sobre esse ambiente e lhe permitem ínterpretá-lo. A
(definição da situação, portanto, depende ao mesmo tempo da
ordem social tal como se apresenta ao indivíduo e da história
pessoal deste. Sempre há um conflito entre a definição espontânea
de uma situação por um indivíduo e as definições sociais que sua
sociedade lhe oferece. Ao insistir na necessidade de os pesquisa-
dores coletarem, dos agentes sociais, relatos de primeira mão,
autobiografias, cartas etc., Thomas desejava que desse modo eles
pudessem ter acesso à maneira como os indivíduos "definiam sua
situação".
o ciclo das relações étnicas
Praticamente todas as obras mais rnarcantes da Escola de
Chicago são consagradas à questão da imigração e da íntegração
d . . à' d d . 2~ B 24 bos imigrantes socie a e americana." urgess resume em as
preocupações de seus colegas:
Boston, Líttle, Brown & Co., 1923, 262 pp. Um extrato deste livro, íntítulado "Définir
Ia sítuation", foi traduzido para o francês (pp. 79-82) em Y. Grafmeyer e L joseph,
L'École de Chicago. Naissance de i'éccotogie urbaine, Paris, Aubier, 1990, 378 pp.
23. Entre 1914 e 1933, 42 teses ou trabalhos foram escritos por estudantes de Chicago
sobre as relações étnicas, culturais e raciais, inaugurando assim um dos temas mais
importantes da sociologia americana. Park teve um papel preponderante em despertar
o interesse por essa questão. Deve-se observar que, antes de vir para a Universidade
de Chicago em 1914, por um lado ele havia sido um militante da causa negra,
levantando-se contra a exploração de que os negros eram objeto na África, (especial-
mente no Congo) e, por outro lado, a partir de 1905, conselheiro de Booker
Washington, uma das grandes figuras militantes da causa negra. Foi, aliás, nessas
circunstâncias que ele conheceu Thomas em 1912, durante um colóquio sobre a
questão negra, e que este último o levou para Chicago.
24. E,W. Burgess e J. Bogue, Contributions to urban sociology, Chicago, University of
Chicago Press, 1964, 674 pp.
41
A descoberta de que os grupos étnicos eram um gigantesco
mecanismo sociológico de defesa que facilitava a sobrevivência e
a adaptação dos imigrantes - comunidades às quais a segunda
geração queria escapar - foi um importante resultado da pesquisa
sociológica entre 1920 e 1930. Como se tratava de um problema
político candente e como havia uma grande diversidade nas
comunidades coloridas de imigrantes, os sociólogos ficaram fasci-
nados com a pesquisa etnológica urbana. Quase nenhum de seus
trabalhos foi uma simples descrição, na tradição da antropologia
da época. Ao contrário, eram analíticos e pretendiam mostrar os
traços de comportamento e os processos de adaptação e de
transformação próprios dos imigrantes em seu novo ambiente
econômico. C..) A hostilidade e as tensões entre as diferentes
comunidades étnicas eram consideradas como fenômenos objeti-
vos, que se tratava de explicar e não de estimular tomando partido
por lima Oll por outra. (p, 325)
Esta questão sociológica está ainda hoje na ordem do dia.
Basta constatar os problemas raciais e os ocasionais tumultos que,
após a luta dos negros por seus direitos civis nos anos 60, sacodem
ainda regularmente algumas grandes cidades dos Estados Unidos.
Os sociólogos de Chicago, portanto, deram mostras de um faro
político incontestável ao consagrar a quase totalidade de suas
pesquisas aos múltiplos problemas de inserção colocados pela
imigração em massa, quer se tratasse de imigrantes europeus -
camponeses poloneses ou comunidades irlandesas, alemãs, russas
Oll italianas -, quer fossem negros do sul, verdadeiros imigrantes
internos, estabelecendo-se nas grandes metrópoles com vistas a
encontrar um emprego.
O ciclo das relações étnicas em Park
Park (921),25 ao descrever o processo de desorganização-
reorganização que balizava as interações entre os grupos sociais
25. R. Park e E. Burgess, Iruroduction to tbe science of sociology, Chicago, University of
Chicago Press, (1921], 3' edição, 1969, 1.040 pp., caps. VIII a Xl, pp. 506-784.
42
autóctones e imigrantes, distinguiu quatro etapas, cada uma delas
representando um progresso em relação à precedente: a rivalidade,
o conflito, a adaptação e a assimilação.
<, ,:-\
1) A rivalidade é a forma mais elementar de interação, é
universal e fundamental. !:> rivalidade é "a interação sem o contato
.' social" (p. 507). Caracteriza-se pela ausência de contato social entre
/ os'í;;divíduos, fator que favorece o surgimento do conflito, da
, adaptação e da assimilação, etapas que, ao contrário da rivalidade,
estão ligadas ao controle social. Durante esta primeira etapa, que
acarreta uma nova divisão do trabalho, as relações sociais são
reduzidas a uma coexistência baseada nas relações econômicas,
decisivas na transformação social: "A rivalidade é o processo que
organiza a sociedade. Ela determina a repartição geográfica da
sociedade e a distribuição do trabalho. A divisão do trabalho, assim
como a vasta interdependência econômica entre indivíduos e
grupos de indivíduos, tão características da vida moderna, são
produtos da rivalidade. Por outro lado, a ordem moral e política,
que se impõe a esta organização cq~npetitiva, é produto do
conflito, da adaptação e da assi~(p. 508).
"">,
2) A segunda etapa é o conflito, qtJe é inevitável quando
populações diferentes são postas em presença. O conflito manifes-
ta uma tomada de consciência, pelos indivíduos, da rivalidade a
que estão submetidos. Enquanto a rivalidade é inconsciente e
impessoal, o conflito, ao contrário, é sempre consciente e envolve
profundamente o indivíduo. É um processo que sempre acompa-
nha a instalação dos indivíduos em seu novo ambiente: "De um
modo geral, pode-se dizer que a rivalidade determina a posição de
um indivíduo na comunidade; o conflito atribui-lhe um lugar na
sociedade" (p. 574). Trata-se de uma etapa decisiva, na medida em
que cria uma solidariedade no seio da minoria, que entra assim na
ordem do político.
43
3) "A adaptação pode ser considerada, tal como a conver-
são religiosa, como uma espécie de mutação" (p, 510). Ela
representa o esforço que os indivíduos e grupos devem fazer para
ajustar-se às situações sociais criadas pela rivalidade e pelo
conflito. Desse modo, as gangues da fase precedente tornam-se
clubes na da adaptação Cp. 722). A adaptação é um fenômeno
social relativo à cultura em geral, aos hábitos sociais e à técnica
veiculados por um grupo. Durante esta fase, há uma coexistência
entre grupos que continuam rivais em potencial, mas que aceitam
suas diferenças. As relações sociais são organizadas com o fim de
reduzir os conflitos, controlar a rivalidade e manter a segurança
r das pessoas.
4) A última etapa, que segundo Park é uma seqüência
"natural" da adaptação, é a assimilação, durantea qual as dife-
renças entre os grupos são diluídas, e seus respectivos valores
misturados. Os contatos multiplicam-se e tornam-se mais íntimos,
a personalidade do indivíduo transforma-se: "Há interpenetração
e fusão, ao longo das quais os indivíduos adquirem a memória,
os sentimentos e as atitudes do outro e, ao compartilhar sua
experiência e sua história, integram-se em uma vida cultural
comum" (p. 735). A assimilação é um fenômeno de grupo, no
qual as organizações de defesa da cultura dos imigrantes por
exemplo, ou os jornais de lingüa estrangeira têm um papel
determinante. Portanto, é preciso estimular o desenvolvimento
destes em vez de combatê-los."
26. Lendo o que Park e Thomas e, depois deles, um grande número de sociólogos de
Chicago escreveram nos anos 1920, não há como não fazer uma aproximação com
certas notícias alarmantes que surgem regularmente na França contemporânea (1991),
tais como a proibíçào, por uma prefeitura comunista do norte do país, de aumentar
uma mesquita, a despeito da liberdade de culto inscrita na Constituição francesa, por
um lado, e, pelo outro, do sinal evidente - mas que ao mesmo tempo pode paracer
paradoxal - de íntegraçào à sociedade francesa que pode representar a instalação de
um local de culto diferente em território francês.
44
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A cada uma dessas quatro etapas, que são processos sociais,
corresponde esquernaticamente uma ordem social particular na
estrutura social, tal como escreve Park (p. 510):
Processo social Ordem social
Rivalidade Equilíbrio econômico
Conflito Ordem política
Adaptação Organização social
Assimilação Personalidade e herança cultural
A noção de assimilação em Park
"
I;IDÍ914, râ?k''pvblicou seu primeiro artigo sobre o proble-
ma da, assimilação." .ho qual rejeita a hipótese, de aceitação
comum, segundo a qual a unidade nacional exige uma hornoge-
neidade étnica. Ao contrário, define a assimilação como um pro-
cesso durante o qual grupos de indivíduos participam ativamente
, do funcionamento da sociedade sem perder suas particularidades.
Se, na sociedade industrial, as diferenças raciais fundamentais são
acentuadas, comO considera Park, principalmente pela educação e
pela divisão do trabalho, em compensação a assimilação dos
diferentes grupos étnicos, ou seja, culturais, é realizada pela
adoção de uma língua única, de tradições e de técnicas comumente
'.compartilhadas.
27. R. Park, "Racial assimilation in secondary groups with particular reference to the negro",
American fournal of Sociology, 19, março de 1914, pp. 606-623; reproduzido em R.
Park, Race and eu/fure, Glencoe, Ill., Free Press, 1950, pp. 204-220.
45
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~~rigem dos preconceitos raciais reside, segundo Park, nas
desigualdades econômicas. A obrigação, por parte dos imigrantes,
d~-aceitar salários baixos granjeia-Ihes a hostilidade da população
local, que pensa sofrer o desemprego em virtude dessa concorrên-
cia "desleal". Park, após t.~!3Qªli~ado o sistema de escravidão e o
da: castas, considera-que ?~'p!~~~~o~ raciais s~o 1~1aisconse- __
qüência de um conflito de interessesqti!KIe uma ignorancia ou de
l:ú11a-incoiiipreensão-suscetível de ser corrigida pela educação: a
esàavídaüéantes demais nada uma brutal exploração econômica
ela pessoa humana.
Todavia, a educação tem um papel importante na formação
do imigrante em sua nova cidadania. A escola permitirá que ele
apreenda as formas da vicia americana, inculcando-lhe a língua, a
cultura, a ideologia democrática e sobretudo a história dos Estados
Unidos, mediante a qual ele entende que, como imigrante, tem
efetivamente um futuro no país.
Foi o que constatou Pauline Young" em seu estudo etnoló-
gico de uma comunidade de emigrantes russos estabelecidos na
Califórnia desde 1905. Os molokans são camponeses que formam
uma seita religiosa cristã e que fugiram da Rússia em virtude das
perseguições de que eram objeto por parte dos ortodoxos russos
e do czar. P. Young, que fala russo, pesquisou na região de Los
Angeles durante cinco anos e recolheu, junto aos próprios molo-
kans, centenas de relatos sobre suas tradições, sua doutrina, suas
experiências pessoais na Rússia e na América. Vinte e cinco anos
após se terem instalado na Califórnia, P. Young julga poder distin-
guir três tipos de molokan:
1) Os velhos, nascidos na Rússia, que falam russo e conser-
vam seus sentimentos religiosos;
28. P. Young, Tbe pilgrims of tussian-toum, Nova York, Russell & Russell,I1932J, 2" edição,
1%7 (com uma introduçào de R. Park), 296 pp.
46
2) os molokans cuja vida reflete uma mistura de russo e
americano, mas que mantêm ainda algumas tradições;
3) finalmente, aqueles que nasceram nos Estados Unidos, e
s6 conhecem a Rússia de ouvir falar. Para eles, as tradições
tornaram-se uma lenda. Sua atitude para com a seita modificou-se,
e pode-se considerá-los como "culturalmente híbridos" (p. 10).
Pauline Young mostra assim que o sagrado se institucionaliza
e torna-se profano à medida que a vida comunitária se desintegra
e começa o processo de assimilação cultural.
As tensões raciais nos Estados Unidos
Vários sociólogos negros formaram-se em Chicago e realiza-
ram investigações sobre as interações étnicas e as tensões raciais.
Este foi, por exemplo, o caso de Charles johnson" e os de Franklin
Frazier.Í" Ber~illiam Brown"
_/~
Em julho-agosto de 1919)violentos tumultos irromperam.,em
Chicago durante uma sernaria. 'Deles resultaram 38 mortos (dos
quais 23 negros) e várias centenas de feridos. Foram os primeiros
problemas raciais sérios ocorridos em Chicago, e foi decidido que
uma comissão mista, composta por negros e brancos, seria encar-
regada de estudar as causas dos tumultos e fazer recomendações."
A direção das pesquisas foi confiada a um negro, Charles johnson,
29. C.S. ]ohnson, Tbe negro in Chicago: A study of race relations and a race riot in 1919,
Chicago, University of Chicago Press, 1922, 672 pp.
30. E.F. Frazíer, Tbe negro family in Chicago, Chicago, University of Chicago Press, 1932,
294 pp.
31. B.W. Doyle, Tbe etiquette of race relations in lhe Soutb. A study ill social control,
Chicago, Uníversíry of Chicago Press, 1937, 250 pp.
32. W.O. Brown, "Race Prejudíce: A Socíologícal Study", Ph.D., Universidade de Chicago,
1930, 470 pp.
33. Mead e Park, respectivamente presidentes do Ctty Club e da Chicago Urban League,
haviam previsto esses distúrbios raciais desde o princípio do ano, e em vão haviam
tentado alertar as autoridades da cidade contra possíveis incidentes sérios.
47
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diplomado em sociologia e ex-aluno de Park e Burgess. A influên-
cia destes últimos ficou particularmente visível nos métodos de
pesquisa utilizados: observações de campo, entrevistas de negros
<: brancos, histórias de vida de dezessete famílias negras conside-
radas típicas, questionários e entrevistas, sobretudo sobre os tipos
de emprego encontrados pelas duas comunidades, análise do
conteúdo dos artigos publicados durante o ano que precedeu à
revolta em três jornais diários brancos e em três jornais diários . I \
negros. Descobriu-se assim, por exemplo, que os negros conside- '
ravam a imprensa como diretamente responsável pelos conflitos
sociais, e que os episódios que envolviam negros eram relatados
de maneira parcial.
O relatório de Johnson sobre esses acontecimentos foi estru-
turado em torno aos principais conceitos que Park e Burgess (921)
haviam desenvolvido no ano anterior, em especial a idéia do ciclo
em quatro etapas. johnson utilizou este ciclo, concebido original-
mente para conceitualizar a evolução dos imigrantes de origem
européia, para caracterizar as relações mantidas entre as comuni-
dades brancas e negras. Vários fatores que facilitariam a integração
da comunidade negra foram postos em evidência. Se o habitatmais
ou menos concentrado de negros e brancos é um fator de segre-
gação, a escola - onde, segundo ele, não existe discriminação
contra os negros - leva os jovens a estar em contato uns com
outros. No entanto, constata-se que os alunos negros com freqüên-
cia têm desempenhos mais fracos que os brancos, em virtude,
principalmente, do contexto familiar e cultural: pais iletrados,
família instável, pobre, mal-alojada e com uma ausência total de
lazer positivo.
descobriu que havia uma segregação clandestina contra os negros.
Por exemplo, muitas vezes eram acusados pelos operários brancos
de serem fura-greves; a opinião pública, apoiada pela imprensa,
tinha um papel decisivo nas tensões sociais.
O relatório de Johnson recomendou diversas medidas, tais
como o reforço do trabalho da polícia, o processo judicial contra
os delinqüentes, o controle dos locais de lazer, o controle dos
clubes esportivos, cujos membros brancos haviam tido um papel
ativo durante os tumultos. Recomendou-se também a melhoria das
condições de habitação e das escolas dos negros, o reforço à
assistência social, o estímulo à formação de associações mistas que
pudessem servir de exemplo para uma futura harmonia racial e,
finalmente, a instalação de um comitê permanente que investigasse
os incidentes de tipo racial.
Outro aluno negro de Park, Bertrarn Doyle," fez uma inves-
tigação sobre o papel das conveniências nas relações sociais
étnicas do sul dos Estados Unidos. Segundo ele, a função das
conveniências sociais é manter a distância entre as raças. Desse
modo, a intimidade que se estabelece entre os proprietários de
uma plantação e seus domésticos negros só é possível na medida
em que "os rituais sociais que definem e mantêm as relações de
castas sejam integralmente respeitados" (p. XIX). Essas relações,
em grande parte inconscientes tanto de um lado como do outro,
revelam um comportamento adaptado que confirma e reforça
constantemente o lugar de cada um em uma ordem moral dura-
doura, cuja definição, segundo Doyle, escapa aos desejos racionais
dos homens, fazendo com que seja deixado ao tempo a tarefa de
mudá-Ia.
A comissão levantou também os fatores que provocaram os
tumultos. Sua origem esteve em um incidente ym uma praia que
não era permitida aos negros. Contudo, nas atividades ordinárias
da vida cotidiana, tais como a freqüência às lojas, aos cinemas e
aos restaurantes, não havia segregação "oficial". Mas a comissão
34. B. Doyle, op. cit., 1937. Em 1924, Doyle j:\ havia feito o rnestrado em Chicago sobre
os problemas raciais, com uma tese intitulada Racial Traits of the Negro as Negroes
Assígn Them to Themselves.
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A imigração japonesa e as sete etapas de Bogardus da Califórnia do Sul. Tomando emprestado de Park o ciclo de
assimilação dos imigrantes, ele precisou e definiu sete etapas
cronológicas pelas quais, segundo ele, deviam passar as relações
entre a comunidade de imigrantes e aquela que os acolhe:
• a primeira etapa, durante a qual os imigrantes recém-che-
gados são observados, é caracterizado por uma curiosi-
dade neutra: ".,-- ...
• durante a segunda etapa o imigrante, que precisa vender
sua força de trabalho, torna-se interessante porque pode
ser contratado a ba~x~"preço;
Ao próprio Park foi solicitado, em 1923, que assumisse a
direção de uma pesquisa sobre as tensões raciais entre a população
~americana e as comunidades asiáticas, em especial a japonesa, na
costa oeste dos Estados Unidos, Os' japoneses, 'queixavam-se, já
.naquela época os americanos, trabalham constantemente, durante
todo o dia e todos os dias e ~~nca-ti'rànl'féf1as: tórnandü'assim
desigual toda concorrência econômica. A'úniCâsoluçâo, segundo
a opinião pública, seria excluí-Ios dos Estados UnídO's,' FoiIsso,
'aliás, que o Congresso ai11éric-;~~-fezparcialmente em maio de
1924, ao proibir toda nova imigração japonesa para os Estados
Unidos, quando a investigação de Park e seus associados estava
pela metade, Esse japanese Exclusion Act teve, é natural, conse-
qüências importantes-s(;hre a pesquisa, que logo teve de ser
interrompida por falta de meios financeiros para prosseguir: o
projeto de diagnóstico de uma sociedade enferma de seu racismo
transformou-se desde esse momento, segundo um dos pesquisa-
dores, em uma autópsia, sem esperanças de cura ou de melhora,
r)
('
/'\
• a aceitação desses baixos salários por parte dos imigrantes
grangeia-lhes em seguida a hostilidade dos trabalhadores
~~ais, ameaçados em seu õÍ\;~j-de vida e até em seus
empregos, Além disso, outros imigrantes continuam che-
gando e, a longo prazo, suas elevadíssimas taxas de nata-
lidade ameaçam a comunidade local com uma "invasão". É
o nascimento do. n!!~º_ª-º_"p~ri.8~.~m<l.r~Jo..;
• a quarta etapa caracteriza-se pela exigência de medidas
~egislativas anti-imlgração:
• os americanos mais liberais e progressistas reagem e
apóiam os imigrantes, lembrando os valores de liberdade
e igualdade que formam a base da sociedade americana: .,---
• a sexta etapa caracteriza-se pela diminuição de hostilidade
que se segue à adoção de.medidas antidn:úgratérla.s;·-
• a sétima e última etapa é a da segunda geração de imigran-
tes, que enfrenta os problemas de se terem' transformado
em híbridos cultt trais.
Durante a preparação de sua pesquisa, que queria efetuar
mediante a ajuda de entrevistas e recolhendo histórias de vida de
japoneses de segunda geração (os "nissei") desde Vancouver, na
fronteira canadense, até a fronteira mexicana no sul, Park recrutou
alguns sociólogos instalados nas universidades da costa oeste,
entre os quais Emory Bogardus," que estava então na Universidade
d
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35. Bogardus havia obtido o seu doutorado quando era estudante em Chicago: The Rebtion
of Fatigue to Industrial Accídents, Ph.D" Universidade de Chicago, 1911. Seu nome
dele ficou famoso na sociologia e na psicologia devido à "escala de Bogardus", que
mede estatisticamente a distância social entre diferentes grupos sociais, em especial
:de raças diferentes, Essa escala distribui valores numéricos a tipos de relação que vão
do mais íntimo (casamentos interétnicos, por exemplo, ao mais afastado (hostilidade
\ r
e,exc,l,us,à,O totais), Ç,:()moele próprio declarou, a concepção desse ínstrumento fora-lhe-
paradoxalmente sugerida por Park, que, mesmo detestando a estatística, "exigia de
!! 'seus ãi~nos que coletassem dados subjetivos, mas que os apresentassem de forma
I objetiva"J::carta a Fred Matthews, de 12 de setembro de 1968, citada em r-.L Bulmer,, 'Tbe Chicago School cf Soctology, Chicago, University of Chicago Press, 1984, p. 154).
,
--..
Ao contrário de Park, Bogardus não encerra seu ciclo de
transformação dos imigrantes com a completa assimilação des~
cultura americana, Em 1937, Park, no prefácio que escrever~
~
50
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,
a obra de Romanzo Adams, 36 fez uma modificação em sua teoria
do ciclo. Este deixa de encerrar-se sistematicamente com a otimista
assimilação dos imigrantes, mas pode assumir três formas: uma
assimilação completa, a elaboração de um sistema de castas
semelhante ao da Índia ou, ao contrário, a persistência de uma
minoria racial, como é o caso dos judeus na Europa.
Aculturação e assimilação
Em sua tese sobre os preconceitos raC1aIS(1930), William
Brown desenvolve uma visão das relações étnicas oposta à de
Park. Segundo ele, o conflito não constitui apenas uma etapa ao
longo da história das duas comunidades, a branca e a negra. Ao
contrário, ele é endêmico, e de fato marca cada uma das fases do
ciclo de relações étnicas entre as duas comunidades. O conflito
culmina nafase de adaptação, em que as relações entre superiores
e subordinados são constantemente conflitantes. A cultura negra é
considerada inferior, os negros são marginalizados e ideologias
antagônicas estabelecem-se em cada uma das comunidades. É por
isso que, segundo Brown, nunca poderia haver uma assimilação
completa da comunidade negra, sempre inferiorizada pela cultura
e a ordem social brancas.
Esta foi também a posição desenvolvida por Franklin Frazier
(1932): o ciclo não se encerra com a assimilação, e sim com a
existência de dois sistemas raciais distintos. Durante a última etapa
do ciclo, cada uma das duas raças desenvolve suas próprias
instituições sociais e ocupa zonas urbanas diferentes. Se os Estados
Unidos foram capazes de absorver as diferentes culturas e etnias
européias, o mesmo não se deu a cada vez que teve de lidar com
raças diferentes, como os asiáticos e os negros. Segundo Frazier,
36. R. Adams, Interracial marriage irt Hauiaii. Nova York, Macmillan, 1937, com prefácio
de R. Park. (pp, VII-XIV), 345 pp.
52
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os negros americanos são com certeza aculturados, adquiriram os
traços principais da cultura americana, mas não foram por isso
i assimilados à sociedade americana e, ao contrário, desenvolvem
movimentos reivindicativos pela igualdade de direitos entre as
raças. "Os negros americanos", escreve Frazier, "pensam em si
mesmos antes como negros, e só depois como americanos" ..
A principal contribuição de Frazier para.o estudo das relações
raciais foi esclarecer o conceito de assimilação. Antes de mais nada,
considera que já não se pode falar dos negros como de uma
entidade homogênea, mas, ao contrário, é preciso distinguir entre
eles diversos subgrupos, correspondentes a diferentes níveis 80-
cioeconômicos e repartidos geograficamente (como Park e Burgess
já haviam observado para o conjunto da população de Chicago),
segundo zonas concêntricas diferentes. Frazier observou sete zonas
de moradia dos negros de Chicago: os recém-chegados instalam-se
primeiramente no centro da cidade e depois vão-se afastando à
medida que suas condições econômicas melhoram. Quanto mais
no centro se mora, mais a vida social é desorganizada e mais
desmoralizados são os indivíduos. É no centro que se encontram
as famílias esfaceladas, sem a presença de um dos pais, com seu
habitual cortejo de problemas sociais e de delinqüência juvenil:
Quando nos afastamos do centro para a periferia residencial da
cidade, a vida social está mais bem organizada, as famílias são
estáveis, vivem em casa própria e vão à igreja: "Nas zonas periféricas
encontram-se os negros mais inteligentes e mais eficazes" (p. 258). -
Segundo Frazier, a etapa de desorganização não deve ser
considerada como um estado patológico, mas, ao contrário, como
um aspecto do processo que leva à civilização (p. 252). As famílias
negras da periferia são bem integradas à população branca, consi-
derava Frazier. Ele introduziu uma distinção essencial entre a
família natural e a social. A família negra natural é a que foi herdada
do sistema escravagista, em que a única autoridade é a do senhor
branco, e não a dos pais. A família institucional, fundada no
53
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matrimônio legal e, às vezes, na propriedade fundiária, é a base da
integração dos negros à sociedade americana; nela, a autoridade
do pai é restaurada, a família vai à igreja e os filhos à escola.
Segundo ele, a passagem da família natural à institucional é
análoga à escalada sucessiva das diferentes zonas de moradia na
cidade.
Em uma obra posterior, Frazier estendeu ao conjunto dos
Estados Unidos suas pesquisas sobre os diversos processos de
integração dos negros à sociedade americana.Y Descobriu em
outras cidades americanas estruturas de moradia, e portanto de
vida social, análogas às que já identificara em Chicago. Assim, em
Nova York, as taxas de casamento dos negros aumentam, qualquer
que seja o sexo, quando se passa da zona central pobre da cidade
à sua periferia mais burguesa. O mesmo ocorre, de maneira ainda
mais diferenciada, no tocante à taxa de propriedade da moradia,
ou às taxas de natalidade. As mesmas regularidades estatísticas são
observadas em outras grandes aglomerações americanas, como no
distrito de Colurnbia (Washington). Isso tendia a mostrar que, ao
passar da condição de escravos nas plantações para a civilização
úrEana e industrial, a sociedade negra transformou-se profunda-
mente e conseguiu integrar algumas práticas sociais dos brancos.
Contudo, ao contrário de Park, que achava que os ciclos de
assimilação eram obrigatoriamente cronológicos e irreversíveis,
Frazier considerava que certas etapas eram passíveis de se repetir
ao longo de várias gerações sucessivas, pois a dialética do conflito
de classes e da adaptação cultural prosseguia depois do fim da
escravidão, que não marcava o fim da intimidação e da violência:
a adaptação limita, mas não elimina completamente o conflito.
37. F. Frazíer, Tbe negm 111 lhe United States, Nova York, Macmillan, 1939, 686 pp.
54
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l/V,).
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Frazier acreditava que a integrnçi\o dos negros p:.\~fb\ pelo
processo da urbanização, que foi, de fato, um elemento importan-
te: rurais, em sua maioria, até o final do século XIX, em 1940 cerca
de metade deles já habitava as grandes cidades, sendo que a guerra
acelerou ainda mais o fenômeno migratório movido essencialmen-
te por motivações econômicas.i"
Com Frazier, portanto, devemos distinguir entre aculturação
e assimilação:
\7C/J • a aculturação é um fenômeno pelo q11ª1.um indivíduo
adquire a cu1tllra do grupo. Se ela foi um êxito no caso dos
imigrantes europeus, que se americanizaram rapidamente,
em compensação, no que diz respeito aos negros ela foi
freada pela discriminação e a segregação de que estes
foram objeto;
• a assimilação é um processo que engloba a aculturação,
mas que supõe antes de mais nada uma completa idenfifi-
cação do indivíduo ao grupo.
f.i-./'l.-i
~~~
A última etapa da integração é o amálgama, estágio supremo
de uma população que se assimilou.
A distância cultural
William Ogburrr" desenvolveu o conceito de distância cultu-
ral no contexto do estudo da influência da tecnologia e do impacto
38. A indústria de armamentos e o próprio exército foram, sígnífícatívarnente, os primeiros
setores econômicos a aplicar medidas não dlscríminatórías de emprego em relação aos
negros, seguindo nisto as díretlvas de F.D. Roosevelt.
39. W. Ogbum, Social cbange. With respect to the cultura and original nature, Nova York,
B.W. Huebsch, 1922, 366 pp.
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das invenções sobre as mudanças sociais. Para ele, se estas provo-
cam tensões, é em virtude da demora necessária para a assimilação
dos progressos tecnológicos e das descobertas científicas pelas
instituições sociais, ou pelos indivíduos, petrificados por sua pró-
pria cultura. Finalmente, a cultura é obrigada a adaptar-se a essas
mudanças tecnológicas, mas ao custo de uma desorganização
social temporária. Assim, os problemas sociais que os imigrantes
enfrentam surgem do fato de que os aspectos materiais da cultura
tendem a modificar-se com mais rapidez que os seus traços não
materiais. Se o imigrante não consegue apreender as novas possi-
bilidades que se lhe oferecem, é porque suas atitudes - no sentido
em que Thomas definiu esse termo - correspondem ainda ao
antigo tipo de organização social que conhecia, quando sua nova
posição social já não corresponde a essa organização social. Ele
deixa, portanto, de ter marcos que o possam guiar, normas sociais
em que possa confiar, o que dá origem a uma grande dificuldade
de adaptação.
o homem marginal
Como já vimos, o tema do estrangeiro aparece em inúmeros
estudos da Escola de Chicago. Fora já desenvolvido por Simmel,
muito citado pelos pesquisadores da Escola de Chicago, e em
especialpor Park, que freqüentara três cursos dele em Berlim em
1900, ficando profundamente influenciado. Segundo Simmel,oio.o
estrangeiro instala-se na comunidade, mas fica à margem. Não
'apreende seus mecanismos íntimos e permanece de certo modo
exterior ao grupo social, o que lhe confere, involuntariamente, uma
maior objetividade, "que não implica o distanciamento ou o
desinteresse, mas resulta antes da combinação específica da proxi-
midade e da distância, da atenção e da indiferença" (p. 55). Na
40. A tradução francesa do artigo de Simmel, "Digressíons sur l'étranger", 1908, foi
publicada em Y. Grafmeyer e I. joseph, op. cit., pp. 53-59.
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g!ande cidade moderna, dizia Simmel, cada um torna-se estrangei-
ro no interior de sua própria sociedade, um "vagabundo em
potencial", um homeií.i:~1\) raízes. O tema do estrangeiro também
foi abordado por Wirth (928), em seu estudo sobre o gueto judeu. \
Posteriormente, o mesmo tema seria desenvolvido por Schütz, que,
encontrando-se em Paris durante o verão de 1938 no momento da
anexação da Áustria por Hit1er, permanece na' cidade e emigra
definitivamente para os Estados Unidos um ano depois."
Já vimos que os contatos entre as diferentes culturas produ-
zem sempre uma desorganização das instituições sociais, sendo
mais afetadas as da cultura "fraca", ou seja, as do grupo minoritário.
Deste grupo, alguns elementos "marginais" emergem, caracteriza-
dos .por-sua vontade de abandonar o grupo de origem e de
integrar-se ao grupomajoritário. Park desenvolveria essa noção do
"homem marginal" e utilizaria a expressão pela primeira vez em
1928, em um artigo que expunha mais claramente o mecanismo do
conflito intercultural.Y No enfrentamento entre as duas culturas
aparece um novo tipo de personalidade, cuja figura típica, tanto
em Park como em Simmel, é o judeu emancipado. Park descreveu
assim o "homem marginal":
o judeu emancipado é o homem marginal típico, historicamente
falando o primeiro homem cosmopolita e o primeiro cidadão do
mundo. É "o estrangeiro" por excelência, que Simmel, ele próprio
judeu, descreveu com tanta penetração e compreensão em sua
Sociologie.: As autobiografias de imigrantes judeus poloneses
publicadas em grande número nestes últimos anos são todas
versões diferentes da mesma história, a do homem marginal.
41. A. Schütz, "L'étranger: Essat de psychologie socíale", em Ia cbercbeur et te quottdten;
Paris, Mérídíens Klincksieck, 1987, pp. 217-236.
42. R. Park, "Human mígratíon and the marginal man°, American fournat cf Soctology, 33,
1928, pp. 339-344.
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Todavia, o homem marginal é também aquele que faz
avançar a civilização:
o homem marginal é sempre um ser humano mais civilizado que
os demais. Ocupa a posição que, historicamente, foi a do judeu da
diáspora. O judeu, muito especialmente o que se libertou do
provincianismo do gueto, foi sempre, e por toda a parte, o mais
civilizado dos seres humanos.43
Segundo Park; o. homem marginal é tipicamente um imigran-
te de segunda geração, que sofre plenamente os efeitos da desor-
ganização do grupo familiar, a delinqüência juvenil, a criminalida-
de, o divórcio ete. Definido antes de mais nada como mestiço,
mulato ou eurasiano, por exemplo, foi Park quem conferiu outro
sentido à expressão "homem marginal", a partir de 1934, estenden-
do-a à situação dos trabalhadores negros dos estados do Sul, que
viviam "à margem" da cultura branca. Park também considerou
como marginais os cajuns da Luisiana, ou os montanheses das
Apalaches, que eram, eles, anglo-saxões puros. Desse modo, o
homem marginal não é apenas o que pertence a uma cultura
'diferente, em geral situada, segundo Park, a meio caminho entre a
cultura tribal primitiva e a cultura mais moderna e sofisticada da
vida urbana atual. Em todos os casos, o homem marginal é sempre
um migrante, seja ele europeu ou um negro do Sul que veio à
cidade em busca de trabalho, ou ainda um camponês americano
sofrendo também os efeitos do êxodo rural.
o homem marginal, ao separar-se de sua cultura de origem,
é sempre alguém que, aculturando-se, constrói para si mesmo uma
nova identidade. Dando continuidade a Park, Wirth (928) definiu
a aculturação como um "ciclo de relações raciais e étnicas". Na
lógica desse ciclo, o gueto pode ser considerado como uma etapa
43. R. Park, Introdução ao livro de E.V. Stonequist, Tbe marginal man, Nova York, Charles
Scribners Son's, 1937, 228 pp.
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transitória indispensável no caminho que leva à assimilação. O
"homem marginal" é uma transição entre a adaptação e a assimila-
, São. É aquele que sai de seu grupo cultural de origem. Está dividido,.----
,entre dois mundos e vive esta situação dramaticamente. Mas é
•também o ponto de contato entre os dois grupos, entre as duas
comunidades.
Everett Stonequist, aluno de Park, desenvolveu essa noção de
homem marginal em sua tese, defendida em 1930 e publicada em
1937. Segundo ele, a marginalidade não deve ser definida _~p~n.~~
em termos étnicos ou raciais. Se a marginalidade é particularmente
visível no caso dos migrantes, caracteriza também algumas seitas
religiosas, algumas classes sociais ou algumas comunidades. A
personalidade marginal é encontrada quando um indivíduo "se vê
!involuntariamente iniciado em duas ou várias tradições históricas,
lingüísticas, políticas ou religiosas, ou em vários códigos morais" (p,
23). Por essas razões, o homem marginal está em conflito psicoló-
gico entre diversos mundos sociais, cuja intensidade varia segundo
as situações individuais. O homem marginal, que elabora um novo
mundo com base em suas experiências culturais diversas, sente-se
I com freqüência rejeitado, e com razão, pois está apenas parcialmen-
te assimilado. Conseqüentemente, segundo Stonequist, na maior
parte do tempo ele desenvolve críticas duras acerca da cultura
dominante que o rejeita apesar de seus esforços de integração, e
denuncia suas hipocrisias e contradições (pp. 139-158).
......
Em seu conjuniõç-a Escola de Chicago desenvolveu uma
visão otimista da imigração, SQ,ba forma do homem marginal, que
se torna um híbrido cultural que utiliza com intimidade duas
culturas distintas, mas não é plenamente aceito por nenhuma delas
e é marginalizado por ambas. A mestiçagem, para os pesquisadores
de Chicago, é um enriqueci~1ento.44 Franklin Frazier (939) foi uma
44. o que pode ser comparado às teses de Michel Serres, Le tiers instruit, Paris, François
Bourin, 1991, 252 pp.
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exceção, com seu estudo sobre o fenômeno da assimilação entre
os negros americanos. Se reconheceu o fundamento da importân-
cia e da definição do homem marginal como um híbrido cultural,
Frazier introduziu, em compensação, a distinção entre a assimila-
ção cultural e a social. Assim, segundo ele, a cultura negra
americana talvez não seja muito diferente da cultura branca, e é
.possível afirmar que os negros estão culturalmente assimilados à
cultura branca. Em compensação, subsistem numerosas barreiras
sociais, tais como a interdição dos matrimônios inter-raciais, o
direito de voto não reconhecido aos negros, a impossibilidade de
acesso a certos empregos etc.
Portanto, a assimilação não poc!~_~<:~~f~i~ª _ª~J}._ªS_\!!I!_
termos culturais, mediante a intervenção de fatores como o domí-
firo -dão língua; ~ pã·rticipaçãõ-cre umarehglao recOnheCiCiã-ê-
praticada peio·"g~po· dornrilaiiie~a aquisição de costumesdiversos
é-de côdígosfiioiáís idênticosaos dacultura dominante. Os negros
ame~anos sãõacultúrados, mas não socialmente assimilados, pois
são rejeitados pela sociedade branca americana. Enquanto Park
definia a marginalidade como um estado provisório que se encer-
rava obrigatoriamente com a assimilação dos indivíduos, Frazier,
ao contrário, considerava que o estágio supremo da assimilação
não pode ser atingido pelos negros, pois estes não têm os mesmos
direitospolíticos e sociais. A assimilação deles, portanto, passa por
sua luta contra a discriminação racial e pela igualdade de direitos.
Para concluir, pode-se afirmar que, se alguns grupos sociais
permanecem marginalizados e desenvolvem culturas intermediá-
rias, híbridas, sem jamais se assimilar totalmente à cultura domi-
nante, é porque o homem marginal possui umgambígüidade
. .~~ c;._
.fundamental raesrae-seeée-ssn homem..criativo,.:.quein.'.lentafl€WaS·
\·1 for-rÍlasde sociabilidade e novos traços culturais, é também o que
sofre essa situação dual de maneira õof6roSâ·,commãriIfesciÇões .."....
pslcolõgícas que ao' mesmo tempo o revelam e o designam como
.nm desviante social.
60
3
A CRIMINALIDADE
-_.--- .•..~
A SOciol<?gii'~â~---ig~ -1US~~~~YéI~~~ p~ seus"")
estudos sobre a criminalidade,· cidesvio e a delinqüêncía juvenil,
questões estreítarneate.lígsdas às noções"e aos conceitos desenvól-
vidos no capítulo anterior e que constituem, por si só, um campo
cujas obras principais passaremos a examinar. A história da crimi-
nalidade em Chicago foi marcada pelas sucessivas .Ondas . de-_ .
imigrantes que ali se instalaram. Primeiramente alemã e .irlandesa,
no início do século XIX, depois~~~esa_~ italiana nos anos 1920,
tornou-se hispano-americana e negra 30 anos depois. .
As gangues de Chicago
Em 1923, Frederic Thrasher publicou uma obra, baseada em
sua tese de doutorado, sobre as gangues de Chicago, que, segundo
suas estimativas, agrupavam no início dos ~n.~_12?Qpelo menos15
mil adolescentes e jovens adultos. Park, em seu prefácio à obra,
escreveu:
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