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HORN. Textos filosóficos em discussão I

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Prévia do material em texto

o método da dialética é o
único que procede, por meio
da destruic áo das hipóteses, a
caminho do auténtico princípio,
a ~m de tornar seguro os seus
resultados, e que realmente ar-
rasta aos poucos os olhos daalma
da espécie de lodo bárbaro em que
está atolada e eleva-os asalturas,
utilizando como auxiliares para
ajudar a conduzi-los as artes que
analisamos.(PLATAO)
Caminham os homens, em
geral, por estradas já trilhadas.
Aquele que é prudente, desse
modo, deve escolher os caminhos
já percorridos pelos grandes
homens, e copiá-los; sempre muito
aproveitado, ainda que ntio possa
seguir ~elmente esse caminho,
nem alcanrar inteiramente, pela
imitartio, asvirtudes dos grandes.
(MAQUlAVEL)
... e tendo notado que nada há
noeu penso, portante eu sou, que
meassegure dequedigo averdade,
exceto que vejo muito claramente
que, para pensar, é preciso existir.
(DESCARTES)
•.• O homem ntio é sentio O seu
projeto, só existe na medida em
que se realiza, ntio é, portante,
nada mais do que o conjunto dos
seusatas, nada mais do que a sua
vida. (SARTRE)
TEXTOS FILOSÓFICOS
EM DISCUSSAO
(1)
Platao
Maquiave l
Descartes
Sartre
lmpreas ác e Acabamento
~~
lIFE SERV ICOS GRÁFICOS lTDA
Rua Francisco Scremtn. 139
comunicare@comunicare.com.br
www.comunicare.com.br
Gera/do Ba/duino Horn
Graduado em Filosona, especialistaem
Antropofagia Filosófica, mestreemEdu'a~a.o
(UPPR) e dautor em Filosofia da Educafiío
pela USP. É professor de Metodologia e
Prático de Ensino de Filosona da UFPR.
Entre outros trabalhos é autor das obras:
"Filosofia da Edu.cQfiio" (Editora da UFPR);
"O Ensino de História e seu currículo" e
"Orientafóes paraelaborafiio de projetos e
monografias"(EditoraVous).
Anderson de Pau/a Borges
MestreemFilosofia pela USPdesde2004
com dissertafao S<lbre o Teeteta de Platao,
doutorandopelaUSP desde2005.professorde
filasonano CEP ede Teoriado Conhedmento
no SSB, em Cu.ritiba. Pesquisadore professor
colaboradordoNESEF.
Luciana Teixeira
Formada em Filosofia pela UFPR
(1997), licenciada em História também
pela UFPR (2000). Mes"e em Filosofia da
Educaráo pela UFSC (2000). Atua como
Professora de Filoso{ia da Educaftio na
UFPR enoColégio Positivo.Épesquisadora e
professora colaboradoradoNESEF. Puhlicou
em revistas especializadas quatro artigas
sobre temas filosóficos.
Maria Lúcia Andrade
FormadaemFilosofia pelaUFPR; Mestre
em Educapio: História e Historiografia
da Educafiio pela UFPR e professora de
Filosofia da Faculdade Cenecista de Campo
Largo/FACECLA e professora de Filosofj a
no Ensino Fundamental e Médio no Colégio
CenecistaPresidenteKennedy}. Pesquisadora
eprofessora colaboradora doNESEF.
lvoRibeiro Luska
Academico de Filosofia e de Direito.
Pesquisador e professor colaborador do
NESEF. Foi diretorde[ormacáopolíticapara
os delegados sindicais da Caixa Económica
Federal no Sindicato dos Bancários de
Curitiba(1993-2002).
SandroFernandes
Formado em História (UFPR), especia-
lista em lmagens, Linguagens e Bnsíno de
História (UFPR) e Mestrandoem Educafdo.
Prafessor de História e Filosofi a no Colégio
Positivo e nas Faculdades Santa Cruz. em
Curitiba (PR). É pesquisador e proíessor
colaboradordoNESEF.
Cera/do Balduino Hom (organiUldor)
SandroFernandes
Andersonde Pau/a Borges
MariaLúóa de Andrade
LucianeTeixeira
/110 RibeiroLuska
TEXTOS FILOSÓFICOS
-EM DISCUSSAO
(1)
Platao
Maquiavel
Descartes
Sartre
••el~nco
lA edtcao
Curitiba 2006
1" eotcác - 2006
•••
APRESENTA~ÁO.. . ... . .. . . . .. . .. . .. . .. ... . . .. . .•. .. . .. .. . .••. .. .•. . . .•. . .. . . . . S
INTRODU,ÁO 9
Eilosofia: formacao social e h istórica 9
A filosofia e o conhecimento 11
A filosofia e o cotidiano 13
A leitu ra de obras filosóficas 14
O sentido dos textos filosóficos 17
MI TO DA CAVERNA · PLATÁO .... .. .•. .. ..... .•.......... .•........... 19
Contexto histórico da vida e obra de Plat áo 19
Apresentacéo da ob ra 23
Ind icacéo de filmes 46
O PRÍNCIPE - MAQUlAVEL .. .. .. .. . . .•.. . .•. . ..• . . . . .. . . . . . .. . ..• . . .. •.49
Contexto histórico 49
Apresentacáo da obra 53
Temas 58
Dialogando com o texto 62
Indicacá o de filmes 83
DISCURSO DO MÉTODO · DESCARTES 8S
Contexto histórico 85
Apresentac áo da obra 88
Temas 93
Dialogand o com o texto 85
Ind icacáo de filmes 107
O EXISTENCIALlSMO É UM HUMANISMO · SARTRE .. •.. 111
Contexto histór ico 111
Apresenrac áo da obra 113
A moral da liberdade - ética oo . 115
Conclus áo 138
lndícacáo de filmes 140
i.
i.i .
i.2.
i.3.
i.4.
i.5.
I.
I.l.
1.2.
1.3.
11.
IU.
JI.2.
JI.3.
JI.4.
JI.5.
111.
JIU .
Jl1.2.
JlI.3 .
Jl1.4.
IJI.5.
IV.
IV.l.
IV.2.
IV.3 .
IV.4.
IV.s .
www.editoraelenco.com .br
Colaboradores
Ali ne Martelosso Filus
Anita Helena Schlesener
Fabio Stange
Capa eProjeto GráfICo
Sérgio Danie l Avrella
••el~¡:¡co
CDD ( 21°ed.) 100
Sandro Fernandes
Anderson de Paula Borges
Maria Lúcia de Andrade
Luciana Teixeira
Ivo Ribeiro Luska
Autores
Geraldo Balduino Horn (org .)
gbaldll inO@taw lbmsif,rom .br
DireifQs re" ,rvadas, Naoé permitida a reprodu(aa tora! OIJ pardai deJte jjvro. seja m quo is fore'"
os meJosempregadas: meldnicos.. fal"'lrdlicos, gra~<lo. digitals (InternerJOIJ quaisqller autros..
sem pt'rmissdo par escrito da EdifQm.
1. Filosofia. l. Hom , Geraldo Balduino.
ü. Fernandes, Sandro.
ISBN 85-60351-00·0
978-85-60351 -00-8
Inclui bibliografia.
Dados internacionajsde ((Jtaloga~ao na publjw(oo
Bibljotecaria responsdvel:MaraRejone Vicente Teixejra
Textos filosóficos em drscussáo ( I ) : Platáo, Maquiavel, Descartes e Sartre
I Geraldo Balduino Horn (organizador) : Sand ro Fernandes... [et al.]
- Curit iba: Editora Elenco, 2006.
144p. ; 15x21cm
APRE5ENTA«;AO
Este livro apresenta em linhas gerai s os principais temas e pro-
blemas tratados em quatro importantes textos da História da Filosofia,
a saber: de PLATÁO, A República: Livro VII - Alegoría da Caverna, de
DESCARTES, O Discurso do Método; de MAQUIAVEL, O Príncipe; e de
SARTRE OExistencialismo é um Humanismo.
Mais do que urna interpretacáoacabada acercadaquilo que cada
filósofo escreveu em sua obra , os autores apresentam as circuns tancias
histór icas a part ir das quais os textos foram escri tos e as id éias centrais
que circuns crevem o conteúdo dos mesmos. Destarte, buscamos com
isso possibilitar urna maíor aproximac áo e diálogo entre o leitor e o
texto clássíco da maneira como se apresenta originalmente. Trata-se,
na verdade. de urna das perspectivas para a leitu ra e o estudo desses
textos, nao excluindo, por tanto, out ras possibilidades.
Logo na introducáo charnarnos atencéo para alguns dos principais
cuidados que devemos ter na leitura dos textos haja vista as espedfid-
Textos filosóficos em discussáo ~5==:::I(1)
dades históricas e a linguagem característica de cada autor e da própria
filosofia. Ou seja, a compreensác dos sentidos dos conceitos, polém icas
e problemáticas que os clássicos apresentam depende do contexto
histórico a partir do qual o filósofo escreve e da linha epistemológica
que assume.
A segunda parte do Iivro versa sobre o Mito da Csvema . Livro
VII, da A Republica, no qual Platáo apresenta urna filosofia política. O
autor discute a predilecáo humana em escolher a existe ncia envolta em
urna névoa, o carninho rnais fácil e mais suave, a mentalidade que evita
a mudanca a todo rusto. Platáo formula seu modelo ideal de ddade a
partir da nocáo de ddade jus ta , que serve ce contraste com a nocáo de
cidade concreta . Para definir essa idéia, o filósofo comeca a examina r o
que é justica, o que leva a investigar o conhecime nto da justka e, por
fim, o próprio conhecimento . A Alegoria da Caverna, que se encon tra
no inldo do livro VII desse diálogo, consis te precisamente em urna
imagem construida por Sócrates para explicar a seu interlocuto r, o
Glauco, o processo peloqual o homem passa ao se afastar do mu ndo
do senso comum e da opiniáo, em busca do saber, da vísác da idéia do
bem , da verdade. do conhecimento. Éeste precisamente o percurso do
prlsione irc até transformar-se em filósofo, devendo depois retomar a
caverna para cumprir sua tarefa ética, político-pedagógica de indicar a
seus antigos companheiros o ra minho.
Na terceira parte destacamos a obra O Príncipe, de Maquiavel,
que tem a política como tema central. Para Maquíavel. todas as relacóes
inter-humanas sao relacóes de poder. por isso é necessario conhecer o
funcionamento do poder, em suas várias circunstancias, para se obter
sucesso. O principe deve agir com virtú, domin ando a fortuna, termos
emprcgados por Maquiavel para interpretar os dais polos em torno dos
quais giram o sucesso e o insucesso das acóes.
Já na quar ta parte, buscamos entender o pensamento cartesiano
presente na obra Discurso do Método. A parti r do texto de Descartes
algumas noc óes específicas foram prioriaadas, entre elas: dualismo,
Q. APRESENTAC;ÁO
idealismo, subjetivismo e representac óo. E, específicamente nesta obra,
elucidacóes a temas como saber adquirido, ciencia e conhecimento em-
pírico. Descartes almeja e acredita poder obter a verdade absoluta, o
conhecimento verdadei ro sobre o mundo, ou seja, a verdade expressa
pela evidencia das coisas.
Por último , apresentamos o texto O Existendalismc é uro
Humanismo cuja temática central é a ética. Sart re afirma que o
Existencialismo é urna Filosofia contemporánea que toma a vida
humana possível. No entanto, nos alerta sobre as conseq üéndas da
banaliaacéo do termo que tornou um vulto tal, transformando-se em
moda. Sartre defende que o hornem é responsável por sua liberdade,
por sua acáo, ele existe e tem que dar canta desta existencia, tem que
dar canta dos costumes. da moral, da Ética, tem que fazer-se humano,
fazer a humanidade. E, dessa fonna, ele pode, ele está na cond írac e em
condicáo de realizar a utopía, fazer um mundo melhor com a máxima
liberdade humana.
Geraldo Balduino Horn
O rganizador
Textos filosóficos erodiscussác I'Z:::===(1)
INTRODU«;Á
•I
Cera/do Balduino Hom
SandroFernandes
1.1 fII.OSOfIA:
f ORMAl; ÁO SOCIAL E HISTÓRIA
Na Grécia, com o desenvolvimento da 610506.1 , principalmente
no período filosófico chamada de antropológico (entreos séculas IV e III
a.C),corndestaqueparaSócratesePlatáo,opoderseexerciano interior da
assembléia e daía importanciaque tinha a oratória e a dialética enquanto
art e de interrogar, questionar e provocara refíexác .10 interlocutor, a pla-
t éia ou o auditorio. Sócrates foi um dos primeiros filósofos a se destacar
na capacidade de argumentar áo e questíonamento. nao concordando
coma condutados sofis tas. Este filósofoutilizavaduas técnicas para, por
meio da interrogacác, tornar a argumentacáo consistente : a ironía, que
era a arte de interrogar e problematízar oassunto, ea maíéutíca.que era a
arte de evidenciar, com base nas crencasde seu interlocutor, um conjunto
TntO$ fibóficO$ em~(1)
de verdades, ou melhor, com base nos argumentos de quem participa da
díscussáo, mostrar os problemas ou falhas do discu rso.
Alguns filósofos, entre eles Kant, no século XVIII, passaram a
divulgar que todo ser humano tem condkóes de se apropriar, refletir e
redefinir seus valores espirituais e morais e que estes podem tornar-se
melhores . Essa razáo acreditava que o mundo poderia ser melh orado
com a disseminacáo dessa nova forma de entender e pensar as cci sas
que cercam o ser human o. Mas isso foi enfrentado também por filósofos
que negavam ou díscordavam das práticas burguesas : Marx, Engels,
Nietzsche, Schopenhauer e outros. Por exemplo, tai s pr áticas individua-
listas e liberais eram contrárias ao pe nsamento marxista que acreditava
que as muda nras só ocorreria m entre lutas por ques tóes materiaís e que
a maior parcela da pcpulacáo tarnbém deve ria participa r dos benefícios
do mundo modern o, os quais eram restritos aburguesía . que se tornou
e difundiu o capitalismo.
Esta oposkáo nos ajuda entender o objeti vo e o sentido da filosofia
em nossa existéncia na medida em que propóe debat er, confronta r idéías,
instaurar a suspeita, provocar a negacác e a ruptura, enfim, de incitar a
participacáo no processo de forrnacáo hum ana . Assim, ensinar filosofia
instiga .10 desmonte das certezas, .10 questionamen to do instituido,
permite transitar, at ravés de reflexóes e leituras de textos diversificados,
ínstrumenrali zando a crít ica e a ampliacáo da vísáo de mundo. Este
principio da filosofia "nao se ensina filosofia, mas sim a filosofar" é de
Kant . E por trás dessa pedagogía existe UITl.1. n~ao de autonomia uni -
versal e absoluta que é questionável: até que ponto nós decidimos com
nossa pr ópria cabeca? Em que medida somos determinados pela mima,
pela tradicáo, pela religiáo, etc ...? Hoje fala-se em autonomia relativa ou
autonomia permeada de heteronomia, isto é, de determinaróes exteriores
que inte rferem em nossas dedsóes e escolhas . Por exemplo : como pensar
autonoma mente , de forma universal, com a atual estrutura de poder,
coro as sombras que permeiam essa estrutura, com as determin acóes que
formam nossa vida?
i. INTRODUy\O
Percebam que nao há uro consenso na filosofia sobre seu caráter
didético, tampouco sobre sua funcáo. Produzir conceitos, ensinar a
filosofar, ou reflet ir dialetícamente sobre os problemas sodaís sao
caminhos possíveis da filosofia . Como alternativa é necessario lembrar
novamente Marx que diferentemente de Kant apresenta e questiona a
ideologia presente na filosofia kan tiana. Ele sugere como alternativa
refletir sobre as contradir óes e partir para acáo e mudanca social.
O hom em deve aprender a pensar, corno suge re a pedagogía kan -
tiana do Aufkla rung, o que significa a saída do homem de sua rnenon-
dade, ero busca do esclarecimento. Ele fica na men oridad e amedida que
se recusa a pensar por conta própria, se recusa a viver autonomamente,
pois é mais cómod o, de fato, viver sob a tutela natural da família, do
Estado, etc. A menoridade significa depender do outro para pensar,
pensar de mancira heterónoma - scguindo o estabcleddc por outros.
É mais fácil ser menor em nossa sodedade quando para viver nao se
depende do próprio pensar, quando o outro pode faeé-Io. Trata-se,
portanto, da idéía de muda nca cultural e de mentalídade que tem que
ser feíta, mai s do que pela mudanca política, pela forma de pensar das
pessoas, pela transformac áo via edu cacác.
1.2 A ALOSOFIA E O CONII ECIMENTO
Debrocar-se sobre textos, buscando entender as linhas e en -
trelinhas para 'admirar-se', 'espanta r-se', através de um pensar livre e
autónomo, que se cons ti tu í no instrumento primeiro da formac áo do
espirito, na atualidade, é realiza r a tarefa da filosofia . É verdade que
a proposta parece difícil e cada vez mais utópica, pcis a raaáo que
norteia a sociedade enquadraria esta busca como loucura. Haveria um
posicionamento hostil em relacáo autílidade do projeto filosófico, com
quest ionam en tos, como os citados por Rubem Alves (1982:20):
Plantar támaras para colher frutos daqui a cem anos?
Textos filosOfx:os em disrusslo(1)
Como, se já se decidiu que todos teremos que plan tar abóboras, a
serem colhídas daqui a seis meses?
Pensar é o contrário de servir. O pensamento reflexivo, que é a
base da filosofia, possibilita aproximacáo as quest óes do ser, deixando
o ter - a posse e o consumo - a urna instancia meramente servil e da
ordem da suficiencia. A preocupacáocom bens materiaís fica restrita ao
nível de conforto e nao como objetivo principal da vida de todos. Este
deve se r o objetivo do sab er filosófico . Outros atalhos, tao rapidame nte
quanto o crescimento das abóboras, apenas conduziráo ao mesmo lugar
do fracasso do conheci mento filosófico.
A razáo filosófica só supera a doutri na do individualismo se eh se
opuser radicalmentecomo alternativa reflexivaas doutrinas e normas esta-
belecidas como certezas. Isso possibilitará a construc áo de alternativas, nao
dogmáticas e aberras aelaboracáo de conceitos e novas id éias que interferiram
nas realidades que tentam apresentar verdades fechadas e universais.
No ensino médio, a filosofia apresenta como a racionalidade
humana se constituiu e como alguns filósofos foram importantes para a
formacác social da humanidade. Nesta apresen tacáo de alguns filósofos ,
procuraremos mostrar temas significat ivos para a filosofia e buscaremos
entender a fundo a terca que constitui a filosofia e institucionalizou
seu ensino. Historicamente significa sobretudo compreender temas,
au tores e textos que cons t ituem a história da filosofia .
Nessa perspectiva, crit icar o pensamento filosófico dominante,
aceita r a divers idade e avaliar a parcela e o todo pode const ituir °
horizonte para se concluir sobre a importa ncia da filosofia em sua
reflexáo-intervencáo sobre os elementos presentes em nosso processo
de formacáoeducacional.
Nesse sen tido, este livro propóe-se ap resen ta r alguns textos da
história da filosofia, p rivilegiando, ao mesm o tem po, a h istoricidade,
a pluralidade de concepcóes e urna vísáorigorosa a respeito dos princi-
país conceitos, categorias, temas e polémicas que os objetos dos textos
nos ap resentam.
i . 1NTRODUC;Ao
A filosofia é urna forma de conhecermos o mund o a nossa vol-
ta oConsiderando que conhecer é es tabelecer relac áo com as coisas,
conhecemos de acordo com o nível de relacionamento com as coisas
a nossa volta.
A religi áo, as ciencias, as tradícóes, as supersticóes e as crencas
tamb ém sao formas de conhecimento. Há urna divísáo muito utilizada
no conhecime nto, que coloca a ciencia como a forma mais eficiente,
caract erizand o as dem ais formas como senso com um - heranca do pen-
samento mo dern o. Hoje as ciencias sao reconhecidamente o meio mais
eficaz para elucidar dúvidas, comprovar teorias, resolver problemas e
con trolar sistemas e processos.
A filosofia é um campo distinto de conhecimento; diferen te
das demais ciencias, nao precisa de provas para desenvolver teorías,
mas de argumentos cons truidos coro clareza e coerénda . Interfere na
ccnstrucác de conceitos promovidos pelas ciencias, quando questíon a
os fins, os meios , as inte ncóes, as te nd éndas, os significados por meio
de an élises e crít icas.
1.3 A FILOSOFlA E O COTID IANO
A filosofia 0 0 cotidiano nos ajuda a compree nder a construcáo dos
significados das colsas a nosse volta. Quando afirmamos que algo é bon ito,
ternos que ter o conceito de bonito estabeleddo entre os interlocutores. Ou
seja, para apro fundar nossas discussóes e entendimento entre °sentido, a
esséncia e o conceito das coisas, bem como as construcóes de significados
e os conceitos sobre o mundo que nos cerca, é necessario entender, além
do campo de conhecimento da filosofia, como as idéias foram construidas
ao longo da histó ria da humanidade, principalmente as utilizadas pela
tradícáo do pensamento ocidental. Dessa forma, crit icar, refieti r, comparar
e analisar podem ser acóes realizadas com base na filosofia.
Ques tóes de filosofia discutida s em ou tras épocas aínda fazem
parte das reflexóes contemporáneas: A origem da vida? Do que sao
Textos filosóficos em discussáo(1)
feítas as coisas? De ande vém? O que é o ser humano? Qual seu papel
na sociedade? Como s.10 cons truidos os discursos e os raciocínios que
tentam explicar esses fenOmenos?
Questóes ate hoje presentes na producác intelectual tamb ém fo-
ram dúvidas de outros filósofos. por exemplo: O que e mais importante
para a vida do homem? O que prevalece: a esséncia ou o movimento? O
que permanece ou o que se transforma?
Isso levou a inúme ras questóes que desenvolveram também
grande numero de díscuss óes e conceitos filosóficos: As idéias sao mais
importantes que o mundo material? O que determina as relacóes entre
os seres humanos: a necessidade ou a natureza? Qual a importancia da
política na organiaacáo socia l? Há necessidade de se pensar nos outros
sempre? O que é ética? Qual a impo rtancia do outro em minh a vida?
Para que serve o conhecimento cient ífico? Existe urna maneíra car reta
de pensar científi camen te o mundo? Todos podem conhecer a ciencia?
Quem pode usar a ciencia? Existe urna verdade que valha para sempre?
Épossível construir urna verdade para sempre?
Essas questóes, que nao esgotam a producáo filosófica,esuode diver-
sas maneiras expostase discutidas nos textos que seráo apresentados nesta
obra. O papel da metafísica - da busca da essénda e da origem das coisas.
do conhedmento científico, da ética, da política e do poder - fará parte dos
momentos de refiexáoapresentados.
1.-1 A LEITURA DE OBRAS FILOSÓFICAS
Neste livro apresentaremos perspectivas de Ieitura da filosofia
por meio de quatro filósofos que ajudaram a cons tr uir a filosofia
contemporánea .
Antes de apresent á-los é fundamenta l mostrar camlnhos para
entendimento e desenvolvimento da leitura. Lembre-se que cada
capítulo t rata da introducáo a urna obra de um filósofo; dessa maneira
i. INTROOUc;A.O
nao esgotamos esse ass unto em determinada obra e tampouco en-
volveremos ou aprofundare mos discussóes em torno de toda obra do
filósofo apresentada .
Os principais aspectos de urna obra seráo apreciados com aten-
~ao, pois trata-se de aspectos conce ituais e históricos que tomaram
determinada obra fundamental para o desenvolvimento da filosofia.
Lembre-se que en tender o contexto histórico e a conjuntura da
produrá c ajudará a interpretar a obra e a compreender sua impo rtancia
em determinada época e mesmo as possibilidades de construcác do
raciodníc do autor apresentado.
Cada autor tem particula ridades quanto a escrit a influenciada
pela época: influencias teóricas, oposicóes teóricas e paradigmas - mo-
delos de pensam en to necessários para elaboracáode conceitos, mas que
podem ser rompidos, transformados e superados por outros paradigmas
- , relacionados ao tema apresentado: exist énda, conh ecimento, políti -
ca, éti ca , justica, etc. Necessariamente as obras apresentadas aqui nao
tero relar óes explicitadas pelos autores. Mas com base nelas é possível
construi r raciocinios que abordem diversos temas filosóficos .
Urna dica é tentar perceber como os argumentos dos diversos
au tores sao apresentados. Há estilos diferentes e podem ser cposicóes
a determinados raciocínios da época, divergindo ou apenas interagindo
com as refíexóes da época . Também podem ser continuacáo de doutri-
nas anteriores, que nao precisam pertencer a mesma época - podem
apresen tar continuidade com as doutrinas de filósofos de séculos ante-
riores. Há producóes filosóficas que foram elaboradas com base no que
e pensado em determinado momen to, ou seja , hásis tematizacác do que
já foi pensado, mas t ém momentos na hist ória da filosofia em que há
producóes inovadoras. rupturas e criacáo de altern at ivas teóricas que
buscam transform ar o que é pensado .
Nos discursos dos autores apre sentados é possível perceber
tentativas de rompim ento com o pensamento hegemónico da época,
tenta tivas de construráo de novas perspectivas racionáis ou mesmo
Ttxtos filosófi'O$l'm díscussac(1)
1I
1
apresentacáo sistemática do pensamento e da conjuntura histórica
racional. Estesmovimentos do pensamento filosófico foram marcados
por rompimentos, renasdmentos, continuidades. E ocorreram por
discordancia política, religiosa, ideológica, conflitos de dasses, diver-
gencias científicas, estéticas e éticas, sempre dentro de uro contexto
histórico, que, se nao é determinante para a ocorrénda do movimento
no pensamento, é fundamental para entend é-lo atualmente.
Para refl.etir sobre, ou entender, a construcáo filosófica dos
autores apresentados, é necessário compreender seu raciocinio e sua
est rategia de construcác de argumentos. Paraquem o auto r escreve?
Por que ele escreve? Como ele escreve? Quais críticas estáo presentes
em seu discurso?
Sao perguntas fundamentais para analisar o discurso, ou seja,
um passo para compreender, int erpretar, analisar, criticar, refietír e/ou
aplicar o que o autor produziu.
Lembramos que a construcá o do raciocinio depende de argumen·
tos; estes t ém hierarquia e aprese ntam a tese ou teses do autor. Dessa
maneira, ente nder a diferenca entre argumentos e tesefs) é fundamental
para comp reender o discurso do autor. Argumentos sao as defesas, jus-
tificativas, sustentacées de idéias que sao fundamentais para nos levar
atese do autor. Argume ntos sustentam teses, que sao idéias que o autor
acredita serem originais e importantes para mudancas ou construcáo
novas perspectivas dentro do assunto tratado.
1.4 .1 Alguns passos para leitura de textos
Para que vecéaproveite ao máximo a leitura dos textos, indicamos
alguns passos, para sistematizacáo e estudo e, na medida do possível ,
vecéo utilize habitualmente.
i. INTRODUC;Ao
1
Faca urna primeira leitura, buscando a vísáo doconteúdo como um todo,
entendendo a lógica de sua elabcracáo.
Releia o texto, anotandopalavras ouexpressóes desconhecídas,e sublínhe
as idéias centraís.
Leia novamente e procure entender a idéia principal que podeestarexplicita
ou implícita no texto, bemcomo os prirxipaia argumentos usados na defesa
das idéias.
Localize e compare as idéias entre si,procurando semethan~as O" diferen~as.
Interprete as ídéias. tentandodescobrir conclusóes a queo autorchegou.
Elabore urna síntese/resumo/aprecíacéocrítica. se possfvel estabelecendo
relacces com questóes atuaisquevecéconhece.
1.5 O SE NTIDO DOS TEXTOS
FILOSÓFICOS
Que diferenca fará a leitura deste livro e destes textos em minha
vida? Esta deve ser a pergunta que vecésempre se fará ao ler este e out ros
livros de filosofia. Além do que foi dito anteriormente, o texto filosófico
deve estar presente em sua vida como ortentaráo para reflexáo,mesmo
que negativa, ou seja, refiexáoque leva a negar o texto. Mas o texto deve
ser entendido e nao negado pela incapad dade de entendimento ou pela
discordancia em relacáo áquilo em que vecé acredi ta . No texto devem
ser entendidas as relacóes cotidianas, as vezes dista ntes, podendo ser
analisadas com base no texto de que porventura vec é tenha discordad o.
Entáo, nao se preocupe em simplesmente criticar o texto , mas principal-
mente compreendé-lo para que possa auxili é-lo na compreensáo deste
mundo complexo no qual vivemos.
Naosabendo exatamente o motivo para leitu ra deste livro: estudos
no ensino médío: introducáoafilosofia; ampliacáodos conhecimentos,
nossa proposta eque vec é leia atentamente seguindo as orientac óes do
item 1.4.1.
Textosfilosóficosemdiscuesáo 1:iZ7¡;:=:::(1)
1 cf KAHN, 1999, p. 49
Platáo nasceu no século V a. e, em 427, na cidade de Atenas,
Grécia an tiga. Os dados que ternos sobre sua vida sao muito escassos.
As principais informar óes nos foram tra nsmitidas por Diógenes
La ércío, um autor do terceiro século de nossa era, que se baseou nos
testemunhos de contemporáneos e discípulos de Plat ác para descrever
os traeos da vida do filósofo ateniense.
Plat áo vinha de urna familia ar istocrática. Da par te de sua máe,
Perictícne. havia um parent esco com o famoso legislador ateniense
Sólon. Da parte do pai. Ariston, Platáo estava ligado a Codro, o último
rei de Atenas. Sabe-se também que Ariston man tinha conexóes impor-
tan tes com Pérícles' . Esse fato mostra que o contexto no qual nasceu
1.1 CONTEXTO HISTÓRICO DA VIDA E
OBRA DE PLATÁO
MITO DA CAV:ERNA -
PLATAO
Textos filosóficos eradiscussáo(1)
Anderson de PaulaBorges
1. MITO DA CAVERNA - PLATÁO
Este livro nao esgota a leitura dos autores, ta mpouco é a única
aproximacác possível de leitura dos originais. Isto deve ser urna meta
em seus estu dos: nao se satisfaca apenas com esta leitura, busque
principalme nte os originais de cada filósofo citado e também alguns
comentadores (autores que explicam alguns conceitos e trajetória int e-
lectua l dos pensadores).
Platác nao era apenas um ambiente aristocrático, mas era tamb ém
urna at mósfera em que as pessoas estavam ligadas aos círculos mais
centráis da vida política de Atenas. Pérides é considerado um símbolo
do período áureo de Atenas, alérn de ser o paí da democracia ateniense.
Sobre a líderanca e o governo de Pérides, Tucídldes comentou que
"este governo, chamada democracia, é na verdade o governo de um só
homern ,'? Tud dides, um admirador de Péricles, relatou que, apesar dos
mecanismos democráticos de dedsáo que foram estimulados no gover-
no de Péricles, havía urna clara demonstracáo de lideranra e confianca
neste último, a pon to de seu governo ser, ao mesmo tempo, democrático
e monárquico.
Quando Platáo nasceu, porém, já passava um ano da morte
de Pérides. Um poueo antes, Atenas e Espar ta iníciavam a Guerra do
Peloponeso, que se estendeu até 404a.C., momento em que Atenas ca-
pitulou diante de Esparta. A Guerra do Peloponeso foi palco da oposícáo,
do ponto de vista político, de partidarios de duas fonnas de regime: o
democrát ico e °oligárquico. Os democratas eram os que, instados pelo
estratego Pér ides, levaram Atenas ao apogeu económico e cultural, mas
também aguerra coro Esparta. Os oligarcas eram, entre outros, Lisandro,
Terámenes, Crítias, Cármides, Sócrates e Platáo. Os quatrc primeiros
participaram do "Governo dos Trinta", regime violento e corrupto que se
instalou em Atenas após a derrota desta para Esparta. Embora tenham
tido ligacóes com o Governo dos Trinta (Crít ias era primo de Platác e
aluno de Sócrates , junto com Cármides), e apesar de nao serem favoráveis
ade mocracia, Sócrates e Platác nao aprovaram o regime dos Trinta. Ka
entanto. foi sob a democracia, restaurada após esse governo tiránico.
que Sócrates seria condenado a bebe r cicuta, numa clara alusáo aos des-
mandas do governo tiránico, que também condenava acicuta os líderes
democráticos que poderiam oferecer alguma resistencia. O fato é que a
atmosfera política na qual Platáo nasceu foí bastante nebulo sa. A demo-
cracia , vigorosa no tempo de Péricles, se deixou levar pela astúda oratoria
2 ~pud MOSSÉ, 1999, p. 35.
I. MITO DACAVERNA. PLATÁO
de Alcibiades, o que revela sua natureza volátil. Aoligarquia, muitas vezes
compos ta por hornens esclarecidos e bem intencionados, quando chegou
ao poder se transformou numa tirania como a dos Trinta.
Bem antes da guerra, Atenas experimentou, no entanto, um
período de apogeu. É°periodo chamado "século de Péricles". Pérícles
governou Atenas sob excelentes condkées sodais e íntelectuais, as
quais já estavam, é verdade, latentes no periodo anterior, mas que ine-
gavelmente forarn estimuladas em seu governo. Apesar dessa pujanca
cultu ral, é bom que se diga quea filosofia nunca foi "popular" em Atenas.
Segu ndo a historiadora Claude Mcssé', no tempo de Péridesa riqueza
in telectual de Atenas podia ser dividida em dois dominios distintos: o
inte lectual e o religioso. O primeiro nao ating ia, de fato, a maior ia dos
ddadáos atenie nses. Os mais próximos de Péricles reuniam-se na casa
de Aspásia , sua companheira, para ouvir Protágoras, Anaxágoras, os
raciocinios de Zenáo e ou tros sofistas.
Mas a grande massa preferi a mesmo ir ao teatr o para assis tir
as pec;as de Ésquilo, Sófocles e Aristófanes. A pe~a As Nuvens, de
Aristófanes, dá urna boa idéia de como os atenienses encaravam a
atividade de Sócrates (470-399 a.C.). Essa peca traz um ret rato bu rlesco
de Sócrates, "sacerdote de tolices sutilíssimas" 4. Ele é o investigador da
natureza, recolhido no Pensatório, inteiramente absorto com questóes
metafísicas, tai s como o número de vezes que urna pulga pode saltar o
tama nho dos próprios pés. O contato de Sócrates com o personagem
Estrepsíades gera urna sucessáo de mal-entendidos por parte des te
últ imo. Estrepsíadesvai ao Pensa t ório com o intuito de se instruir na
sabedoria de Sócrates. A ironía é que ele tem um problema económico
concreto e desejava o auxílio do sábio. Sua total inexperiencia, porém,
em questóes meditativas, o conduz ao fracasso completo. É importante
notar que o encontro entre Sócrates e Estrepsíades nao se dá nos moldes
da maiéutica socrática. Aristófanes optou por realcar a incomunicabili-
da~~entre os doís , de modo que a conversa se assemelha el UIll diálogo
3 MOSS~, 1991, pp. 35ss
4 Al Nuwn~. P",s.ador~s. 1996.
T~Jnos fllosólKosmi discusslo(1)
de surdos, senda Sócrates um pensador distante, ensimesmado, e
Estrepsíades um trapalháo contumaz. Nao há diálogo porque o Sócrates
de Aristófanes é um sofista, mestre na arte da pantomima verbal. Eo
queAristófanes pensava daativídade de Sócratesestá representado nos
usos que Fidípides,outro personagem das Nuvem, faz do ensinamento
socrático,justificando a víclénda contrao próprio pai.
Por outro lado, as condkóes que levaram Sócrates amorte des-
tacam outro aspecto das relacóes entre a ddade e a filosofia. Sócrates
foi acusado por tres cidadáos atenienses, Anito. Melero e Lícon, de
dais crimes: introduzir novos deuses na ddade e ser um corruptor de
jovens. Foi condenado amorte por um tribunal. em 399 a.C. Conforme
o relato de Platáo, na Apologia de Sócrates. o julgamento de Sócrates foi,
na verdade, urnavinganca da Atenas "democrática" contra Sócrates. O
"crime" deSócrates foi ter ensinadoo alcance real do verdadeirc conhe-
cimento: saber a extenstio de todas ascoisas sobre as quais nadasabemos.
Mas para urna Atenas que tinha passado por tantas agruras no período
da guerra com Esparta, e cujos cidadáos tinham experimentado um
regime como o dos Trinta,Sócrates erauro"problema". Olivre exercicio
do pensamento, o questíonamento das crencas religiosas e a busca do
auto-conhedmento, preconizados pelo filósofo. nao eram exatamente
os ideáis que os atenienses ccnsideravam oportunos naquele momento
"pos-guerra".
Platáonos conta que Sócratesestava rodeado de amigos e sereno
quando bebeua cicuta. O efeito de sua morte, no entanto, jamais deixou
de perturbar Platáo. O que Platáo escreve na República é um projeto
acercado estilo de vida privada, berncomo do tipo de concepcáo políti-
ca, intelectual e económica a que urna cidade deve aspirar, se deseja, de
fato, ser justa e evitar os males da socíedade que matou Sócrates.
Na Carta Sétima, obra que hoje é tída como aut éntica'; Plat ác
revela por que fez da filosofia, na República, o idealde governo político:
5 cr.BRISSON, 2003, pp. 23·34.
"(...1A le¡ e a moralestavamde tal modocorrompidas que eu, antes cheio
de ardor para trabalhar para o bem comum, considerando esta situar áo,
e vendo como tudo era mal administrado. acabe¡ por ficar aturdido (...[,
Finalmente, compreendi que todos os Estados atualssác malgovernedos,
poissua leglslac áoé quaseirremedíável semenérgicas prcvidéncias unidas
a felízes cireunst áncías. Fui, enUo, levado a locvar a verdadeira filosofia ~
a proclamarque somente á sua luz se podereconhecer ende está a jU5ti~
na vidapública e na. vida privada. Porta.nto, os males náo cessarácpara os
borneas antes que <lo estirpe dos puros filósofos chegue .10 poderou qu~ os
govemantes das Cidades, por urna. gr.1~a divina, se ponham verdadeira-
mente a filosofar" (Carta. VII, 325~·326~) .
Esse testemunhopessoaldo filósofoé de importancia fundamen-
tal para quem deseja urna oríentacáo na interpretacáo dos diálogos. A
partir do texto da Carta Sétima é possivel saber que Platáo aspirava a
carreira política desde a juventude. O testemunho ilumina a compre-
ensáo de suas tres obras políticas fundamentaís, Górgias, Repúbliro e
Leis, rujo teoré a insistenciaero estabelecerpar ámetros moráis sólidos
para a cidade. Esintomático da experiénda política de Platáo o trecho
no qual ele descreve seu projeto filosófico: elevar o 61ósofoao posta de
govemante, ou tornar o govemante um estudioso da filosofia. Aúltima
opcao. como já sabia Plat áo, s6 acorre pela. intervencéo de urna "graca
divina". Mas a primeira alternativa foi objeto de um audadoso e siste-
mático programa: o texto da República .
1. 2 APRESENTAc;:ÁO DA OBRA
a) Porque PlatAo escreveu diálogos?
SegundoGoldschrnidt (2002. lntrodu(iio,p.02), o própriododiá-
logo platónico é formare nao informar. pois se trata de urna mcdalídade
de escrita que privilegia o drama, em detrimento da solucácda questáo
filosófica. Nesse sentido, o diálogo é distinto do manual. Nao possui a
estrutu ra ordenadae cronológicade temas que os rnanuais apresentam.
l. MITODA CAVERNA· PLATÁQ Textos filosóficosern discussáo(1)
Comp reende mal Platáo, portanto, quem vagueia pelo texto, pegando
aquí e ali referencias esparsas para montar um resumo, hem .10 gosto da
vis ác sintética de nossa epoca. Ao ler Plat áo. é preciso estar disposto a
entrar no diálogo e acompanhá-lo. Cada diálogo tem urna cena própria,
com personagens, um tema central e um local definido. Sócrates é
o perso nagem principal da maior parte deles. O comeco do diálogo é
sempre trivial, quase pito resco, mas ern certc momento, Sócra tes passa
aquestác central: o que é a amizade, a beleza da alma, a coragem? Há
um progresso dramát ico, que é o continuo movi mentc ero direcáo ao
núcleo do tema . Esse progresso serve a urna tese de Platáo: a filosofia
deve servir mais .10 saber que aínformacáo.
b) Ospersonagens
A República foi escrita por volta de 375 a.e. A atmosfera histórica,
no entanto, teve lugar ero plena Guerra do Peloponeso. A cena dramática
da República se desenvolveu no período cha mado "Paz de Níd as", urna
trégua na guerra, assinada em 421 a.C. Essa paz nao durada mais de seis
anos, pois Atenas, envolvida por Alcibíades, rornpeu a tregua ero 415 e
reiniciou a guerra .
Algumas personage ns da República sao propositadamente figuras
que tivera m alguma evide ncia em Atenas. Céfalo é um come rciante que
te rá os bens confiscados pelo "Govem o dos Trinta". Polemarco, filho de
Céfalo, será executado pelo mes mo govemo. Outra figura importante.
sobretudo no Livro 1, é Trasimaco, sofista da Calcedónia. O papel de
Trasimaco na República é proporcionar um cont raponto a filosofia
socrático-platónica. Trasímaco defe ndía ardorosa mente urna concepc áo
polít ica baseada na "le¡ do mais forte". Do ponto de vista da argumenta-
cáo de Trasírnaco, o maís forte é o govemante, e a justica é o nome que
se dá .10 estado de coisas que o governante con sidera o mais adequado.
Hábil orador, o sofista nao se deixou vencer fadlment e por Sócrates (cf.
os insultos, ero 337.1,340d, 343a); tampouco acreditou na possibilida de
de um governo político em que os ddadáos seriam virtuosos e as leis,
l. MITODACAVERNA - PLATÁO
democráticas. Embora sua partidpacáo se limite .10 livro 1, o fato de ele
retom ar aconversar áo no livro V (450a-b) confirma seu papel na dís-
cuss áo sobre a [us tka no Iivro 1e o prcjeto da República. O restante do
diálogo é urna longa e detalhada refutacác da tese de Trasímaco. PIaUo
mostrará que a ess énd a da justica passa pela educecac dos cidadáos ,
especialmente a educacáo moral, pela divisáo do trabalho social e pela
organizacáo política baseada no mérito cognitivo. Para Platáo é preciso
escolher govemantes de acordo com sua inteligencia, visáo de conjunto
e dedícacáo exclusiva avida pública.
Sócrates é também um personagem envolvido na política, pois
viria a ser executado como traidor da democracia . Seu papel no diálogo
é ser o porta-voz do pensamento de Platáo. As demais personagens,
Glauco e Adimanto, irmáos de Platáo, sao as que, junto com Sócrates,
conduzem o diálogo.
c) DivisaD do texto e argumentocentral
A República está dividida em dea lívrcs. Essa d assíficacáo nao foi
pensada por Plat áo, mas por ed itores ta rdios . Também é dos editores
a divisáo do texto em parágrafos numerados, feita pelo francés Henri
Estienne, no século XVI, quandoeditou a obra platónica em grego e
latim. Os es tudiosos preferem o texto que traz a divisáo dos parágrafos
porq ue facilita bastante as referencias .10 texto e aos argumentos.
Segundo watanabe', a República encontra-se na mesma linha
que a obra Ilíada. de Home ro, e História, de Heródoto. Sao obras que
"pretendem guia r seus ou vintes". Na República, Platáo convida o leitor
a elaborar. no pensame nto. urna ddade-estadc ideal. Esse projeto se
desenvolve, conforme Nicolas Pappas' , por meio da elaboracáo de um
único arg umento central, especialmente nos livros JI , IIJ. VIlI e IX. Esse
argumento é o seguinte: Individuo e Cidade cont ém forras intern as ero
confiitc entre si: nas d da des , o conflito é entre as d asses sociais. Na
alma, ent r~ as par tes racional, em otiva e desejante. Ajustica na cidade e
6 WATANABE, 1995. p. 34
7 PAPPAS, 1996, 3S·38.
Tutos filosóficos em discussáo ~25C==(1)
I I
na alma é a harmonia destas forcas. Ajustica é vantajosa porqu e, quanto
maíor o eonflito, tanto na cidade como na alma, maior é a mis éria social
ou individual que precisa ser reparada pela justica.
Nas linhas seguintes, apresentamos urnaanálise desse argumen-
to. Tendo no livro I uro ponto de partida, indicaremos o modo como
Plat áo desenvolve a analogia entre ciclarle, alma e individuo. É a luz
dessa analogia que devemos ler e estudar os tópicos sobre a educacáo
dos guardiáes que constituem os temas do livroVII.
d) oargumento central: analogia entre alma e ddade
O primeiro livro da Repúhlica é uro prelúdio (d. 357a) aobra como
urotodo. Centrado na questáoda justícae nafigura de Trasímaco, é uro livro
dedicado a probematíaacác de algurnas teses comuns sobre a justica. Há
um consenso entre os especialistas de Platáo de que o livro 1é dramática e
estilistic.amente diferente dos demaís.Goldschmidt",por exemplo, considera
o livro I independente do restante da República por se apresentar como urna
íntroducáosocrática ao tema da justica. Estruturalmente, é uro livromuito
semelhanteaosdiálogos de juventudede Platáo.eroqueodebatedificilmente
mega a uro resultado positivo. Issoocorre porquea naturezadaconversaé o
teste de hipóteses, a refutacáode conceitos e o convítepara que o leitor de
continuidadeadíscussáo. Porisso, no Livro 1,
"Comeccu-se por examinar a natu reza da justir a. Em seguida, a conversa
desviou-se p;lraa questao de sabersea .Justicaé vícío ou virtude, ignorancia
ou sabedora. Enfim, perguruou-se se a injusti~a era mais vantajosa que
a jusli~a: De modo que o resultado da díscussáo é que nada sei; pois nao
sabendo o que é a J ustíca. se¡ menos ainda se é virtude ou nao, e se aquele
que a possui é feliz ou infeliz (Rep.354,)" ~.
Apesar dessa índefinícáo,háelementos positivos no debate, Decerto
modo, o livro I mostra que há urna relacáo entre a questáo da feliddade e
o tema da justíca. O personagem que melhor revela esse vínculo é Céfalo,
8 GOLDSCHMIDT, 2002, pp. 122
9 GOLDSCHMIDT, 2002, pp. 125 ·6
por estar na velhicee gozar de urnavida materialmente tranqüila.Éna casa
destehornero simples, "meteco"(estrangeiro) eroAtenas, que tero início o
debate filosófico da República. Questionado por Sócrates sobre qua!a maior
vantagem obtida com sua riqueza, Céfalo responde que esta lhe permite
viverna generosidade, honestidade e justica. Essa falade Céfalo dá o mote
para que Sócrates pergunte: o que vem a ser esta "justíca"? Céfalo responde
coroa opiniáodo poeta Simónides, segundoa qual a justicaconsisteem "dar
a cada uroo que é seu?", O filho de Céfalo, Polemarca, modifica um pouco
essa opiníéo quando assume a discussáo em lugar de seu pai. Polemarco
acrescenta que a justíca distribui benfeitoria aos amigos e prejuízo aos
inimigos (332d). Naanálisedo filósofo Leo Strauss,a opiniáo de Polemarco
reflete o espírito público, a dedícacáo acidade e o patriotísmo. Os amigos
sao nossos concidadáos e os inimigos,estrangeiros.Ademais, é a únicadas
tesessobre a justicado livroI conservada por inteiro no contexto da cídade
plat ónica!' . Naessénda, trata-seda tesede que a justicarealizaurnaespécie
de distribuicáocarreta daquiloqueé por direitodecadaum. Nacidade ideal,
a justica será precisamente um estado de equilibrio socialno qual cada uro
faz e recebeo que !he cabe.
Por outro lado, Irwin lembra que "a sugestáo de Polemarca sobre a
justícaautorizao tipo de tratamento quehaveremosde considerar flagrante-
mente injusto quando formas vítima dele?". Éo casodo próprio Polemarca,
assassinado pelo govemo dos Trinta. O ponto fraco da tese, portanto, é
que ela nao está livre do erro de confundirmos urna pessoa inocente com
o inimigo. Por isso, a definicáo de Polemarca é rejeitada por Sócrates com a
demonstracáo de que elaacarreta duas conseqüéncias índeseiáveís. Empri-
meiro lugar, ela admite que seja possívelapessoaouaacáojusta "prejudicar
algu ém" (335b), Em segundo lugar, ela toma a justica potencialmente capaz
de tomar os inimigos maís "injustos"do que saoatualmente.
Com a intervencáo de Trasímaco as coisas se tornam mais som-
brias em termos de definicáo de justíca. Para Trasímaco, "a justica é e..)
10 cr.REPÚfll.ICA. 3311'
11 STRAUSS, 1996 , p. 47
12 IRWIN, 1995, p. 172.
l . MITODA CAVERNA- PLATÁo Textos filosóficos em discussác(1) EZ7Z::==::
a conveniencia do mais forte (339a)". Essa tese, hobesiana na ess éncia,
também é plausível, embora num sentido bem diferente da tese de
Polemarco e Céfalo. ParaTrasímaco, o justo é o que está identificado aLei
e ao Estado. Serjusto é cumprir a constituicáo de cadagoverno e zelar por
seu interesse. Modernamente chama-se a isso de "positivismo jurídico'?",
urna concepc áo política que ve na legislacáo a expressáo última dos dita-
mes da justica, sem que seja preciso recorrer a qualquer outro valor. Para
Trasímaco, a lei do mais forte é infalível, pois o governante que honra a
esséncia de seu posto nao pode cometer erros, assim como o artes áo que
explora a infalibilidade de sua arte nao a deprecia. Trasímaco nao aceita,
porém, que se neguem as vantagens da injustica sobre a justica. É urna
posicáo radical. Éfácil ver que levaao imoralismo e niilismo, tornando-se
insustentável. Se adotarmos a tese de Trasímaco, corremos o risco de
defender urna concepcáo de justica baseada no apego ao poder, com a
legitimidade sendo garantida pela forca.
Entre os leitores da República, nem sempre a tese de Trasímaco é
direcionada para o aspecto negativo do poder, em que pese sua evidente
tendencia para esse sentido. A funcáo da tese, porém, é mostrar até
onde pode ir urna concepcáo de justica desvinculada do aspecto moral
e cognitivo.
Logo após a retirada de Trasímaco, Glauco intervém para dar
prosseguimento ateoria deste último. Nao discordando da identidade
ent re o justo, o legal e o governo, Glauco descreve a origem da lei na
hipocr isia. Cálicles, no Górgias, destacou a origem da moral como
invencáo dos fracos em detrimentos dos fortes (483ss) . Glauco vai
na mesma linha ao mostrar que a natureza humana está propensa a
cometer injusticas. Segundo Glauco, quando o homem nao as comete,
é por medo das conseqü éncias (358-59). Observe-se que em nenhuma
dessas posicóes se tratou da J ust ica "ernsi mesma", Glauco e Adimanto
insistem que isto é urna falha, o que leva Sócrates a imaginar a cidade
perfeita para descobrir nela o papel da Justica.
É preciso levar em conta que a cidade imaginada por
13 STRAUSS, 1996, p. 47
Sócrates para ilustrar a correta concepcáo da J ustica nao é um projeto
político concreto, pronto para ser posto em prática . Muitos analisam a
cidade ideal e em seguida avaliam suas condicóes práticas de realizacáo.
Platáo diz na República que nao importa se a cidade existirá ou nao um
dia. O que importa é que somente em suas leis e em nenhuma outra deve
o sábio fundamentar sua conduta (592b). Com base nessa passagem,
Goldschmidt mostra que a cidade é um paradigma que fornece os traeos
ideais de urna cidade justa" ,
Platáoquer mostrar que a história da origem, acabamento e
decadencia da Cidade na República é análoga ahistória do nascimento,
maturacáo e decadencia das almas no mundo. Asforcasinerentes acidade
que levam adecadencia sao as mesmas forcas inerentes ao individuo que
o conduzem avida injusta e infeliz. Para fugir desse destino, é preciso
postular um Bem Comum e criar condicóes para que o individuo viva na
cidade, conforme os ditames deste Bem.Esse é o objetivo da educacáodos
guardiáes que será o tema do livro VII.
Platáo sabe, no entanto, que o individuo nao conheceo Beme tende,
invariavelmente, para o Mal. A conviccáo fundamental de Sócrates, nesse
sentido,é que ninguém fazo Malvoluntariamente e nem o deseja.Aorigem
do Malé a ignorancia.Deoutro lado,a origem da decadencia da Cidade está
na ausenciado saber sobre o que tem valorna vida.ParaPlatáo, é a filosofia
que proporciona este saber, que faz a alma galgaro plano indefectível das
idéias. O ensinamento filosófico, porérn, nao é fácil. Naosao todos que t érn
pendor para a filosofia. Ela exige educacáo e certo distanciamento critico
daquilo que constitui o trivialda vida humana. Éesse tipo de renúncia que
os guardiáes teráo que fazer quando forem afastados da familia para se
dedicarem aos estudos. Neste programa, é sintomático que o livroVrevele
o quanto sabia Platáo sobre as diversasnaturezas e aptid óesque os homens
podem demonstrar. Platáo observa que existem comportamentos inatos
e habilidades aprendidas, e que homens e mullieres podem partilhar das
mesmas aptidóes, sem prejuízo para a diferenca de natureza entre os dois.
14 GOLDSCHMIDT, 1947, p. 49 . Ver ta rnb ém do mes mo autor OsDiálogos dePlatao. Sao Paulo: Loyola,
2002 .
1. MITO DA CAVERNA - PLATÁO Textos filosóficos erodiscussáo(1)
Esse comunitarismc, porém, tem um limite. Platáo sabe que a
maioria nao está destinada adlalética e que isso representa urna dificul -
dade para manter a unidade da Cidade em tomo do Bem. Como resolver
o problema? A resposta de Platác é um programa de "educacáo total"
dos rnelhores da comu nidade. Picará rese rvada .lOS demais a parcela de
trabalho, educacáo e lazer que Ihes cabe, mas aos soldados e guardláes
a educacáo deve ser plena, contin ua e comunitária. O primeiro passo é
a educacáo musical e a ginástica (44 1e), um tr einamento que impedi rá
que os elementos da alma (o racional, o emotivo e o dese iante) travem
relacóesconft itantes entre si.
Na opiniño de Platáo, a maior parte dos cidadáos nao manifesta
propensáo ao estudo intensivo porque o fato r dominante em sua vida é
Eros . Nesse sentido, Leo Straus observa que parece haver urna tensáo na
República entre o Eros e a Cidade". Se, po r um lado. a justica se realiza
no interior da ddade na medida em que cada um cumpre sua funcáo, por
outro lado o que quebra esta harmonía.Iancando a cidade na decadencia,
é justamente o "canto de se reia" de Eros que sing ra na alma dos d dadéos.
Note-se , por exemplo, que o Eros que causa o dedínio da Cídade é o
mesmo que dáorigem aalma tiránica(d. 572).
Isso nao quer dizer, no entanto, que tenhamos que rejeitar Eros.
Dentre as medidas sugeridas na República para sanar o problema encon-
tra-se , com efeíto, a moderacáo do impulso erótico mais básico do se r
humano: a familia. Essa medida deve ser tomada no ámbito da educacáo
dos guardiáes. O que existe de tao censu rável na familia? Ela representa
o individualismo no contexto da República. Platáo sabe que os efeitos do
predomínio de Eros na esfera das relacóes humanas sao muito fortes e
sabe também que nao é suficiente enca minhar o governo justo através da
coincidencia ent re filosofia e politica. Amulr id áo nao ade re com fadlidade
.lOS preceitos dos filósofos. Mais uma vez sente-se o peso do argumento
de Trasímaco: a justíca, em certa medida , é obediencia alei. Daí as medi-
das coadjuvantes que o texto da Repúblicasugere:cducacáo dos guardíñes,
15 STRAUSS, L., 1996, p. 57.
restricóes ao individualismo , apologia dasvirtudes, etc.
Retomemos, em síntese, o cerne do argumento central da
República: tanto na alma como na cidade existem forras intestinas que
estáo em conftito. O que gera o conflito é a predominancia de urna forra
que extrapola sua funcáo . Cabe a razáo administrar a alma no corpo
do individue e evitar esse desequilibrio. Na d dade, a razáo está per-
sonificada na figu ra do filósofo. Essa analogía também fornece a causa
do fracasso dos regimes políti cos na d dade: a aristocracia exagera seu
pri ncípio (elite ) e cai. O mesmo acontece com a oligarquia, cujo principio
é a riqueza , e a democracia, que exage ra seu principio na medida em que
guia todas as decisóes pela vontade da assembléia. A democracia entra
em decadencia po rque o povo leva Eros na alma e nao escapa aruina que
o desejo individualista provoca na dimensác social da comunidade.
Para curar esses desvios psíquicos, rujo resultado mais perigoso
é a decade ncia moral e social da ddade, Plat áo oferece urna via : o
conhecimento metafísico.
e) A cura pela Metafísica
Goldschmidt" nota que, an tes de apr esentar o projeto do governo
dos filósofos, Plat áo define na República o que é um filósofo. Essa defi-
ni~ao inicia com a seguinte premíssa: "quem deseja urna coísa deseja-a
na sua total idade" (475b). O filósofo deseja a sabedo ria , logo o tipo de
conhecimento que o filósofo possui é a totalldade do saber, Éimportante
reHeti r sobre essa definiráo porque eIa encaminha a discussáo sob re o
conhecimento no final do livrc V e prepara o tema central do livro VII.
Antes de tratannos do livro VlI, convém refietir bastante sobre o
que Platáo escreve no final do Iivro V. O argumento principal no Iivro V é
secundado por algumas premissas apresentadas por Sócrates, num con-
texto em que o debate se dácom os chamados "Amantes de Espet áculos"
(475d, 476a-b), Taís "Amantes" sao pessoas que nao manifestam nenh um
apreco por díscussóes díal étícas e pela Teoria da Formas. Éurna refer én-
16 GOLDSCHM IDT, 2002 , p. 269.
l. MITODACAVERNA- PLATÁO TUfOS filosóficos em discuss.io(1)
í
cte aos individuos que pautam suas definicóes, palpites e dedsóes pelas
experiencias com as coisas sensíveis. O debate com tais pessoas serve ao
propósito de mostrar aos Amantes de Espetáculos que o conteúdo do que
eles julgam saber, na verdade, é opiniáo e nao conhecimento.
Conforme a análisede Gail Pine'",a estratégia de Platác para pro·
var esse ponto é correlacionar u conhecimento com o Que é, a opinia.o
com o Que é e nao é e a ignorancia (agnoia) com o que nao é. Essa
estratégia é coordenada por um conjunto de seis premissas que levam a
conclusáode que os Amantes de Bspetáculos podem, no máximo, chegar
adimensáo da opiniáo. As premissas sao as seguintes :
1) quem conhece conhece algo (t!1 (476e7-9);
2) quem conhece conhece algo que é (on ti), pois nao se pode
conhecer algo que nao é (méon ti) (476el D-ll);
3) o que é completamente é completamente cognoscível; o que
nao é de nenhum modo, nao é de nenhurna forma cognoscivel
(477a2-4);
4) se algo é e nao é . entáo está entre o que realmente é o que o
nao é de nenhum modo (477a6·7);
5) o conhecimento é governado (epi) por aquílc que é; a ignoran-
cia é governaclapor aquilo que nao é (477a9-10)
6) algo que está ent re o conhedmento e a ignorancia é governado
por aquilo que nao é (477alO-bl)18.
Essa linguagem pode parecer estranha ao leitor moderno . Na
verdade, é o modo tipicamente grego de se pensar a realídade. Está
ero jogo nesse estilo urna forma de pensamento que busca apreender
as realidades pensadas a partir de certas estruturas do modo como o
mun do está organizado. Assim, por exemplo, quando Platáo diz que
"quem conhece conhece algo", trat a-se de urna tese que serve de ponto
de partida para a conducáo do debate ccm os Amantes de Espetéculos.
17 FINE,G .•2003,pp.68s•.
18 Cf. FINE , 2003, p. 68,9.
Platáo quer mostrar que o objeto do conhecimento é reale possui urna
estrutura objetiva. Éprecisoverificar se oqueos Amantes de Espetáculos
alegam saber possui essa estrutura. Além disso, é preciso se cer tificarde
que eles sao capazes de defin ir a Justica ou a Beleza de forma que seja
perene, unit aria e que nao mude ao sabor dos fatos. Essa é a exigencia
de Sócrates , a chamada "quest ño socrática", urna exigencia def inidonal
que Platáo considera válida e a retoma no livro V.
Seg.ando IOOn, aquilo que o livro V mostra, por outro lado, é que
os Amantes de Bspet áculos "supóem que ternos urna resposta satisfatória
para a questáo socrática se dissermos, por exemplo, que a justica em tais
acóes é devolver o que vecé emprestou, em outras arces é nao devolvero
que vecéemprestou" 19. Oautor se refereadefinkác de331c,no qualCéfalo
concebea tese de que ser justo é dar a cada um o que lhe pertence, idéíaque
será rebatida mediante demonstracáo de que em algumas sítuacóes ela é
correta, masem outras apresenta ccnseqüéndas desastrosas. Nolivro V, de
certo modo, Platáoestá retomando esse tipode casopara mostrar que urna
definicao cujostermos sao eficazes para dar conta do problema em algumas
situacóes, mas nao em todas, nao é urna boa definicáo. Ora, os Amantes
de Espetáculos sao justamente aquelas pessoas que nao consideram essa
exigencia urna verdade necess ária do conhecimento.
Isto posto, voltemos áquelaspremissase observemos que Platáoestá
dizendoqueoconhecimentodiz respeitoaoqueésempre.Sealgonaoapresenta
essa exigencia, entáo nao é conhedmento. Isso quer dízer que a definkáo de
Céfalo e Polemarconao é conhed mento, embora nao sejaignorancia,porque
está "entreosaber e a ignorancia." Veja que oobjetívode Platáo nao émostrar
que somente ao filósofo cabe o conhecimento, comose o filósofoatribuísse
a si essa funcáo. Aocontrario, Platáo mostra porque "acontece" de apenas o
filósofo saber. O filósofo é o sujeito que busca conhecerapenas aquílo"que é"
e que nao muda nunca.Sepensannos a Repúblicaa partir dessa tese,compre-
enderemos por que o texto precisa se deter em tantas opinióesdivergentes
(Polemarco,Trasfmaco,Amantesde Bspetéculos,etc.)para definir a justíca. É
19IRWIN. 1995, p. 264.
I. MITO DA CAVERNA - PLATAO Textosfilosóficos em discussáo D3:C: : =(1)
necessário que fiquemdaros osefeitos eos limites das opinióesque nao sao
conhecimento. ~ preciso que o leitor perceba queo sucesso de taísopiniées
é justamente o que elas possuem de correto. Elas sao pláticase atraentes,
como atesedeCéfalosobreo Bem aosamigos,urnaopiniáoquea maior parte
denósnaoconsiderarla,salvo exame críterioso, equivocada.Éocaso também
da tesede Trasímaco sobre a eficáda da forrae dalei. Mas no livro VPIaUo
avancaadiscussáo pan mostrarqueesse tipodepensamentonaose mantém
por muito tempo porque sua inccnsisténdadefinidonal leva aodesacordo e
este aodesequilibrio social
O raciocinio adma levará Platác a propor uro ponto novo em re-
lacáo a Sócrates. Platáo introduz um conceitochamado Forma ou Idéia
para dar conta da questáo do conhecimento daquilo que é. Trata-se de uro
conceito muito debatido na literatura de Platáo porque, no vasto corpo
de diálogos (36) 20, só exístem tres obras que se referem explidtamente
as Formas: Fédon, Banquete e República. Os demais di.ilogos utilizam
argumentos que se referem a conceitos em si (kath'haut6), mas nao
necessariamente sao referencias a urna "I eoria das Formas". O pr éprio
mito da caverna, talveza imagem do platonismomaisconhecida. nao faz
referencia alguma a. Teoría das formas. embora o progresso epistémico
queo mito descrevesejaurnaalusáoclara a esse tipode teoria.
Mas o que sao, afinal, as Formas ou ld éias? Naanélisedo profes-
sor MarcoZingano:
"Para Platáo, dada urna multiplicidade de objetos referidos por um mesmo
termo de modo inequívoco , h.i urna e única idéia, que ~ o modele do qual
esses objetos 530 as rópias. Obviamente. nao há urna idéia para qualquer
ter mo geral de noss.a linguagem (nao há, por excmplo. ld é¡.a de /xi,boro
ou degrego, mas se mente de hQmrm), mas a todo termo geral que designa
urna das junturas ou a r t ic u la~oes do mundo corresponde urna ldéia que
concentra em si o ser em quest áo, enquanto os objetos materiais existem
a título merament e de c óptas ou imitacóes. Os particulares. assim, nao so-
mente est ác cont idos nos universais, como t ..mhPm sao ro nrebidos romo
causados pelos universais, derivados deles e hierarquizados por clcs.?'
20 Cf. ZINGANO, 2002, p. 25.
21 {bid"tl, p. 46 .
l . MITODACAVERNA · PLATÁO
Nessa análise as Idéiassao comparadas a "modelos", Um exemplo
é a idéiade mesa, Nas salas de aula, nas universidades, nos escritórios
vemos urna infinidade de tipos, tamanhos e formas de mesas. Multas
estáo desgastadas pelo tempo, outras sairam de linha, etc. Mas nas
mesasantigas e modernas há um núcleo comum, urnacaracterística que
nao muda. Essa seriaa Id éia, sempre a mesma. Oqueé caracterlstíco de
Platáo é dizer que aquelas "mesas' sao casosparticulares e, como tais ,
imperfeitos, da Idéia de mesa, o que o leva a dizer também que a Idéia
da mesa é causa das mesas particulares.
Embora essa explicacáo do conreito de Idéía como "modelo" seja
bastante adequada para dar contado que Platáo expressa nosdiálogos, ha
urnacontrovérsia a respeito do seguinte aspecto. As idéiassao realmente
modelos, ou seríam conceitos mentais que Platáo, por urna necessidade
ontológicae epistemológica, Ihes arrihni 11m papel táo preponderante na
constitukáo da realidade a ponto de acreditar que, de fato, tais íd éias sao
"modelos naturaís" da realidade?
Para concebermos claramente a diferenca entre estas alterna-
tivas, examinemos mais atentamente aquela primeira premissa que
identificamos no debate entre Sócratese os Amantes de Espetáculcs. A
primeira premlssa podequerer dizer, segundo Gail Fine. duas coisas:
la) quem conhececonhecealgumacoisa de existente; ou
lb) quem conhececonhece um conteúdo do seu conhecímento.
Essas duas leituras sao distintas. Na primeira leitura ternos a
hipótese, defendida por Zingano adma, de que as id éias sao como mo-
delos naturais de coisas "ex is ten tes" no mundo" . Platác estaría dizendo
aqui que quem conhece tem como foco deste conhecimento ldéias que
existem para além do fato de pensarmos nelas ou nao. Essa alternativa
implica que tais idéias sao "separadas" de suas manifestacóesparticula-
res no mundo. Casotípico é a idéiade Justica. Segundo essa concepc áo,
nenhuma alma, cidadeou regime políticojamais será capaz de manifes-
tar fielmente a "idéia" deJustica.Aid éia existe num plano nao sensível.
22 Ibidrm, p. 45
Texto,s filosóficos em discussáo(1)
totalmente independente deste plano no qual, no entanto, há "casos
particulares do conceíto",como a própria vida de Sócrates, considerado
o homem mais justo de seu tempo por Plat áo. Muitosleitores de Platáo
concebem deste modo a Teor ía das Formas e 3 relacáo entre o mundo
sensível e o inteligivel, conforme veremos no mito da Caverna.
Aalternativa 'b' se distingue do que foi exposto acíma no segulnte
aspecto. Ela oferece a opcáode Platáo nao estar se referindo 30 objeto do
conhecimento, masao conteúdo daquiloque é conhecido. Segundo Gail
Fine, nessa alternativaPlatác está apenasdizendo que quem conhece está
erocondíróes de responder aquestác "o que vecesabe?"Éurna pergunta
queremeteacapaddadedepronunciaralgumasproposícóesqueexprimem
o conteúdo do conhecimento. Adíferenca básica aquí é que as id éías ou
Formas nao sao modelos naturais de coisas, mas "prcpriedades explana-
tórias"23 de certos conceitos moráis como Justica. Coragem, Temperanca,
ou epistemológicos, como Conhecimento, Verdade, Ignorancia, assim
como outros. IOOn chama atencéo para o fato de que os contextos nos
quais Platáo discute as Formas tratam especialmente do problema da
deficiencia epistemológica dos sentidos em relacáo ao pensamento. No
Fédon,por exemplo. Sócrates discute o fato de que pedras e paus,do pon-
to de vistados sentidos, podem parecer iguaís sob certa perspectiva. mas
desiguais sob outra. Esse problemaé chamado, na literatura de Plat áo, de
"co-presenca dosopostos", urna referencia a din ámica da sensar áo. Plat áo
cría as Formas paraoferecer urna saída a esserelativismo sensível. Outro
aspecto distinto da leitura b é que ela nao implica "separacáo"ontológica
entre id éia e instáncia sensível.
Mas afina! de contas, que tipo de problemas Plat áo veno fato de
nos apegarmos ao mundo circundante, as sensac óes que esse mundo
nos propicia para orientar nosso conhecimento? Ahistória da filosofia
mostra, por meio de textos clássicos de Hume, Locke e Kant. que o
conhecimento tem urna génese na sensibilidade. Será que Platáo está
negando isto?
23a. IRWIN, 2005, 152
Na verdade, quando Platáo diz que o conhecimento diz respeito
áquilc que "é", trata-se de mostrar que o conhecimento nao se coaduna
com as realidades que nao se mant ém por muito tempo. É justamente
essa a caracteristica da sensacáo e dos "espetáculcs" propiciados pela
multiplicidade reinante no mundo sensível. Nesse sentido, Rogue
afirma que
"a Idéía deveser consíderada romo urnaunídadegenérica pela qual, sinte-
tizando o diverso no um, poe fim ac paradcso de um¡ mesmapredkacáo
realizada sobre sujenos múltiples e diferentes; e romo princípio da reali -
dade, pela qua! ele permite repensar a unidsde da ídentídade COrKl1'U, na
hierarquía de SlW detemlin.a~6espreprtase ""lativas"?4.
o grande tema do platonismo é quase urna obsessáo de buscar
num conceitc urna unidade passível de ser assimílada pela raa ác e
que possa expressar um conteúdo firme acerca de uro conjunto vasto
de objetos. Pensemos no exemplo do Menon, simplório o suficiente
para que nao fiquem d úvidas acerca de seu efeito did átíco: ero 73b-c,
Sócrates refere-seamultiplicidade e unidade de um mesmo objeto, as
abelhas. Sao múltiplas em tarnanho e características. Mas há urna uní-
dade que só urna definícác (leía-se "idéia") pode fornecer. Os diálogos
estác repletos de exemplos deste tipo porque sao variacóes da mesma
qu estáo socrática que guiavaos primeiros diálogos. Éa quest éo · 0 que
é" urnaabelha, um hornem, a justita. O que muda, amedida que Plat áo
vai amadurecendo essa intuicáo socrática , é a capacidade platónica de
revestir a idéia original com urna pletora de metáforas e irnagens.
Além disso, h é urna s érle de argumentos que tomam o tema
socrát ico da deflnícác e o projetarn no contraste entre sensacáo e
conhedmento, como estratégia para reti rar dal urna explicacáo da
génese do conhecimento. É o (aso, por exemplo, da passagem dos
tres dedos (S24b-d). Ali o texto póe em relevo que certos dados
da sensaráo "provocam reflex áo" e outros tantos nao o fazem. Por
14 ROGUE, 2005 , p. 81 .
1, MITO DACAVERNA - PLATÁO Textos filosófic:os em discussáo a'i::=:::~(1)
exemplo, na visáo dos dedos, enquanto os examino como "dedos",
pouco importa que se t rate do pequeno ou m édio, fino ou grosso.
Plat áo diz que a sensac éo neste es tágio nao faz a quest áo to qu e é?".
É esse, po rém, a pergun ta que a visáo dos dedos provoca quanto se
trata de pens ar sobre a pequenez ou grandeza do s mesmos. Nesse
caso, a alm a se depara com a co-presenca dos opostos porque o que
provoca a reflex ác na alma é a sensaréo contraditória (d. S23 c1).
Trata-se do caso em qu e um mesmo objeto (dedo) pode se r fino
num dado contexto, mas grosso no ut ro. Esse tipo de reflexáo teria
levado Plat áo a formular as Formas, porque somen te elas escapam
.10 relativismo da sensac áo. Um ser particular pod e se r grande ou
pequeno, mas as id éias de grandeza e pequenez, em si mesmas, nao
podem variar.
No entanto, é difícil decidir se as Formas sao conceitos mentaís ou
modelos naturaís. Uma decisáo entre as duas alternativas na passagem
do livro V requer um estudo mais detalhado do sentido do verbo "einai"
(Ser) que está sendo usado ali. Isso nao é possível nos limites deste artigo.
Mas consideramos oportuno apresentar as duas opcóes para que o leitor
tenha um mínimo de contato com urna quest ác bastante discutida hoje
da literatu ra de PIaUo. Trata-se de saber até que ponto os livros V-VII
permitem concluir que Platác defende urna separa~o ontológica real
ent re a dimensác sensível e a dimensáo inteligível. Esse é um tema im-
portante, sobretudo no mito da Caverna. Será que Platáo defende que as
ídéias (Formas) sao completamente separadas da realidade? Será que ele
defende urna separacác moderada, permitindo que baja alguma analogía
entre sensíveis e Formas? Ou será que náo éurna separacáo ontológica, mas
meramente epistemológica, nos sentido de que tudo o que diz respeito .10
conhecimento é, por definicáo, separado da dímensáo sensível. A medida
exata desta separacáo depende de urna deds áo sobre o sentido preciso das
seis premissas que apresentamos adma, sobretudo de uma decisáo clara
entre l a ou lb.
g) O sol,a Caverna e a línhadividida
Plat áo diz na República que o fun dam ento de todo conheci-
mento é o Bem . Este bem é comparado .10 Sol (SO?c-5ü 9b). Apesar
da clareza da an alogía, Sócrates nao forn ece detalhes de como o
Bem se conecta as demaís For mas. Muito já se discutiu sobre essa
omissáo. Além do fato de que o Bem "ilumina ", de um modo que fíca
pouco claro no texto, as demais Formas, há a afirmacác em 50gb de
que o Bem está "além do Ser". Éurna linguagem mística, sem dúvida.
Plat áo parece querer dizer que o Bem nao é defin ível porque ele é o
princípio de todas as coisas e, como tal , nao pode ser fu ndamentado
por nada mais , sob risco de perder o pasto de princípio primeiro. A
analogía com o Sol reforce essa ídéía, pois se trata de conceber o Bem
de modo análogo .10 modo como vemos o Sol: ele nos permite ver as
coisas por melo de sua luz, mas nao o vemos diretamente, poís a luz
nos cegaría. Assim é o Bem: ele ilumina e dá Ser as demais Forma s,
mas nao podemos "entender-ver- o que ele é.
Platáo elabora urna imagem mais detalhada para que entendamos
o que ele está propondo em termos de conhecimento da realidade. Éo
mito da caverna, rujo texto transcrevemos na integra:
Sócrates - Agora leva emcontanOS$a natureza,segundo renha ounaorecebído
educQ~Qo e compara-a com o seguinte quadro: imagina umQ caverna sub-
terninea,comumaentrada ampla,abenoaluzem toda QSUQexrenséo, Lá
dentro, Qlguns homens se encontram. desde a in{imcia. amarrados pelQS
pernas e pelo pescoco de tal modo que permQnecem imóveis e podem oihar
tQo-somente para a {rente, pois as amarras nao lhes permitem volcar a
cabe~Q . Num plano superior, atrásdeles, arde um{ogoQcertQdistanciQ. E
entre o{ogo eosprisioneiroseleva-se umcaminhonolongodoqualimQgina
que tenha sidoconstruido um pequeno murosemelhante aos tabiquesque
ostiteriteiros ínterpóem entresie o públicoa {im de, porcimadeles, [azer
movimentarasmarioneres
GIQUCO- Possoimaginar Qcena.
SócrQtes- Imagina também homensque passamaolongodessepequeno muro
l. MITO DA CAVERNA - PLATÁO Textos filosóficos em dtsccssác(1)
carregando uma enorme variedadede objetoscuja altura ultrapassa a do
muro: estatuas, e figuras de animais feitas de pedra. made;ra e outros
matenais diversos. Entre esses carregadores há, naturalmente, os que
conversam entresi eos quecaminham silenciosamente.
Glauco - Trata-se deumquadro estranhoedeestranhos prisioneiros.
Sócrates - E/es sdo como nós. Acreditas que tais homens tenham visto de si
mesmose deseus companheiros outrascouas quemio assombras projeta-
das pe/o fogo sobre aparede dacaverna quese encontra diante deles?
Glauco - Ora, como isso seria possível se foram abrigados a manter a ca~a
imóvel dura'lte toda a vida?
Sócrates- Equ:mto aosobjetostransportados 00longo do muro. mioveriam
apenas sombras?
Glauco - Certamente.
Sócrates - Mas. nessas condif&s, se pudl'SUm conwrsar unscomosoutros,
mjo sup&s quejulgariam estarsereferindo aobjetos reais 00mt"ncionar o
quevéem di:mtedesi?
Glauco - Sem amenor dúvida
Sócrates - Esses homens, absolutamente. nao pensariam que a wrdadeira
realidade pudl'SU seroutra coisasendo assombrasdosobjt"tos fabricados.
Glauco- Sim, fOrfosamente.
Sócrates - Imagina agora o que sentiriam, se fossem libertados de sees
grilhOes e curados de sua ignorancia, na hipótese de que lhes acame-
cesse, muito naturalmente. o seguinte: se um deles fosse libertado e
subitamente forfado a se levantar, viraropescOfO. caminhar t" enurgar
a luz, sentiría dores intensas ao[azer todos esseemovimentos e, com a
vista ofuscada, seria incapaz de enxergar osobjetos cujas sombras e/t"
vio antes. Que respondería ele, na tua opinido, se lhe fosse dito que o
que viaatéentdoeram apenassombras inanes, equeagora, achando-se
mais próximo da rea/idade, com os olhos voltados para objetos mais
reais, possuía visdo mais acurada?Quando. enfim,00 ser-ihemostrado
cada umdosobjetos que passavam. fosseele abrigado, diantede tantas
perguntas, a definir o queeram, n60 supeesque ele ficariaembarafado
e consideraria queo que contemplava antes era mais verdadeiro doque
osobjetos quelhe eram mostrados agora?
l. MITOOA CAVERNA - PLATÁO
Glauco - Milito mais verdadeiro.
Sócrates - E seele fosse abrigado a fitar a propria luz, ndo acreditas que lhe
doeriam osolhos e queprocuraria desviar o o/har. valtando-separa os ob-
jetosquepodio observar, considerando-os,enrao, realmente maisdistintos
doqueaquelesque/he eram mostrados?
Glauco- Sim.
Sócrates - Mas. seoafastassemdaIiQ forra, obrigando-o agalgar asubida
ásperae abrupta e ndo o deixassem antes qut" nvessesidoarrascada ci
presenca dopróprio S%~~ n60 crés queele sofreriae se indignaria de ter
sidoarrastado desse modo? Ndo eris que. uma vez diante da luz dodio.
seus olhos ficariam ofuscados por ela, de modo a mio poder discernir
nenhum dos seres considerados agora verdadeiros?
Glauco - Nao poderia discerní-los, pelo menos no primeiro momento.
Sócrates - Penso queeleprecisaría habituar-se, a fim dt" estar em condifóe5
de ver as coisas do a/to dt" ondt" se t"ncontrava. O que veria mais fadl-
mente senam, em primeiro lugar. as sombras; t"m seguida, as imagens
dos homens edeoutrosseres re fletidasnaáguae, fi na/mente,osproprios
seres.Após, elecontemplaría. maisfacilmente,durantea noite, osobjetos
celestese os propriociu.00 elevar osolhosemdi~fijo Q /uz dasestrelas e
dalua- vendo-o maisclaramt"nuqut" 00 sol01.1 asualuz duranteodia.
G/auco - 5emduvida.
Sócrates - Por fimoacredito, poderia exergar o próprio sol - nao apenas sua
imagem refletida naógua 01.1 emoutrolugar-, emseu lugar, podendo vé-/o
econtempló-lo talcomot.
Glauco - Éevidentequechegariaaestasconc/usOes.
Sócrates - Mas,lembrando-sedesuahabilidade anterior,daciencia dacaverna
que alíse cultiva e deseus companheiros de couveim, ndo ficaria feliz por
haver mudado e ndo lamentaríapor seuscompanheiros?
Glauco - Comefeito.
Sócrates - Ese entre os prisioneiros houvesse o costume de conferirhonras,
louvores e recompensas aque/es que fossem capazes de prever eventos
futuros - urna vez que distinguiriam com mais precisao as sombras que
passavam e observariam me/hor qua;s dentre elas vinham antes, depois
00 mesmotempo- , ndo crés que invejariaaqueles que astivesses obtido?
Trx[os filosóficos r m discus~o(1)
Crée quesentiria ciúmes doscompanheiros que, poressemeio, alcanfaram
a glória e o poder, e que niio diria, endossando a opiniiio de Homero, que
é melhor 'lavrar a tena para um camponés pobre" do que partilhar as
opíniáes deseuscompanheiros eviversemelhantemente vida?
Glauco - Sim, em minhaopiniiio elepretenna sustentaresta posi~iio a voltar
a vivercomo antes?
Sócrates - Ref1e~e sobre o seguinte: se esse homem retornasse acaverna
e fosse colocado no mesmo lugar de onde safra, mio eres que seus olhos
iicar íam obscurecidos pelas trevas como os de quem foge bruscamente
da luz dosol?
Glauco - Sim. completamente.
Sócrates - E se lhe fosse necess ário reformular seu juízo sobre as sombras e
competircom aqueJes que íá permaneceram prisioneiros, no momento em
que sua visiio está obliterada pelas trevas e antes queseusoJhos a e1as se
adaptem - e esta adapta~ao demandaria um cerio tempo - , nóo acreditas
queesse homemseprestariaajrxosídade?Nao lhediriamque, tendo safdo
da caverna, a elaretornou cego e que nao velería a pena [azer seme1hante
experiencia? E nao matariam, se pudessem, a quem tentasse libertá-los e
conduzi-Ios paraa luz?
Glauco - Certamente.
(República, 514a-517c, troducao de Maria E. M. Marcelina in:A República:
Iivrovíi. Brasíiia:EditoraUNB, 1996.
A pr imeira coisa que deve ser dita acerca desse texto é a riqueza
de detalhes com que Platá o sintetiza o argumento central da República.
Conforme vínhamos abordando, esse argumento consiste na demons-
t racáo da analogia entre as forcas da alma e os elementos da Cidade. No
texto acirna, a Cidade é a própria Caverna, povoada por pessoas que,
"desde a infancia", est áo com os p és e o pesco~o acorrentados. Observe-
se que a primeira linha do mi to diz que a alegoria qu e viré a seguir é urna
referencia a nossa natureza.
Sócrates dísse ern (517a) que a alegoria da caverna deve ser compa-
rada ao que foi exposto anteriormente. O que foi exposto anteriormen te é
a idéia do Bem como causa do conhecimento de todas as coisas, por meio
da imagem do Sol (S07c-S09c), e a Linha Dividida (S09d-511e), urna linha
coro quatro segmentos que Platáopede para que o leitor imagi ne. Elarepre-
senta os quatro estágios de saber. Platác sugeriu que a linha seja divida em
dois segmentos desiguais e depois estes dois segmentos em mais quatro
segmentos, segundo a mesma proporcáo.
Para ficar ma is claro o que Platáo está sugerindo , vamos repre-
sentar o conteúdo dessa linha por mei o de dois diagramas. O primeiro
rep resenta a esfe ra Inteligível, qu e indica a parte superior da linha. O
segundo a dimensáo da opiniáo, a parte inferior da linha. As subdivi-
sóes correspondem aos sub-níveis desses dois segmentos . Note-se que
na esfera in teligível o que está no topo é a Forma do Bem, e na esfera
sensí vel, é a Opiniáo.
FORMADOBEM
o lado esquerdo refere-se aos estados mentais, o lado
direito ao conteúdo do conhedmento.
,)
l. MITODACAVERNA - PLATÁO Textos filosóficos em díscussáo(1)
o lado esquerdo refere-se aos estados mentais, o lado
direito ao conteúdo do pensamento.
Agora observe como no mito da caverna há também quatro está-
gios: 1) Os prisioneiros estáo no estágic das "imagens", pois véem apenas
sombras dos objetos que estáo senda transportados no muro atrás deles. 2)
Quando sao libertados dascorrentes, os prisioneiros passarn para o estágio
da "crenca", no qual véem os objetos que causam as sombras e reflexos pela
primeira vez. Estes objetos, pcrém, ainda nao sao objetos "reaís", pois sao
simulacros: "esta tuas, e figuras de animáis feítasde pedra. madeira e cutres
materiais diversos", Note-se que permanecer no interior da caverna equi-
vale a permanecer na dimensác da opiniáo, mesmo que ela seja verdadeira,
caso dos prisioneiros que descobrem os simulacros. 3) Este estágio 0 0 mito
da caverna representa o pensamento no diagrama. Éo primeiro conta to do
sujeito com a realidade real, sendo que o sol, fora da caverna , representa o
Bem que está no topo da linha . 4)Adiferenra entre o nível 3 e 04 no mito da
caverna é urna quest ác de grau e de extensáo do conhecimento. Na linha , o
nível 3 equivale adimensáo em que o sujeito exerdta seu pensamento com
hipóteses, sobretudo no ramo da matemática. NoníveJ4 ele alcance. ent áo,
urna visáo geral de todos os objetos e conceitos existentes, ultrapassando o
,
Imagínacáo
(eikasía)
Sombras e
Reftexos
plano das hipótesespara chegar nos príncípíos efetivos. Notexto do mito
da caverna é o momento eroqueele reccnhece o solcomofonte da luze do
cresdmento dos seresnaturais.
la) Qualo sentido do mito da Cal'ema hoje?
Ero 6.1050fi3. é preciso muito

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