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1 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE CURSO DE GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM O MANEJO DA DOR DO PACIENTE HOSPITALIZADO NA PRÁTICA ASSISTENCIAL DO ENFERMEIRO FERNANDO PETROPULOS ZIMMERMANN ILDEFONSO CÉSAR MARTINS BIGUAÇÚ 2008 2 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE CURSO DE GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM O MANEJO DA DOR DO PACIENTE HOSPITALIZADO NA PRÁTICA ASSISTENCIAL DO ENFERMEIRO FERNANDO PETROPULOS ZIMMERMANN ILDEFONSO CÉSAR MARTINS Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à disciplina de Metodologia da Pesquisa (Monografia), para a obtenção do título de enfermeiro, sob a orientação da Prof. Dra. Cladis Loren Kiefer de Moraes. BIGUAÇÚ 2008 3 FERNANDO PETROPULOS ZIMMERMANN ILDEFONSO CÉSAR MARTINS O MANEJO DA DOR DO PACIENTE HOSPITALIZADO NA PRÁTICA ASSISTENCIAL DO ENFERMEIRO Este Trabalho de Conclusão de Curso foi submetido ao processo de avaliação pela Banca Examinadora para obtenção do Título de: ENFERMEIRO E aprovado na sua versão final, em 24 de 2008, atendendo às normas da legislação vigente da Universidade do Vale do Itajaí, Curso de Graduação em Enfermagem BANCA EXAMINADORA __________________________________________ Prof.ª Dra. Cladis Loren Kiefer de Moraes Orientadora __________________________________________ Prof.ª MSc. Maria Lígia dos Reis Bellaguarda Membro ________________________________________ Prof.ª MSc Samara Eliane Rabelo Suplici Membro 4 Agradecimentos Os autores do presente trabalho agradecem cordialmente aos: • Profissionais que participaram da pesquisa, viabilizando sua realização; • As instituições hospitalares onde foi realizada a pesquisa, por abrir as portas para a realização deste trabalho; • A orientadora Cladis Loren Kiefer de Moraes, por ter aceitado orientar os autores deste trabalho; • As professoras Maria Lígia dos Reis Bellaguarda e Sâmara Eliane Rabelo Suplici, por terem aceitado o convite para compor a banca examinadora; • Aos amigos que foram sendo construídos ao longo do curso pelos momentos de descontração proporcionados nos mais diversos momentos; • A família pelo apoio durante todo o curso. 5 O rápido progresso hoje obtido pela verdadeira Ciência às vezes me faz lamentar ter nascido cedo demais. É impossível imaginar a que altura poderá ser levado, dentro de mil anos, o poder do Homem sobre a matéria. Talvez aprendamos a despojar grandes massas de sua gravidade e a lhes dar uma leveza absoluta, em prol da facilidade de transporte. A agricultura poderá reduzir sua labuta e duplicar sua produção; todas as doenças poderão vir a ser prevenidas ou curadas por meios seguros, sem excetuar nem mesmo a da velhice, e talvez nossa vida se alongue a nosso gosto, ultrapassando até o padrão antediluviano. Quisera eu que a ciência moral se encontrasse num rumo igualmente satisfatório de aprimoramento, que os homens deixassem de ser lobos uns dos outros, e que os seres humanos enfim aprendessem a ter o que hoje chamam impropriamente de humanidade! Carta de Benjamin Franklin a Joseph Priestley (8 de fevereiro de 1780) 6 RESUMO A dor é considerada como uma experiência sensitiva, subjetiva e individual, relacionada à lesão tecidual ou descrita em tais termos. Diante disso, o conhecimento científico apurado sobre o tema se torna indispensável para uma assistência integral e de qualidade aos pacientes que sentem dor. O estudo em questão foi fundamentado na teoria das Necessidades Humanas Básicas, de Wanda de Aguiar Horta. O objetivo geral deste trabalho é identificar e avaliar o conhecimento e a conduta do enfermeiro frente a dor, no qual reuniu-se informações sobre a qualificação profissional, metodologia da assistência, conhecimento teórico-prático e condutas dos enfermeiros entrevistados. Esta pesquisa é do tipo quali-quantitativa, exploratória e descritiva. Foram aplicados dezessete questionários distribuídos em duas instituições hospitalares da Grande Florianópolis, onde foi respeitado os preceitos éticos e legais preconizados na Resolução nº.196, de 1996, do Conselho Nacional de Saúde. Os resultados obtidos demonstraram como principais necessidades: maior conhecimento da fisiologia da dor e desvencilhamento da crença de se evitar o uso de opióides devido a dependência. De posse dos resultados, notou-se que a avaliação e manejo da dor se mostra frágil justamente pela falta de conhecimento científico sobre o assunto. Diante desse fato, conclui-se é necessário haver mais cursos de pós-graduação, de aperfeiçoamento, haver uma disciplina sobre dor em cursos de graduação, bem como a disponibilidade de instrumentos padronizados nas instituições para se avaliar e intervir no paciente que sente dor. Palavras-chave: Dor, enfermeiro, atitudes, paciente hospitalizado. 7 ABSTRACT The ache is considered as a sensitive ,subjective and individual experience related to a tissue injury or describe in this terms. Before that, the deep scientific knowledge about the theme it’s indispensable to promote to the patients that feel pain an integral and qualified assistance. The following survey was based in the “Necessidades Humanas Básicas”(Basic Human Needs) by Wanda de Aguiar Horta. The general objective of this work is identified and evaluates the nurse knowledge and the attitude facing the pain. Information about professional qualification, assistance methodology and interviewed nurses conduct and theoretic – practical knowledge, were collected. This search is type quali-quantitative, exploratory and descriptive. Seventeen questionnaires were split and applied in hospitals of the great Florianopolis, were the ethical and legal principals were respected praise in the 196/1996 Resolution of the Conselho Nacional da Saude . The obtained results demonstrated as principal needs : more knowledge about the physiology of the pain and the disengaged of believes to avoid the opiates because of the addiction. With the results we noticed that the administration and the evaluation of the pain are fragile because of the lack of scientific knowledge about the subject. Before that we could conclude that more post graduation courses, improvements, and a discipline about pains in graduations courses are necessary, as availability of standardized instruments in the health institutions to patient that feel pain be evaluated and intervened as well. Key words : Pain, nurse ,attitude , hospitalized patient. 8 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO...................................................................................................................102. OBJETIVOS........................................................................................................................13 2.1. Objetivo Geral................................................................................................................13 2.2. Objetivo Específico........................................................................................................13 3. REVISÃO DE LITERATURA..........................................................................................14 3.1. História da Dor..............................................................................................................14 3.2. Fisiologia da Dor...........................................................................................................15 3.3. Alterações Hemodinâmicas Causadas pela Dor............................................................16 3.4. Tipos de Dor..................................................................................................................16 3.4.1. Dor rápida...........................................................................................................17 3.4.2. Dor lenta.............................................................................................................17 3.4.3. Dor somática.......................................................................................................17 3.4.4. Dor crônica.........................................................................................................17 3.4.5. Dor aguda............................................................................................................17 3.4.6. Dor Transitória....................................................................................................18 3.4.7. Dor do membro fantasma...................................................................................18 3.4.7.1. Teoria do portão de modulação da dor..................................................19 3.5. Escalas Unidimensionais de dor....................................................................................20 3.5.1. Escala verbal numérica.......................................................................................20 3.5.2. Escala visual numérica........................................................................................21 3.5.3. Escala visual analógica.......................................................................................21 4. A TEORIA COMO REFERÊNCIA À PRÁTICA DA PESQUISA...............................22 4.1. Sobre Wanda de Aguiar Horta......................................................................................22 4.2. A Teoria das Necessidades Humanas Básicas..............................................................22 4.2.1. Pressupostos.........................................................................................................22 4.2.2. Conceitos inter-relacionados...............................................................................23 5. PROCESSO METODOLÓGICO.....................................................................................25 9 5.1. Tipo de Pesquisa............................................................................................................25 5.2. Descrição do Local de Estudo.......................................................................................25 5.3. Sujeitos do Estudo e Período de Realização da Pesquisa..............................................25 5.4. Processo de Coleta e Análise dos Dados.......................................................................25 5.5. A Ética e a Investigação Científica...............................................................................27 6. RESULTADOS....................................................................................................................29 7. DISCUSSÃO........................................................................................................................35 8. CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................45 9. REFERÊNCIAS..................................................................................................................48 ANEXOS..................................................................................................................................51 Anexo 1: Termo de Compromisso de Orientação.....................................................52 Anexo 2: Solicitação Prévia de Autorização da Instituição......................................53 Anexo 3: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido..........................................54 Anexo 4: Questionário..............................................................................................55 10 1. INTRODUÇÃO Desde os primórdios o ser humano vem tentando compreender a dor e tenta livrar-se dela. Todas as pessoas, de um modo geral sabem o que é dor, porém, tem dificuldade para descrevê-la, bem como conhecer com precisão a experiência de dor de outra pessoa. Essa dificuldade vem do fato de a dor ser uma experiência individual e subjetiva. Desconfortável é um termo bem apropriado para se definir dor. Albert Schweitzer, médico alsaciano que exerceu a profissão durante duas décadas na África escreveu: “Todos temos de morrer. Mas posso poupá-los de dias de tortura, o que considero ser meu maior e sempre novo privilégio. A dor é um senhor da humanidade mais terrível que a própria morte” (SCHWOB, 1994). De fato, ninguém quer sentir dor. E se trata de um sintoma democrático: não escolhe sexo, idade, raça, classe social, etc. Essa dor pode vir de traumas, doenças, cirurgias, lesões, entre outros, e pode ter origem física ou psicológica. Compreender a experiência de uma pessoa que sente dor não é tão simples, pois ela não resulta apenas de características de lesão tecidual, mas também integra fatores individuais e culturais. A dor é um sintoma importante para a manutenção da vida, pois alerta para a existência de algum dano ao organismo. Ela pode ser manifestada por dois tipos de reações: involuntária e voluntária. A reação involuntária é instintiva, enquanto que a voluntária pode envolver outras pessoas e é influenciada, além do fator biológico, por fatores sociais e culturais (NICOLINI e colaboradores, 2007). Diante disso, pode-se afirmar que cada cultura, povo e até mesmo família possui uma linguagem de sofrimento, na qual a pessoa enferma dá ciência a outra pessoa que está doente. Portanto, existe uma forma das pessoas comunicarem a dor, e essas pessoas possuem uma cultura, uma história de vida que influencia no seu modo de ser e de agir. Cada pessoa possui uma certa tolerância a dor. Essa tolerância é variável, e está ligada a fatores sensoriais (localização, extensão da lesão), emocionais (medo, raiva) e culturais (aprendizagem, significado da dor, etc.) (BUDÓ e colaboradores, 2006). Independente da tolerância, pessoas que apresentam dor tem desgaste físico, mental, menor produtividade no seu emprego, bem como pode provocar seu afastamento por grande período do seu emprego. Se a mesma for mal tratada, tem-se (além dos fatores citados anteriormente), a elevação do custo do tratamento, agravamento de sua patologia e 11 insatisfação do usuário com o tratamento recebido (PIMENTA apud SEREZA e DELLAROZA, 2008). Esse preâmbulo serve para despertar a importância do tema para os profissionais da saúde (mais especificamente a Enfermagem, que são os profissionais envolvidos na pesquisa). Afinal, são esses profissionais que serão procurados pelas pessoas para que tenhamseu sofrimento causado pela dor aliviado. É de se lembrar que a dor é a principal causa das pessoas a procurarem assistência nos serviços de saúde. Será que esses profissionais estão realmente preparados para controlar a dor das pessoas? A Organização Mundial da Saúde prevê 10 milhões de novos casos de câncer no mundo a cada ano. Em um terço desses casos, o sofrimento poderia ser amenizado caso a dor fosse controlada adequadamente (SCHAELLER apud SEREZA E DELARROZA, 2003). Na visão de Daudt e colaboradores (1998), em 1991 aproximadamente 70% das pessoas que sofriam algum tipo de neoplasia nos EUA faziam uso de algum opióide, porém, 50 a 80% desses pacientes não possuíam analgesia adequada. Outro aspecto bastante recente é a elevação da expectativa da vida da população. Pessoas idosas possuem dor normalmente relacionadas a processos crônicos tais como a artrite, osteoporose, doenças musculoesqueléticas e problemas cardiovasculares. Todos esses fatores associados a elevação da incidência do câncer no mundo contribuem para o aumento das queixas álgicas nessa faixa etária. É de se ressaltar que houve um grande progresso sobre o conhecimento da fisiologia nas últimas décadas, em especial na fisiologia da dor. A variedade de analgésicos disponíveis no mercado para se tratar a dor também aumentou nos últimos anos. Mesmo com todo esse conhecimento desenvolvido ao longo do tempo, parece que o sintoma não está sendo manejado adequadamente nos serviços de saúde. Há uma gama de autores como Daudt e colaboradores (2006), Sereza (2008), e Sakata (2007) que consideram o assunto dor pouco abordado nos cursos universitários da área da saúde, ficando os profissionais mal preparados para lidar com o problema. O surgimento do tema veio da experiência dos autores nos estágios curriculares do curso, na qual foi vivenciado uma falta de critério por parte dos profissionais no que concerne a avaliação da dor e como controlá-la. Em determinados casos, há também a desatenção por parte dos profissionais: pacientes que se queixam repetidamente de dor, em muitos casos são vistos como “inconvenientes”. Os pacientes recebem o analgésico, continuam com dor e os profissionais não entendem o porquê de ainda estarem com dor. Muitas vezes chegam a duvidar do que o paciente está relatando. 12 Em pós-operatórios, muitas vezes ainda se tem a crença de que a dor é normal e esperada, e que o cliente deve suportá-la tanto quanto puder. Parece que falta uma metodologia adequada por parte dos enfermeiros para se avaliar a dor, ou falta implementar uma metodologia, talvez a metodologia já exista mas não está implementada Sua avaliação é importante, pois, além de o enfermeiro ter suas próprias intervenções para a situação, sua avaliação pode servir de subsídios para que outros profissionais possam intervir com maior eficiência: se o enfermeiro avalia adequadamente a dor, o médico terá mais facilidade em escolher o analgésico que mais se adequa a situação. Avaliação e tratamento são interdependentes: não há como pensar na existência dos dois separadamente. A região da Grande Florianópolis tem hoje quatro cursos superiores de Enfermagem, que disponibilizam enfermeiros ao mercado de trabalho a cada ano, além de outros profissionais de saúde. Se trata, portanto, de um grande contingente de novos profissionais no mercado. A Universidade tem a responsabilidade de formar profissionais qualificados para atender as necessidades da população, neste caso, esses profissionais precisam compreender os conceitos básicos da dor, bem como sua fisiologia e métodos de controle. Diante deste contexto, o presente trabalho procurou evidenciar o conhecimento teórico dos enfermeiros sobre a dor e seu controle, bem como as condutas dos profissionais enfermeiros no tratamento e controle da dor, que é o primeiro passo para uma melhora na assistência das pessoas que sofrem de tais sintomas. Em frente de todos os aspectos discutidos anteriormente formulou-se a seguinte pergunta de pesquisa: “Como os enfermeiros conduzem o tratamento da dor do paciente hospitalizado?” 13 2. OBJETIVOS 2.1. Objetivo geral: • Conhecer a conduta do enfermeiro no manejo do paciente com dor. 2.2. Objetivos Específicos: • Identificar a qualificação do enfermeiro na assistência ao paciente que possui dor. • Descrever as intervenções mais usadas na assistência de enfermagem à dor. • Identificar na metodologia da assistência de enfermagem da instituição a inclusão da assistência ao paciente frente a dor e seu controle. • Estabelecer as necessidades do enfermeiro para o manejo da dor. 14 3. REVISÃO DE LITERATURA 3.1. História da Dor Desde a Antigüidade, a presença da dor, seu significado, causas e finalidades tem sido o motivo de muitas especulações. Desde a pré-história especulava-se que a dor era causada pelos demônios e espíritos dos mortos pela penetração de alguns desses, um fluido mágico ou um objeto maléfico, tal como uma flecha invisível, a dor era traduzida pela presença de um espírito mau no interior do indivíduo que sofria. O alívio era feito através de uma ferida leve (mas real), para que esse fluido escapasse do corpo que havia invadido (SCHWOB, 1994, p. 11). Essa percepção persistiu até o aparecimento da medicina hipocrática. Hipócrates, o fundador da medicina, postulou que nossos corpos eram controlados por quatro humores: sangue, fleuma, bile amarela e bile branca. A dor era considerada como um desequilíbrio na proporção desses humores devido a fatores externos, tais como o clima e o regime alimentar (CAILLIET, 1999, p. 5). Posteriormente, Aristóteles e Platão reforçaram essa percepção racional da dor de Hipócrates. Não obstante, nenhum dos dois afirmava ser uma sensação, e sim uma emoção, uma experiência emocional da alma percebida pelo coração (SCHWOB, 1994, p. 12). Claude Galien, no século XIX, e seus contemporâneos greco-romanos localizaram a dor no cérebro, centro das sensações, sejam elas quais forem. É o primeiro a procurar na farmacologia e na cirurgia, os meios de combater a dor e a doença. Porém, apenas na Idade Média, a medicina árabe dá importância a dor e as substâncias analgésicas. Apesar disso, o empirismo continua a ser regra, sendo que, entre as últimas, encontra-se o ópio, a salva, a hera e a mandrágora (SCHWOB, 1994, p. 12). Nos séculos XVI e XVII ocorre o declínio da religiosidade associada a ascensão da revolução científica. Nessa época, René Descartes utilizou os métodos das ciências exatas para tentar explicar a dor. Afirmou que a mesma corria por filamentos até ser percebida pelo cérebro (CARIELO e TAVARES, 2006). A maneira pela qual compreende-se a dor hoje começou a surgir no século XIX, com Von Frey. O mesmo especificou as estruturas terminais, considerando os responsáveis pelo início da condução nervosa da dor. Tal aspecto foi refutado, mas tem importância histórica. A 15 soma da intensidade capaz de provocar dor, por meio das fibras normais que transportam a sensação de tato, pressão e temperatura, foi explicada por Erb, em 1874. Em 1894, Goldscheider analisou a teoria da dor como resultado da intensidade da estimulação periférica, causando um somatório de influxos sensoriais no corno dorsal da medula espinhal (CAILLIET, 1999, p. 6). No século XX, Livingston, em 1943, postulou a estimulação periférica intensa dos nervos devida a danos locais de tecidos. Essa estimulação ativaria as fibras nervosas que se projetavam nos contuntos de neurônios internunciais da medula espinhal, sendo finalmente transmitidos, após decussação, ao cérebro (CAILLIET, 1999,p. 6). 3.2. Fisiologia da Dor Os receptores da dor presentes nos diversos tecidos do corpo humano são todos terminações nervosas livres, também denominadas receptor nociceptivo. Estão presentes nas fibras nervosas, e distribuídos nas camadas superficiais da pele, periósteo, paredes arteriais, superfícies articulares, foice e o tentório da abóboda craniana, sendo que, vários dos outros tecidos são supridos de maneira escassa pelos receptores em questão (GUYTON, 2002, p. 516). O nervo periférico consiste em axônios de três tipos de neurônios: aferentes sensoriais primários, neurônios motores e neurônios pós-ganglionares. Os corpos celulares dos primeiros estão localizados nos gânglios das raízes dorsais nos forames vertebrais. O axônio aferente primário bifurca-se para enviar um prolongamento para a medula espinhal e o outro para inervar tecidos (FAUCI et al, 1998, p. 61). Os axônios dos neurônios aferentes sensoriais primários são classificados em 3 tipos: fibras A β, A δ e fibras C. As primeiras são de grande diâmetro, possuindo de 6 a 17 µm de diâmetro, estão rodeadas por uma bainha de mielina, e conduzem rapidamente o influxo nervoso (velocidade de 30 a 100 m/s). Funcionam para estímulos de baixa intensidade, o que faz provocar apenas o aparecimento de uma sensação tátil (SCHWOB, 1994, p. 32). As fibras A δ são as mielinizadas de pequeno calibre. Têm de 1 a 15 µm de diâmetro, e conduzem o influxo nervoso a uma velocidade menor (4 a 30 m/s) (SCHWOB, 1994, p. 32). Estes fazem sinapse no corno dorsal da medula espinhal, chegando ao tálamo pelos tratos espinotalâmicos laterais (CAILLIET, 1999, p. 30). Por fim, tem-se as fibras do tipo C, amielinizadas, com 0,3 a 1,5 µm de diâmetro e com velocidade de condução de 0,4 a 2 m/s (SCHWOB, 1994, p. 32). Correspondem a mais de 80% dos nervos aferentes que transmitem sensações dolorosas. As 16 mesmas entram na coluna dorsal e fazem sinapse com os neurônios que cruzam a comissura anterior, subindo ao tálamo pelo trato espinotalâmico (CAILLIET, 1999, p. 24). 3.3. Alterações Hemodinâmicas Causadas pela Dor Há três aspectos essenciais que correspondem aos diferentes níveis de repercussão da dor: um aspecto físico, correspondendo às reações neurovegetativas e instintivas; um aspecto cortical, com integração consciente da sensação da dor e do seu significado; e, por último, o aspecto subcortical com conseqüências sobre o humor e o comportamento (SCHWOB, 1994, p. 72). A repercussão física da dor aguda intervém a vários níveis: no plano da locomoção, verifica-se um comportamento “antálgico”, com um comportamento de fuga, uma hipermobilidade com aceleração dos reflexos de defesa; a nível do sistema neurovegetativo manifesta-se uma aceleração da freqüência cardíaca, um aumento do débito cardíaco, uma subida da tensão arterial, uma aceleração da freqüência respiratória, uma transpiração abundante sobretudo palmar, náuseas, tremores ligeiros, rápidos com predominância nas extremidades, uma dilatação da pupila (SCHWOB, 1994, p. 72). As repercussões no plano subcortical são parietais: percepção e localização topográfica da dor (somatotopia); frontais: identificação do influxo nociceptor como uma sensação desagradável e angustiante; e temporais: memorização ou rememorização da sensação de dor; e por último a região do cruzamento temporoparietaloccipital representa um papel evidente de integração na compreensão do fenômeno de dor e do seu significado. É neste nível que podem estar ligadas as manifestações exteriores que mostram o sofrimento sentido pelo paciente, tais como a verbalização da dor pelo grito, choro, queixas, mímica de apreensão física da dor (com subida da tensão muscular, nervosa e moral) (SCHWOB, 1994, p. 73). A repercussão subcortical e límbica manifesta-se por distúrbios do humor com predomínio de grande ansiedade tanto mais acentuada quanto o sujeito desconhece o significado do fenômeno de dor e, por último, pelo aparecimento da componente emocional e da ressonância psico-afetiva da sensação de dor que passa assim de dor a sofrimento (SCHWOB, 1994, p. 73). 3.4. Tipos de Dor As pessoas podem sofrer diversos tipos de dor. Basicamente tem-se os seguintes tipos: rápida, lenta, somática, aguda, crônica, transitória, e do membro fantasma. Abaixo se 17 fará uma breve descrição de cada uma delas. 3.4.1. Dor rápida É a dor sentida em cerca de 0,1 s depois que o estimulo doloroso é aplicado. Este tipo de dor é sentido frente a um traumatismo agudo, geralmente térmico ou mecânico. A dor rápida, água não é sentida na maioria dos tecidos mais profundos do corpo. Esse tipo de dor é descrito por muitos nomes alternativos, como dor súbita, dor em picada, dor aguda e dor elétrica (GUYTON, 2002, p. 516). 3.4.2. Dor lenta A dor lenta também é chamada por múltiplos nomes adicionais, como dor lenta em queimação, dor surda, dor pulsante, dor nauseante e dor crônica (GUYTON, 2002, p. 516). A mesma caracteriza-se pela combinação de lesão tecidual, dor e ansiedade. É um período transitório entre o afrontamento com a causa do ferimento e a preparação para o estabelecimento. A dor lenta alia pois, o desagradável do ferimento passado a esperança do estabelecimento futuro. Ela é sempre acompanhada por ansiedade, que pode ir de depressão à angústia indeterminada. A ansiedade é uma das características fundamentais do estado transitório, indo do ferimento ao começo do restabelecimento (SOUZA, 1997). 3.4.3. Dor somática É o tipo de dor que ocorre quando os estímulos que vão produzir a sensação de dor provém da periferia do corpo (como a pele, músculos, articulações) ou de tecidos de suporte do organismo. Ocorre em conseqüência da ativação de nociceptores em tecidos cutâneos e profundos. A dor é tipicamente bem localizada, sendo as vezes descrita como dor aguda (SOUZA, 1997). 3.4.4. Dor aguda Aquela que se manifesta transitoriamente durante um período relativamente curto, de minutos a algumas semanas, associada a lesões em tecidos ou órgãos, ocasionadas por inflamação, infecção, traumatismo ou outras causas. Normalmente desaparece quando a causa 18 é corretamente diagnosticada e quando o tratamento recomendado pelo especialista é seguido corretamente pelo paciente (DOR, 2006). 3.4.5. Dor crônica A dor crônica, subsiste depois que cessou de cumprir uma função necessária, não é mais simples sintoma de ferimento ou doença. É uma verdadeira síndrome; um problema que exige atenção constante. A dor crônica conduz à debilidade e gera, muitas vezes, uma depressão profunda, pois não há, para o paciente, esperança de alívio. Um sentimento de impotência, de desespero invade o doente. A dor torna-se odiosa: intolerável e inútil. Dor e queixas persistem sem abrandar, e muitas vezes, a atividade do doente se limita à procura cada vez maior de um tratamento adequado. O doente apresenta todos os sinais de uma depressão evolutiva. Muitas vezes, examina-se, então, o indivíduo para determinar se o seu comportamento mórbido tem uma causa psicológica. Na busca de alívio, esses pacientes tornam-se quase sempre dependentes de narcóticos que amenizam a dor (SOUZA, 1997). A dor crônica raramente deriva de uma única causa, mas é antes, o resultado de múltiplos fatores agindo uns sobre os outros. Uma variedade de elementos físico e psicológicos entram em interação e favorecem o desenvolvimento da dor crônica (SOUZA, 1997). 3.4.6. Dor Transitória Geralmente as dores de curta duração são tidas como insignificantes e exigem pouca atenção. Uma queimadura ligeira, provoca uma dor que dura alguns segundos ou minutos, e acaba por se dissipar. O dano real é quase inexistente e raramente se acompanha de ansiedade. Estas dores momentâneas são muitas vezes sentidas como duplas.Colocar a mão em um fogão quente suscita normalmente uma primeira dor relativamente ligeira e bem localizada. Uma segunda dor vai despontar um pouco mais tarde acompanhada de uma ardidura desagradável que desaparece com a diminuição da injúria. Pode rapidamente baixar de intensidade e finalmente esfumar-se gradualmente. Todas essas dores são características de ferimentos ligeiros (SOUZA, 1997). 19 3.4.7. Dor do membro fantasma A dor do membro fantasma é uma das mais terríveis e fascinantes de todas as síndromes clínicas dolorosas, e é um dos exemplos mais relevantes de dor crônica. Ambroisé Pare a descreveu de forma brilhante: “Na verdade é uma coisa maravilhosamente estranha e prodigiosa, que seria difícil acreditar (salvo por aqueles que a viram com seus próprios olhos e a ouviram com os seus próprios ouvidos), que os pacientes se queixem amargamente, vários meses, após a amputação, de ainda sentirem uma dor excessivamente forte no membro já amputado” (SOUZA, 1997). A maioria dos amputados menciona a percepção de um membro fantasma, quase imediatamente depois da amputação do membro. Ele é geralmente descrito como uma forma precisa do membro real desaparecido. Este “fantasma” deve ser produzido pela ausência de impulsos nervosos do membro. Quando um nervo é seccionado, produz uma violenta descarga lesional em todos os tipos de fibras. Esta excitação diminui rapidamente e o nervo seccionado torna-se silencioso, até que novas terminações nervosas comecem a crescer (SOUZA, 1997). Alguns amputados têm tão pouca dor ou sentem-na tão esporadicamente, que negam padecer de um membro fantasma doloroso. Outros sofrem dores periódicas, variando de algumas crises quotidianas, a uma só por semana ou quinzena. Ainda outros têm dores contínuas que variam em quantidade e intensidade. Ela é descrita como ardente ou esmagadora. Pode começar imediatamente após a amputação ou semanas, meses e até anos mais tarde. Sente-se em pontos precisos do membro fantasma (SOUZA, 1997). Se a dor persiste por longo tempo, outras regiões do corpo podem tornar-se sensíveis e o simples toque destas “zonas de gatilho” pode provocar dores intensas no membro fantasma. Além disso, a dor é muitas vezes causada por impulsos viscerais resultantes da micção e defecação. Mesmo as perturbações emotivas podem aumentar notavelmente a dor. Pior ainda é que os métodos cirúrgicos convencionais muitas vezes não conseguem dar alívio permanente, sendo que estes doentes podem recorrer a uma série de operações, sem diminuição da intensidade de dor. Entretanto, a descoberta da “teoria do portão” para controle de dor aferente ou central desenvolve uma nova tecnologia neurocirúrgica, a microcirurgia, capaz de lesar só as fibras finas, sem com esta comprometer a inibição das fibras grossas (SOUZA, 1997). 20 3.4.7.1. Teoria do portão de modulação da dor A teoria se baseia no pressuposto de que a modulação da dor ocorre ao nível da raiz dorsal e também nos níveis mais centrais, na área do mesencéfalo. As fibras mielinizadas grossas, que entram no corno dorsal, essencialmente, moderam ou inibem os impulsos nociceptivos, transmitidos pelas fibras C não-mielinizadas. Se essas fibras grandes forem interrompidas, são desinibidas as fibras de impulsos nociceptivos, tornando a dor mais intensa. Isso indica que um estímulo periférico, seja ele nocivo ou inócuo, atinge o corno dorsal, na qual é modulado. Como os estímulos nocivos são transmitidos por todas as fibras sensoriais (não mielinizadas e mielinizadas), essas sensações precisam ser moduladas no nível da medula espinhal (CAILLIET, 1999, p. 31). 3.5. Escalas Unidimensionais de dor A mensuração da dor é extremamente importante no ambiente clínico, pois torna-se impossível manipular um problema dessa natureza sem ter uma medida sobre a qual basear o tratamento ou a conduta terapêutica. Sem tal medida, torna-se difícil determinar se um tratamento é necessário, se o prescrito é eficaz ou mesmo quando deve ser interrompido. Por ser uma experiência subjetiva, a dor não pode ser objetivamente determinada por instrumentos físicos que, usualmente, mensuram o peso corporal, a temperatura, a altura, a pressão sangüínea e o pulso. Em outras palavras, não existe um instrumento padrão que permita a um observador externo, objetivamente, mensurar essa experiência interna, complexa e pessoal. Algumas vezes, apenas medidas grosseiras, tais como “dor presente” ou “dor ausente”, são necessárias para as intervenções clínicas; mas, para completamente entender o fenômeno e avaliar a eficácia dessas intervenções, necessitamos de medidas mais sofisticadas tanto da intensidade quanto das respostas afetivas associadas à dor (SOUZA, 2002). As escalas unidimensionais de dor, portanto, servem para quantificar a severidade ou a intensidade da dor para se obterem informações rápidas, não invasivas e válidas sobre a dor e a analgesia, assim como são empregados para avaliar e mensurar as diferentes dimensões da dor a partir de diferentes indicadores de respostas e suas interações (SOUZA, 2002). 3.5.1. Escala verbal numérica Na escala em questão o doente é informado sobre a necessidade de classificar sua dor 21 em notas que variam de 0 a 10, de acordo com a intensidade da sensação. Nota zero corresponderia a ausência de dor, enquanto nota 10 a maior intensidade imaginável (CHAVES e LEÃO, 2004, p.77). 3.5.2. Escala visual numérica As explicações são as mesmas da escala anterior, acrescidas da escala concreta impressa abaixo, na qual o doente localizará especialmente a intensidade de sua dor com uma marca (CHAVES e LEÃO, 2004, p. 77). Ex: 0__1__2__3__4__5__6__7__8__9__10 Classificação da dor Zero (0)=Ausência de dor Um a três (1 a 3) = Dor de fraca intensidade Quatro a seis (4 a 6)= Dor de intensidade moderada. Sete a nove (7 a 9)= Dor de forte intensidade Dez (10)= Dor de intensidade insuportável Referência: CHAVES, L.D; LEÃO, E.R., 2004. p. 77. 3.5.3. Escala visual analógica Tipicamente, essa escala consiste em uma linha de 10 cm de comprimento com os seus extremos rotulados como “nenhuma dor” e a “pior dor imaginável” ou “dor intolerável”. Os clientes são instruídos a marcar na linha uma indicação da gravidade da dor sentida. Os valores em mm (ou cm), usualmente, indicados no verso da escala representam, portanto, a intensidade da dor percebida (CHAVES e LEÃO, 2004, p. 78). Marque na linha uma indicação da gravidade da dor que estão sentindo no momento |__________________________________________________________________________| nenhuma dor pior dor imaginável Referência: CHAVES, L.D; LEÃO, E.R., 2004. p.78. 22 4. A TEORIA COMO REFERÊNCIA À PRÁTICA DA PESQUISA 4.1. Sobre Wanda de Aguiar Horta Wanda de Aguiar Horta nasceu em Belém do Pará, em onze de agosto de 1926. Foi diplomada como enfermeira pela Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo em 1948. Em 1953 concluiu a Licenciatura em História Natural, na Faculdade de Filosofia, Ciência e Letras da Universidade do Paraná. Concluiu o curso de pós-graduação em Pedagogia e Didática Aplicada à Enfermagem em 1962, na Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. Em trinta e um de outubro de 1968 tornou-se Doutora e Livre- Docente em Fundamentos de Enfermagem na Escola Ana Néri, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi aprovada em concurso na mesma instituição, em dois de abril de 1974 no cargo de Professor adjunto, exercendo funções didáticas, técnicas e administrativas. Realizou palestras, aulas, conferências, bem como ministrou diversos cursos. Recebeu bolsa de estudos e viagens culturais para países comoPortugal, Espanha, Bélgica, Itália, Suíça e Estados Unidos. Teve, também, participação em bancas examinadoras, orientação de teses de Doutorado e dissertações de mestrado (LEOPARDI, 1999). 4.2. A Teoria das Necessidades Humanas Básicas A teoria em questão se fundamenta em uma abordagem humanista e empírica, a partir da teoria da motivação humana. Considera o ser humano como integrante do universo e, desta integração surgem os estados de equilíbrio e desequilíbrio no tempo e no espaço. Os seres humanos têm necessidades básicas que buscam satisfazer neste processo interativo (LEOPARDI, 1999, p. 81). 4.2.1. Pressupostos Para Horta (1979) os princípios da Teoria das Necessidades Humanas Básicas são: • “A Enfermagem respeita e mantém a unicidade, autenticidade e individualidade do ser humano”; • “A Enfermagem é prestada ao ser humano e não à sua doença ou desequilíbrio”; 23 • “Todo cuidado de Enfermagem é preventivo, curativo e de reabilitação”; • “A Enfermagem reconhece o ser humano como membro de uma família e de uma comunidade”; • “A Enfermagem reconhece o ser humano como elemento participante ativo do seu autocuidado”. 4.2.2. Conceitos inter-relacionados O ser humano é parte integrante do universo, e como tal, sujeito a todas as leis que o regem, no tempo e no espaço, assim como está em constante interação com o universo. A dinâmica do universo provoca mudanças que o levam a estados de equilíbrio e desequilíbrio. O ser humano se diferencia dos demais seres por sua capacidade de reflexão, imaginação e simbolização, e união de presente, passado e futuro (HORTA, 1979, p. 28) O processo saúde-doença ocorre justamente pelo fato de o ser humano estar sujeito a esses estados de equilíbrio e desequilíbrio, como citado acima. Um eventual desajuste leva o ser humano a uma situação de desconforto que pode levar a um estado denominado doença. Assim, doença é a falta de equilíbrio do ser humano com o mundo à sua volta, assim como saúde é o perfeito equilíbrio com todo o universo. Enfermagem é a ciência e a arte de assistir o ser humano no atendimento de suas necessidades humanas básicas, de torná-lo independente, quando possível, pelo ensino do autocuidado, assim como recuperar, manter, promover a saúde em colaboração com outros profissionais (HORTA, 1979, p. 29). Na visão de Leopardi (1999, p. 82), as características dessas necessidades são: • Necessidades psicobiológicas: são as relacionadas com o corpo físico do indivíduo, tais como: higiene, sono, repouso, entre outros; • Necessidades psicoespirituais: são as que derivam dos valores e crenças dos indivíduos. Por ex.: apoio espiritual dos que compartilham suas crenças, maneira de encarar a doença e o tratamento, entre outros; • Necessidades psicossociais: estão relacionadas com as convivências com outros seres humanos, seja em sua família, instituições sociais e políticas, desde ter direito a privacidade, lazer, trabalho e etc. 24 As necessidades citadas anteriormente estão intimamente relacionadas, já que fazem parte de um todo indivisível, assim como são universais, ou seja, são comuns a todos os seres humanos. O que varia de indivíduo para indivíduo é a sua manifestação e maneira de atendê- la (HORTA, 1979, p. 39). A dor é uma reação do organismo que interfere nas necessidades humanas básicas de um indivíduo, independente de sua causa. Uma pessoa com algias tem os fatores biopsicosocioespirituais alterados, fatores esses já citados anteriormente. Nota-se que à mesma é dada pouca importância nas instituições em que vivenciaram, e por isso, acredita-se que a teoria comentada anteriormente conflui com os objetivos do trabalho. É por isso que a citada teoria foi escolhida. Manejar, segundo Bueno (1986, p.692) é, “trabalhar com (...), administrar (...)”. Portanto, manejar a dor é trabalhar com a mesma, administrá-la. Poder-se-ia questionar como manejar algo subjetivo como a dor. Na verdade, esse termo é colocado como forma de trazer uma objetividade para tal sintoma, afim de que o profissional possa compreendê-la melhor, bem como o paciente que sofre do referido sintoma. Assim o profissional terá o máximo de subsídios possíveis para intervir de maneira eficiente. Horta (1979) ainda afirma que a enfermagem deve: ““(...) assistir o ser humano no atendimento de suas necessidades básicas, de torná-lo independente desta assistência, quando possível, pelo ensino do autocuidado; de recuperar, manter e promover a saúde em colaboração com outros profissionais (HORTA, 1979, p. 29). Merece destaque a palavra “autocuidado”. Ou seja, a pessoa deve se tornar independente da assistência de Enfermagem com a ajuda da própria Enfermagem. Enquanto isso não acontece, a pessoa tem a necessidade de ter alguém do seu lado para ajudar nesse empenho. É o que a teórica chama de “assistir em enfermagem”. Isso pode ser feito através de orientação, encaminhamentos, entre outros. Portanto, quando se utiliza o termo manejo, em hipótese alguma os autores deste trabalho diminuem a importância do autocuidado, mas sim como o profissional enfermeiro irá trabalhar com a dor. 25 5. PROCESSO METODOLÓGICO 5.1. Tipo de Pesquisa Esta é uma pesquisa quali-quantitativa, do tipo exploratória e descritiva. Na pesquisa quantitativa a veracidade de um estudo é verificada pela quantidade de entrevistados. Já na qualitativa a preocupação do pesquisador não é com a representatividade numérica do grupo pesquisado, mas com o aprofundamento da compreensão de um grupo, instituição, organização, entre outros (GOLDENBERG, 2001, p. 15). 5.2. Descrição do Local de Estudo A pesquisa aconteceu em dois hospitais gerais da Grande Florianópolis, de caráter público e privado. Em um dos hospitais a pesquisa ocorreu nos setores de Clínica Médica e Cirúrgica. Em outro ocorreu, além dos setores citados anteriormente, no Centro Cirúrgico e na Emergência. Os referidos setores foram escolhidos porque são os setores no qual há maior probabilidade de se encontrar pacientes com algias. Nos setores de Clínica Cirúrgica e Centro Cirúrgico os pacientes foram submetidos a procedimentos invasivos, e no período pós- operatório, normalmente referem dor. No setor de Clínica Médica encontra-se pacientes com doenças crônicas. Esses pacientes permanecem um tempo maior internados, e conseqüentemente, a probabilidade desse paciente possuir dor aumenta, tanto dor física quanto psicobiológica. 5.3. Sujeitos do Estudo e Período de Realização da Pesquisa A amostra correspondeu a 17 enfermeiros (8 de uma instituição denominada pelos autores de A e 9 de outra instituição denominada pelos mesmos de B), independente de sexo, credo religioso, tempo de formação, idade, turno de trabalho. O único pré-requisito era que o pesquisado fosse graduado em Enfermagem. 5.4. Processo de Coleta e Análise dos Dados Nos locais, os pesquisadores se apresentaram, explicaram do que tratava a pesquisa a 26 ser realizada, e a pessoa foi convidada a participar, através do preenchimento de um questionário. No aceite, foi fornecido o termo de consentimento a ser assinado contendo os números telefônicos para contato dos pesquisadores. O mesmo possuía 2 vias: uma fornecida ao participante, e outra que ficou em mãos dos pesquisadores. O questionário em questão era semi-estruturado, com 11 questões fechadas e 10 questões abertas, e as mesmas visavam conhecer a conduta do enfermeiro no manejo do paciente com dor (Anexo 4). O participante ficou com o questionário por 15 dias, a partir da entrega do mesmo. Foi devidamente orientado para o preenchimento de todos os itens, e ficou incumbido de respondê-lo. Após o prazo, os pesquisadores retornaram a instituição parao recolhimento. A coleta de dados ocorreu no período de agosto a dezembro de 2007. Os participantes foram mantidos em sigilo e em hipótese alguma seus nomes foram expostos à sociedade. Após a coleta de dados, estes através de seu registro foram interpretados e avaliados. Para a análise dos dados qualitativos dividiu-se os mesmos em quatro processos conforme descrito por Trentini e Pain (1999): processo de apreensão, processo de síntese, teorização e recontextualização. A apreensão dos dados foi feita a partir das informações coletadas nos questionários. Este processo foi alcançado quando os dados forem suficientes para que se tivesse um relato mais completo e coerente das informações. A questão número 20 do questionário foi excluída da análise, pois era igual a questão número 10, da mesma forma as questões 9 e 10 foram agrupadas pela semelhança induzível da resposta e a falta de clareza na formulação da pergunta. A fase seguinte foi a de interpretação, que comprometeu-se com os resultados e incluiu processo de síntese, de teorização e de transferência ou recontextualização, na intenção de descobrir os valores contidos nas informações, à luz do referencial teórico, e, também de discutir, inferir e socializar os resultados. Constituiu-se o momento de criação e re-criação do conhecimento, com a elaboração do produto final que é sempre provisório, e aberto à contestação, por outros pesquisadores (Trentini e Paim, 1999, p 108). Posteriormente, foi realizada a transferência, ou seja, a socialização dos resultados, e sua contextualização, a fim de dar significados aos mesmos. A análise quantitativa foi feita através da distribuição da freqüência relativa e absoluta. 27 5.5. A Ética e a Investigação Científica Ética é uma palavra que possui muitos conceitos. Os filósofos entendem por ética a doutrina de como devemos viver para vivermos uma boa vida. Na visão de Fortes (1998, p. 26), quando observa-se a origem semântica da ética, ela se equivale a moral. O termo “moral” vem do latim mos ou mores que significa “costumes”, “conduta de vida”, ou seja, refere-se ás regras de conduta humana no cotidiano. O termo ética vem do grego ethos que também significa “caráter”, “modo de ser”, “costumes”, “conduta de vida”. Portanto, ética, na visão de Ferreira (1999) é o estudo dos juízos de apreciação referentes à conduta humana suscetível de qualificação do ponto de vista do bem e do mal, seja relativo a determinada sociedade, seja de modo absoluto. As palavras ética e moral foram adquirindo significados diferentes ao longo do tempo. Atualmente, considera-se moral como o conjunto de princípios, valores e normas que regulam a conduta humana em suas relações sociais, existentes em determinado momento histórico. Na sociedade moderna, em uma mesma sociedade, existem diferentes morais, que são fundamentadas em valores e princípios diferenciados (FORTES, 1998, p. 26). Uma das dificuldades quando se trabalha com ciências da saúde é que estaremos investigando não um objeto fora de nós, mas nós mesmos estaremos sendo investigados. A complexidade dos fenômenos humanos, de qualquer ordem, apresenta a impossibilidade de ser simplificado: assim como é impossível generalizar o comportamento humano. A motivação dos seres humanos também varia, assim como a interpretação e as instruções. Além disso, encontramos as restrições de caráter moral, não submeter o homem indiscriminadamente a qualquer “experiência” (SANTOS et al, 1997, p. 33). De qualquer forma, a função da universidade é a produção do conhecimento científico a fim de proporcionar bem-estar a sociedade. E cabe ao pesquisador a importante tarefa de ser o mediador entre interesses individuais e coletivos. Ele pode formular propostas que permitam a confluência desses interesses, chegando a um denominador comum gerador de progresso do conhecimento científico e bem-estar social. Em época de divulgação é sempre importante o retorno da informação externa aos diferentes setores interessados. Longe de ser um simples efeito de “propaganda”, o retorno é importante porque estende o conhecimento e fortalece a convicção. O retorno promove uma visão de conjunto e, a posteriori, a tomada de consciência que entende-se como sendo a real possibilidade de transformação. 28 Esta pesquisa foi realizada segundo as normas previstas pela Resolução do Conselho Nacional de Saúde nº. 196, de 10 de outubro de 1996, sobre pesquisa envolvendo seres humanos outorgada pelo decreto nº. 93933, de 14 de janeiro de 1998. A pesquisa além de seguir as normas da resolução, também visou proporcionar uma mudança na prática assistencial tradicionalmente conhecida e, prosseguir para o alcance de uma prática assistencial voltada para uma visão integral, através do despertar da equipe de enfermagem para uma visão mais diferenciada sobre a dor. 29 6. RESULTADOS Os gráficos a seguir demonstram os resultados obtidos a partir das respostas dos questionários dos entrevistados. O gráfico 1 mostra a formação profissional dos entrevistados no hospital A e B. Dos entrevistados da instituição A, 33% possuem graduação, ao passo que, 67% possuem pós- graduação. Da mesma forma na instituição B dos entrevistados, 62% possuem graduação, enquanto 38% possuem pós-graduação. Gráfico 1 - Formação profissional dos entrevistados no Hospital A e Hospital B. A 67% 33% Graduação Pós-Graduação B 62% 38% Graduação Pós-graduação O gráfico 2 mostra a experiência profissional dos entrevistados no hospital A e hospital B. Na instituição A, 89% dos participantes têm experiência de 0 a 5 anos. 11% afirmaram exercer a profissão a mais de 20 anos. Já na instituição B, 49% Têm experiência profissional de 0 a 5 anos, 25% responderam que exercem a profissão a um período entre 5 e 10 anos, e 13% afirmaram trabalhar entre 15 e 20 anos. 13% não responderam. Gráfico 2. Experiência profissional dos entrevistados no Hospital A e Hospital B. A 89% 11% 0 a 5 Mais de 20 B 49% 25% 13% 0% 13% 0 a 5 anos 5 a 10 anos 15 a 20 anos Mais de 20 anos Não respondeu 30 Com relação às horas de treinamento que os entrevistados, dos dois hospitais, possuem para identificar sintomas de dor. 88% afirmam não terem passado por nenhum tipo de treinamento, ao passo que, 12% afirmam possuir treinamento, com carga horária de 1 a 10 horas. Observa-se aqui que a maioria dos profissionais independente do tempo de atuação profissional não possuem uma atividade específica de treinamento científico com relação ao assunto em questão. Na pergunta “você dá uma atenção maior ao paciente com dor?”, 100% dos participantes, de ambas as instituições afirmaram dar maior atenção aos pacientes que relatam dores. A dor é um sintoma relevante para o profissional que merece sua atenção, mas a qualificação do profissional para lidar com a dor parece de acordo com nossos resultados deficiente. Para melhor entender a abordagem dada pelos enfermeiros aos pacientes com dor foi-lhes perguntado sobre as estratégias utilizadas para intervir na dor e as intervenções mais comuns encontradas nas respostas dos enfermeiros foi conversar com os pacientes e medicar conforme a prescrição médica. Um entrevistado colocou como estratégia adequar a medicação se a dor não for aliviada com os analgésicos prescritos. Outras alternativas relatadas pelos participantes foram o uso de Reiki diariamente (um entrevistado), ouvir o paciente e efetuar respirações rítmicas. Parece bastante evidente a preocupação do profissional enfermeiro com a dor e a sua tentativa de aliviá-la utilizando para isto técnicaspossíveis ao seu alcance, de qualquer forma não ignorando-a. Para poder intervir em uma necessidade humana básica afetada é necessário ter conhecimento, neste caso a dor. Assim, de acordo com as informações obtidas dos entrevistados sobre seu conhecimento sobre a dor as seguintes respostas foram identificadas: “a dor pode ser definida como um sinal de alerta importante, uma sensação (ou experiência) ruim, pessoal, emocional, sensorial e subjetiva de sofrimento físico”. É um desconforto que interfere no bem-estar e na qualidade de vida das pessoas, cuja forma de manifestação é variada e individual. Essa manifestação pode se dar através de agitação, impaciência, gemência. De acordo com as respostas dos enfermeiros, a dor pode ainda representar alterações hemodinâmicas, indicando algum distúrbio orgânico, ferimento ou lesão. O conhecimento acerca do conceito de dor dos participantes mostra-se, portanto, de acordo com os conceitos trazidos pela literatura científica. Conforme descrição das respostas dos participantes a dor aguda está relacionada a processos inflamatórios e infecciosos, bem como revela uma agressão ao organismo ou trauma. Pode ser relacionada a cirurgias, cuja causa é variável. Seu início é súbito, sua 31 duração é pequena (variando entre segundos a menos de seis meses), e seu alívio ocorre após o tratamento. Na verdade, o conceito de dor aguda é objeto de muitas discussões e controvérsias, como será abordado no próximo capítulo. A dor crônica foi definida pelos enfermeiros entrevistados como dor de longa duração, variando entre vários dias, mais de seis meses ou até mesmo a vida inteira. Dor que pode ser relacionada a lesões ou processos inflamatórios crônicos como: câncer, artrite, AIDS, que não desaparecem após a cura da lesão. Dor de menor intensidade, repetitiva, persistente, desaparece com a intervenção medicamentosa, porém, retorna com maior ou menor intensidade. Nota-se que os conceitos de dor crônica estão próximos dos conceitos vigentes na literatura científica. No quadro 1 segue a posição dos profissionais entrevistados, das duas instituições, com relação a uma série de afirmações feitas sobre o conhecimento sobre dor e a conduta do profissional com um paciente que sente dor. Quadro 1: Afirmações que os profissionais concordaram Afirmações Concordam Total 100% Os pacientes que apresentam dor contínua, os analgésicos devem ser administrados em esquema de horário fixo 70% A intensidade da dor está diretamente relacionada ao grau de lesão tecidual 12% Não respondeu 12% Orientar um paciente a tolerar a dor e adiar o recebimento de analgésicos é uma forma de evitar excesso de medicação 6% Interessante notar nos resultados mostrados que, apesar de todos os participantes desta pesquisa afirmarem dar uma atenção extra ao paciente que sente dor, há uma pequena parcela dos pesquisados que evitam administrar analgésicos em pacientes com dor na justificativa de evitar excesso de medicação. O quadro 2 mostra o posicionamento dos entrevistados com relação a prescrição de analgésicos em esquema “se necessário”. 32 Quadro 2: Quando a prescrição do analgésico é em esquema “se necessário” deve se... Afirmações Concordam Total 100% Sempre esperar que o doente a solicite 35% Indagar sistematicamente ao doente sobre a presença de dor 35% Tentar dar a menor quantidade possível de analgésico 18% Não respondeu 12% Diante dos resultados do quadro anterior, novamente tem-se dados interessantes: todos os profissionais participantes da pesquisa dizem dar uma atenção maior ao paciente com dor, mas uma grande parcela dos participantes esperam o paciente relatar dor para medicar, bem como tentam a priori administrar a menor dose possível. A soma dos pesquisados com tais posicionamentos é de 53%, ou seja, mais da metade da amostra. Para identificar e quantificar a dor de acordo com a literatura existem instrumentos que permitem quantificar com certa exatidão o nível da dor e assim possibilitar uma melhor e mais adequada intervenção por parte da equipe de saúde. Assim sendo uma das preocupações de nossa pesquisa foi identificar se nas instituições nas quais se deu a pesquisa haveria ou não um instrumento padronizado de avaliação da dor. Com relação a existência de instrumentos padronizados para a avaliação e quantificação da dor, nos dois hospitais, mostra que do total de participantes, 88% disseram não existir tais instrumentos nas instituições, ao passo que, 12% afirmaram existir. Aqui há incongruência nas respostas de profissionais da mesma instituição, talvez por que não compreenderam a pergunta, ou pensem que esses instrumentos se tratem da terapia medicamentosa. Fica assim difícil identificar com exatidão se há ou não um instrumento padronizado na instituição, uma vez que as respostas não são conclusivas e não permitem afirmar ou negar a presença de um instrumento institucional padronizado de avaliação da dor. Quando perguntados sobre quais instrumentos eram estes, dois enfermeiros dos dezessete entrevistados afirmaram utilizar a escala numérica verbal ou visual, solicitando que o paciente dê uma nota entre zero a dez, que caracterize a intensidade da dor sentida. As demais não responderam. Nota-se aqui que os profissionais conhecem os instrumentos disponíveis para a mensuração da dor, porém, apenas dois utilizam. De acordo com a maioria dos participantes da pesquisa a intensidade da dor deveria ser registrada a partir de um instrumento, como por exemplo, a escala numérica entre 0 e 10. Outra sugestão dos entrevistados foi a caracterização da dor por intensidade: leve, moderada e 33 severa. Os entrevistados do hospital público sugerem ainda um instrumento padronizado pela instituição. Novamente nota-se que os profissionais sabem fazer uso do instrumento e registrar seus resultados, mas na prática não é utilizado. Ao serem perguntados “A dor não aliviada pode trazer complicações aos doentes e seus familiares?”, 100% dos entrevistados de ambos os hospitais responderam sim. Essas alterações podem ser fisiológicas, hemodinâmicas, alterações nos sinais vitais, ansiedade, angústia, inquietude, insegurança, depressão e fadiga, estresse, desânimo para participar do tratamento e agravo da patologia. A dor sentida pelo paciente reflete nos familiares gerando angústia, ansiedade por ver seu ente querido sofrendo. Os entrevistados, portanto, reconhecem os prejuízos de uma dor subtratada, ou não tratada. Com relação a pergunta sobre a participação do profissional enfermeiro decisão junto com o médico com relação ao analgésico a ser administrado nas instituições, os dados foram agrupados. Do total dos entrevistados, 76% afirmaram participar da decisão, ao passo que, 12% não participam da decisão. 12% não responderam. Com relação a pergunta “qual a melhor ajuda que você poderia receber para melhorar seu trabalho diário com pacientes com sintomas de dor?”, os resultados mostraram que a maior necessidade está em se ter disponível um instrumento padronizado para aliviar a dor. Outra necessidade identificada foi a implantação de novas técnicas para o alívio da dor, bem como a educação em saúde, treinamentos, cursos, aperfeiçoamentos a fim de melhorar o entendimento da dor, assim como suas avaliações e intervenções. Os participantes da pesquisa, portanto, reconhecem a necessidade de se conhecer mais sobre a dor, bem como aplicar os instrumentos de mensuração disponíveis, sendo que, alguns dos próprios participantes já demonstraram conhecer. O quadro 3 mostra os indicadores comportamentais utilizados pelos profissionais para avaliar a dor nas instituições. Quadro 3: Indicadores comportamentais utilizados pelos pesquisados pelos Profissionaispara avaliar e medir a dor no hospital A e hospital B. Indicadores Utilização no hospital A Utilização no hospital B Irritabilidade 11% 13% Choro Expressão facial Aumento da P.A 22% Redução do apetite Distúrbio do sono 11% Todas as anteriores 56% Nenhuma das anteriores 87% Total 100% 100% 34 Quando perguntado “qual a vantagem de se classificar a dor?”, os participantes afirmaram que essa classificação subsidia a adequada intervenção no paciente. Com isso o analgésico é escolhido corretamente, o tratamento se torna mais fácil, e ajuda a aliviar a dor do paciente internado. Um participante justificou a classificação da dor como melhora na qualidade do atendimento. Observa-se que os profissionais sabem que classificar a dor é importante para uma intervenção adequada, porém, essa classificação não é exercida na prática. Com relação a preferência por analgésicos prescritos, 82% dos entrevistados preferem utilizar analgésicos não-opióides. 18% não responderam. A justificativa que os participantes utilizaram por optar primariamente pelos analgésicos não-opióides está no fato de evitar a dependência das medicações. Uma pequena parte dos entrevistados afirmaram que os analgésicos não-opióides são menos agressivos ao corpo. Um dos participantes relatou preferir opióides apenas em casos de dor severa. Percebe- se como os profissionais são temerosos quanto ao uso dos opióides por medo do paciente ficar dependente. Na verdade, há certos tipos de dor que apenas são aliviadas com opióides. Neste caso, o conhecimento dos profissionais com relação a esse aspecto mostra-se a desejar. 35 7. DISCUSSÃO Como lembra Horta (1979), “Todo cuidado de Enfermagem é preventivo, curativo e de reabilitação”. Quando um paciente sente dor a função da enfermagem é prestar cuidados ao mesmo para que não sinta dor, colaborando assim para sua cura, reabilitação e prevenção (prevenir o paciente de sofrer mais com a piora da dor). A enfermagem possui suas próprias intervenções para esses casos que serão apresentados ao longo deste capítulo. O conhecimento adequado e a aplicação criteriosa dessas intervenções será benéfico para o paciente, contemplando o que Horta acreditava, e os autores desta pesquisa acreditam. “A Enfermagem reconhece o ser humano como membro de uma família e de uma comunidade” (HORTA, 1979). Esse é outro pressuposto em que Horta acreditava, e os autores da presente pesquisa também. É importante ressaltar que um paciente que sente dor é assistido pelos seus familiares. Quando seu ente querido sofre, seus parentes também sofrem, ou seja, a dor não tratada traz complicações também para os familiares, pois sofrem junto com seu ente querido. Quando um paciente sente dor, se faz necessário que esse pressuposto fique bem claro para o profissional que o assiste, afinal, os pacientes devem ser assistidos na sua totalidade, e não apenas na sua patologia. A dor bem tratada, portanto, não só traz alívio para o paciente, mas também cessa o sofrimento de seus familiares. Como foi colocado no capítulo anterior, a grande maioria dos entrevistados possuem uma certa experiência no mercado de trabalho, entretanto, apenas uma pequeníssima parte dos pesquisados realizou treinamento para identificar os sintomas de dor. Sakata (2005) afirma que poucas faculdades possuem o assunto “dor” no seu programa, os serviços que ministram aulas teóricas sobre “dor” durante a especialização são escassos, bem como cursos práticos de especialização sobre dor. Muitas vezes o assunto “dor” até aparece em ementas, mas sua discussão é tão pequena que não preparam realmente os profissionais para lidarem com a dor. Os resultados desta pesquisa confirmam na prática o posicionamento do autor citados. 6% dos entrevistados afirmaram que o doente deve tolerar a dor para evitar o excesso de medicação. Na verdade, a existência da dor já justifica uma intervenção medicamentosa. A dor provoca diversos transtornos como: alteração no humor, insônia, estresse, entre outros, e ninguém precisa passar por isso apenas para “evitar excesso de medicação”. Uma parte dos entrevistados 18% também afirmaram que sempre se deve dar a menor quantidade possível de analgésico, mas qual seria a “menor quantidade possível” 36 quando a dor não é avaliada? Na verdade essa posição está diretamente relacionada com o excesso de medicação, discutido no parágrafo anterior. Um aspecto que chama a atenção é o posicionamento dos entrevistados acerca do uso dos opióides: 82% preferem os analgésicos não opióides devido a dependência que os opióides podem causar. “A farmacodinâmica e a experiência clínica com o uso de opióides confirmam que tanto a tolerância como a dependência física podem ocorrer, mas não devem impedir sua utilização terapêutica, além disso, a dependência psíquica é rara” (GIUBLIN apud SEREZA e DELLAROZA, 2002). Na visão de Katzung (2006), “Obviamente, o risco de causar dependência representa ma importante consideração no uso terapêutico desses fármacos. A despeito desse risco, não se deve, em nenhuma circunstância, deixar de proporcionar alívio adequado da dor simplesmente porque um opióide tem o potencial de abuso ou porque as medidas legislativas de controle complicam o processo de prescrição de narcóticos. Além disso, certos princípios podem ser seguidos pelo médico para evitar ao máximo os problemas decorrentes da tolerância e dependência quando se utilizam analgésicos opióides:” (KATZUNG, 2006, p. 426). Os princípios a que se referem o citado autor são: • Estabelecer objetivos terapêuticos antes de iniciar a terapia com opióides. Isso tende a limitar o potencial de dependência física; • Uma vez estabelecida uma dose terapêutica, deve-se procurar limitar a dose nesse nível; • Avaliar com freqüência a continuação da terapia analgésica e a necessidade de opióides do paciente. Esse posicionamento com relação aos opióides de utilizá-los apenas em último caso é muito comum. Kullcamp, Barbosa e Bianchini (2006) realizaram uma pesquisa com médicos, enfermeiros e farmacêuticos para avaliar tais profissionais com relação ao uso de opióides. Os seguintes relatos foram disponibilizados no artigo: “Chamo o médico para avaliar a situação e administro um analgésico (dipirona, paracetamol). Não resolvido ou não tem médico, às vezes, se conheço o paciente, administro soro puro e digo ao paciente que é analgésico. Se não resolver, chamo a ambulância e envio à emergência” (Kullcamp, Barbosa e Bianchini, 2006). 37 Outro posicionamento que chama muito a atenção segue abaixo: “Tentaria identificar a qual substância o paciente é dependente. Em seguida, colocaria compressas quentes. Caso não haja sucesso, faria dolantina. Ou conversaria com o médico da possibilidade do uso de um placebo (Kullcamp, Barbosa e Bianchini, 2006). Aqui percebe-se como a insuficiência de conhecimento acerca dos opióides provoca resistência nos profissionais para utilizá-los. Com o receio de que o paciente se torne dependente da medicação, os profissionais resistem ao máximo em utilizá-los. No segundo caso percebe-se como a escala analgésica para a avaliação da dor está fazendo falta. O profissional está partindo de compressas quentes para a dolantina. Essa falta de parâmetro aconteceu porque o profissional não avaliou a dor com o instrumento citado anteriormente, o que o deixou sem parâmetro para intervir na dor. Por falar no placebo, este é, “um remédio simulado”, que não contém ingrediente ativo (ou também, uma simulação de procedimento cirúrgico, dieta ou outro tipo de intervenção terapêutica), que o paciente acredita que é (ou que pode ser, no contextode um teste com controle) a coisa real (RANG et al, 2004, p. 99). Há dois tipos de placebo: os inertes e os ativos. Os inertes não tem nenhuma ação farmacológica. Os ativos têm ação própria, embora, às vezes essa ação não é específica para a doença para a qual estão sendo administrados. Poder-se-ia perguntar como age o placebo. Há várias teorias que tentam explicar esse processo. Uma delas é a do reflexo condicionado, do fisiologista Ivan Pavlov no final do século XIX (AMARAL e SABBATINI, 1999). Para se entender essa teoria, é necessário rever alguns conceitos. O funcionamento do sistema nervoso humano é dependente de reflexos, ou seja, respostas a estímulos provenientes do meio externo ou do interno. Um estimulo sensorial, venha de dentro ou de fora do organismo, atinge um receptor e provoca modificação das condições orgânicas e, em conseqüência, uma resposta que pode ser motora, secretora ou vegetativa. Existem dois tipos de reflexos: • Os reflexos incondicionados: são aqueles com os quais os animais nascem. São adquiridos ao longo da evolução de sua espécie. Por exemplo, se for colocado comida na boca de um cão, ele começa a salivar. Isso está determinado dentro do seu próprio sistema nervoso. 38 • Os reflexos condicionados: são aqueles que os animais adquirem durante suas vidas. Trata-se de um dos tipos de aprendizado de que o sistema nervoso é capaz. À medida que determinados estímulos ambientais vão agindo sobre eles, formam respostas condicionadas a esses estímulos. Logicamente, para que essas respostas condicionadas surjam, elas têm que se basear em respostas incondicionadas. De posse dessas informações, observe-se o seguinte experimento: “Após fazer soar um estímulo sonoro, aplica-se, em um cão, uma injeção de acetilcolina. Em resposta à acetilcolina o cão tem hipotensão (queda da pressão arterial). Se, depois de diversas combinações do som com a injeção, substituirmos a acetilcolina por adrenalina, o cão continuará a ter hipotensão. Deveria ter hipertensão (aumento da pressão arterial), portanto o condicionamento mudou completamente a resposta ao segundo agente. A ação farmacológica da adrenalina foi anulada. Seria de se esperar que o cão, ao recebê-la, tivesse aumento da pressão arterial; mas como está recebendo aquela injeção temporalmente associada ao estímulo sonoro, que para ele é sinal de hipotensão, sua pressão continua a baixar. O organismo do cão ignora o efeito farmacológico da adrenalina e obedece ao sinal de hipotensão, registrado no sistema nervoso central” (AMARAL e SABBATINI, 1999). No ser humano acontece a mesma coisa, sendo que, existe ainda a linguagem que aumenta ainda mais a possibilidade de condicionamento. Por esta teoria, o placebo nada mais é do que um efeito orgânico causado no paciente pelo condicionamento ao nível de estímulos abstratos e simbólicos. Enfim, a realidade presente no cérebro é que conta, a expectativa do sistema nervoso em relação aos efeitos de uma droga e não a realidade farmacológica (AMARAL e SABBATINI, 1999). No que concerne ao conceito de dor, os pesquisados não ficaram muito longe dos conceitos firmados pela comunidade científica. Pela International Associaation for the Study of Pain (IASP) a dor é, “uma experiência sensorial e emocional desagradável, associada a dano tecidual presente ou potencial, ou descrita em termos de tal dano”. Kanner (1998) coloca a definição funcional de dor como, “qualquer coisa que o paciente diz que o machuca”. Foi nestas linhas de pensamento que os participantes conceituaram dor. O conceito de dor aguda é controverso na comunidade científica. O último conceito de dor aguda formulado pela Associação Internacional para o Estudo da Dor foi em 1979: “sensação e emoção desagradáveis, associados a lesões presentes ou potenciais de tecidos ou apresentadas nesses termos”. Esse conceito hoje está posto em causa. Kanner (1998) afirma que dor aguda, “é aquela cuja origem é a lesão ou irritação do nervo. Persiste por longo tempo, após o evento precipitante, e pode ser ocasionada por sensibilização central”. Nota-se 39 como os conceitos são diferentes entre si. Os conceitos dos entrevistados se parecem mais com o de Kanner, mas a verdade é que ainda não existe um conceito de dor aguda aceito universalmente. Quando perguntados sobre o conceito de dor crônica, nas respostas mencionou-se o tempo (acima de seis meses) e a sua relação com certas doenças crônicas, como o câncer e a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (S.I.D.A.). Este posicionamento dos entrevistados está correto. Porém, é relevante lembrar que há dores crônicas com período menor, bem como nem sempre sua intensidade está ligada ao dano no tecido. Para Dwarakanath apud Cailliet (1999, p. 261, “considera-se a dor crônica sem relação com a importância do dano do tecido, não tendo, assim, nenhuma finalidade útil... (...). Na verdade, para se definir a dor como crônica, é necessário reconhecer seu mecanismo. A dor crônica pode ser tanto somática quanto psicológica. Foi postulado como mecanismo fisiológico da dor crônica a alteração do “portão” de controle. Para Cailliet (1998), “Os terminais dos nervos periféricos no local da lesão do tecido sofrem alterações químicas e mecânicas. Ocorrem alterações vasomotoras com formação de edema, que aumenta a sensibilidade dos terminais nervosos, modificando os limiares e permitindo seu disparo com estímulos mínimos. Esse aumento da sensibilidade permite que estímulos inócuos dêem início e prolonguem a dor. As fibras nervosas aferentes periféricas irritadas, crônica e persistentemente, também podem provocar hiperexcitabilidade das células do corno dorsal da medula espinhal” (CAILLIET, 1999, p. 260). Ou seja, as fibras nervosas aferentes continuam se descarregando depois que os estímulos nociceptivos deixaram de ser ativos (CAILLIET, 1999). Schwob (1994), na mesma linha de pensamento, afirma que a dor crônica é clinicamente diferente da dor aguda. É distinta de sua causa inicial, bem como provoca conseqüências nocivas próprias, tanto no âmbito físico, psicológico, como social.. Um preparo adequado dos profissionais, com embasamento científico consistente melhorariam a assistência e o controle da dor dos pacientes. Na visão de Sereza e Dellaroza (2003), profissionais sem embasamento científico estão despreparados para lidar com as queixas álgicas, e conseqüentemente subtratando as dores desses pacientes, especialmente a dor crônica. Dor não tratada provoca complicações como o prolongamento da internação, aumento dos custos do tratamento e insatisfação do cliente com o atendimento. Custos esse que inclusive são desconhecidos. Uma reportagem publicada na Folha de São Paulo, em 2002, já chamava a atenção para o problema: 95% dos hospitais brasileiros tinham pacientes 40 com a carreira afetada pela dor, mas sem nenhum estudo aprofundado a respeito. Talvez por ser realmente complicado quantificar os prejuízos. "A questão é genérica. Qualquer doença ou acidente pode causar um tipo de dor. É um universo muito amplo, fica difícil delimitar o campo de trabalho" afirma Humberto Carlos Parro, presidente da Fundacentro, na mesma reportagem. De qualquer forma, uma internação mais prolongada que o necessário consiste em uma elevação do custo de tratamento que poderia ser evitado, caso esses profissionais estivessem com conhecimento científico mais apurado, pois esses profissionais interviriam com mais eficiência. Mas os profissionais entrevistados se importam com a pessoa que sente dor, como foi mostrado nos resultados, e procuram intervir no problema de alguma forma: adequar a medicação se a dor não for aliviada com os analgésicos prescritos (junto com o médico obviamente, já que no Brasil o enfermeiro não pode prescrever medicamentos nas instituições
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