Buscar

Reflexão Crítica: Após 100 anos de psicoterapias por que o mundo está cada vez pior ?

Prévia do material em texto

Sabemos que muitos foram os avanços das psicoterapias nos últimos 100 anos. A psicologia clínica surgiu no século XIX, e apesar das conquistas e avanços conquistados até o momento corrente, sabemos que comparada por exemplo, à clínica médica trata-se de uma ciência ainda embrionária. 
Concordo com os colegas ao discutirem sobre o “desconhecimento” da psicologia, ou quem sabe ao invés de um desconhecimento podemos inferir sobre a mal compreensão ou uma mistificação em torno do discernimento e entendimento das psicoterapias. Em derredor de muitos “pré-conceitos” estabelecidos e difundidos em massa na nossa sociedade, os termos psicoterapia é “coisa de louco” ou ainda “é pra rico que não tem nada o que fazer” são comuns. Uma triste realidade em alguns grupos que ainda não teve acesso a uma informação clara e desmistificada sobre a clínica psicológica. 
No que se diz respeito a uma das colocações sobre a busca das psicoterapias serem motivadas pela “consciência” dos efeitos nocivos que os remédios provocam e pela propagação dos efeitos colaterais dos fármacos, acredito que realmente tenha uma parcela significativa na contribuição à procura das psicoterapias, e conjuntamente podemos refletir sobre uma realidade vivenciada pelos psicólogos clínicos: a baixa adesão e a dificuldade no prosseguimento do tratamento. Dificuldade esta que pode ser compreendida por uma visão holística da sociedade capitalista na pós- modernidade, onde o imediatismo é exorbitante. 
O tema sobre o capitalismo é outra discussão central no que refere ao surgimento da psicologia, sabemos que o capitalismo foi o cenário que possibilitou o despontamento e as possibilidades das psicoterapias, mas ao mesmo tempo trouxe “problemas” subjetivos que modificaram demasiadamente o nosso objeto de estudo: o sujeito. O individualismo e a complexidade inerente a compreensão desse “novo sujeito” que vem se delineando na era pós- moderna pode ser um indicativo do porquê a psicologia clínica idealizada no século passado tem se mostrado ineficiente. 
O indivíduo pós-moderno vive “criticamente” um momento de decomposição e fragmentação. Ou seja, o indivíduo percebe o mundo de forma dialética e cheia de possibilidades, onde cada sujeito é senhor de suas realizações e autor principal de suas escolhas, apreensão esta que é fruto do capitalismo, e consequentemente esse indivíduo se vê responsabilizado pelo seu sucesso, experimentando uma intensa ansiedade e nascendo desse cenário novas tensões. Toda essa esfera crítico-construtivo de um “novo” sujeito produz a necessidade de novas compreensões e análise do nosso objetivo de estudo e ainda proporciona uma inquietude, em ambas as partes. Tanto no sujeito a ser escutado, quanto no profissional que o escuta. 
Num artigo publicado em 2008 intitulado: A crise da psicologia clínica no mundo contemporâneo, Antônio Portela ressalta que os referenciais teóricos da psicologia clínica “parecem não mais entender às novas demandas de um sujeito que, assim como o mundo, encontra-se em mutação”, salientado que essa dificuldade se deriva da riqueza e complexidade do “novo” sujeito. Esse mesmo autor coloca em discussão um importante tema: o espaço privado desse novo sujeito “tem pouca ligação com o espaço público, onde acontece o jogo de tensões e pressões sociais”, esse indivíduo pós-moderno, “sente sua incapacidade de apreender suficientemente e de dominar soberanamente a variedade e a dinâmica da realidade que o envolve”. (PORTELLA; 2008 apud Tomka; 1997). 
Para Giddens (2002), examinar a relação face a face das psicoterapias se tornou ainda mais difuso a medida que o mundo globalizado enfatiza um sujeito imediatista, hedonista, virtual, materializado e por sua vez, mais distante da vida concreta. 
Ainda a luz da reflexão acerca da legitimidade dos avanços nas psicoterapias, e a persistência de um mundo cada vez pior, Porlella (2008) aponta uma segunda reflexão instigadora. A tendência em inverter a relação entre teoria e prática, onde ao invés de deixar que o fenômeno fale por si só, existe uma tendência em tentar encaixar o fenômeno no conceito teórico. Esse autor complementa que o problema é que o fenômeno do sujeito pós-moderno já não é cabível em nenhuma das teorias isoladamente, e essa tentativa de enquadramento ao conceito teórico enviesa a prática e “calcifica a dinâmica histórica do sujeito”. 
Em síntese podemos compreender que as ciências psicológicas estão vivendo um estágio de “crise”. Tanto das suas concepções teóricos - práticas como da escuta do seu sujeito. Entendendo o “recente” ingresso da psicologia no âmbito científico, das profundas mudanças correntes na sociedade desde então, e da necessidade de solucionar alguns paradigmas entre suas abordagens é concebível o conceito de “crise” nas ciências psicológicas. A solução muito provavelmente não diz respeito a uma via de mão única, mas muito provável que se trate de várias saídas, da construção e re-construção de muitos paradigmas.

Continue navegando