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•-· ••••"'••••"'III!!lIIIIlIIIIIIIIIiI!lIlIllI!llIi1llllillllll!••IIl••Ill••II••••••••••II-••••••••••,'Ií"'~,·••• ~.li.*II·.+l!!!!!!••_•.•._•.----------_- ..-.---:---:--- :.i~-- i 1ltf~i$~4 I I ROBERT STAM A liTeRATURA ATRAVÉS DO CINEMA ReAlISMO, MAGIA c A ARTe DA ADAPTAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS REITOR RonaldoTadêuPena VleE-REITORA Heloisa Maria Murgel Scarling EDITORA UFMG DiRETOR Wander Meio Miranda VJCE-DIRETOM SilvanaCóser CONSELHO EDITORIAL Wander Meio Miranda (PRESIOENTE) Carios Antônio Leite Brandão Juarez Rocha Guimarães MárcioGomesSoares Maria das Graças Santa Bárbara Maria Helena Damnsceno e Silva Megale Paulo Sérgio Lacerda Belrão SilvaM Cóser Tradução MAmE-MINE KREMER GLAUCIA RENATE GONÇALVES BeloHorizonte EditoraUFMG 2008 Figura7.7- ApresentaçàomusicalemBa170CO (1988)dePaulLeduc, produzidopeloInstitutoCubanodelArteeIndustriasCinematográficos (ICAIC)/SociedadEstatalQuintoCentenario/ÓpaJoFilms,distribuído porInternationalFilmCircuit;fotoreproduzidaporcortesiadoBritish Filmlnstitute Não foram poupados esforços no sentido de localizar os detentoresde direitosautoraisparaquefosse obtidaa permissão parausodo materialprotegidopor lei.A editoradesculpa-sepor quaisquererrosou omissõescometidasna listagemacimae agra- deceriaanotificaçãodecorreçõesquedevamserincorporadasem futurasreimpressõesou edições. 16 ,. INTRODUÇAO A literaturaatravésdo cinema: realismo,magia e a arte da adaptaçãoapresentaa históriada literaturaatravésdo cinema. O livro,que poderiatersido intituladoClássicosda literaturano cinema,ofereceum relatohistoriadode momentosimportantes nahistóriado romancenãosó emtermosliterários,comotambém refratadosatravésdo prisma da adaptação.Obviamenteseriauma tarefa"quixotesca"cobrir todaa históriado romancedesdeCer- vantes,por issoabordoapenas"momentos"e tendênciascruciais. Os romancesanalisadossão,em sua maioria,"romances-chave" enquanto"clássicos"quegeraramumavastaestirpede"descenden- tes"literáriose fílmícos.Por exemplo,tantoDomQuixotequanto RobinsonCrusoédão início a linhagensopostasno romance,e ambosforamreescrítose filmadosinúmerasvezes.Dom Quixote é o texto-fonteparaa tradiçãoparódica,intertextuale "mágica" de romancescomo TomJonese TristramShandy,que ostentam seusprópriosartifíciose técnicas.Por suavez, RobinsonCrnsoé, de Defoe,é um texto-fonteseminalparaa tradiçãodo romance miméticosupostamentebaseadona "vida real"e escritode tal formaa gerarumaforteimpressãode realidadefactual. Madame Bovmy, de Flauben, entretanto,contrapõeambas as tradiçõesrealistae reflexiva/cervantina.Essaobrade Flaubert foi igualmenteinfluentetantoem termostemáticos- monotonia campestre,desejosexual,desilusão- quantodastécnicasempre- gadas- o discursoindiretolivre, o uso do pretéritoimperfeito, o empregodo pastiche.Notasdo subterrâneo,semelhantemente, desencadeouumasériede romancesque empregamnarradores problemáticose autodesrnistificadores,começandocomA náusea, de Sartre,O homeminvisível,de Ellison,Lotita,de Nabokov,e A hora da estrela,de Lispector. Cada capítulode A literaturaatravésdo cinemaretratauma tendêncialiterária- a paródiade Cervantes,o realismodeDefoe (e as tentativasde "contra-escrever"talestilo),a reflexividadede Fielding,o perspectivismoflaubertiano,apolifoniadeDostoievsky, a experimentação nouvelle vague, o "realismo mágico" de Márquez- antesde explorarsuasramificaçõescinemáticas.Ao final de cadacapítulo,sugiroa relevânciadessesromancespara a vidae culturacontemporâneas.O capítulosobreDom Qufxote terminacom observaçõessobreos aspectoscervantinosdo pós- modernismo;aquele sobre Robinson Crusoé,com comentários sobreNdufragoesobreSuroívot;um realitygameshow.O capítulo sobreMadameBovaryleva-nosao filmeA rosapúrpura doCairo, de Woody Allen. O capítulosobre Notasdo subtelTâneorevela um parentescosubterrâneoentre os narradoresatormentados de Dostoievskye os stand-upcomedians!dos diasde hoje.Ao discutira midia contemporâneae refletira respeitoda realidade atualdos romances(e dos filmes),esperoterem meu público- alvonãoapenasestudiososde literaturae cinema,COmOtambém estudantessaturadospelamídiamasnãonecessariamenteversados no cânoneliterário. A tensãoentrea magiae o realismo,a reflexividadee o ilu- sionismo,temalimentadoaarte.Qualquerrepresentaçãoartística pode se fazer passarpor "realista"ou abertamenteadmitirsua condiçãoderepresentação.O realismoilusionistaapresentaseus personagenscomopessoasreais,suaseqüênciade palavrascomo fatosubstanciado.Textosreflexivosou mágicos,por outro lado, chamama atençãoparasuaprópriaartillcialidadecomoconstrutos teXtuaissejapelahiperbolizaçãomágicade improbabilídades,seja atravésdo esvaziamentoreflexivo,rninimalistado realismo.Nesse sentido,Dom Quixote orquestratanto magia quanto realismo antecipando,assim,o "realismomágico", De fato, para René Girard, "todasas idéiasdo romance ocidentalestãopresentes, embrionariamente,em Dom Quixote'.2Como retomamoscom freqüênciaa Dom Quixotecomo matrizseminalpara a reflexi- vidademágica,o presentelivro poderia tersido chamado"uma 18 meditaçãosobre Quixote', parafraseandoOrtegay Gasset,ou melhor,umameditaçãotantosobreo "quixotesco"quantosobre o "cervantino".Muitosdosromancescentraisàtradiçãoeuropéia - O vermelhoeo negro,de Stendhal,Ilusõesperdidas,deBalzac, Madame Bovaty,de Flaubert,Em buscado tempoperdido, de Proust- empreendema trajetóriacervantinado desencantamento emqueasilusõespromovidaspelaleituraadolescentesãosiste- maticamentedesfeitaspelaexperiênciado mundo'real.Maseste tipodequixotismoestátãodisponívelparao cinemaquantopara a literatura.Assimcomo a obra OssofrimentosdojovemWlerther inspirouumaondadesuicídiosemtodaaEuropa,diversosfilmes -tambémjá induzirama comportamentoimitativo.Na verdade, inúmerosfilmes,c?lmo,por exemplo,Sonhosde um sedutore Cãesdealuguel,exploramo temacervantinode personagens! espectadoresque procuramemularseusheróisdo cinema. ALÉM DA "FIDELIDADE" EmboraA literaturaatravésdo cinemasejaorganizadodia- cronicamente,seguindoa cronologiados textosliteráriose não aquela dos textoscinematográficos,certos temassincrônicos surgirãorelativamentea todos os textosdiscutidos.Ainda que este não seja o lugar para uma teoria sistemática- algo que tenteifazeremmeuensaio"A teoriae práticadaadaptação",no volume Literatureandfilm -, posso brevementedelinearmeu entendimentode algumasdas categoriascruciaisoperantesao longo do texto, O "argumento"geral de A literatura atravésdo cinema entrelaçaumasériede fios: a críticado discursoda "fidelidade", a naturezamulticulturalda interteÀwalidadeartística,a natureza problemáticado ilusionismo,ariquezade alternativas"mágicas"e reflexivasao realismoconvencionale a importânciacrueialtanto da especificidadedo meio de comunicação- o ftlmeenquanto tal - quanto dos elementOsmigratórios,de entrecruzamento, compartilhadospelo cinemae outrastiposde mídia. A linguagemtradicionalda crítica à adaptaçãofílmica de romances,comojá argumenteianteriormente,3muitasvezestem 19 sido extremamentediscriminatória,disseminandoa idéiade que o cinemavemprestandoum desserviçoà literatura.Termoscomo "infidelidade","traição","deformação","violação","vulgarização", "adulteração"e "profanação"proliferame veiculamsua própria cargade opróbrio.Apesardavariedadede acusações,suamotriz parecesersemprea mesma- o livro eramelhor. A noção de "fidelidade"contém,não se pode negar, uma parcelade verdade.Quando dizemos que uma adaptaçãofoi "infiel"aooriginal,aprópríaviolênciado termoexpressaagrande decepção que sentimosquando uma adaptaçãofílmica não conseguecaptaraquiloqueentendemossera narrativa,temática, e característicasestéticasfundamentaisencontradasemsuafonte literária.A noção de fídelidadeganhaforçapersuasivaa partir de nossoentendimentode que: (a) algumasadaptaçõesde/ato não conseguemcaptaro que mais apreciamosnos romances- fonte;(b) algumasadaptaçõessãorealmentemelhoresdo que outras;(c) algumasadaptaçõesperdempelo menosalgumasdas característicasmanifestasemsuasfontes.Masamediocridadede algumasadaptaçõese a parcial persuasãoda "fidelidade"não deveriamlevar-nosa endossara fidelidadecomo um princípio metodológico.Na realidade,podemosquestionaratémesmose a fidelidadeestritaépossível.Umaadaptaçãoéautomaticamente diferentee originaldevidoà mudançado meiode comunicação. A passagemde um meio unicamenteverbal como o romance paraum meio multifacetadocomo o filme,que pode jogarnão somentecompalavras(escritasefaladas),masaindacommúsica, efeitossonorose imagensfotográficasanimadas,explicaa pouca probabilidadedeumaFidelidadeliteral,queeusugeririaqualificar atémesmode indesejável. A literaturaatravésdocinemasimplesmenteadmite,ao invés de articular, os vários desenvolvimentosteóricos que foram abalandoas premissasfundadorassobre as quais a doutrina da fidelidade historicamentese baseou. Os desenvolvimentos estruturalistasepós-estruturalistaslançamdúvidassobreidéiasde pureza,essênciaeorigem,provocandoumimpactoindiretosobre a discussãoacercada adaptação.A teoriada intertextualidade de Kristeva,com raízesno "dialogismo"de Bakhtin,enfatizoua interminávelpermutaçãode traçostextuais,e não a "fidelidade" de um textoposteriorem relaçãoa um anterior,o que facilitou 20 _umaabordagemmenosdiscriminatória.Enquantoisso,o conceito bakhtinianoproto-pós-esc.rutura!ísrado autorcomoharmonizador de discursos preexistentes, paralelamente à degradação foucaultianado autor em favor de um "anonimatodifuso do discurso",abriuo caminhoparaumaabordagemàarte"discursiva" e não-originária.A atitudebakhtinianadiantedo autor literário enquantosituado num "territóriointerindividual"sugereuma atitudede reavaliaçãono quese refereà "originalidade"artística. A expressãoartísticaé sempreo que Bakhtin chamade uma "construçãohíbrida",que misturaa palavrade umapessoacom a de outra.As palavrasde Bakhtina respeitoda literaturacomo uma"construçãohíbrida"aplicam-seaindamaisobviamenteaum meioque envolvea colaboração,como o filme.A originalidade total,conseqüentemente,nãoé possívelnemmesmodesejável.E senaliteraturaa "originalidade"já nãoé tãovalorizada,a "ofensa" dese "trair"um original,por exemplo,atravésde umaadaptação "infiel",é um pecadoaindamenor. Se "fidelidade" é um tropa inadequado, quais os trapos seriammais adequados?A teoriada adaptaçãodispõe de um rico universode termose (rapos- tradução,realização,leitura, crítica,dialogização,canibalização,transmutação,transfiguração, encarnação,transmogrifícação,transcodificação,desempenho, significação,reescrita,detoumement- que trazemà luz uma diferentedimensãode adaptação.O tropo da adaptaçãocomo uma"leiQ1ra"do romance-fonte,inevitavelmenteparcial,pessoal, conjuntural,por exemplo, sugere que, da mesmaforma que qualquerte},,'toliteráriopodegerarumainfmidadedeleituras,assim tambémqualquerromancepode gerarumasériede adaptações. Dessaforma,umaadaptaçãonão étantoa ressuscitaçãode uma palavra original, mas uma volta num processo dialógico em andamento.O dialogismointertextual,portanto,auxilia-nosa transcenderasaporiasda "fidelidade". GérardGenette,em Palímpsestos(1982),4partindodo "dialo- gismo"de BaJrlltine da "intertextualidade"de Kristeva,propõe o termo"transtextualidade",mais abrangente,para referir-sea "tudoaquiloquecolocaum texto,manifestaou secretamente,em relaçãocomoutrostextos,"postulando,porfim,cincocategorias. A quintadelas,a "hipertextualidade",pareceserparticularmente produtivano que tangeà adaptação.O termoserefereà relação 21 entreumdeterminadotexto,queGenettedenomina"hipertexto", e umoutroanterior,o "hipotexto",queo primeirotransforma, modifica,elaboraouamplia.Naliteratura,oshipote>..'tosdaEneida incluema Odisséia e a llíada, enquantooshipotextosde Ulisses, deJoyce,incluema Odisséia e liamlet.Adaptaçõesfílmicas,nes- tesentido,sãohipertex(Qsnascidosdehipotextospreexistentes, transfoffi1adosporoperaçõesdeseleção,ampliação,concretização erealização.AsdiversasadaptaçõesfílmicasdeLigaçõesperigosas (Vadim,Frears,Forman),porexemplo,constituemleiturashiper- tex[Uaisvariadas,desencadeadaspelomesmohipotexto,Defato, asváriasadaptaçõesanterioresjuntaspodemformarumhipotexto maior,cumulativo,disponívelao cineastaqueocupaumlugar relativamente"tardio"nessaseqüência. Ao adotarmosumaabordagemampla,intertextual,emvez de umaposturarestrita,discríminatória,não abandonamos com issoas noçõesde julgamentoe avaliação.Mas a nossa discussãoserámenosmoralista,menoscomprometidacom hierarquiasnão aceitas.Aindapodemosfalarde adaptações bem-sucedidasou não,masagoraorientadosnãopor noções rudimentaresde"fidelidade",esimpelaatençãodadaarespostas dialógicasespecíficas,a "leituras","críticas","interpretações"e "reescritas"deromances-fonte,emanálisesqueinvariavelmente levamemconsideraçãoasinevitáveislacunase transformações na passagempara mídiase materiaisde expressãomuíto diferentes.Adaptaçõesfílmicascaemno contínuoredemoinho de transformaçõese referênciasintertextuais,de textosque geramoutrostextosnuminterminávelprocessodereciclagem, rransformaçãoetransmutação,semumpontodeorigemvisível. Portanto,ao invésde adotarumaabordagemavaliatíva,irei focalizarasreviravoltasdodialogismointertextual. A QUESTÃO DO GÊNERO A teoriada adaptaçãoinevitavelmenteherdaqueStõesante- rioresrelativasa intertextualidadee gênero.Etimologicamente proveniemedegenus,do latim,quesignifica"tipo",a críticade "gênero"começou,pelomenosno "Ocidente'?comoa classi- ficaçãodosdiversostiposde textosliteráriose a evoluçãodas 22 I [ I ir II I i I I i formasliterárias.Aristóteles,por exemplo,faziadistinçãoentre o meioderepresentação,osobíetosrepresentadose°modode apresentação,o queresultounaconhecidatríadedo épico,do dramáticoe do lírico.O mundodo cinemaherdoueSSehábito antigodeclassificarasobrasdearteem"tipos",algunse},.'traídos daliteratura(comédia,tragédia,melodrama),enquantooutrossão maisespecificamentevisUai\~.cinemáticos:"visões","realidades", tableaux,~~rdesenhos animados".Adaptaçõesfílmicasderomancesinvariaveltnentesobrepõemumconjuntode convençõesdegênero:umaextraídado intertextogenéricodo próprioromance-fonteeaoutracompostapelosgênerosempre- gadospelamimatradutóriadofUme,A artedaadaptaçãofílmica consiste,emparte,naescolhadequaisconvençõesdegênerosão transponíveisparaonovomeio,equaisprecisamserdescartadas, suplementadas,transcodificadasou substituídas.O romanceA históriade Torn]ones,um enjeitado,comoveremos(capítulo3), serve-sedapoesiaépica,doromancecervantino,dopastoriletc., aopassoquea adaptaçãofílmicadeTonyRichardsonemprega nãoapenasaquelesgênerosliterários,mastambémosgêneros especificamentecinematográficos,taiscomoo filmeburlescoda eradocinemamudoeo cinemaverité. Ogênerofílrnico,comoogêneroliterárioantesdele,épenneável a tensõeshistóricase sociais.ComoargumentaErichAuerbach emMimesis,a literaturaocidental,durantetodo°seupercurso, trabalhouno sentidode pôrfunà elitista"separaçâodeestilos" inerenteaomodelotrágicogrego,comsuashierarquiasdistintas: aU"agédiasuperioràcomédia;anobreza,aodemos,6Umrealismo enraizadonoéthosdojudaísmoigualitáriofoi,lentamente,demo- cratizandoa literatura.A noçãojudaicade"todasasalmasiguais peranteDeus"foi,gradualmente,hannonizandoa dignidadede umestilonobrecomasclasses"inferiores"depessoas.Osgêne- rosvêmacompanhados,nessesentido,deconotaçõesdeclassee avaliaçõessociais.Naliteratura,o romance,comraÍzesnomundo dosensocomumdafactlcidadeburguesa,desafiao romancede cavalaria,freqüentementeassociadoanoçõesaristocráticasdecor- tesaniaedecavalaria.A arterevitaliza-serecorrendoaestratégias deformase gênerosanteriormentemarginalizadas,canonizando o queoutroraforadesprezado. 23 Aolongodestelivro.nosdedicamosaessestópicosinterligados dehierarquiassociaise estéticas,deestratificaçõesdegêneroe dasociedade.Seráqueum dadoromanceou suaadaptação conduza sociedadea umacondiçãomaisigualitáriaaocriticardesigualdadessociaisbaseadasemeixosde estratificação,tais comoraça,gênero,classee sexLlalidade,ou elesimplesmente absorve(ou mesmoglorifica)essasiniqüidadese hierarquias comosefossemnaturaisepredestinadasporDeus?Qualogrupo socialrepresentadonumromance/filme?Quemsãoos sujeitos e.gllt=JILS~O.osobje~~s_º~_r_~EE~.5entação?Q~~grLlP~l1J!a de.wivitégiossodalsou estéticosf'Eriique"língu(l,~_,<;,~tilo-a o representãÇif?-eslá-errquadraai;'equaissãoasCÕ~~[ªç,Qessodais -dess@s<;::s!í1o~~[í~~~asr"-" -,' - .-- -'-'-' Emtermoshistóricose de gênero,tantoo romancequanto o filmetêmconsistentementecanibalizadogênerose mídias antecedentes.O romancecomeçouorquestrandoumadiversidade poUfônicade materiais- ficçõesde cortesania,literaturade viagem,alegoriareligiosa,obrasdepilhéria- transformadosnuma novaformanarrativa,reiteradamentedefraudandoouanexando artesvizinhas,criandonovoshíbridoscomoromancespoéticos, romancesdramáticos,romancesepistolares,eassimpordiante.O cinemafoi trazendoestacanibaiizaçãoaoseuparoxismo.Como linguagemricaesensorialmentecomposta,o cinema,enquanto meiodecomunicação,estáabertoatodosostiposdesimbolismo e energiasliteráriase imagísticas,a todasas representações coletivas,correntesideológicas,tendênciasestéticaseaoinfinito jogode influênciasno cinema,nasoutrasartese naculturade modogeral.Além disso,aintertextualidadedocinematemvárias trilhas.A trilhadaimagem"herda"ahistóriadapinturaeasartes visuais,aopassoquea trilhado som "herda"todaa históriada música,do diálogoe a experimentaçãosonora.A adaptação, nestesentido,consistenaampliaçãodoteÀ1o-fonteatravé~ç1esses rnultiplosiriIertextQ.s.---- __ ,o -- __ o -----.0 REALISMO LITERÁRIO E MAGIA UmoutroargumentonadiscussãogeraldeA literaturaatravés docinema:realismo,magiaea arteda adaptaçãotemavercom 24 a eternaquestãodo "realismo"artístico.Termoelásticoe extra, '00 ordinariamentecontestado,"realismo"vemcarregadodeincrus- taçõesmi/enaresdedebatesfilosóficos e literáriosprecedentes. Basicamentearraigadono conceitoclássicogregode mfmesís (imitação),o conceitoderealismosomenteganhasignificância programáticano séculodezenove,quandopassaa denotarum movimentonasartesfigurativae narrativadedicadoà obser- vaçãoe representaçãoprecisado mundocontemporâneo.Um neologismocunhadopeloscríticosdeartefranceses,o realismo eraoriginalmenteassociadoaumaatitudeopositoraemrelação aosmodelosromânticoe neoclássiconaficçãoe napintura.Os romancesrealistasdeescritorescomoBalzac,Stendhal,Flaubert, GeorgeElioteEçadeQueirozinserirampersonagensintensamen- teindividualizadoseseriamenteconcebidosemtípicassituações sociaiscontemporâneas,Subjacenteao impulsorealista,havia umateleologiaimplícitadedemocratizaçãosocialfavorecendoa emergênciaartísticade"gruposhumanossocialmenteinferiorese maisextensivosàposiçãodetemanarepresentaçãoproblemática- existencial",7Críticosliteráriosfaziamdistinçãoentreesserealismo profundo,democratizamee um"naturalismo"raso,reducionista e obsessivamenteverídico- realizadomaisnotoriamentenos romancesdeEmile201a- cujasrepresentaçõeshumanastinham comomodeloasciênciasbiológicas. Cadaumdostextosdiscutidosnestelivropodeseranalisado emtermosdeseuscoeficientesvariantesdemagia,reflexividade e real;.;mo:o paródicoantiilusionismode Dom Quixote, a abordagemdocumentário-reatistadeRobinsonCmsoé,o realismo perspectivistade Madame Bovary, o realismosubjetivode Hirosbima,meu amor, o modernismoreflexivode O desprezo, o "realismomágico"deErendira e Barroco.Ao longodo livro, voltareiàstensõesprodutivasentreatradiçãoreflexiva,paródíca, retomandoDom QUixote,por um lado,e a tradição"realista", revisitandoRobinsonCrusoé,poroutro.Aomesmotempo,ainda estaremossendoprovincianose eurocêmricosao postularmos somenteduastradiçõesbásicas.CríticoscomoArthurHeiserman (lbe nove!beforethenove!)e MargaretAnneDoody(lbe true storyof thenove!)argumentamqueo romancenãocomeçouno Renascimento,mas"temumahistóriacontínuadecercadedois milanos".8 25 Algunscriticasrejeitama tradição,mencionadaanteriormente, que demonizao romancede cavalaria,muitasvezescodificado comofeminino,arcaico,supersticiosoesuspeitamente"mágico", enquantodefinemo romancecomo a quintessênciada moder- nidade européia. Críticos anglocêntricosdão excessivaênfase aos liamesdo romancecom o protestantismoe o capitalismo. Assim,crIticascomo Ian Wattprivilegiamo séculodezoito,mais precisamenteo augedaforçado romanceinglês,elidindo outras tradiçõesnacionaise outraspossíveisnarrativizações.9Umagran- de variedadede críticoscompartilhaumaabordagemteleológica, quasehegeliana,que sublinha a preponderância"progressista" dos vestígiosdo passado.Dentrodessanarrativade extermínio, formas"arcaicas"e "medievais"como a épicae o romancede cavalariainevitavelmentecedemespaçoaformasmodernascomo o romance,do mesmomodo que a aristocraciapalacianacede espaçoà classemédia,e a mágica"oriental"dá lugarà ciência "ocidental".Apesardessecosmopolitismopan-europeu,mesmo uma figuracomo Auerbachaindavê a literatura"ocidental"ca- minhando,inexoravelmente,paraum único télosdo realismo.A visãoteleológicageraldispensaantigosromancescomo O asno de ouro por nãoseremrealmenteromances,mesmosendo"prosa de ficção de certaextensão".10 A críticaeurocêntricacanônicatendea traçara históriadaarte, comofaz a históriademodogeral,"do norteaonoroeste",numa trajetóriaque vai da Bíblia e da Odisséiaao realismoliterário e ao modernismoartístico.Mas podemos Ver essestextosde fundação,a Bíblia e a Odisséia,como "ocidentais"?A Bíblia tem raízesna África, Palestina,Mesopotâmiae no Mediterrâneo,e a culturagregaclássicasofreuforte impactodasculturassemítica, egípcíae etíope. Sedefíninnoso romancesimplesmentecomo"prosadeficção de certaextensão",então o gênerovai muito mais longe, até mesmoantesdeDomQuixote,chegandoaosgrandesromancistas daAntigüidadecomoosegípcios,árabes,persas,indianosesírios. Enquantoa narrativadifusionlstaeurocêntricaenreda,a história do romancemarcandoseu nascimentona Europa,espalhando- se depois para a África e a Ásia, seria,pois, igualmentelógico considerarqueo romancetenhasurgidoforadaEuropa,chegando depoisatélá. ConformeapontaMargaretDoody,o romancefoi o 26 'F'f ~, 1 f I I I I I I I I, produtodo "contatoentreo Sul daEuropa,o OestedaÁsia,e o NortedaÁfrica".nO romancetem,portanto,raízesnahistóriada baciamediterrãneamultirraciale niultilíngüe.O cânone,segundo Harold Bloom, não é exclusivamente"ocidental".Fragmentos de papiro de romancessugeriramque a práticada leiturade romancesera comum entreos egípciosno século dois d.e. E não é por acidenteque o título Aethiopika,de Beliodorus, o romancegregomaislongodentreos quesobreviveram,significa "Históríada Etfópid' (ênfaseminha).Um escritorrenascentista italiano como Boccaccio achavanormal recorrerao repertório orientaldasFábulasdeBidpai e Sindbad,ofilósofo.(AtéDisney retomaAladime asMil eumanoites.)EscritorescomoCervantes e Fieldingconheciameforaminfluenciadospor taistextos.Como assinalaDoody, "Quemqúerquetenhalido Pamelaou Torn]ones esteveemcontatocomHeliodorus,Longo,Amadis,Petrônio",e nós tambémnos aproximamosdelesquando"lemosautoresdos' séculosdezenoveevinte[taiscomoSalmanRushdielquepor sua vez leramoutrosautoresque leramessasobras"Y Há "maisno céuenaterra",portanto,do queseimaginadentro dos cânonesprovincianosdo verismoocidental.A valorização do realismoé freqüentementeassociadaà idéiade que a magia' e o fantásticoforam desbancadospela Razão do I1uminismo. Uma visão linear, "progressista"de tais questõesconsidera que a humanidadetenha"ultrapassado"essasformasarcaicas e irracionais;o mundo move-separa frente,inexoravelmente, em um curso global e unidirecional. A magia e o romance desvalorizam-secomo vestígiosanacrônicosou velhos modos deconsciênciaa serem"superados"por formasmaisevoluídase racionaisdaModernidadeIluminista.A fantasiae a magia,nessa perspectiva,sãovestígiosdeumpassadoqueémelhoresquecer. Masessasformasarcaicasnuncasãocompletamenteenterradas.Pelo contrário,seus espectrosassombram,ou melhor,animam toda a históriada ficção moderna,na formado maravilhosoe do romancepresenteem DomQuixote,nos anseiosromânticos de EmmaBovary,na amargarejeiçãoda ciênciae do iluminismo do Homemdo Subterrâneoou aindana afirmaçãodo arcaicoe do fantásticopelo RealismoMágico como aspectosdo "surreal quotidiano"da AméricaLatinacontemporânea. 27 Tambémomodernismoartísticofoitradicionalmentedefinido emcontraposiçãoaorealismocomonormadominantederepre- semação.Porém,foradoslimitesocidentais,orealismoraramente dominou;a reflexividademodernistacomoreaçãoaorealismo, portanto,dificilmenteconseguiriaexercero mesmopoderde escândaloeprovocação.O modernismo,nestesentido,podeser vistodecertaformacomoumarebeliãoprovincianaelocal.Em imensasregiõesdomundo,eporlongosperíodosdehistóriada arte,houvepoucaadesãooumesmointeressepelorealismo.Na Índia,umatradiçãonarrativadedoismilanosretomaà épicae aodramaclássicosdosânscrito,querelatamosmitosdacultura hinduatravésdeurnaestéticamenosbaseadaempersonagens coerentese numenredolineardo queemsutismodulaçõesde sentimentoe disposiçãodeânimo(rasa). O realismocomonormapodeservistocomoprovinciano atémesmona Europa.EmRabelaiseseumundo,Bakhtinfala do "carnavalesco"comoumatradiçãocontra-hegemônicacuja históriavaidosfestivaisgregosdionisíacosedasaturnáliaromana ao realismogrotescodo "carnavalesco"medieval,passando por Shakespearee Cervantes,chegandofinalmentea Jarry e aoSurrealismo.13Conformea teorizaçãodeBakhtin,o carnaval abraçaumaestéticaanticlásslcaquerejeitaaunldadeeaharmonia formalparafavorecero assimétrlco,o heterogêneo,o oximoro, o miscigenado. MAGIA E REALISMO NO CINEMA Quantoaocinema,aquestãodo"realismo"sempreestevepre- senteoraconsideradacomoideal,oracomoumobjetodeopró- brio.Osprópriosnomesdemovimentosfílmicosdãoo tomdas mudançassobreo ternadorealismo:o "sunealismo"deBunuel e Dalí,o "realismopoético"deCarné/Prevert,o "neo-realismo" deRossellinie de Sica,o "realismosubjetivo"deAntonioni,o "sur-realismo"(realismodo sul)deGlauberRocha,o "realismo burguês"denunciadopeloscríticosdo Cabiersdu Cinéma em suafasemarxista-Ieninísta.Váriasgrandestendênciascoexistem dentrodo espectrodedefiniçõesdo realismocinematográfico. Asdefiniçõesmaisortodoxasderealismoreivindicamverossimi- lhança,a supostaadequaçãodeumaficçãoà brutafacticidade 28 do mundo.Essasdefiniçõesmuitasvezesestãoassociadas,por exemplo,naobradeBazineKracauer,à naturezasupostamente "objetiva"do aparatocinematográfico,comsualigaçãoindexa- dora,fotoquímlcacomosobjetospró-fílmicosreais.Outrasde- finiçõesenfatizamasaspiraçõesdiferenciadorasdo movimento fílmicocomvistasa moldarumarepresentaçãorelativamente maisverdadeira,vistacomoumcorretivoparaafalsidadedees- tiloscinematográficosanterioresouprotocolosderepresentação. Essecorretivopodeserestilístico- comoo ataqueda nouvelle vaguefrancesaà artificialidadeda"tradiçãodequalídade"- ou social- oneo-realismoitalianovisandomostraràItáliapós-guerra suaverdadeiraface- ou ambos- o CinemaNovobrasileirore- volucionandotantoa temáticasocialquantoos procedimentos cinematográficosdo cinemanacionaldo passado. Outrasdefiniçõesaindaenfatizama convenclonalidadedo realismolevandoemconsideraçãoa sualigaçãocomumgrau deconformidadedo textocommodelosculturaisamplamente disseminadosde "históriascríveis"e "personagenscoerentes". Nestesentido,aplausibilidadee averossimilhançasãotalhadas porcódigosdegênero.Deumpaidurãoeconservadorque,em ummusical,resisteao ingressode suafilhano show-business, pode-seesperar"realisticamente"queeleaplaudasuaapoteose nopalconacenafinaldofilme.Definiçõesderealismocinema- tográficofeitasa partirdeumainclinaçãopsicanalítica,porsua vez,movema crençado espectador,umrealismode resposta subjet":a,menosarraigadonaprecisãomiméticadoquenacon- vicçãodopúblico.Umadefiniçãopuramenteformalistade"rea- lismo"enfatizaanaturezaconvencionaldetodasasconstruções ficcionais,vendoo realismoapenascomoumaconstelaçãode dispositivosestilístlcos,umconjuntode convençõesque,num dadomomentonahistóriadeumaarte,consiga,atravésdatécnica ilusionistaafinada,cristalizarumfortesentimentode autentici- dade.ParaGillesDeleuze,finalmente,o realismonãomaisse referea umaadequaçãomimética,analógíca,entreo signoe o referente,massimà sensaçãodetempo,à intuiçãodeduração vivenciada,os deslocamentosmóveisda duréebergsoniana.O realismo,importanteacrescentar,é culturalmenterelativo;para SalmanRushdie,osmusicaisdeBollywood(Bombaim)fazemos musicaishollywoodianospareceremdocumentosneo-realistas 29 de últimacategoria.14O realismofílmico é tambémcondiciona- do historicamente.Geraçõesde cinéfilosachavamos filmesem preto-e-brancomais"realistas",emboraa própria"realidade')seja em cores.O ponto-chavenessadiscussãoé que o realismoé, em si, um discurso,umafabricaçãoastutaque cria e remodela o que diz. Umaquestãoimportanteparatodasasadaptaçõesé a relação do filme com o modernismo,e como ela difereda ligaçãocom a literatura.Estaquestãotema ver com o espaço-temporalidade específicodo filme e, em especial,com a ('continuidade"como núcleo do estilo dominante.Hollywood e seus correlatosem todo o mundo inventaramuma forma de contar históriaspor meio de uma organizaçãode tempo e espaçoespecificamente cinematográfica.O modelo dominantecriou o que veio a ser a pedrade toqueestéticado cinemahegemônico:a reconstituiçâo de um mundo ficcional caracterizadopela coerênciainternae pela aparênciade continuidade.Estaúltimafoi alcançadapor meiode normasdeapresentaçãodenovascenas(umaprogressão coreografadade establishingshota mediumshota doseshot);15 recursosconvencionaisparaaludirà passagemdo tempo(dissol- ves,íriseffects);16técnicasconvencionaisparatomarimperceptível a transiçãode uma tomadaa outra (a regrados 30 graus,corte em movimento,combinaçõesde posição e movimento,inserts e "cortes"para encobrirdescontinuidades);e dispositivospara sugerirsubjetividade(ediçãodeponto devista,planosde reação, eyelinematches').A estéticahollywoodianaconvencionalpro- moveu o ideal não somentede enredoslineares,coerentesde causa-efeito,que giram em torno de "conflitosmaiores",mas tambémde personagensmotivadose críveis.Um decoroespaço- temporalespecíficoempregoutodaessapanópliade dispositivos paratransmitira sensaçãode umacontinuidadelivrede junções. Naturalmenteos processosde produção cinematográficasão altamentedescomínuos;umaúnica cenaretratandouns poucos minutosconsecutivosnahistóriaresultamuitasvezesdafilmagem duranteváriosdias ou atémeses.Todavia,a estéticanormativa exigequeosfilmesfaçamdetudopara"encobrir"taisinterrupções em nomeda "continuidade"e do fluxo narrativo. Umaoutrapalavra-chavenessasdiscussõesé "reflexividade". Etimologicamenteoriundo da palavra latina reflexiolreflectere 30 rr éll' ,; ir' f' I'( r 1;- ,'. i.~;, f f t ~, ~ ~ f f· ! I (voltar-separa), o termo foi inicialmentetomadoemprestado da filosofiae da psicologia,em que ele se referiaà capacidade da mentede ser tantosujeitoe objetode si mesmadentrodo processocognitivo. Com estaacepção,encontramosa noção de reflexividadeem algunsdos ditosmaisfamososda fJ1osofia, como,porexemplo,o ditofilosóficoe gramaticalmentereflexivo de Sócrates"Conheça-tea ti mesmo"e o de Descartes,cogito ergosum, em que a observaçãocéticada consciência,em que ela observaa si mesmano processode se conscientizar,torna- se fundamentalparaa epistemologia.Assim tambémKant, que defendiaa idéia do julgamentofllosófico reflexivo,enquanto algunsteóricossociaisclamavampela "sociologiareflexiva".De fato,a reflexividadeartísticasemanifestadeváriasformas:auto· consciênciametodológica,reflexãometate6rica,o mise-en-abyme de reflexõesad infinítum, a quebrade estruturas,a relativizaçâo da perspectivacultural. Recentemente,os críticos chamaram a atençãopara certásarmadilhasna teoriada reflexividade.A teoriafílmicada décadade 1970costumavaver a reflexividade como umapanacéiapolítica,enquantodeixavadenotar o po- tencialprogressistado realismo.Algumasvezes,a reflexividade se tormauma espéciede narcisismoou uma demonstraçãode virtudesautoconfessadas:"Eu sou reflexivo,masvocê não é!", umaambigüidadesatiricamenteantecipada,comoveremos,por Dostoievskyem Notasdosubterrâneo. No campodasartes,a reflexividadeno sentidopsicol6gico! filosófico se aplica tambémà capacidadede auto-reflexãode qualquermeio, línguaou texto.No sentidomaisamplo,a refle- xividadeartísticarefere-seao processopelo qual textos,literá- rios ou fíhnicos,são o proscéniode suaprópriaprodução(por exemplo,Asilusõesperdidas,deBalzac,ou A noiteamericana,de Truffaut),de suaautoria(Em buscado tempoperdido,de Prousc, 8 lh , de Fellinj), de seusprocedimentostextuais(os romances modernistasde]ohn Fowles,osfilmesdeMichae1Snow),desuas influênciasintertextuais(Cervantesou Mel Brooks), ou de sua recepção(MadameBovary,A rosapúrpura doCairo).Ao chamar a atençãoparaamediaçãoartística,os textosreflexivossubvertem o pressupostode que a artepode ser um meio transparentede comunicação,umajanelaparao mundo,um espelhopasseando por umaestrada. 31 Como já argumenteianterioffilente,a reflexividadenão está limitadaao que, muitasvezes,é equivocadamenterotuladode tradição"ocidental",IBA reflexividadeexistesempreque seres humanosusuáriosdelínguas"falamsobreafala".ParaHeruyLouis Gates,em O maeaeosignificante,afigurado trieksteriorubáExu- Elegbaraé um emblemada "significaçàoda arteafro-diaspórica" que empreende a desconstrução.'9A reflexividadenão está limitadaa tradiçõeseruditas,literáriasouacadêmicas;elapodeser encontradaemcançõespopulares,novídeorap,nacomédiastand- upe em comerciaistelevisivos.Tampoucopodemosconsiderar que a reflexividadee O realismosejam,necessariamente,termos antitéticos.Comoveremos,umfilmecomoOdesprezo,deGodard, é ao mesmotemporeflexivoe realista,umavezque eleilustraas realidadessociaisvividasno dia-a-diana mesmamedidaem que lembraaosleitores/espectadoresque a mímesisdo filmese trata deumconstruto.O realismoe a reflexividadenãosãopolaridades estritamenteopostas,mastendênciasqueseinterpenetramoupólos capazesde coexistirdentrodo mesmotexto, O cinematemsidoassociado,desdeo começo,como realismo ecom o mágicoe o onírico.Em sua invocaçãopor um "cinema xamânico",o cineasta/teóricoRaul Ruiz remontaas origensdo cinemaa umasériede eventos"mágicos"; A mãodeumhomemdascavernasapertadacontraumasu- perfícieligeiramentecolorida... simuladores(demôniossemi- transparemesdoar,descritosporHermesTrimegistus);sombras prée pós-platônicas;o Golem...o FantascopedeRobertSonjas borboletasmágicasdeConeyIsland.Todoscompõemumapre- figuraçãodocinema.'o Assimcomo a tradiçãodo romancebifurcanas tradiçõesdo paródicoDom Quixotee do míméticoRobinsonCrusoé,também o cinema,à épocade seunascimento,divide-seno realismodas "visões"e das"realidades"de Lumiere,deumlado,e nosesboços mágicosde Melies,de outro, No entanto,Godard, meio século depois,reverteuadicotomiaao sugerirqueLumierefilmavacomo umpintor impressionista,enquantoMeliesdocumentavao futuro ao enviarseuspersonagensà luaY Melies descobriuque a edição possibilitavasubstituiçõese transfoffi1açõesmágicas,deixandoassimuma rica herançaque 32 permitiuao cinema modíficaras coordenadasde tempo e de espaço.Orson Welles é, portanto,o herdeirode Melíesquando se auto-retratana figurado mágicoem Verdadese mentiras.O cinemaconjugao realistae o fantástico.Ele empregao realismo daquilo que os teóricoschamamde "monstração"- objetivae sem "intervençãohumana",como Bazin notoriamenteafirmava - e "a mágica"da montageme da superposição,permitindoao filme desempenhartransformaçõestemporaise sobreposições espaciaisimpossíveis.O cinemapode ainda veiculara mágica persuasivados sonhos.De Munsterberga Metz, os teóricosde cinemanotaramnãosomentea capacidadedo filmederepresentar sonhos,mastambémsuasanalogiasCOm o sonho em termosde seus procedimentosoperacionais,suas fusõese deslocamentos metonímicose metafóricos.Filmes,emsuma,sãopotencialmente "mágico-realistas"jeles podem tornar os sonhos realistase a realidadeonírica,conferindoà fantasiaaquilo que Shakespeare denominou"umamoradalocale um nome", Como tecnologiada representação,o cinemaestáequipado de modoideal paramultiplicarmagicamentetempose espaços; tema capacidadede entremeartemporalidadese espacialidades bastantediversas;um filmede ficção,por exemplo,éproduzido numagamade tempose lugares,e representaumaoutracons- . telaçãoCdiegética)de tempose espaços,sendo ainda recebido em outro tempoe espaço(na salade cinema,em casa,na sala de aula).A conjunção textualde som e imagemem um filme significa rlão apenas que cada trilha apresentadois tipos de tempo,mastambémqueessasduasformasde tempomutuamente fazem inflexões uma sobre a outra numa forma de síncrese. Tomadasatemporaisestáticaspodem ser inscritascom tempo- raJidadeatravésda música,por exemplo.2zO leque de técnicas cinematográficasmultiplicaaindamaisessesjá diversostempos e espaços.A sobreposiçãoredobrao tempoe o espaço,como fazemtambéma montageme a utilizaçãode moldurasmúltíplas dentro de uma imagem.Aqueles que afirmamque ao filme inerentementefalta a "flexibilidade"do romanceesquecem-se destasversáteispossibilidades. Os primórdiosdo cinemacoincidiramcomo augedo projeto verísticoconformesua expressãono romancerealista,na peça naturalista(em que produtoresteatraiscomoAntoineutilizavam carne verdadeira em cenas de açougue) e em exposições 33 obsessivamentemiméticas.O modernismoartísticoquefloresceu nasprimeirasdécadasdo séculovinteequefoi institucionalizado como "alto modernismo" após a Segunda Guerra Mundial promoveuumaarteanti-realista,não-representativa,caracterizada pela abstração,fragmentaçãoe agressão.Emborao incremento tecnológicodo cinemafaça-oparecersuperficialmentemoderno, Suaestéticadominanteherdouasaspiraçõesmiméticasdorealismo literáriodo séculodezenove.Formasdominantesdo cinemaeram, assim,"modernas"emsuaatualizaçãotecnol6gicae industrial,mas nãomodernistasemsuaorientaçãoestética.Não é de seadmirar que osmaioresdesapontamentos,por partedos leitoresletrados, tenhama ver com adaptaçõesde romancesmodernistascomO os deJoyce, Woolf e Proust,exatamenteporque nessescasosa lacunaestéticaentrefontee adaptaçãopareceserestarrecedora, menospor causadasfalhasinerentesao cinemado que devido à opçãopela estéticapré-modemista. Ainda assimessanarrativatambémpode,por vezes,encerrar um conto de fadas modernistade progresso,o enredamento melioristapor meiodo qual o realismolevaà reflexividadecomo o télosúltimo da arte.Além disso, a dicotomiaentreo cinema realistae o romancemodernistapode ser facilmenteexagerada. Muitos realismossão modernistas.SeriaHitchcock ainda pré- modernistaquando trabalhacom SalvadorDalí na seqüência do sonho em Quando/ala o coraçâó!E, da mesmamaneira,ao fazerfilmesdentroda indústriamexicana,Bunuel permaneceo vanguardistade Umcãoandaluz e A idadedo ouró!23O cinema foi muitasvezesmodernista(epós-modernisra);o problemaéque seu modernismonão costumavatomara forma de adaptações. Grandeparteda obrade Alain Resnaispode servistacomo um prolongamentocinemáticoda obra romanescade Proustj no entanto,Resnaisnunca adaptou Em buscado tempoperdido, GlauberRochaencarnouo "realismomágico"latino-americanoem Terraemtranse,maselenunca adaptouMárquezou Carpentier. Limirara discussãoa adaptaçõesexistentes,nestesentido,resulta num senso falsamentediminuído do potencíal modernistado cinema.Minha própriapressuposição,diferentemente,é que as variadascapacidadescronotópicasdo cinema capacitam-noa transpore a enriquecer,em absoluto,qualquerestética,realista ou anti-realista,ilusionistaou auto-reflexiva. 34 ~\'; t~:· :g~\::r:,. ~~~: 't:'~;:. ~~~:. ,(o ',. 0: i~~:'i.' ;',.~;..~ :,.::': \. :',:l .:-~',,, t<"," " .:;' A:;· ~'.:' DIALOGISMO MULTICULTURAL A naturezapalimpsésticamultifacetadada arte, afirmo ao longo destetexto,operadentroe atravésdas culturas.Outro temaintermitenteseráo diálogomulticulturalentrea Europae seusoutros,11mdiálogo que não éreCente.Apesarda narrativa eurocêntricaconstruirum mura artificialque separaa cultura européiadasdemais,naverdadea própriaEuropaéumasíntese de várias culturas,ocidentaise não ocidentais.O "ocidente", portanto,é em si uma herançacoletiva,um mélangeOIÚVOro de culturas;ele não absorveusimplesmenteinfluências não européias,como afirmaJan Pietersie,"elese constituiudelas",24 À luz dessasdiferençasconstitutivasemutuamenteimbricadas,A literaturaatravésdo cinemaadotaumaabordagempolicêntrica, multiperspectivistaao filme e à literatura.O crítico espanhol Ortegay Gassetantecipouestaidéiaem 1924em Ias Atlantidas, quepreviao futurodescentramentoda Europae a expansãode horizontes: Nosúltimosvinteanos,oshorizontesdahistóriaforamexcep- cionalmenteexpandidos- tantoqueo velhopupllodaEuropa, acostumadoà circunferênciade seuhorizontetradicional,da qualelaerao centro,nãoconsegueagoraencaixaremumasó perspectivaosenormesterritóriosrepentinamenteacrescentados, Seatéo presentea "históriauniversal"sofreudaconcentração excessivasobreum únicopontogravitacional,na direçãodo qualtodososprocessosdaexistênciahumanaconvergiram- o pontode vistaeuropeu- pelomenospor umageraçãoserá elaboradaumahistóriauniversalpolicêntricaja totalidadedo horizonteseráobtidaatravésde umasimplesjustaposiçãode horizontesparciais.comraiosheterogêneos,que,amealhados, proporcionarãoumpanoramadedestinoshumanossemelhame a umapinturacubista.25 Ainda que eu não vejaestaaberturade horizontescomoum desenvolvimentorecente(elapodeserrastreadaatéaRenascença, ou mesmo antesdela), endosso a noção de Ortegade uma histórialiteráriapolicêntrica.Minhaabordagemno presentelivro serámulticulturale antieurocêntrica,nem tantoem termosdo C01pUS - a maioriados textostratadosé de clássicoseuropeus ou "eurotrópicos"- porém maisem termosde ver oS próprios 35 textoscomomulticulturais,sejaatravésde presençasmanifestas ou atravésde ausênciasestruturadoras. A teoriada adaptaçãoé o que a translingüísticabakhtiniana chamariade "enunciadohistoricamentesituado".E, da mesma formaque nãosepode separara históriada teoriada adaptação da históriadas artese do discursoartístico,tampoucopode-se separá-Iada história toutcourt,definida por Jameson como "aquiloque dói", mastambémcomo aquilo que inspira.Numa perspectivamaisampla,a históriada literatura,como a do filme, precisaser vista à luz dos eventoshistóricosde larga escala comoo colonialismo,o processopeloqualospodereseuropeus alcançaramposiçõesde hegemoniaeconômica,militar,políticae culturalemmuitoslugaresdaÁsia,ÁfricaedasAméricas.Anexar territóriosadjacentesa nações ocorria com freqüência,mas o que haviade novo no colonialismoeuropeuera o seualcance planetário,sua filiaçãoao poder globalinstitucionalizado,e seu modoimperativo,suatentativadesubmetero mundoa umúnico regime"universal"de verdadee poder. Esseprocessoteveseu apogeuno começodo séculovinte,quandoa superfícieterrestre sob controledo poderioeuropeucresceude67%(em1884)para 84.4%(em 1914),sitUaçãoquesomentecomeçoua serrevertida com n desintegraçãodos impérios coloniais europeusapós a SegundaGuerraMundia1.2úA tradiçãoIíteráriaexploradaaqui vai de Dom Quíxote,escritopor voltade um séculodepoisque conquistadorescomo Colombo e CortezinvadiramasAméricas, até o realismomágicode Erendira e Barroco, escritosséculos mais tarde,mas ainda carregandoas cicatrizesda conquistae da escravidãonasAméricas.Toda a tradiçãoé inevitavelmente marcadapelo colonialismoe pelo imperialismo.Nestesentido, o livro é consoantecom o apelo de EdwardSaid em Cultura e imperialismopor uma"abordagemcontrapontísticaque enfatize a sobreposiçãoe o entrelaçamentodas históriasda Europa e seus'outros"',27 Os vários impérios europeus encarnavama si mesmose projetavamseupoderatravésde textos,que incluíamnãoapenas tratadospolíticos, diários, decretos,registrosadministrativose cartas,mas tambémromancese, mais tarde,filmes.De modo geral,os romanceseuropeussimplesmentetomavampor certoo domínioeo poderdo império.ObrascomoMansfieldPark(1814), 36 i i I I I I Ii r- I ~ I í í )I I ri I t·:, f·\ i de ]ane Austen,giram em torno de questõesde propriedade, tantono sentidode comportamentoadequadoquantode posse, estandoapropriedadearraigadanascolõnias.A fazendaMansfield Park,assim,é mantidapeloscanaviaisde SirThomasBertramem Antígua,onde praticou-sea escravidãoatéa décadade 1830.A recenteadaptaçãode MansfieldPark, ao chamara atençãopara a dependênciade Sir Thomasdo escravagismo,revêo romance a partirdo olhar anticolonialistade Fanon, Said,e outros.28Em Vani(yJair, de Thackeray,o impérioé retratadocomo fontede lucro,ao passoque em M1"s. Dalloway(1925),deVirginia\Voolf. o impérioédescritoempunhandoseu"cassetete"paradominar"o pensamentoeareligião,abebida,ovestuário,oshábitos.etambém o casamento".Críticospós-colõniaise multiculturaiscomeçarama "dessegregar"ea "transnaclonalizar"acrítica,explorandoamaneira com que o personagemHuck Finn foi moldadoa partirde um protótiponegro,por exemplo,ou o modo com que Pequod,de Melville,em Moby Dick, constitUium microcosmomulticultural, ou ainda como a históriade BenitoCerenosobre um motim de escravosrefletesobre a políticaracialna Américado século dezenove.Apesardesseselementosmulticulturaissempreterem eyjstido,o adventodacríticapós-colonialos imbuiudesignificância interpretativarenovada. Se os primórdios do romanceeuropeu (RobinsonCrusoé) coincidiramcom o mamemoinicial da conquistacolonial e da escravidãotransatlântica,a origemdo cinemacoincidiu com o paroxismoimperialda dominaçãoeuropéia.Os paísesque mais produziramfilmes durantea era do cinemamudo - Inglaterra, França,EstadosUnidos, Alemanha- também,"por acaso",figu- raramentreos países líderes do imperialismo,cuío declarado interesseera enaltecero empreendimentocolonial. O cinema combinou narrativae espetáculopara contar a históriado co- lonialismoa partir da perspectivado colonizador.De todasas celebradas"coincidências"- dos primórdios do cinemacom a psicanálise,o surgimentodo nacionalismo,a emergênciado consumismo- éa coincidênciacom o imperialismoa que tem sido menosestudada.Estelivro, espero,indiretamentese refere a essalacuna. 37 QUESTÕES DE MÉTODO Já que é impossíveldizer tudosobreos ftlmese os romances examinadosnestelivro, especialmenteem se tratandode urna obra que esperacobrir séculos de desenvolvimentoIíterárioe cinematográficoem diversospaíses(Espanha,Inglaterra,França, Rússia,EstadosUnidos,Brasil,Cuba,Argentina,índia, Portugal), necessariamentedevehaverum princípiode seleçãoe enquadra- mento.Um princípio de seleçãotema ver com a minhaprópria áreade competência.Fonnadoemliteraruracomparada,respeitei o princípiodelidarsomentecomtextosescritosemJfnguasqueeu possoler no original,istoé, inglês,francês,portuguêse espanhol (o russodasNotasdosubterrâneoéa exceção). Mas,em outrosentido,o princípio de pertinênciaque escolhi é amplamenteestético.Preocupo-me,principalmente,com os desafiosestilisticosenarrativosqueumasériederomancesoferece ao adaptadorfílmico. Portanto,ofereçoexegesesdetalhadasde trechosespecíficosnos romancesou de seqüênciasparticulares nasadaptaçõesf.í1.micas,usandoanálisescomparativasdetalhadas como meio de anteciparos diferentesmodosde representação. Enfatizo,em geral,o estilo,voz e técnicasnarrativas.Quando discutoDom Quixote,não falo da representaçãoque o romance faz da históriada Espanha,mas sim das estratégiasnarrativase texruaisde Cervantes:contosintercalados,a inserçãode crítica literária,digressãosistemática,e assimpor diante.Ao mesmo tempo,tal priorizaçãodo estéticonão significaque a análiseirá omititiro cunhosocial,políticoou histórico.As questõesestéticas, paramim,estãointrinsecamenteassociadasàsquestõessociaisque têma ver com a estratificaçãosocial e a distribuiçãodopoder. Umaabordagemfonnalista,queemCulturaeimprm'alismoEdward Said comparaao ato de "descreveruma estradasem sÍtllá-Iana paisagem,"29seráobviamenteinadequada.O quemeinteressaé a historicidadedasprópriasformas,a maneirapelaqualasescolhas estilísticasem termosde gênero,voz e pontode vistaressoamo quea translingüísticachamade "avaliaçõessociais",'omodocomo as Violaçõesdasnormasestéticasrepercutemo enfraquecimento de normassociais, Dado o preâmbulometodológico,restaesquematizaro mo- vimentogeralde A literaturaatravésdo cínema.Seguindoessa 38 ._~:;-" r'·, lV :y :;: ~ 1 r., :', ~~. ':~~. ::~ .~: ~;'. I, '~~' J;. ~~: ']..; "r;: ~:' .~, ~t:~ .,.. ',: introduçãoconceirual,o capítulo1,"UmprelúdiOcelvantino:de Dom Quixoteao pós-modernismo",colocaos temasdo realismo e da magiaao discutiro romanceDom Quixotejuntamentecom suas adaptaçõesf11micas,notadamenteas de Orson Welles e GregoryKozintsev,antesde passaraos aspectoscervantinosde pós-modernismo. O capítulo2, "Clássicoscoloniaise pós-coloniais:deRobinson Crusoéa Survívor', focaliza o realismodocumental,"somente os fatos",de-Defoe em seu romanceseminalAs aventurasde RobinsonCrusoé;apósdelineara importânciacrucialdo romance de Defoe, exploro somentealgumas das muitas adaptações baseadasemCrusoé,enfocandoemespecialRobinsonCrusoé,de Bunuel,Man Friday,deJack Gold,e Crusoé,deCalebDeschameL Um leitmotívseriaaqui a tendênciaanticolonialistade "contra- escrever"na literatura. O capítulo3, "O romanceautoconsciente:de HenryFie1ding a David Eggers",retomaà tradiçãocervantinado romanceauto- consciente.Ao passoque RobinsonCrusoésuprimesuaspróprias fontesintertextuaisem nome da verossin1iJ.hança,os romances "autoconscientes"escritos"ã maneira"de Cervanteschamama atençãoparaa suaprópriaintertextuaUdade.Aqui, destacareidois romancesde Henry Fielding(Inocentesedutore As aventurasde Tomfones) e um de Machadode Assis (Memóriaspóstumasde Brás Cubas).Concluireio capítulofazendomençãoaosaspeGos reflexivosdo romancecontemporâneo(Uma comoventeobra de espantosotalento,de DaveEggers)à comunicaçãode massa contemporânea. O capítulo4, "O romanceprotocinematográfico:metamorfoses de Madame Bovmy', leva-nos ao romance realista clássico do século dezenove, que forneceu incontáveishistóriaspara adaptaçãoeaindaauxiliounaformaçãodo paradigmadaestética dominantedentrodo cinema.Aqui, focalizareiMadameBovary, deFlaubert,quecontrapõeesintetizaasduastradiçõesexploradas nos capítulos anteriores, a saber, o documentário-mimético (Defoe) e o reflexivo-paródico(Cervames).Após demonstraros aspectos"protoimpressionistas"e "protocinematográficos"do romancede Flaubert,porei em foco suasvariadasadaptações, notadamemenaquelasdirigidasporJean Renoir(1934),Vincente Minnelli (1949),Claude Chabrol (1991),Ketan Mehta(992) e 39 ManoeldeOliveira(997).Fechareiocapítulocomumadiscussão sobrealgunsdostrabalhos"f1aubertianos"deWoodyAllen. O capítulo5,"Ohomemdosubterrâneoenarradoresneuró- ticos:deDostoievskyaNabokov",negociaatransiçãodoromance miméticodo séculodezenoveparaas.narrativasmodernistas, particularmenteaquelasqueempregamnarradoresemprimeira pessoapoucoconfiáveis.Apósumadiscussãoda importância da escril:a"polifôníca"de Dostoievskye umaanálisede Notas do subterrâneoe duasde suasadaptações,focalizoumasérie detransposiçõesderomancesmodernistasparao cinema,todos influenciadosporDostoievsky,contendonarradoresneuróticos, duvidosos,autodepreciativos:a adaptaçãofeitapor Tomas GutierrezAleadeMemóriasdosubdesenvolvímento,deEdmundo Desnoes;doisflimes(deStanleyKubrikeAdrianLynne)baseados emLolita,deNabokov;e A hora da estrela,deSuzanaAmaral,a partirdoromancehomônimodeClariceLispector. O capítulo6 abordao "Modernismo,adaptaçãoe a nouvelle vaguefrancesa".Apósalgumasobservaçõesiniciaissobreaprática daadaptaçãopelanouvellevagueeacercadediscussõesteóricas arespeitodomesmoassuntonaSpáginasdo Cahiers,meatenho aoromance/filmeexperimen.talnaFrança,emespecialao cine- roman,dedicandomaioratençãoa Hiroshima,meuamoreAno passadoemMarienbad.Os cine-romansforjamumamodalidade completamentenovadarelaçãofilme/romance,emqueanoção de "adaptação"se tornaaindamaisproblemáticado que o normal,emqueromancistae cineastatrabalhamemigualdadee atémesmoemsimbiose,namedidaemquerespeitamaespecifi- cidadedecadameio.É dentrodesseenfoquequeoferecereiuma análiseaprofundadado filmede Godardbaseadono romance O desprezo,deAlbertoMoravia,antesde concluircomalguns comentáriossobreos aspectoscervantinose "quixotescos"da nouvellevaguefrancesaemgeral. O capítulofinalfechao círculodediscussõessobrerealismo e magiaao focalizaro boom e o "realismomágico"latino- americanos.EnquantoGodard,em O desprezo,problematiza o realismoao trazerparaprimeiroplano,reflexivamente,a mecânicaformaldo ilusionismoe ao "esvaziar"a narrativa,a abordagem"realistamágica"interrogao realismoao caminhar na direçãooposta,ao tecerumaprofusãodelirantedecontos 40 improváveis.Seumaformade reflexividadeé "infra-realista", a'outraabordagempoderiaser chamadade "supra-realista". Após esquematizaro contextohistóricodo realismomágico, ofereçoumaanáliseaprofundadado precursorrelativamente desconhecidodo "realismomágico":Macunaima (1928), o brilhanteromancemodernistadeMáriodeAndrade- paramim, a "mãe"ignoradadetodososromancesdorealismomágico- e desua"tradução"cinematográficaigualmentenotável,feitapor JoaquimPedrode Andradeem 1968.Finalmente,discutoas adaptaçõesfílmicasbaseadasI}aobradeGabrielGarciaMárquez (Um.senhormuitovelhocomumasasasenormes,Erendira) ede AlejoCarpentier(Barroco). De maneirageral,A literatura atravésdo cinema oferece urnahistóriadatradiçãodoromancepormeiodesuasre-visões fílmicas,enfatizandoas complexasmudançasenergéticase sinergéticasenvolvidasna migraçãotrans-mídia.Ao invésde seguirumsómodelo,minhaabordagemanalíticaseráflexível, "adaptada"àsqualidadesespecíficasdecada filmee romance. Empregandosimultaneamentea teorialiterária,teoriamidiática e estudos(multi)culturais,adotareimúltiplasestruturas- uma espéciede cubismometodológico-, a fim de esclareceras relaçõesentreo romanceeofilmedeumamaneiraqueé,espero, rica,complexae multidimensional. l a
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