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Jamile de Oliveira Rocha Psicologia Médica – Bioética nas Questões da Vida e da Morte Considerações Gerais A bioética está vinculada a três princípios: beneficência, autonomia e justiça (trindade bioética); Eutanásia ativa: ação que causa ou acelera a morte; Eutanásia passiva: retiradas dos procedimentos que prolongam a vida. Esta modalidade não é considerada como eutanásia quando o quadro é irreversível, quando não há possibilidade de cura e quando o tratamento causa sofrimento adicional. Neste caso, a modalidade é denominada ortotanásia, ou seja, a morte na hora certa; Eutanásia voluntária: ação que causa morte quando há pedido explícito do paciente; Eutanásia involuntária: ação que leva a morte sem consentimento explícito do paciente. Neste caso não se deve chamar de eutanásia, e sim, de homicídio. Costuma ser realizada para atenuar o sofrimento da família e dos cuidadores. Suicídio: ação que o sujeito faz contra si próprio e que leva a morte; Suicídio assistido: quando o paciente pede ajuda para atingir a morte; é considerado ilegal; Suicídio passivo: deixar de fazer alguma ação para conseguir morrer, por exemplo, parar de usar medicamentos; Duplo efeito: quando uma ação de cuidados é executada, mas acaba levando, como efeito secundário, ao óbito; Testamento em vida, vontade em vida: o paciente deixa um documento registrado explicando ao que gostaria de ser ou não submetido caso não possa mais responder por si mesmo; Ladeira escorregadia: trata-se de uma zona de conflito e polêmica, na qual certa decisão pode trazer efeitos que não tinha se pensado anteriormente. Exemplo: a legalização da eutanásia pode colocar em risco de morte antecipada grupos vulneráveis; Poder durável de um advogado para cuidados de saúde: é o documento por meio do qual a pessoa nomeia outra pessoa para decidir sobre ações relacionadas à sua saúde, se, e quando ela própria tornar-se incapaz de fazer escolhas; Pedidos para morrer Entre os pacientes em estágios terminais de doenças os pedidos de morte estão relacionados a quadros depressivos, dores insuportáveis, abandono da família, consideram a vida insuportável, consideram-se uma sobrecarga para os familiares, sentem se solitários e impotentes diante da vida e da morte, possuem um sentimento de falta de controle, não recebem os cuidados necessários e tem sua dor subtratada; Nem todos os pedidos para morrer são considerados delirantes, irracionais ou vindos de um estado de profunda depressão. Eles devem ser avaliados caso a caso, não devem ser tratados de forma simples e, jamais devem receber respostas rápidas e impensadas; É necessário saber se a pessoa realmente quer morrer observando suas atitudes, pedidos e ações; Muitas pessoas não suportam mais viver, mas não se sentem livres para conversar com a família e médicos sobre o assunto; Existe maior tolerância da sociedade quando os pedidos de eutanásia são feitos por pacientes em estado terminal; Considera-se que 90% dos pedidos de eutanásia diminuiriam se os pacientes se sentissem menos sós e com menos dor; Muitos pacientes que pedem para morrer estão querendo atenção para o seu sofrimento e estão tentando se reafirmar como ser humano, que ainda está vivo; Para muitas pessoas o processo de morte carrega muita tensão, logo essas pessoas não conseguem morrer e pedem ajuda para soltar-se. Permitir-se morrer não é o mesmo que matar; O testamento em vida também é considerado uma forma de pedir para morrer. Este documento se torna um facilitador para saber que atitudes tomar com o paciente e também respeita o princípio da autonomia; A família muitas vezes pede pela morte do paciente pois não aguentam mais ver seu sofrimento, e com o tempo acabam se esgotando com os dias de vigília diante do leito; A equipe de saúde, geralmente, não sabe o que fazer com um pedido de morte e, acaba optando sempre pela vida; Eutanásia Só se pode falar em eutanásia se existir um pedido explícito do paciente, se não houver, trata-se de assassinato, mesmo quando há abrandamento pelo seu caráter piedoso; Na antiguidade o direito de morrer era reconhecido e permitido. Este direito foi perdido com a sacralização da vida, quando a vida passou a ser considerada dom de Deus; A eutanásia era permitida na antiguidade tanto para a eliminação dos imperfeitos, quanto para aliviar o sofrimento; Se o objetivo da medicina for tornar o processo de morte livre de dor e sofrimento, a eutanásia e o suicídio assistido podem ser vistos como mortes misericordiosas; No final do século XX começaram a existir novas técnicas para o prolongamento da vida, com isso alguns médicos começaram a defender a eutanásia beneficente, para acabar com o prolongamento de uma situação que não era mais vida; Um ponto polêmico é o da eutanásia involuntária, ou homicídio, no qual a sociedade busca dar fim a uma vida por motivos econômicos, disponibilidade de leitos e eugenia; Morte roubada: é o apressamento da morte sem que haja pedido explícito do paciente, porque não se aguenta ver o seu sofrimento; A dificuldade de ouvir e compartilhar o sofrimento pode apressar a morte, sem dar espaço para trocas e despedidas o que caracteriza a morte roubada; Os hospitais são os locais onde a morte roubada é mais praticada; O fim da ida é tão importante quanto o seu início e não deve ficar apenas a mercê de leis; Muitos pacientes pedem para ser acompanhados até o fim da vida, e que não sejam abandonados ou descartados. Enfatiza-se que deixar morrer não é o mesmo que matar; Argumentos contra a eutanásia: o Irrenunciabilidade da vida humana; o Considerações de ordem prática, como, por exemplo, mudança de ideia com o eventual surgimento de um tratamento; o Necessidade de discussão sobre a relatividade do que se entende sofrimento insuportável; o Considerações sobre a idoneidade moral e profissional do médico; A ideia de eutanásia passiva liga-se a obstinação terapêutica, em que se procura manter a vida, onde a morte já impera; A obstinação terapêutica muitas vezes vem acompanhada de grande sofrimento, tanto do paciente, quanto dos familiares, o que configura a distanásia (prolongamento natural do processo de morrer); Um grande erro é não distinguir a diferença de doença aguda, onde tudo dee ser feito, pois há possibilidade de vida, de doença terminal, onde a recuperação não é mais possível; Existem tratamentos nos quais a morte acaba sendo uma consequência secundária. Neste caso, não se buscava morrer e, sim tratar, porém a morte ocorreu secundariamente. Assim fala-se em eutanásia indireta. Argumentos a favor da legalização da eutanásia ( medos que justificam) o Sofrimento no momento de morrer: sufocamento, muita dor e tubos por todo o corpo; o Degeneração do corpo e eu os familiares os vejam assim; o Abandono e solidão na hora da morte; o Dependência para atividades cotidianas; o O não respeito ao desejo de morrer; Existe um movimento para o direito de morrer que está conquistando muitos adeptos, que procuram autonomia e o direito de decidir sobre a própria morte; Na Holanda, único país em que a eutanásia é legalizada, existe regras para que ela seja aceita e executada: 1. O paciente deve reafirmar o pedido várias vezes, ser adulto e mentalmente competente; 2. É necessário dois médicos para garantir a legitimidade do sofrimento e da irreversibilidade do quadro; 3. O paciente deve apresentar dor e sofrimento intoleráveis, tanto físico quanto psíquico; 4. O médico que está acompanhando o caso deve ouvir a opinião de outroprofissional que não esteja atendendo; A eutanásia traz a tona dois princípios que se chocam: por um lado, a autonomia do paciente que quer cuidar do seu processo de morte e, por outro lado, a sacralidade da vida, postuladas pelas principais religiões que consideram como transgressão a disposição sobre próprio corpo; A sedação é uma fronteira entre a eutanásia e um tratamento que busca o alívio de sintomas, portanto, favorece a qualidade de vida, mesmo que tenha como consequência a abreviação da vida; Criptotanásia: é uma eutanásia involuntária, já que não há pedido do paciente, e sim uma decisão secreta da equipe médica; Morte manejada e morte planejada: tra a ideia de eu se pode organizar a maneira como se quer morrer, enfatizando a autonomia; Eutanásia sob o ponto de vista religioso Budismo Não há uma divindade central; Cada pessoa deve escolher o seu caminho para chegar a iluminação; Considera a vida transitória e a morte inevitável, defendendo que deve seguir seu curso natural; A morte não deve ser prolongada indefinidamente quando não há solução, pois perturba os processos dos sobreviventes, mas, também não deve ser apressada; Considera o corpo e o espírito como uma unidade que continua após a morte; Remover órgãos e autópsias é proibido pois perturba a unidade corpo-espírito; O suicídio é condenado; É importante considerar o momento da morte e a maneira como vai ocorrer, sua dignidade; As drogas podem ser utilizadas desde que se tenha necessidade e, mesmo que possa matar o paciente; Na visão budista é um absurdo manter o paciente inconsciente, vivo, quando não há possibilidade de recuperação; O budismo valoriza muito a decisão pessoal sobre o tempo e a forma da morte; A vida não é divina e, sim, do homem, e há preocupação com a evolução da pessoa. Islamismo A vida humana é sagrada e tudo deve ser feito para protegê-la; O corpo não deve ser mutilado em vida ou após a morte; O suicídio é considerado como transgressão; Deus é a força suprema que governa o homem; O médico é um instrumento de Deus para salvar pessoas, não pode tirar a vida de ninguém, mesmo que seja por compaixão; Não deve prolongar a vida a todo custo, principalmente, quando a morte já tomou conta; Judaísmo A morte encefálica é o determinante do momento de morte para a maioria dos judeus. Entretanto, alguns judeus mais tradicionais só consideram a morte quando há parada cardíaca ou respiratória; A morte não deve ser apressada e o doente deve receber os cuidados que precisa; A decisão sobre a morte não cabe aos sujeitos e, sim, aos rabinos; Mesmo quando a cura não é possível não se deve deixar de cuidar, a pessoa não pode ficar sozinha quando estiver morrendo; O médico é um servo de Deus para cuidar da vida e não deve apressar a morte; O que deve ser preservado é a vida e não a agonia. Cristianismo A eutanásia é condenada como violação da lei de Deus, ofensa à dignidade humana e um crime contra a vida; Não se deve preservar a vida a todo o custo, proporcionando o prolongamento da agonia e do sofrimento; Não é considerada eutanásia a suspensão de um tratamento que não traz cura ou recuperação, e, causa muita dor e sofrimento; A eutanásia é uma transgressão; A vida não é só biológica, mas também biográfica, incluído: estilo de vida, crenças e opções. Eutanásia e a questão legal- mais algumas implicações Há grande pressão para a legalização da eutanásia, porém existe o medo de que seja praticada sem limites; A eutanásia é trazida a baila quando são cometidos abusos terapêuticos que tentam a todo o custo manter uma vida que está se finalizando; É importante escutar e acolher alguém que quer encerrar sua vida com dignidade; Existe o medo de que a morte seja apressada para pessoas excluídas: pobres, idosos, deficientes e psicóticos; O argumento principal para a legalização da eutanásia é o princípio da autonomia: as pessoas tem o direito moral de tomar decisões sobre a própria vida e a lei deveria respeitar esse direito; A ligação entre eutanásia e doença terminal não é obrigatória; primeiro, porque não é pensada somente para esses pacientes e, segundo, que pacientes terminais podem ter acesso a outros tipos de procedimentos; A legalização da eutanásia pode levar a erro, abuso e desgaste da relação médica; No Brasil, a eutanásia é considerada homicídio, independente da vontade do paciente; Para o direito brasileiro a morte finda com os direitos da pessoa, mas o paciente em estado terminal, mesmo que em agonia, mantem a personalidade jurídica, pois ainda vive; O código brasileiro é bastante humanitário quanto às questões da eutanásia, com ênfase na benignidade, o que se contrapões a ética mercantilista preocupada com a economia, que vê a medicina como um negócio como outro qualquer; No Brasil, a distanásia não é imputável, mesmo que cause muito sofrimento ao paciente, a não ser que o tratamento possa encurtar a vida. O médico é obrigado a prolongar a vida se essa for a vontade da família e do paciente; A ortotanásia não é considerada um ato ilícito quando os meios para prolongar a vida não promovem recuperação e provocam mais sofrimento. Ou seja, a conduta de desligar os aparelhos será lícita quando não significar o encurtamento da vida, obedecendo ao princípio da não maleficência. Definição do momento de morte e suas implicações A morte encefálica é, atualmente, a condição necessária e suficiente para atestar a morte, pois se trata de um estado sem retorno no processo de morrer, no qual a perda da integração do corpo é definitiva; A morte encefálica é a ausência total das funções cerebrais, coma irreversível, apneia, reflexos, responsividade, flacidez, dificuldade na regulação térmica; Antes de serem definidos os critérios médicos sobre a morte, as religiões e culturas tinham definições variadas; Muitas religiões ligam a morte ao não funcionamento de órgãos distintos, o que torna difícil a aceitação da morte encefálica como única definição; Do ponto de vista biológico a morte se inicia quando um órgão vital cessa seu funcionamento, e acaba quando todo o organismo se decompõe; A moral e a lei exigem que a morte seja tratada como um evento onde há impossibilidade de organização e integração das funções do corpo levando a um quadro irreversível, ou seja, há impossibilidade de regeneração; Existe diferença entre os termos morte encefálica e cerebral. Morte encefálica trata-se do fim da coordenação da vida vegetativa e de relação, enquanto, morte cerebral ou cortical trata-se do fim da vida de relação; Do ponto de vista psicossocial pode se falar em vários níveis de morte: físico, psicológico ou social, porém o conceito de morte deve ser único; Morte encefálica não é um conceito novo e, sim um critério. O encéfalo é um órgão primordial para a vida, que não pode ser substituído; por isso, não importa que outros sistemas continuem funcionando por meios artificiais, uma vez que, após a morte encefálica os outros órgãos param de funcionar após algumas horas; Não existem meios precisos para determinar a morte encefálica; No Brasil, a família precisa ser avisada sobre o diagnóstico antes do desligamento dos aparelhos e sobre a não reanimação; Não se deve apressar o diagnóstico de morte encefálica, mesmo que para fins de transplante; O conceito de morte encefálica afirma que o paciente está morto e não que está para morrer; Deve-se esclarecer melhor o conceito de morte encefálica para a população,para que esta se torne co-participante da discussão; Definindo melhor o conceito de morte encefálica o conceito de eutanásia passiva cai por terra. Suicídio assistido O que diferencia a eutanásia do suicídio assistido é quem realiza o ato; No caso da eutanásia o pedido é feito para que alguém realize um ato que leve a morte; No suicídio assistido o próprio paciente realiza o ato, porém precisa de ajuda para realiza-lo; O suicídio assistido é uma forma de morte planejada, como a possibilidade de se assumir tanto a vida quanto a própria morte com dignidade; Nos EUA o movimento do suicídio assistido tem grande força, pois neste país a autonomia e a individualidade são consideradas grandes valores. O número de mulheres que pedem por um suicídio assistido é maior. Acredita- se que seja porque as mulheres vivem mais e, portanto, sofrem mais com doenças crônicas e incapacitantes.; Um dos pontos mais temidos no processo de morrer é a incerteza sobre a morte, isto é, saber que a morte virá, mas não se saber como nem quando, sem controle ou planejamento. Assim, a eutanásia e o suicídio assistido podem surgir como forma de planejamento. Distanásia Distanásia é a manutenção de tratamentos invasivos em paciente sem eu haja a possibilidade de melhora ou recuperação; Distanásia é uma morte lenta, ansiosa e com muito sofrimento; Associada a distanásia surge a questão de tratamentos fúteis. São considerados tratamentos fúteis aqueles que não conseguem manter ou restaurar a vida, garantir o bem estar, trazer à consciência, aliviar o sofrimento; ao contrário, só trazem sofrimento adicional; Não existe uma determinação de quais são os tratamento fúteis e quais são os obrigatórios para salvar o paciente, o que existe são tratamentos proporcionais para cada caso; O avanço da medicina e da tecnologia proporciona o reforço da distanásia, pois de tenta “curar a morte” a todo o custo, negando-se a finitude humana; Às vezes os tratamentos fúteis são propostos, pois é difícil assistir a pessoa durante o processo de morte. Por exemplo, coloca-se o paciente em um respiradouro, pois é difícil ver sua dificuldade em respirar; Devemos lembrar que a medicina não tem como único objetivo manter índices fisiológicos, e sim cuidar da vida. Programas de cuidados paliativos – uma opção à eutanásia, ao suicídio assistido e à distanásia Pacientes que frequentam programas de cuidados paliativos tem grande chance de ter sua dor e sofrimento aliviados, o que proporciona melhoria da qualidade de vida; Os cuidados paliativos trazem um progresso no que concerne aos cuidados no fim da vida, restituindo o bem estar global e a dignidade do paciente enfermo, permitindo viver a própria morte, um respeito a autonomia e o não abandono à própria sorte; O movimento de cuidados paliativos propõe que a morte com dignidade é aquela sem sofrimento, nem rápida e nem demorada; Os programas de cuidados paliativos buscam amenizar os temores do processo de morrer como sofrer muito, ter dor insuportável, ver a degradação do corpo, ser dependente, sobrecarregar a família e deixar grandes ônus financeiros; Os programas de cuidados paliativos não propõem eutanásia; Um grande problema dos programas de cuidados paliativos é que os pacientes participantes são ultra selecionados, não permitindo que todos tenham acesso a esses cuidados; É um programa ideal para paciente com câncer avançado, porém pacientes com AIDS e idosos podem não receber, pois há uma dificuldade de se cuidar dos seus múltiplos sintomas ficando mais difícil alcançar certa qualidade de vida;
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